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Foro por prerrogativa de função Panorama atual (2018)

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10/09/2019 Dizer o Direito: Foro por prerrogativa de função: panorama atual
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segunda-feira, 25 de junho de 2018
Foro por prerrogativa de função: panorama atualForo por prerrogativa de função: panorama atual
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10/09/2019 Dizer o Direito: Foro por prerrogativa de função: panorama atual
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NOÇÕES GERAIS
Como podemos conceituar foro por prerrogativa de função?
Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição segundo a qual as
pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções, somente serão processadas e
julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados
Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).
Razão de existência
O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de
determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de
destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se
forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder
Judiciário.
Ex: um Desembargador, caso pratique um delito, não deve ser julgado por um
juiz singular, nem pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de
cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado, para, no caso concreto,
exercer a atividade com maior imparcialidade.
Ex2: caso um Senador da República cometa um crime, ele será julgado pelo
STF.
Foro por prerrogativa de função é o mesmo que foro privilegiado?
Tecnicamente, não.
Tourinho Filho explica que o foro por prerrogativa de função é estabelecido em
razão do cargo ou função desempenhada pelo indivíduo. Trata-se, portanto, de
uma garantia inerente à função. Ex: foro privativo dos Deputados Federais no
STF. Já o chamado “foro privilegiado” é aquele previsto, não por causa do
cargo ou da função, mas sim como uma espécie de homenagem, deferência,
privilégio à pessoa. Ex: foro privilegiado para condes e barões.
Todavia, o próprio STF utiliza em seus julgamentos a expressão “foro
privilegiado” como sendo sinônimo de “foro por prerrogativa de função”.
Por essa razão, também utilizarei aqui indistintamente as terminologias como
sendo
Onde estão previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de
função?
• Regra: somente a Constituição Federal pode prever casos de foro por
prerrogativa de função. Exs: art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”.
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• Exceção: o art. 125, caput e § 1º, da CF/88 autorizam que as Constituições
Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função nos Tribunais
de Justiça, ou seja, situações nas quais determinadas autoridades serão
julgadas originalmente pelo TJ:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do
Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal
de Justiça.
Vale ressaltar, no entanto, que a previsão da Constituição Estadual somente
será válida se respeitar o princípio da simetria com a Constituição Federal.
Isso significa que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa
na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que
tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal.
Ex1: a Constituição Estadual poderá prever que o Vice-Governador será
julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equivalente” em âmbito federal
(Vice-Presidente da República) possui foro por prerrogativa de função no STF
(art. 102, I, “b”, da CF/88). Logo, foi respeitado o princípio da simetria.
Ex2: a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função
para os Delegados de Polícia considerando que não há previsão semelhante
para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587).
Hipóteses de foro por prerrogativa de função previstas na CF/88:
AUTORIDADE FORO COMPETENTE
Presidente e Vice-Presidente da República
STF
Deputados Federais e Senadores
Ministros do STF
Procurador-Geral da República
Ministros de Estado
Advogado-Geral da União
Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica
Ministros do STJ, STM, TST, TSE
Ministros do TCU
Chefes de missão diplomática de caráter permanente
Governadores
STJ
Desembargadores (TJ, TRF, TRT)
Membros dos TRE
Conselheiros dos Tribunais de Contas
Membros do MPU que oficiem perante tribunais
Juízes Federais, Juízes Militares e Juízes do Trabalho
TRF ou TRE
Membros do MPU que atuam na 1ª instância
Juízes de Direito
TJ
Promotores e Procuradores de Justiça
Prefeitos TJ, TRF ou TRE
Exemplos de autoridades que dependem da Constituição Estadual (algumas
Constituições preveem que a competência para julgar os crimes por elas
praticados é do Tribunal de Justiça):
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• Vice-governadores;
• Vereadores.
Se a Constituição estadual não trouxer nenhuma regra, tais autoridades serão
julgadas em 1ª instância.
DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE
FUNÇÃO
Foro prerrogativa de função extremamente ampliado
Conforme explica o Min. Luís Roberto Barroso, a CF/88 prevê que um conjunto
amplíssimo de agentes públicos responda por crimes comuns perante
tribunais.
Estima-se que cerca de 37 mil autoridades detenham a prerrogativa no país.
Não há, no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que
consagre a prerrogativa de foro com abrangência comparável à brasileira.
No Reino Unido, na Alemanha, nos Estados Unidos e no Canadá nem existe
foro privilegiado. Entre os países que adotam, a maioria o institui para um rol
reduzido de autoridades. Na Itália, por exemplo, a prerrogativa de foro se
aplica somente ao Presidente da República.
