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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO - CAMPUS NILÓPOLIS CURSO BACHARELADO EM PRODUÇÃO CULTURAL DULCE DE BARROS GASPAR UNINDO PONTAS: CIÊNCIA, CULTURA E ARTE – UM ESTUDO EM INSTITUIÇÕES DE SAÚDE MENTAL DO RIO DE JANEIRO IFRJ – CAMPUS NILOPÓLIS 2016 DULCE DE BARROS GASPAR UNINDO PONTAS: CIÊNCIA, CULTURA E ARTE – UM ESTUDO EM INSTITUIÇÕES DE SAÚDE MENTAL DO RIO DE JANEIRO Trabalho de Conclusão de Curso, como requisito parcial para a obtenção do grau em Bacharela em Produção Cultural do curso correspondente ofertado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro Campus Nilópolis. Orientadora: Professora Doutora Maylta Brandão dos Anjos. IFRJ – CAMPUS NILÓPOLIS 2º SEMESTRE/2015 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO - CAMPUS NILÓPOLIS DULCE DE BARROS GASPAR UNINDO PONTAS: CIÊNCIA, CULTURA E ARTE – UM ESTUDO EM INSTITUIÇÕES DE SAÚDE MENTAL DO RIO DE JANEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharel em Produção Cultural do Instituto Federal Rio de Janeiro – Nilópolis, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Produção Cultural. Aprovado em______de________________2016. Conceito:________________ ( ______________________) BANCA EXAMINADORA _________________________________ Orientadora Profa. Dra Maylta Brandão dos Anjos - IFRJ _________________________________ Profa. Ms. Gabriela Ventura - IFRJ ____________________________________ Profa. Esp. Suéle Maria Lima - IFRJ ________________________________ Suplente Profa. Ms. Beatriz Meirelles PUC – RIO AGRADECIMENTOS A Deus, com seu plano de amor, Senhor da minha vida, que pelo seu amor me sustentou para realização dessa pesquisa. À minha orientadora Professora Maylta Brandão dos Anjos. Um anjo que Deus na sua infinita sabedoria e bondade me presenteou com sua paciência, carinho e grandes ensinamentos me auxiliando em todas fases dessa nova descoberta, minha mestra sempre. À minha família, razão da minha existência. Em especial, à minha mãe Mirian, meus filhos Anderson e Thiago, pelo apoio necessário nas horas incertas. À Beatriz, minha Bia, que foi paciente com meus medos. Ao meu irmão Washington sem o qual a pesquisa de campo seria mais complicada. À Adriel e Sandra, que estiveram presentes com palavras de conforto espiritual. Aos meus Professores do IFRJ, que através de seus ensinamentos me levaram ao mundo novo de conhecimentos. Em especial Marcos Aurélio Passos Louzada e Fernanda Delvalhas Piccolo, por seus abraços nos momentos necessários. A Suéle Maria de Lima pelo cuidado, sempre! Aos meus amigos do IFRJ com destaque para Cláudia Pinho (minha companheira de todas as horas), Marcia Tranhaque, Maria José (Graça), Ester Antunes, Laura Gomes, Alcineide Lopes, Anderson Matos, Alessandro Almado, Virginia Lys, Ruth Maciel, Jocélia Chagas, Julianas, Águida, Pâmella, Carlos, Geysa Passos, Márcio Salles, Gleice Queli, Vicentinho, Jefter Paulo, Amnon, Alexandre, Tadeu Elvis e Hugo. Em especial Neli Almeida e Rafael Almada. À toda equipe do CAPS Lima Barreto e do Hotel da LouCura.. A todos que de forma direta ou indireta, fizeram parte dessa trajetória. “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12:2 https://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/12/2+ RESUMO Este trabalho apresenta um estudo cujas temáticas ciência, cultura e artes se unem em experimentos artísticos, científicos e culturais como promotores da saúde mental. O cenário consiste no Instituto Municipal de Saúde Mental Nise da Silveira, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Analisa-se como a arte pode amenizar os efeitos das doenças emocionais. O intuito é de buscar entre os temas trabalhados as pontas que constituem possibilidades de união para o processo da melhor constituição dos sujeitos. Tem seu aporte mais forte na práxis de Nise da Silveira, que estudou o uso das artes como terapia, acreditando ser o afeto um dos caminhos para cura e maior ressignificação dos sujeitos institucionalizados. Assumimos a metodologia da pesquisa participante como procedimento realizado por meio de uma integração entre os diversos tipos de clientes do grupo que realiza oficinas, utilizando experimentos artísticos e científicos, mantendo um diálogo e envolvendo todos participantes como sujeito do conhecimento. A abordagem do tratamento da pesquisa foi qualitativa e buscou em fontes diretas a atribuição de significados das visões dos entrevistados com questões abertas nas oficinas. As falas colhidas foram interpretadas tendo por base informações teóricas que nos levou a reconhecer a união, nada sutil, que existe entre a ciência, como dimensão da descoberta sistematizada acerca do tratamento especificado da mente; da cultura, como modo de ação, de fazer e de possibilidades de libertação e consolidação de uma prática autônoma; da arte como expressão de novas percepções e emoções, trazendo para o campo da cultura novas imagens, músicas, danças e significados de beleza que nascem da condição dos clientes da instituição nos seus valores estéticos. Assim, a ciência, a cultura e a arte, formam novas habilidades que perfazem a busca de outra condição social dos clientes numa vida que o recomponha como sujeito de intensa criatividade, afeto e alegria, que ameniza as dores, emocionais ao mesmo tempo em que promove uma melhor comunicação na sociedade. Palavras-chave: Ciência; Cultura; Arte; Sociedade; Saúde Mental. ABSTRACT This paper presents a study whose theme science, culture and art come together in artistic, cultural and scientific experiments as mental health promoters. The scenario consists of the Municipal Institute of Mental Health Nise da Silveira, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. it looks at how art can mitigate the effects of emotional illnesses. The aim is to seek among the themes discussed tips that are union of possibilities for the process in the best constitution of subjects. It has its strongest contribution in practice Nise da Silveira, who has studied the use of the arts as therapy, believing it to be the affection of the paths to healing and increased redefinition of institutionalized subjects. We assume the methodology of participatory research as a procedure performed through an integration between the various types of group of customers who conducts workshops using artistic and scientific experiments, maintaining a dialogue and involving all participants as a subject of knowledge. The treatment approach of the research was qualitative and sought to direct sources assigning meanings of the views of respondents with open questions in the workshops. The collected speeches were interpreted based on theoretical information that led us to recognize the union, unsubtle, that exists between science and size of the systematic discovery to the specified treatment of the mind; culture, such as mode of action, of doing and possibilities of liberation and consolidation of an autonomous practice; Art as an expression of new perceptions and emotions, bringing to the field of culture new images, songs, dances and beauty meanings that arise from the condition of the Bank's customers in their aesthetic values. Thus, science, culture and art, form new skills that make up the pursuit of other social condition of customers in life that recompose as the subject of intense creativity, affection and joy, which eases the pain, emotional at the same time promotesbetter communication in society. Keywords: Science; Culture; Art; Society; Mental Health. LISTA DE SIGLAS CAPS: Centro de Atenção Psicossocial CPN; Centro Psiquiátrico Nacional HL: Hotel da Loucura IMSMNS: Instituto Municipal de Saúde Mental Nise da Silveira MII: Museu de Imagem do Inconsciente NCC-SMSRJ: Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro RJ: Rio de Janeiro UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura LISTA DE FIGURAS Figura 01:. ................................................................................................................. 22 Figura 02: .................................................................................................................. 22 Figura 03:. ................................................................................................................. 54 Figura 04:. ................................................................................................................. 55 Figura 05: .................................................................................................................. 55 Figura 06 ................................................................................................................. 56 Figura 07 ................................................................................................................ 56 Figura 08 ................................................................................................................. 58 Figura 09 ................................................................................................................. 58 SUMÁRIO Capítulo 1 – Introdução...............................................................................................................13 Capítulo 2 – Metodologia: Um Caminho De Registro, Análise e Propositiva ............................................................................................................. 17 Capítulo 3 - Breves Conceitos Acerca Da Ciência, Da Cultura E Da Arte ............................. 25 3.1 - Ciência na sua base ......................................................................................... 25 3.1.1 - A poesia e a ciência: um veículo da arte ...................................................... 27 3.2 - Enunciado sobre cultura .................................................................................. 28 3.3 - Arte e cultura .................................................................................................... 33 Capítulo 4 – Abordando As Artes Cênicas No Tratamento Psiquiátrico – A Saúde Como Elemento De Liberdade .......................................................................................... 38 4.1 - Artes cênicas e tratamento psiquiátrico: um encontro entre Boal e Nise ...................................................................................................................... 38 4.2 - Arte, tratamento, inconsciente, saúde e loucura: um passeio em Nise ...................... 41 4.3 - O interno, o cliente e o hóspede: o que fala a literatura ................................... 43 Capítulo 5 - O Cenário E Sua História: O Hotel Da Loucura Em Foco ................ 48 5.1 - Arte e poesia no cenário da LouCura ............................................................... 50 5.2 - Da palavra escrita, à poesia. Da palavra interpretada, ao teatro ..................... 51 Capítulo 6 - A Pesquisa E Sua Análise .................................................................. 54 6.1 - A entrada no cenário: primeiras impressões e novas visitas ............................ 54 6.2 - As falas, a loucura e o encantamento pela análise da pesquisa ..................... 62 6.2.1 - A fala do sujeito 1 .......................................................................................... 63 6.2.2 - Breve análise da fala do sujeito 1 ................................................................. 67 6.3.1 - Falas do sujeito 2 ......................................................................................... 69 6.3.2 - Breve análise da fala do sujeito 2 ................................................................. 71 7-Considerações Finais .......................................................................................... 74 Referências Bibliográficas ..................................................................................... 78 Anexos ..................................................................................................................... 82 Nada tenho. Nada me pode ser tirado. Eu sou o ex-estranho, o que veio sem ser chamado e, gato se foi sem fazer nenhum ruído. Paulo Leminski http://pensador.uol.com.br/autor/paulo_leminski/ 13 INTRODUÇÃO Este trabalho, para além de uma escrita acadêmica, cumpre um enlevo de trazer em análise e pesquisa um projeto que trabalha com temáticas caras e constitutivas do humano e, entre tantos experimentos artísticos e científicos faz um destaque para o que acontece no Teatro de DioNises desde 2011 às quartas-feiras na Praça de Arpoador. Este Teatro influiu e redundou para que em 2012 acontecesse a fundação do Hotel da LouCura (HL) no Instituto Municipal de Saúde Mental Nise da Silveira IMNS, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Nesse espaço, hoje, se destaca o uso das artes cênicas. Nas oficinas de teatro o objetivo maior é amenizar as dores das doenças emocionais e ao mesmo tempo promover uma melhor comunicação entre o psicótico e a terapia. O intuito desse trabalho é investigar como se dá a articulação entre a ciência, cultura e arte como uma porta que se abre ao mundo do cliente ou hóspede do HL, conferindo a ele, cliente, maior possibilidade de colocação como sujeito de ação no mundo. Não poderia deixar de registrar que essa história iniciou em 1946, no Hospital Psiquiátrico Pedro II, Engenho de Dentro, quando Nise da Silveira, a psiquiatra, escritora, pensadora, cientista e acima de tudo pioneira na luta antimanicomial, abriu um espaço de pinturas para experimentos em busca de uma comunicação não verbal com os pacientes. Nise estudou o uso das artes como terapia, acreditando que o afeto era um dos caminhos para cura das doenças emocionais. Os ensinamentos de Nise são adotados no Hotel da LouCura, onde todas as semanas se realizam oficinas e os clientes são convidados, de forma livre e afetiva a participar. Todos os participantes destas oficinas assumem um trabalho em que são considerados iguais, sejam médicos, técnicos, visitantes ou pacientes. Não há distinção e ou hierarquização entre os que ali estão. Há cinco anos o médico com formação em imunologia, ator, pesquisador cultural, fundador e Coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - NCC-SMSRJ, Vitor Pordeus, junto a diversos agentes culturais, aplicam entre outras oficinas a oficina do teatro, onde exploram o 14 uso das artes cênicas como instrumento de organização coletiva. Segundo Pordeus “o objetivo final é promover a extinção de todos os manicômios e, o Instituto Nise se transformaria em uma Universidade Popular, com cursos abertos para sociedade.” (Revista Galileu.globo.com) A partir da definição do tema temos como objetivo geral da pesquisa verificar de que maneira os efeitos das artes podem contribuir no Hotel da LouCura para promover uma melhor comunicação entre o cliente e a terapia da expressão artístico cultural.Os objetivos específicos são: avaliar como as artes cênicas podem unir ciência, cultura e arte; observar os ensaios artísticos que acontecem no intuito de amenizar as doenças emocionais. Nossa justificativa se faz presente a partir da crença de que trabalhar com uma pesquisa que envolve temáticas estimulantes desperta olhar representativo sobre um grupo social. Pesquisar assuntos diferenciados nos leva a pensar e conhecer o estado da arte de propostas que rompam com o tratamento segregador a quem possui baixa estabilidade emocional e cognitiva, tornando esse estudo desafiador por si só. A Produção Cultural é vista por muitos como o ato de realizar eventos culturais e ponto final. Entretanto ao decorrer do curso deparamos com inúmeras possibilidades. O Produtor Cultural precisa estar articulado entre outras coisas com a ciência, saúde e arte, este foi um dos motivos pessoal que levou a escolha do tema. Como afirma Sarkovas, em entrevista no estúdio Cine e Vídeo ( 2010): “ Hoje, felizmente, tem um processo de profissionalização não artística na área cultural brasileira. Um bom gestor cultural tem uma capacidade de ampliar a efetividade da ação cultural.” Sendo um projeto que busca demonstrar a sensibilidade do encontro da arte, da ciência e da cultura, em um espaço alternativo, que trabalha com vidas e que tem no “afeto” um elemento referencial na melhora da autoestima dos portadores de doenças emocionais, essa pesquisa se traduz na lógica das humanidades. De acordo com Gullar (Folha de São Paulo 27/02/2005) 15 ... o elemento fundamental das realizações e das concepções de Nise da Silveira era o afeto, o afeto pelo outro. Foi por não suportar o sofrimento imposto aos pacientes pelos choques que ela buscou e inventou outro caminho, no qual, em vez de ser vítima da truculência médica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam. Diante de limitações, devemos pensar em Nise como a “psiquiatra rebelde“. Segundo Ferreira Gullar, Nise foi uma mulher bem a frente de seu tempo, sem deixar de ser sensível. Por isso, com sua sensibilidade sempre pronta para entendimento e doação ao outro, Nise introduz o mundo da cultura à arte perpassando pelo afeto e pelo mundo científico. Essa pesquisa se justifica na máxima de que “cuidar do outro é cuidar de mim”. E Nise sabia bem disso, cuidando do outro, deu a si o melhor dos presentes, a consciência formadora dos melhores valores e correspondência de suas boas ações e construções. Esta pesquisa, de forma despretensiosa pretende, para além do cumprimento de um trabalho de formação acadêmica, ser um registro e voz para aqueles que estigmatizados em sua condição, buscam a liberdade e o espaço de ser e de criar no sentido do reconhecimento de serem sujeitos, pessoas, seres pensantes que expressam sua arte e cultura, chancelados pela ciência, que se faz meta de estudos permanentes, refinando a dimensão humana e suas emoções dentro desse contexto; estabelecendo um elo interdisciplinar ao campo das vivências humanas. As relações produtivas que nascem do campo da ciência, da cultura e da arte redundam dos trabalhos com as dimensões emocionais que reposicionam os hóspedes do HL tornando-os inseridos na sociedade. Este trabalho foi estruturado em capítulos em que traçamos o caminho metodológico, apresentamos breves conceitos acerca da ciência, da cultura e da arte, baseado em diversos autores e abordamos as artes cênicas. Realizamos, também, um breve histórico sobre o cenário Hotel da LouCura com uma análise sobre seus experimentos artísticos e científicos. Analisamos as falas acontecidas no campo da pesquisa. E, por último trazemos as considerações finais como resposta final às inquietações apresentada. 