Em Portugal, são três as autoridades que detêm foro privilegiado: o Presidente
da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro.
Disfuncionalidade do foro privilegiado
Este modelo amplo de foro por prerrogativa de função tradicionalmente
adotava acarreta duas consequências graves e indesejáveis para a justiça e
para o STF:
1ª) Afasta o Tribunal do seu verdadeiro papel, que é o de Suprema Corte, e
não o de tribunal criminal de primeiro grau. Tribunais superiores, como o STF,
foram concebidos para serem tribunais de teses jurídicas, e não para o
julgamento de fatos e provas. Como regra, o juízo de primeiro grau tem
melhores condições para conduzir a instrução processual, tanto por estar mais
próximo dos fatos e das provas, quanto por ser mais bem aparelhado para
processar tais demandas com a devida celeridade, conduzindo ordinariamente
a realização de interrogatórios, depoimentos, produção de provas periciais etc.
2ª) Contribui para a ineficiência do sistema de justiça criminal. O STF não tem
sido capaz de julgar de maneira adequada e com a devida celeridade os casos
abarcados pela prerrogativa. O foro especial, na sua extensão atual, contribui
para o congestionamento dos tribunais e para tornar ainda mais morosa a
tramitação dos processos e mais raros os julgamentos e as condenações.
Foro privativo no STF e ausência de duplo grau de jurisdição
Vale ressaltar, ainda, que as autoridades com foro por prerrogativa de função
no STF ficam sujeitas a julgamento por uma única instância, de forma que não
gozam de duplo grau de jurisdição.
Esse modelo vai de encontro com tratados internacionais sobre direitos
humanos de que o Brasil é signatário. Tanto a Convenção Americana de
Direitos Humanos, quanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
asseguram o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”.Isso não ocorre com quem tem foro privilegiado no STF. Após o julgamento
pela Corte, não há recurso para outro Tribunal.
Quando inicia e quando termina o foro por prerrogativa de função dos
Deputados Federais e Senadores?
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O direito ao foro por prerrogativa de função inicia-se com a diplomação do
Deputado Federal ou Senador e somente se encerra com o término do
mandato.
Assim, pelo entendimento que era tradicionalmente adotado pelo STF, se
determinado indivíduo estivesse respondendo a uma ação penal em 1ª
instância, caso ele fosse eleito Deputado Federal, no mesmo dia da sua
diplomação, cessaria a competência do juízo de 1ª instância e o processo
criminal deveria ser remetido ao STF para ali ser julgado.
Vale ressaltar que a diplomação é o ato pelo qual a Justiça Eleitoral atesta
quem são os candidatos eleitos e os respectivos suplentes. A diplomação é
normalmente marcada para dezembro e a posse somente ocorre alguns dias
depois, em janeiro.
Questão de ordem na AP 937
Diante desse cenário, o Min. Luís Roberto Barroso, antes do julgamento de
uma ação penal que tramitava no Supremo, suscitou, em uma questão de
ordem, duas propostas.
Em outras palavras, o Ministro disse o seguinte: antes de discutirmos este
processo, gostaria de propor que o Plenário do STF analisasse duas questões
que envolvem foro por prerrogativa de função.
Primeiro tema
O Min. Barroso propôs a seguinte reflexão:
Vamos mudar a interpretação que até hoje era dada ao art. 102, I, “b”, da
CF/88 e passar a entender que o foro por prerrogativa de função dos
Deputados Federais e Senadores deve se aplicar apenas a crimes cometidos
durante o exercício do cargo e desde que relacionados com a função
desempenhada?
Segundo tema
O Ministro também propôs uma segunda discussão:
Vamos definir um determinado momento processual (ex: fim da instrução) a
partir do qual mesmo que o réu perca o foro privilegiado no STF (exs:
renunciou, não se reelegeu etc), ainda assim ele continuará sendo julgado
pelo Supremo?
O que os Ministros do STF decidiram? Eles concordaram com as duas
proposições feitas pelo Min. Barroso?
SIM (AP 937 QO). Vamos entender resumidamente os argumentos acolhidos
pelo STF.
SENTIDO E ALCANCE DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
Razão que justificou a existência do foro privilegiado
Na origem, a prerrogativa de foro tinha como fundamento a necessidade de
assegurar a independência de órgãos e o livre exercício de cargos
constitucionalmente relevantes.
Entendia-se que a atribuição da competência originária para o julgamento dos
ocupantes de tais cargos a tribunais de maior hierarquia evitaria ou reduziria a
utilização política do processo penal contra titulares de mandato eletivo ou
altas autoridades, em prejuízo do desempenho de suas funções.