16 Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina 17 CAPÍTULO 2 METODOLOGIA: UM CAMINHO DE REGISTRO, ANÁLISE E PROPOSITIVAS. A metodologia como um caminho de registro, análise e propositivas, nos traz a firmeza conceitual da ciência que é vista como possibilidades que se usam para o desenvolvimento de conhecimento, do saber especificado, apropriado, testado e experimentado. Essa ciência nascida da metodologia alimentará a prática médica e a prática do tratamento psicanalítico nas suas dimensões emocionais. Observando esses fatos no Hotel da LouCura, inferimos que a ciência e os novos arranjos que acontecem nos espaços do tratamento das emoções alimentam a prática médica, estabelecendo um elo interdisciplinar ao campo das vivências humanas. Portanto, essa pesquisa trata de questões que são oriundas da fundação do “Museu de Imagem do Inconsciente”, que surgiu a partir de trabalhos realizado em atelier da “Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional, sob a direção da psiquiatra Nise da Silveira desde 1946”. Nesse trabalho, a autora nos chama atenção para construção de uma transformação social com o uso da arte e da ciência “no Brasil na primeira metade do século XX que possibilitou que a ideia do inconsciente manifestado nas expressões artísticas fosse incorporada tanto no meio artístico quanto no científico”. Tal fato levou a uma transformação iniciada por Nise em uma época onde tratamentos aplicados às “doenças mentais eram hegemônicos” não havia interesse para desenvolver uma prática artística no auxilio ao tratamento psiquiátrico. Portanto, a arte ocupou o lugar, primeiramente destinado à ciência, de incentivar e respaldar a expressão artística dos alienados de Engenho de Dentro. Para empregar um método, um caminho metodológico que refinasse e chancelasse a nossa análise, fomos a campo, e sabendo que estamos no mundo de relações humanas cada vez mais complexificadas, fomos consolidadas e aportadas numa metodologia que desse conta de nossas ansiedades e refinasse e sofisticasse 18 os nossos olhares para as cenas. Nessas, as várias dimensões foram experimentadas com as emoções devidas aos pesquisadores. Pelo percurso metodológico frisamos aqui que as relações de pesquisa são ressignificadas e reposicionam os sujeitos que estão inseridos no campo de análise. O cenário estudado é o Hotel da LouCura. Cenário que antes era uma antiga enfermaria abandonada no terceiro andar do Instituto Nise da Silveira e se converteu num espaço de arte e cultura em que não se prescinde do conhecimento da ciência, muito antes o fortifica alimentando novas práticas que reconceituarão novos fazeres, regulamentando práticas mais humanizadas. É nesse cenário que todos os “hóspedes” são benvindos na convivência entre artistas, pesquisadores e médicos que ali também se “hospedam” para conviver com os hóspedes internos, ainda internados por problemas psiquiátricos e emocionais. O HL possui alguns quartos com beliches que abrigam cerca de 30 hóspedes, possui salas para reuniões, ateliê e biblioteca. As paredes são ornadas por poesias, pensamentos, desenhos, grafites, pôsteres e frases. São realizadas oficinas terapêuticas, organizadas em reuniões dos agentes culturais, toda a semana na perspectiva de fazer com que cada hóspede se sinta e seja efetivamente parte da sociedade, rompendo os estigmas, preconceitos e ignorâncias acerca da condição desses sujeitos que, pela via de suas novas relações com o outro, com a arte, com a cultura, com a ciência e o mundo diminuam a sua relação de dependência e prisão emocional. Vimos que por meio de uma metodologia do afeto, esses nas suas funções artísticas e culturais realizavam um trabalho que os apropriavam e os faziam estar inseridos na sociedade por via das suas percepções, visões de mundo colocadas nas inscrições das artes cênicas. Assim, colocamos às claras o local deestudo para a conquista de uma melhor saúde mental. Para o desenvolvimento deste estudo foi necessária uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, documentos eletrônicos, entre outros na busca de conhecimentos sobre doenças emocionais, conceitos e histórico da ciência, cultura e arte além do uso das artes cênicas como experimento artístico e científico. 19 Assim, a metodologia, nos proporcionou por meio da participação o mais estreito entendimento da necessidade de diminuição da medicalização por via da ciência e da arte. Por isso, assumimos a metodologia da pesquisa participante. A explicativa, por sua vez, é a de que esse método identifica os fatores que colocam determinado fenômeno da realidade social aprofundando o conhecimento da realidade, da situação e do momento, explicando o porquê das coisas, explica os fatos de forma acadêmica. Estuda um cenário problema e através do experimento de tentativa e erro, identifica e explica o que contribuiu para a ocorrência do fenômeno. Entendemos a pesquisa participante investida nessa narrativa como um procedimento importante que apresenta a dimensão humana e a interlocução entre elas ao correr da análise de forma mais consubstanciada. De acordo com Gil (2002 p.55) “a pesquisa participante, assim como a pesquisa-ação, caracteriza-se pela interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas”. Assim continua Gil: A pesquisa participante, por sua vez, envolve a distinção entre ciência popular e ciência dominante. Esta última tende a ser vista como uma atividade que privilegia a manutenção do sistema vigente e a primeira como o próprio conhecimento derivado do senso comum, que permitiu ao homem criar, trabalhar e interpretar a realidade, sobretudo a partir dos recursos que a natureza lhe oferece. (2002 p.56). Desta forma, a pesquisa participante foi realizada através da integração entre os diversos tipos de clientes que forma o grupo que realiza atividades em conjunto, mantendo um diálogo que envolveu os participantes como sujeito do conhecimento. A abordagem do tratamento da coleta de dados da pesquisa foi qualitativa e buscou uma fonte direta para atribuição de significados. Foram dois entrevistados, funcionários do Hospital que abriga o HL e que possuem relação com ele. As questões foram abertas e tentaram captar a percepção que os sujeitos da pesquisa tiveram em decorrência dos temas da pesquisa. Como afirma Brandão, buscamos trabalhar na perspectiva de que: 20 A pesquisa deve ser um ato criativo e não um ato de consumo. A descoberta coletiva da vida através da fala; do mundo através da palavra não deve servir apenas para que os educadores obtenham um primeiro fotos. Deve servir também para criar um momento comum de descoberta (BRANDÃO,1981.p.14). O problema foi direcionando a pesquisa para as áreas de ciência, cultura e arte e ainda como pesquisa participante sendo esta com análise geral sobre as opiniões dos sujeitos com vistas, também, aos experimentos artísticos e científicos. O interesse pelo tema aconteceu a partir da experiência dentro deste universo. Em 2013, como bolsista - estagiária nas oficinas de música no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial - Lima Barreto em Bangu- RJ, que é um serviço público de saúde mental. Dentro da Reforma Psiquiátrica, que visa cuidar das pessoas em sofrimentos psíquico, fora do hospício, ou seja na convivência da família e em sociedade. Onde, tive a oportunidade única, de fazer parte da produção do Show “Juntos e Misturados”. Participando das reuniões de produção, para elaboração do projeto e roteiro das apresentações. Executado contatos em busca de parcerias , obtendo a cessão do espaço, para ensaios semanais e apresentação, confirmação de participações de nomes com expressões no cenário artístico brasileiro. Um show de variedades com teatro dança e música, cujos ensaios foram realizados no local da apresentação: a “Praça do Conhecimento” que aceitou fazer uma parceria e seus funcionários prestaram uma atenção toda especial ao grupo. Os preparativos se tornaram uma verdadeira produção cultural movida pelo amor, cujo objetivo foi á inserção das pessoas portadores de transtorno mental nos espaços sociais, culturais promovendo a cidadania e ressocialização onde todos participaram: os funcionários, os bolsistas, os familiares e os personagens principais desse show, os usuários. O trabalho foi realizado com administração, gestão, e cuidado que era revelado a cada etapa executada. Os usuários cantando e encenando, grupos e duplas formados por familiares, técnicos e bolsistas. A voz da princesa Fiona oficializava o inicio do show, com a presença da atriz Fernanda Crispim, dubladora oficial da personagem, seguida da 21 apresentação da “Boneca de Piche”. O teatro não podia faltar com o cara da Lapa, revelando como atores três usuários da oficina, outra parte teatral ficou por conta das garçonetes, a interpretação nesta vez ficou por conta de familiares e estagiarias. Homenagem ao “velho guerreiro Chacrinha” com direito a chacretes, bacalhau, Luiz Gonzaga – Rei do Baião com o “ Xote das Meninas” e “Domingos e CIA“, banda musical, composta por usuários e familiares, que acompanhou as atrações do evento. Finalizando o show um grupo convidado: ”Loucura Suburbana” ao som da musica: “Loucos Somos Todos Nós”. Valem registrar um acréscimo significativo no grupo de música dos usuários, assim chamados os pacientes, na oficina de música. Transformamo-nos em atores, diretores, produtores, figurinistas, coreógrafos, roteiristas, contras-regra e apresentadores para realização deste show. Maravilhoso, magnífico é pouco para expressar a alegria de poder participar da produção de um show de variedades, mas, acima de tudo de um show de valor à vida, onde juntos e misturados nos emocionamos, nos conhecemos e realizamos um show onde todos eram simplesmente seres humanos. 22 Folder do Show: Juntos e Misturados Figura 01 Folder/Frente Figura 02 / Folder/verso 23 Por fim, a metodologia empregada se consubstancia numa ciência que aqui é vista como processo e possibilidades que se use fortaleça o desenvolvimento do conhecimento, do saber especificado, apropriado, testado, experimentado. É importante perceber que a ciência nascida da metodologia alimentará a prática médica e a prática do tratamento psicanalítico nas suas dimensões emocionais. Assim, a ciência e os novos arranjos que acontecem nos espaços do tratamento das emoções alimentam a prática médica, estabelecendo um elo interdisciplinar ao campo das vivências humanas. Como estamos no mundo de ciência e dinamicidade dela, as relações produtivas estabelecidas nas instituições são ressignificadas e reposicionam os sujeitos que estão inseridos no campo vivencial. Os hóspedes do HL tem nas suas funções artísticas e culturais o trabalho que os apropriam e os fazem estar inseridos na sociedade. A metodologia, sobretudo as que se pretendem participativa e/ou participante, pode, por meio do registro e da participação, auxiliar no pensamento que constitui maior capacidade do agir dos sujeitos da pesquisa com autonomia, como sujeito livre capaz de escolher seus próprios fins. Pessoas morais livres, porque as escolhas significam que somos sujeitos soberanos e livres, ação forte e inspiradora nessa máxima de tratamento que tem a tríade ciência cultura e arte como laços que vão formar as novas identidades sociais dos hóspedes do HL. 24 Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor, eu sinto-mevários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. Fernando Pessoa http://pensador.uol.com.br/autor/fernando_pessoa/ 25 CAPÍTULO 3 BREVES CONCEITOS ACERCA DA CIÊNCIA, DA CULTURA E DA ARTE. 3.1. Ciência na sua base Um dos conceitos considerado mais abrangente da ciência é o de Ander-Egg (1978. p.15), em que diz que “A ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente, sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza”. Fala, ainda, da relação entre ciência e conhecimentos que pode ser de forma ampla ou uma maneira mais particular. Como é sabido, desde o começo dos tempos, o homem busca interpretar o mundo e busca explicação dos acontecimentos do seu dia á dia, onde o conhecimento é adquirido através de estudos que juntos a métodos, traz interpretações e possíveis resultados. Por via do empírico e dos experimentos nasce o que conhecemos por ciência De acordo com Trujillo, (1974). ( Aput, MARCONI e LAKATOS, 1991.p.80 ): “A ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento, com objetivo limitado, capaz de ser submetido à verificação”. A ciência pode se considerada como fruto de uma metodologia que trata de estudar os fenômenos que há entre o céu e a terra. De uma forma mais ampla e por muito tempo a ciência também expressa à necessidade da resposta de um problema que possui sua hipótese e método de análise reconhecidos. Há também uma argumentativa de que ao tentar entender o sentido do mundo estamos fazendo ciência. Desde a antiguidade, quando a ciência era conhecida como filosofia natural o método empírico era a primeira base. O que se produzia como 26 ciência na Idade Média era limitado às investigações da Igreja Católica, onde o conhecimento era produzido por meio da filosofia. No Renascimento, a revolução científica trouxe novas ideias e modificações dos conceitos sobre a Natureza, o Homem e o Universo. Na Ciência Moderna se considerava como ciência o que era traduzido em racionalismo, por via dos experimentos, ou seja, quantificável como científico, tendo o método próprio para chegar a uma realidade absoluta. Esta visão racional provocou o isolamento dos grandes cientistas em laboratórios na busca de respostas exatas. Analisando o Universo como uma máquina, em comparação ao funcionamento dos relógios a ciência moderna prosseguiu. Mas, quando teve seus conceitos submetidos à prova, não resistiram. Chegamos assim a uma crise, que a partir de Albert Einstein, cria-se e fortalecesse nova teoria. Nessa nega-se, assim, a existência de tempo e espaço absolutos. Em resposta a esta crise surge um novo movimento científico, que passa a utilizar diversos métodos para o estudo de fenômenos, já não considerando a separação do objeto e do sujeito, passando a pensar que o objeto é uma continuidade do sujeito, admitindo-se que não existem verdades absolutas, onde podemos considerar as incertezas como um elemento de entendimento para o estudo do mundo. Chegamos a uma Ciência contemporânea ou Nova Ciência que, segundo Santos (1988), configura-se numa ciência pós-moderna. Assim, A ciência pós-moderna é uma ciência assumidamente analógica que conhece o que conhece pior através do que conhece melhor. Já mencionei a analogia textual e julgo que tanto a analogia lúdica como a analogia dramática, como ainda a analogia biográfica, figurarão entre as categorias matriciais do paradigma emergente: o mundo, que hoje é natural ou social e amanhã será ambos, visto como um texto, como um jogo, como um palco ou ainda como autobiografia. (p. 46) O autor nos faz refletir a respeito da identidade da ciência moderna que dá oportunidades de experimentos. Assim como foi possível descobrir as ciências naturais seria possível descobrir as ciências sociais como uma forma de ampliar as ciências naturais. De tal modo, continua Santos (1988, p.46), “Jogo, palco, texto ou 27 biografia, o mundo é comunicação e por isso a lógica existencial da ciência pós- moderna promover a situação comunicativa". Temos nas analogias uma forma de codificação na qual se tem questionado, experimentado, descoberto, para que a humanidade entenda melhor o mundo em que vive sobre pontos de vista diferentes, vivendo uma época criativa e produtiva em busca de soluções para problemas propostos. Sendo, a ciência elemento de descoberta e reposição dos sujeitos no mundo. É campo de dinamicidade, mudança e de novas configuração. Por isso não é estanque, imutável e reta. Necessita, assim, de vários veículos para que se mantenha no campo da constante transformação humana. A poesia pode ser um dos seus veículos na transcrição da arte. 3.1.1 A poesia e a ciência: um veículo da arte Moreira (2002.p.17) assinala que: “Ciência e poesia pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor.” Só que a ciência faz essa busca através de métodos científicos com seu conjunto de regras produzindo conhecimentos, a poesia pelo contrário. Seu lado é onde o poeta faz uso de um método próprio que o incentiva a falar de seu mundo para o mundo, que não lhe dá a lógica das certezas ou refutações, mas um constante caminhar nas dúvidas. Segue Moreira: A visão poética cresce da intuição criativa, da experiência humana singular e do conhecimento do poeta. A Ciência gira em torno do fazer concreto, da construção de imagens comuns, da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento coletivo sobre o mundo circundante. (2002.p.17). Poesia faz parte do mundo da emoção, a ciência do mundo da razão. Temos na poesia a forma de relatar momentos íntimos, momentos singulares de experiência poética que libertam com o uso das palavras e das construções das ideias. Sendo estas as matérias primas dos poetas, mesmo quando rompem com as normas da gramática, porém com estética que a obra exige. No texto científico, a preocupação fica por conta da forma tradicional da gramática sem efeito emocional. Mas, tanto a 28 poesia, quanto a ciência, inicia com o pensamento, promovendo ao homem asas para voar. Pelo meio da poesia as raízes para o conhecimento são formadas. Poesia para demonstrar sonhos, ciência para estudar a realizações dos sonhos. Em Moreira: “As aproximações entre Ciência e poesia revelam-se, no entanto, muito ricas, se olhadas dentro de um mesmo sentimento do mundo.” É esse sentimento de curiosidade e intensidade que envolve as duas na singular necessidade de descobertas e pronunciamentos da escrita. 3.2. Enunciado sobre cultura Começo este conceito com uma definição de cultura, no entanto há um leque de opções, tornando uma definição exata de cultura como algo difícil a se concluir, a se fazer e colocando o tema sempre num campo grande de visões. A origem da palavra Cultura segundo o que Bosi (1992), vem do latim, da palavra colo e significa cultivar no sentido de agricultura “cultura do campo”, é um termo que nos leva a pensar em futuro, algo que estar por acontecer. Essa ideia caminhou até que outro fenômeno urbano aconteceu. Nesse, não poderíamos deixar de lembrarmos a importância da cultura grega para o desenvolvimento cultural. Os gregos usavam a palavra “Paideia” para definir conhecimentos, os romanos por sua vez não queriam usar este termo por ser uma palavra estrangeira. Assim traduziu por cultura, ampliando o significado de material para intelectual. Partindo da consideração de cultura como o que é culto, encontramos as artes, os conhecimentos, os costumes, as aptidões, os hábitos, a moral e as leis, ou seja, consideramos o que a esses pontos está ligado e faz parte da formaçãode uma sociedade. Cada lugar tem sua própria cultura que sofre influência em vários fatores. Estando a Cultura, em constante desenvolvimento, com influências de novos 29 pensamentos de acordo com o desenvolvimento do ser humano dentro da sociedade, trazemos em autores alguns conceitos de cultura. De acordo com Brandão: ... cultura é e está, portanto, nos fatos através dos quais nos apropriamos do mundo natural e o transformamos em um mundo humano, assim como nos gestos e nos feitos com que nós criamos a nós próprios ao passarmos de organismos biológicos a sujeitos sociais, ao criamos socialmente nossos próprios mundos e ao dotá-los e a nós próprios-nossos diversos seres, nossas múltiplas vidas e nossos infinitos destinos... (2009, p.718). Para Brandão, o ser humano precisa criar e recriar o mundo, transformando-o. Desta forma do mundo da natureza para um mundo cultural há análises diferenciadas e trabalhos diversificados. Cultura é criação, o homem não só vive somente da cultura herdada, com o que apreende com seus antepassados, mas, sobretudo porque é também um ser criativo. Laraia (2001, p.30), quando fala a respeito do desenvolvimento da cultura afirma que “A cultura desenvolveu-se, pois, simultaneamente com o próprio equipamento biológico e é, por isso mesmo, compreendida como uma das características da espécie”. Nem sempre temos certeza se as nossas escolhas são as melhores, isto se faz presente na nossa cultura principalmente na antropologia moderna que tem como uma de suas missões é reconstruir conceitos de cultura por conta das suas variáveis reconstruções. Com afirma Laraia (2001:280) Uma das primeiras preocupações dos estudiosos com relação à cultura refere-se a sua origem. Em outras palavras, como o homem adquiriu este processo extra-somático que o diferenciou de todos os animais e lhe deu um lugar privilegiado na vida terrestre? O assunto relacionado a conceitos antropológico sobre cultura é nada mais nada menos do que tema principal no último século. Assunto este que se apresenta de forma investigável referente ao conceito de cultura. De acordo com Da Matta (1981.p.02), “quando um antropólogo social fala em cultura, ele usa a palavra como um conceito-chave para a interpretação social”. Assim 30 sendo, a cultura pode ser analisada por vários aspectos, segundo o objeto e objetivo que se pretende debruçar. Existem estudos que trabalham a cultura sem levar em conta os conceitos sobre cultura, nas dimensões antropológicas e sociológicas. O que nos soa como algo que ficará partido numa análise mais sistêmica e definidora do campo conceitual de cultura. Neste momento apresentamos um conceito que nasce dentro de uma proposta maior de contextualização. É a definição da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Em sua Declaração a Unesco, reafirma: Cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam um grupo social ou uma sociedade que se abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, (UNESCO 2002, p.2). A cultura é um conjunto de símbolo e valores que dá sentido a um grupo social que pode ter como referencias o desenvolvimento social e desta forma interfere e cria expressões culturais e suas múltiplas dimensões. Para Da Matta (1981.p.02) ela é: “... um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classifica, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. ” Pensemos em cultura não apenas com seus diversos conceitos, mas como algo que faz parte do universo de grupos diferenciados com seus saberes que podem ser intelectuais, costumes, artísticos, afinal nossos aprendizados começam a partir da convivência de um com o outro, na troca de olhares e observação, como confirma Freire (2001.p.259) “É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende.” Ninguém é tão infante que não tenha nada para ensinar, nem tão adulto que não tenha nada para aprender. Mesmo hoje no mundo de tecnologia a necessidade do ato de ensinar. Ensinar é uma missão dos adultos e aprender a necessidade dos infantes que juntos formam uma comunidade, um grupo, onde aluno é professor e 31 professor é aluno ambos intermediados pela cultura da liberdade de pleno ser para de si saber. É nessa perspectiva do conhecer que a ciência é mais profundamente pensada. E surge uma pergunta: “Quais são os usos sociais da ciência? “ Essa é uma das perguntas que Pierre Bourdieu (1997.p.17-29), faz em seu trabalho “ Os usos sociais da ciência”. E é nesse uso social que questões temáticas como a desse trabalho, ganha profundidade. É por conta dessas apropriações que outras discussões a respeito dos diversos papéis da ciência, diante da sociedade são realizadas. Bourdieu (1997) levanta a discussão que acontece em torno da noção de campo cientifico, que, de acordo com o autor se aplica no “universo intermediário entre autonomia total e submissão às leis sociais”, desta forma a aplicação da ciência em campo acontece com características políticas, ligada aos atos institucionais e ao poder específico com uma variação de acordo com a posição do sujeito e sua influência no campo de atuação. Fazendo uma reflexão a respeito do uso social da ciência, Bourdieu (1997) apresenta uma teoria sobre noção de campo de atuação na produção e reprodução da “ciência, da arte, da literatura, etc”. Para um grupo de pensadores ao interpretar um texto, se determina, ao mesmo tempo em que se compreende a produção cultural com uma determinada autonomia, apresentando uma visão semiótica em relação à ciência. Sendo o texto o único instrumento de conhecimento em qualquer campo da ciência, transmite uma teoria de que a ciência é uma instituição sem interferências externas. Um segundo grupo de pesquisadores defende a teoria da necessidade introduzir o texto em um contexto social. A maioria defende a ideia da interpretação dos textos com a realidade seja de um mundo social ou com o mundo econômico O texto perfaz um caminho que integra o fazer cientifico e artístico como linguagem humana. 32 Bourdieu nos faz viajar por um universo intermediário onde esse universo é formado por produtores e difusores do conhecimento ao qual o autor chama de “campo literário, artístico, jurídico ou cientifico.” E nessa viagem o autor nos apresenta uma estrutura social como o campo científico que determina certo grau de autonomia com o meio, onde uma ciência possa gozar de uma liberdade relativa sobre pressões externas que venha sofrer a respeito do que se pesquisa e do que se publica. Na ciência e no campo científico, existem forças e lutas que podem ser transformadas ou conservadas. A partir daí, Bourdieu reflete as questões politicas e econômicas e sua influencia no capital científico, conferindo ao pesquisador um reconhecimento de quem tem mais autonomia por quantidade e qualidade da produção científica. Sendo o campo científico um objeto de luta, o autor faz uma comparação dessa luta a um jogo onde suas práticas têm sempre como alvo a autoridade e prestígio. Seguindo uma ética profissional um problema é com regras elaboradas nesse jogo, que está sempre de acordo com o jogador que está no poder, gerando assim uma disputa desigual, dessa forma os sujeitos fazedores do mundo estão sempre contagiados pelo percurso de suas vidas. Bourdieu afirma que existem duas formas de capital científico, uma ligada aos cargos e posições que é o capital politico, o outro um capital científico puro que é o prestígio através do reconhecimento acadêmico, no entanto, o autor considera muito difícil reunir esses dois tipos de capital. O capital científico requerolhares humanos, não prescinde dele, assim no campo da análise, se torna extremamente particular para que se adquiram os traçados do conhecimento. E é justamente nessa interlocução que as compreensões dos fenômenos humanos, naturais e sociais acontecem à bem da sociedade, a bem da inclusão, a bem do humano na sua arte e cultura. 3.3. Arte e cultura Sendo a arte um campo tão amplo, será possível definir o que é arte? Segundo a revistaliteraria.com.br, “a palavra arte vem do latim e significa; técnicas e habilidades 33 para valores estéticos”, que tem diversas representações, seja através da música, da pintura, da dança, no teatro, no audiovisual, da literatura, da poesia. A Arte está para estética, assim como o artista está para o público. A estética está ligada à beleza para representar um mundo inspirador. O artista demonstra com suas emoções e ideias um saber diferenciado em cada obra que apresenta ou representa ao seu público. Segundo Coli (1995.p.8) “...artes, são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é, nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia.“ A arte pode ser vista sempre como uma relação entre o mundo e o ser humano; o fazer e a transformação; a realidade e o conhecimento, transformando em atividades representativas através do fazer artístico. No decorrer da sua história a arte vem ganhado espaço para experimentos e pesquisas através das quais podemos discutir e interpretar o próprio mundo que vivemos. A partir daí, as necessidades de ações inovadoras do campo das artes é de extrema importância para que trabalhos em instituições que tem como aporte as emoções e cognições se fazem cada vez mais relevantes. Portanto, compreender a arte como uma área de conhecimento, como social, histórica e cultural é trazer a arte para o domínio da cognição. Nessa direção, o conceito de arte também está ligado à cognição como um dos elementos de manifestação da razão, pois existe na arte um conhecimento estruturador, que permite a potencialização da cognição. (SILVA; ARAÚJO, 2007.p.11) Viajar pela história da arte é ter contato com um dos aspectos mais relevantes da produção humana, em que os experimentos e encantamentos nos despertam emoções, através das quais podemos construir uma visão mais ampla em um processo cultural, criando espaços para manifestações das artes em busca de desenvolvimento sociais. É importante criarmos espaços e afirmarmos esses espaços que consolidam as manifestações de arte como uma linguagem para tecer cidadania, saúde, lucidez, 34 tranquilidade. Por sermos seres criativos temos na arte uma maneira de nos expressar. Ao olharmos a nossa volta nos deparamos com inúmeros objetos que facilitam as nossas tarefas diárias. Elementos que foram produzidos pela humanidade ao logo da história da vida. Entre estes objetos se encontram diversos artefatos que já foram utilizados em um determinado tempo. Objetos estes não apenas para nos servir, mas também para expressar nossos sentimentos em relação à vida, os quais podem nomear de obras de arte. São nessas expressões que os clientes e/ou hóspedes encontram pontos de apoio, solidez de trabalho, maiores terrenos de expressão e articulação das suas emoções com fazeres que solicitam sua criatividade, sua estética, reconhecendo singularidades sem hierarquizações ou estigmas sociais. Assim, Cauquelin questiona: se lançarmos um olhar no passado e trazer um significado para o presente, usando novos suportes, estaremos aplicando uma arte contemporânea? A arte contemporânea é sua imagem. Esse espelho oferecido aos artistas e no qual eles podem perceber o conjunto - o sistema - do mundo artístico contemporâneo reflete a construção de uma realidade um tanto diferente de que existia há algumas décadas. (CAUQUELIN, 2005,p.80-81) A representação acontece desde a pré-histórica, e ela foi e é uma forma de manifestação artística. Quando os homens pré-históricos representavam, cenas de caçar, quando um era o caçador e outro se colocava no lugar da caça, era uma maneira, mesmo sem saber que estavam dando inicio as artes. De acordo com Martins (2010, p.30) As imagens retidas nas paredes da caverna revelam um conhecimento que o homem construiu daquele mundo. [...] apropriou-se simbolicamente daquele mundo, capturando na representação visual algo que era dos animais selvagens, dando-lhes novos significados em formas simbólicas. A arte pode ser pensada como uma maneira de expressão da humanidade. Na antiguidade a arte rupestre foi uma das formas de expressão que registra em paredes das cavernas a história de um grupo. Os desenhos eram uma forma de manifestação 35 da própria vida criando arte. Essa inscrição atravessou vários períodos com estilos diferentes, chegando à arte moderna com todas as suas transformações e modificações. Desde seus primórdios, a arte transmitiu emoções, manifestando o que o homem possui de mais humano, estético e criativo. A arte, por meio das histórias, livros, esculturas imortalizou pessoas e fatos. Isto nos mostra que nos expressamos por diversas linguagens, principalmente, pelas diferentes representações das artes. Em Martins (2010, p.12) a seguinte afirmação se faz bastante emblemática: “Por ser um conhecimento construído pelo homem através dos tempos, a arte é um patrimônio cultural da humanidade, e todo ser humano tem direito ao acesso a esse saber”. A arte reconhecida como patrimônio cultural da humanidade, nos faz um convite para um mergulho em novas vivências e novos sentimentos, rumo a diversas possibilidades de autoconhecimento. Assim, continua Martins (2010, p.13) É por meio delas que poderemos compreender o mundo das culturas e o nosso eu particular. Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua multiculturalidade, ou seja, o modo de interação entre grupos étnicos, em sentido amplo, entre culturas. No entanto, no que se refere à arte, podemos usar e criar diferentes espaços para o desenvolvimento das diversas linguagens em busca de novos conhecimentos para o bem social e humano. É nessa lógica e sentimento que a arte, como condutora e veículo de liberdade e saúde deve ser trabalhada junto aos sujeitos que se encontram em instituições de tratamento de saúde mental. A arte e a ciência possuem um ponto de encontro. A arte representada através da criatividade e interpretação é catalisadora da ciência, representada pelos conhecimentos. Mas, em que pese a concorrência entre ciência e arte, arte e ciência, as duas buscam através da criatividade e curiosidade o sabor do experimento em busca de 36 um novo fazer artístico e científico onde ambas são imersas de cultura, vida e gente que mobiliza e transforma o mundo, unindo as pontas. 37 Olha pra mim e me ama Não Tu olhas pra ti e te amas É o que está certo Clarice Lispector 38 CAPÍTULO 4 ABORDANDO AS ARTES CÊNICAS NO TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO – A SAÚDE COMO ELEMENTO DE LIBERDADE 4.1 Artes cênicas e tratamento psiquiátrico: um encontro entre Boal e Nise As artes cênicas são também conhecidas como performance, podendo ser apresentada em um palco, espaço onde se realiza uma representação, pode ocorrer em uma praça, na rua, em clubes, em jardins até mesmo em casa e por que não em um hotel? De acordo com Peixoto (1986, p.12) “o palco, ou seja, qual for o espaço de representação, estabelece, em nível de razão e emoção, uma reflexão e um diálogo vivo e revelador com a plateia”.A arte cênica não se detém a um espaço, acontece através dos sons e até mesmo do silêncio, onde existe uma integração do ator com a plateia em um espaço próprio ou alternativo. Qual é o verdadeiro instante do nascimento do teatro? Continua Peixoto (1986, p.15), “na verdade, o teatro nasce no instante em que o homem primitivo coloca e tira sua máscara diante do espectador”. O teatro brasileiro surgiu em “nosso processo civilizatório”. O teatro, a arte cênica se verga para a representação das cenas humanas, se verga para a interpretação. A arte cênica é tão antiga quanto à humanidade. Ela existe a partir do momento em que o homem primitivo começa a imitar o mundo em sua volta usando uma forma de expressão através da interpretação, da música e da dança. Segundo Boal (2009, p.11), “Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma”. Atualmente nos encontramos com diversas formas de representações que nos levam a conhecer experiências fantásticas que nos fazem pensar como a arte cênica pode contribuir para diversas 39 áreas sociais, onde o poder criador se faz presente, seja por via da arte ou por via da ciência. Continua Boal, “Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo”. E a arte recoloca a cena, reconstrói na cênica um sonho, uma reflexão do existir. Boal, em 2009, foi nomeado “Embaixador Mundial do Teatro”, foi o criador do “Teatro do Oprimido”, criação esta que o tornou conhecido internacionalmente como um condutor de transformação social, e é nesse contexto ao qual aborda a arte cênica, como transformadora social no cuidado com outro, amenizando os efeitos das doenças emocionais. Isso vem acontecendo no Hotel da LouCura na proposta de uma equipe comandada pelo Médico-ator Vitor Pordeus, que está usando as artes cênicas como uma forma de descontruir o manicômio. Como afirma Boal: “É uma forma de fazer política sem ser política partidária”. Mais do que um discurso antimanicomial o que podemos ver no espaço do Hotel da LouCura, criada por via das artes cênicas, é um ar de otimismo e grande entusiasmo invadindo o espaço em forma das artes, com uma prática do cuidado sob um olhar atento da equipe que trabalha com o intuito de amenizar as dores emocionais. É quando a arte, se apresenta em forma de poesia, dança, interpretação, que o teatro, formado na arte cênica, cuida, cura, que LouCura, “loucamente” propositadamente liberta. É no contexto de catalisar da liberdade e do tom à dignidade àqueles que confinados e presos estavam nos manicômios que Nise da Silveira, idealizadora de um trabalho novo e recente no Brasil, insere as artes como uma das propulsoras do tratamento humanizado. Ela nos traz uma experiência que uniu a ciência, na arte e a loucura, na qual se constatou a arte dos loucos. Esta experiência, introduzida como parte da história da psiquiatria no Brasil dá novo rumo às visões artísticas, históricas e culturais, ampliando a relação entre pacientes, instituição e sociedade. 40 Dias (2003) nos leva há conhecer um pouco mais o trabalho desenvolvido por Nise, que unindo as pontas entre ciência e artes cênicas. Nise, mesmo sendo uma psiquiatra com reconhecimento dentro da história da psiquiatria do Brasil, não deixou de receber críticas a respeito de seus trabalhos desenvolvidos da área da terapia a respeito da “loucura”, o que levou a psiquiatra ser conhecida e reconhecida como “a psiquiatra que tratou a loucura com afeto”. Recebeu críticas que poderiam ter levado à desconstrução da sua história, dentro da psiquiatria do Brasil. Como afirma Dias (2003, p.13), “A coexistência de críticas e exaltações à Nise da Silveira abriu a possibilidade de desconstrução do mito em torno de uma personagem consagrada na história da psiquiatria brasileira”. Trazemos Nise a essa visão particular, porque nela encontramos um aporte para que a arte fosse entendida como numa estratégia de cura e porque não de reposicionamento desse sujeito “paciente” no mundo em que ele, pela arte se encontra na condição de um fazer que o tornasse autônomo. A psiquiatra, inegavelmente, causou mudanças no mundo da pesquisa relaciona a arte à terapia no auxilio e na busca de amenizar os efeitos das doenças emocionais, através de experiência realizada na década de 40, com situação e território tão novo para as ações dos tratamentos psiquiátricos. Dias (2003, p.15-16) aponta outros experimentos artísticos no Brasil dentro da psiquiatria acontecido antes de1940, tal qual como Osório Cesar, psiquiatra do Hospital de Juqueri, em São Paulo, que publicou o seu primeiro livro sobre a expressão artística dos alienados em 1929. E assim prossegue “desde1923, ainda como estudante interno daquela instituição, Osório Cesar já se interessava naquilo que poderia significar as artes dos alienados”. Em comparação aos experimentos de Nise que ocupa o lugar de pioneira “da psiquiatria brasileira”, Dias (2003, p.138) relaciona o episódio ao empenho diferenciado da psiquiatra. Em outro momento a autora confirma: “Portanto, de acordo com a imprensa paulista, a diferença entre os serviços coordenados por Nise da Silveira e Osório Cesar estaria - nos próprios méritos artísticos dos alienados de Engenho de Dentro.” Continua DIAS (2003, p.138) 41 “Além da própria visão da psiquiatra do Rio de Janeiro, para quem a arte era um meio de revelação do inconsciente e, por isso mesmo, era um meio de cura das doenças mentais e de investigação do processo psicótico.” No percurso histórico de Nise, na década de 50 vemos acontecer a transformação de ateliês de pinturas, em um museu. Por isso, trazer Nise e Boal para o tratamento psiquiátrico apoiado nas artes, nos revela o poder de ligar “arte, loucura e ciência. ” 4.2. Arte, tratamento, inconsciente, saúde e loucura: um passeio em Nise Dias (2003), ao falar de arte, tratamento, inconsciente, saúde e loucura iniciam com uma informação a respeito de uma publicação do ano 1949, do crítico de arte Antônio Bento, denominada “A Arte e o Inconsciente”, na qual a autora considera as palavras do crítico de caráter esclarecedor. A trazemos para esse contexto: Já se sabe a importância do papel que o inconsciente representa na arte moderna. Aliás, isso não acontece apenas nos domínios da literatura e das artes plásticas. Na filosofia como nas concepções políticas, as forças irresistíveis do inconsciente derrubaram a razão de seu pedestal. O apreço dado, nesta primeira metade do século, às doutrinas de Freud veio demonstrar que a ciência hoje já não acredita no mito do homem governado pela razão. Aliás, na filosofia esse movimento não é novo. Possui raízes antigas, tendo começado a ampliar-se depois de Schopenhauer e Nietzsche. (...) Essa verificação é talvez a maior contribuição dos tempos modernos à cultura, que deverá, possivelmente, se orientar para um humanismo irracionalista, em oposição ao humanismo da Renascença glorificador incondicional da suposta grandeza e dos poderes onipotentes da razão. Era natural, diante disso, que na arte moderna dominassem também as forças do irracional. E foi isso exatamente o que aconteceu. Daí, o interesse que os críticos e os artistas mais conscientes dos 20 problemas estéticos emprestam aos desenhos das crianças e dos alienados. (BENTO apud DIAS: 2003, p.18) A autora traz a estimativa “entre arte e loucura”, e afirma : A aproximação entre arte e loucura será, então, analisada considerando-se a apropriação do conceito de inconsciente, postulado por Freud na virada do século XIX para o século XX, e utilizado por intelectuais, médicos e artistas ambientados na cultura ocidental.( DIAS: 2003, p. 20) 42 De modo brevee conclusivo a idealização de Nise da Silveira, consiste em um caminho encontrado entre a arte e ciência, loucura e psiquiatria, numa terapêutica. Dias (2003) nos acaricia com a história contada por Nise da Silveira (1996, p.38) a respeito da terapia ocupacional nos anos 40, onde nos é informado sobre a existência de um “setor de praxiterapia” isto “na Colônia Juliano Moreira” em meio a tanta arbitrariedade nos hospitais que compunham “Centro Psiquiátrico Nacional em 1944”. Seguindo ainda de acordo com Nise, “quem primeiro introduziu a terapêutica ocupacional no CPN foi o Dr. Fábio Sodré, em 1944, na seção Waldemar Schiller, do Hospital Pedro II (HP)”. Nesta ocasião Nise colaborou com o Dr. até o momento da transferência do médico, quando Nise é convidada para organizar algumas atividades ocupacionais, no início da década de 1950, na Seção Terapêutica Ocupacional. Dias nos leva ao conhecimento de estudos realizados por Melo (2001), Gulla (1996), Bezerra (1995), que salientaram tanto o merecimento quanto o empenho de Nise de Silveira para com obtenção do êxito que os experimentos realizados em Engenho de Dentro tiveram. A autora ressalta “a importância desse momento, pois para eles foi aí que iniciou a querela de Nise da Silveira com a psiquiatria tradicional”. Como diretora da “Seção de Terapêutica Ocupacional”, Nise implantou uma metodologia revolucionaria e inovadora que “foi destacada por Bezerra (1995, p.158) como um mundo totalmente ignorado pelos médicos”. A autora continua a falar através de Nise: “De acordo com Nise da Silveira (1994, p.13), mais que quaisquer outras atividades, a expressão livre através do desenho, pintura e modelagem revelou-se de grande interesse científico por permitir melhor acesso ao mundo interno do esquizofrênico”. Dento deste contexto a autora (p.57) faz a seguinte pergunta “Como era possível que esquizofrênicos crônicos, após longos anos de internação, manifestassem intensa exaltação da criatividade?” E nos responde pela fala de Gullar (1996, p.20), a produção naqueles ateliês surpreendeu não apenas pela grande quantidade (o que refletia o interesse dos pacientes por essas atividades) como pelo poder expressivo e mesmo artístico das obras. 43 Segundo Dias (2003, p.100): “Tanto para Osório Cesar quanto para Nise da Silveira a “inspiração artística” vinha das mais profundas camadas do inconsciente.” A autora segue relatando pensamentos de Nise e Osório a respeito da inspiração artística. “Segundo Osório Cesar (1951, p.54), a inspiração artística podia ser atribuída a uma espécie de visão interior do artista como se este estivesse sonhando acordado”. Estando de acordo com Nise da Silveira (1949) que também apontou semelhanças entre a experiência vivida nos sonhos, nos delírios e nas manifestações artísticas. 4.3 O interno, o cliente e o hóspede: o que fala a literatura Iniciamos este subcapítulo com os estudos de Goffman (1974) acerca dos manicômios, prisões e conventos que carregam o mesmo estigma das prisões. O autor escreve sua obra como resultado de uma pesquisa que teve seu início através de um trabalho de campo realizado por um período de um ano em um hospital em Washington, objetivando, no primeiro momento, perceber o “mundo social dos internos” nesse tipo de instituição para doentes mentais. É aí que nas raízes desse elã buscamos a proximidade de nossa temática com o que o autor contribui como referência de nossa análise, ou seja, as instituições de saúde mental. Goffman (1974), acreditando que pessoas aprisionadas estabelecem uma visão particular em relação à vida e a aproximação com o outro, nos faz ver que essa é uma maneira de adquirir conhecimento a este mundo particular. Obteve por via dos “dados etnográficos” sua inclusão no mundo dos internos. E como observador concluiu suas críticas a partir de uma análise sociológica, dando um rumo completamente interdisciplinar e dialogal à questão dos limites institucionais e da formação desses limites nas categorias humanas: loucos, presos e celibatários. O autor apresenta em quatro artigos a sua análise do enclausuramento institucional. Assinala nas características das instituições totais o que é viver dentro de tais instituições, utilizando como exemplos os “hospitais para doentes mentais e prisões” que encarceram e estigmatizam ao invés de libertar quem já está oprimido, por sua condição, carrega elementos dessa prisão. O estudo do autor nos apresenta resultados sobre conceitos de instituição total, tal qual como: 44 Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho ante um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, Ievam uma vida fechada e formalmente administrada.” (GOFFMAN,1974, p.11) Para Goffman (1974, p.16), “Toda instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo; em resumo, toda instituição tem ·tendências de fechamento”. Essas instituições tem uma maneira fechada de funcionar, excluído o internado do seu mundo original, com a intenção de uma integração total aos ensinamentos internos. Mesmo que a proposta seja libertária, contra hegemônica e excludente, ainda assim, existe um mecanismo, que limita o contato entre o internado e o mundo exterior, trazendo assim resultados na estrutura do interno participante à organicidade da instituição que o “molda” nos padrões adotados pelas instituições. Dentro do contexto apresentado acima, Goffman (1974:17) acredita que: “Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes co-participantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral”, quando isso não acontece, um outro padrão é reestabelecido e nesse uma série de situações não previstas aparecem na limitação e adequação das ações dos sujeitos sociais. Dessa forma, os internados tendem a seguir um mecanismo imposto pela instituição. Continua Goffman (1974). O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam esferas da vida. Nessa forma a instituição exerce uma maneira dramática de transformar socialmente o eu impondo suas regras a serem seguidas pelos internados. (p.24) Este fato, segundo o autor, pode ser constatado no hospital para doentes mentais, e como forma de esclarecimento descreve o mundo do internado nas suas inserções e não inserções sociais. 45 Goffman (1974, p.18) afirma que “O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. ” Isso nos mostra que quando o novato chega à instituição traz com ele uma referência social familiar que na instituição entrará em um processo de “mortificação do eu”, de acordo com o autor: “O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado”. (GOFFMAN, 1974, p.24) A constituição das instituições que abrigam os iguais, que os reintroduzem a um novo sistema e lógica institucional; acontece a partir do momento que a cultura trazida das várias referências do convívio e do eu não é aceita. É aí que começa uma perda de identidade onde o interno passa a seguir regras impostas pela instituição, causando assim o começo “pelos quais o eu da pessoa é mortificado”, é nesse aspecto que o trabalho de Nise é inovador e mais próximo aos internos ao tentar romper com a lógica imposta aos manicômios e a partir dos trabalhos artísticos e culturais, que na contramão da mortificação do eu, pela via da expressão artística, trazem para um cenário de ressignificação e recolocação esse eu, no qual o sujeito em tratamento e/ou interno não se sinta um paciente exilado de si, mas sim um hóspede entreamigos e seus iguais. Nessa sintonia a busca da expressão e da saúde por via da arte, poesias, esculturas, pinturas, artes cênicas, músicas, desaprisiona o internado e pode o tornar autônomo no seu fazer, ainda que a mortificação do eu seja um caminho quase inevitável na lógica que impera nas instituições. A saída dos internos da instituição depois de uma internação significa um retorno ao convívio social, cuja sociedade exige do internado que passou por este processo um novo padrão social e cultural. Goffman (1974) apresenta também uma visão da equipe da instituição, em que aponta, neste sistema, uma administração que fica entre o fazer e o dizer que faz. Assim diz o autor: 46 Os processos de admissão talvez pudessem ser denominados "arrumação" ou "programação", pois, ao ser "enquadrado", o novato admite ser conformado e codificado num objeto..., desta forma a equipe impõe um padrão que influência na obediência dos internados onde os objetivos da instituição serão mantidos. (GOFFMAN,1974, p.26) Em uma tentativa de amenizar as mortificações existe um sistema de permissão, onde as três formas existentes são: as “regras da casa, a obediência às regras e os prêmios a quem obedece às regras”. O autor apresenta: A construção de um mundo em torno desses privilégios secundários é talvez o aspecto mais importante da “cultura dos internados”, Equipe dirigente e internados, mantém uma relação solidária apesar da distância social que leva a uma integração limitada seguindo uma ordem de papéis, onde existe um compromisso institucional com a rotina de atividades a serem executadas. (GOFFMAN, 1974, p.59) Por fim, há sempre nas razões mais reais e contundentes nos contextos sociais, nas instituições totais, na concretude das relações um aporte de outros caminhos que podem acenar outro sentido de lógica e análise, assim, é nesse sentido que a arte pode libertar e promover saúde. A arte pode desenvolver uma “cultura ambiental” carregada com sentimentos de recolocação nos cenários e, mediante a um pensamento de volta à convivência social externa, os sujeitos presos a um estigma institucional podem, por via das expressões artísticas, tentar romper com o estigma da doença e se colocarem como um diferente igual nas suas necessidades, nadando contracorrente às lógicas impostas no padrão prisional das instituições 47 Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Fernando Pessoa http://pensador.uol.com.br/autor/fernando_pessoa/ 48 CAPÍTULO 5 O CENÁRIO E SUA HISTÓRIA: O HOTEL DA LOUCURA EM FOCO O Hotel da LouCura está localizado, no Instituto Municipal de Saúde Mental Nise da Silveira, Engenho de Dentro, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Fundado em julho de 2012, em um espaço que antes fora usado como enfermarias e consultórios do Instituto, estavam ocupado por sucatas de macas e cadeiras. Esse espaço assumiu um lugar de arte e cultura. Com a ideia de promover a arte como tratamento para doenças emocionais, levantando uma bandeira de inclusão, não apenas como uma reflexão cultural e científica a respeito da loucura, mas também um basta aos estigmas das doenças mentais. No cenário do HL artistas, pesquisadores e médicos podem se hospedar para conviver com pacientes internados por problemas psiquiátricos e participarem das atividades ofertadas nos espaços do HL para todos seus clientes. De acordo com Pordeus (2014, p.37), o Hotel da Loucura surgiu: Dentro do Instituto Nise da Silveira, que é um complexo psiquiátrico de oito mil metros quadrados, ...Agente ocupou e ali a gente fez o Hotel da Loucura, pintamos paredes, lavamos banheiros, desenhamos, cantamos pulamos, e nesse primeiro ano a gente expandiu para outra enfermaria. O espaço do Hotel da LouCura é composto por nove quartos, que são usados em congressos, três banheiros coletivos, três cozinhas comunitárias, três salões para administração de oficinas, duas salas de reuniões, uma biblioteca (Baruch de Spinoza), um chalé de arte, um spa , com aparelhos de ginástica, uma horta, além de salas administrativas. Há cinco anos o ator, psiquiatra, pesquisador cultural, Fundador e Coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Vitor Pordeus, junto a diversos agentes cultural, realizam atividade culturais seguindo os ensinamentos de Nise da Silveira adotados no Hotel da LouCura. Vitor Pordeus se baseia no método da Dr. Nise da Silveira, de cujo, trabalho conheceu em 2009, quando assumiu o cargo de coordenador da pasta Cultura e 49 Saúde do Rio de Janeiro, em uma visita ao IMNS em Engenho de Dentro através do Museu de Imagem do Inconsciente, MII. Considera o trabalho da Nise uma verdadeira revolução nos tratamentos psiquiátricos com uma exploração ao mundo interno dos portadores de doenças emocionais. Vale destacar algo a respeito da Nise, que além de ser intelectual de família culta, aos 22 anos se forma em medicina. Depois de um ano e meio presa como subversiva onde assiste torturas, quando sai declara “eu saí com mania de liberdade”, com este pensamento chega ao hospital de Engenho de Dentro, depara-se com portadores de doenças mentais vivendo como presidiários e tratados a base de eletrochoque. Com sua personalidade forte e ao mesmo tempo, com conhecimentos científicos, se recursou a usar tal tratamento por acreditar que “a criatividade que todo mundo tem, exercita as possibilidades de se transformar”, a partir deste momento ela dá início ao que é hoje o MII. De acordo com Lou (2014,p.37) “A Dra. Nise da Silveira representa para a Psiquiatria o que Paulo Freire representa para Educação”. A maior referência de transformação e humanidade refinada. São diversas as atividades apresentadas e desenvolvidas no HL, entre elas, a montagem e oficinas de teatro, oficina do corpo e expressão corporal, oficinas com plantas medicinas; de pintura; roda dialógica de som; música e ateliê, ocupa Nise e os cursos de psicopatologia. Pordeus (2014) relata em uma entrevista para a revista Lero: A gente trabalha fundamentalmente no Hotel da Loucura com teatro, então no caso de uma crise psicótica o que a gente faz é abrir uma roda e começar uma oficina. ... No caso de violência mesmo, a gente contém a pessoa no chão e deixa a fúria se esgotar depois conversa, vê o que aconteceu e a pessoa vai se colocando. Então a gente não usa medicamento. O procedimento que nós desenvolvemos a partir de experiência encontrada na psiquiatria contemporânea é esse mesmo, colocar no chão, esperar a fúria passar e dramatizar, esse conteúdo, o máximo. ... A dança mobiliza, o teatro é importante é a elevação poética, e é na hora que a poesia entra que você organiza o pensamento, que a consciência vem, a clareza, a poesia é que cura, (p.34) 50 Pelo relato, as artes cênicas estão sendo trabalhadas no Hotel da LouCura como forma de afeto que ameniza as dores das doenças emocionais. De acordo com Pordeus (2014, p.36), o hotel tem uma variação das origens dos hóspedes entre eles pessoas que frequentam, que trabalham, pessoas que viveram por toda vida internada na instituição e pessoas que foram transferidas de outros hospitais, pessoas que nunca foram internadas, pessoas que fazem tratamento psiquiátrico e pessoas que nunca tiveram nem um tipo de doença emocional, mas estão fazendo oficinas de teatro em um espaço aberto a quem chegar. No Hotel da LouCura todos os clientes são atores, doentes e terapeutas, essa integração contribui não só para o lado criativo, mas também para o lado efetivo através de uma linguagem acessível a todos. 5.1 Arte e poesia
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