Assim, o foro privilegiado foi pensado para ser um instrumento destinado a
garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a
pessoa ocupante do cargo. Por essa razão, não faz sentido estendê-lo aos
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crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que, cometidos após
a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções.
Se o foro por prerrogativa de função for amplo e envolver qualquer crime (ex:
um acidente de trânsito) ele se torna um privilégio pessoal que não está
relacionado com a proteção do cargo.
Normas que estabeleçam exceções ao princípio da igualdade devem
ser interpretadas restritivamente
A existência do foro por prerrogativa de função representa uma exceção ao
princípio republicano e ao princípio da igualdade. Tais princípios, contudo,
gozam de preferência axiológica em relação às demais disposições
constitucionais. Daí a necessidade de que normas constitucionais que
excepcionem esses princípios – como aquelas que introduzem o foro por
prerrogativa de função – sejam interpretadas sempre de forma restritiva.
Redução teleológica
O foro especial está previsto em diversas disposições da Carta de 1988.
O art. 102, I, “b” e “c”, por exemplo, estabelece a competência do STF para
“processar e julgar, originariamente, (...) nas infrações penais comuns, o
Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso
Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”, bem
como “os Ministros de Estado e os Comandantes Militares, os membros dos
Tribunais Superiores, os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter permanente”.
O art. 53, § 1º determina que “Os Deputados e Senadores, desde a expedição
do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal
Federal”.
Embora se viesse interpretando tais dispositivos de forma literal, ou seja, no
sentido de que o foro privilegiado abrangeria todos os crimes comuns, é
possível e desejável atribuir ao texto normativo uma acepção mais restritiva,
com base na teleologia do instituto e nos demais elementos de interpretação
constitucional.
Trata-se da chamada “redução teleológica” (Karl Larenz) ou, de forma mais
geral, da aplicação da técnica da “dissociação” (Riccardo Guastini), que
consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a
somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma
interpretação literal, que se dá para adequá-la à finalidade da norma. Nessa
operação, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige
mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo,
mas extraída de sua própria teleologia. Como resultado, a norma passa a se
aplicar apenas a parte dos fatos por ela regulados.
A extração de “cláusulas de exceção” implícitas serve, assim, para concretizar
o fim e o sentido da norma e do sistema normativo em geral.
Outros exemplos em que se aplicou a técnica da “redução teleológica”:
Ex1: o art. 102, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STF processar e julgar
“a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual”. Embora o dispositivo não traga qualquer restrição temporal, o STF
consagrou entendimento de que não cabe ADI contra lei anterior à
Constituição de 1988, porque, ocorrendo incompatibilidade entre ato
normativo infraconstitucional e a Constituição superveniente, fica ele revogado
(não recepção).
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Ex2: o art. 102, I, “f” prevê que competente ao STF julgar “as causas e os
conflitos entre a União e os Estados”. O Supremo entendeu que essa
competência não abarca todo e qualquer conflito entre entes federados, mas
apenas aqueles capazes de afetar o pacto federativo.
Ex3: o art. 102, I, “r” prevê que compete ao STF julgar “as ações contra o
Conselho Nacional de Justiça”. Em uma intepretação literal, essa competência
abrangeria toda e qualquer ação contra o CNJ, sem exclusão. No entanto,
segundo a jurisprudência do Tribunal, somente estão sujeitas a julgamento
perante o STF o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas
data e o habeas corpus, pois somente nessas situações o CNJ terá legitimidade
passiva ad causam. E mais: ainda quando se trate de MS, o Supremo só
reconhece sua competência quando a ação se voltar contra ato positivo do
CNJ.
Ex4: o art. 102, I, “n” prevê que compete ao STF julgar a “ação em que todos
os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e
aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam
impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”. Em relação à
primeira parte do dispositivo, o STF entendeque a competência só se aplica
quando a matéria versada na causa diz respeito a interesse privativo da
magistratura, não envolvendo interesses comuns a outros servidores. Em
relação à segunda parte do preceito, entende-se que o impedimento e a
suspeição que autorizam o julgamento de ação originária pelo STF pressupõem
a manifestação expressa dos membros do Tribunal competente, em princípio,
para o julgamento da causa.
Em todos esses casos (e em muitos outros), entendeu-se possível a redução
teleológica do escopo das competências originárias do STF pela via
interpretativa.
Conclusão quanto à primeira proposição:
As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de
foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas
restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido
praticados durante o exercício do cargo e em razão dele.
Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser
diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do
STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância mesmo ocupando o
cargo de parlamentar federal.
Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a
investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta
com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado.
Foi fixada, portanto, a seguinte tese:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
03/05/2018.
CRIMES COMETIDOS POR DEPUTADO FEDERAL OU SENADOR
Situação Competência
Crime cometido antes da diplomação como Deputado ou
Senador
Juízo de 1ª
instância
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Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício
do cargo), mas o delito não tem relação com as funções
desempenhadas.
Ex: embriaguez ao volante.
Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício
do cargo) e o delito está relacionado com as funções
desempenhadas.
Ex: corrupção passiva.
STF
MOMENTO DA FIXAÇÃO DEFINITIVA DA COMPETÊNCIA DO STF
Se o parlamentar federal (Deputado Federal ou Senador) está
respondendo a uma ação penal no STF e, antes de ser julgado, ele
deixe de ocupar o cargo (exs: renunciou, não se reelegeu etc) cessa o
foro por prerrogativa de função e o processo deverá ser remetido para
julgamento em 1ª instância?
O STF decidiu estabelecer uma regra para situações como essa:
• Se o réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar: cessa a
competência do STF e o processo deve ser remetido para a 1ª instância.
• Se o réu deixou de ocupar o cargo depois de a instrução se encerrar: o STF
permanece sendo competente para julgar a ação penal.
Assim, o STF estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência
para processar e julgar ações penais – seja do STF ou de qualquer outro órgão
jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo (exs: renúncia, não reeleição, eleição
para cargo diverso).
Por que foi necessário estabelecer este limite temporal?
Porque era comum haver um constante deslocamento da competência das
ações penais de competência originária do STF (um verdadeiro “sobe-e-desce”
processual).
Não foram raros os casos em que o réu procurou se eleger a fim de mudar o
órgão jurisdicional competente, passando do primeiro grau para o STF. De
outro lado, alguns deixaram de candidatar à reeleição, com o objetivo inverso,
qual seja, passar a competência do STF para o juízo de 1ª instância, ganhando
tempo com isso. E houve também os que renunciaram quando o julgamento
estava próximo de ser pautado no STF.
Isso gerava, muitas vezes, o retardamento dos inquéritos e ações penais, com
evidente prejuízo para a eficácia, a racionalidade e a credibilidade do sistema
penal. Houve inclusive casos de prescrição em razão dessas mudanças.
Quando se considera encerrada a instrução, para os fins acima
explicados?
Considera-se encerrada a instrução processual com a publicação do despacho
de intimação para apresentação de alegações finais.
Nesse momento fica prorrogada a competência do juízo para julgar a ação
penal mesmo que ocorra alguma mudança no cargo ocupado pelo réu.
Desse modo, mesmo que o agente público venha a ocupar outro cargo ou
deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará
modificação de competência.
Ex: Pedro, Deputado Federal, respondia ação penal no STF; foi publicado
despacho intimando o MP para apresentação de alegações finais; uma semana
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depois, o réu foi diplomado Prefeito; mesmo Pedro tendo deixado de ser
Deputado Federal, o STF continuará sendo competente para julgar o processo
criminal contra ele.
Por que se escolheu esse critério do encerramento da instrução?
Por três razões:
1ª) Trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa
pouca margem de manipulação para os investigados e réus e afasta a
discricionariedade da decisão dos tribunais de declínio de competência;
2ª) Este critério privilegia o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o
contato do magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal;
3ª) Já existia precedente do STF já adotando este marco temporal.
Tese fixada quanto à segunda proposição:
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho
de intimação para apresentação de alegações finais, a competência
para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão
de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
03/05/2018.
Assim, se o Deputado Federal ou Senador estiver respondendo um processo
criminal no STF e chegar ao fim o seu mandato, cessa a competência do STF
para julgar esta ação penal, salvo se a instrução processual já estiver
concluída, hipótese na qual haverá a perpetuação da competência e o STF
deverá julgar o réu mesmo ele não sendo mais um parlamentar federal.
Essas duas conclusões definidas na questão de ordem podem ser
aplicadas a partir de quando?
Já estão sendo aplicadas.
O STF decidiu que essa nova linha interpretativa deve se aplicar
imediatamente aos processos em curso, ou seja, já vale a partir da data do
julgamento da questão de ordem (03/05/2018).
Vale ressaltar, no entanto, que todos os atos praticados e decisões proferidas
pelo STF e pelos demais juízos antes da questão de ordem, com base na
jurisprudência anterior, devem ser considerados válidos.
OBSERVAÇÕES FINAIS
Investigações criminais envolvendo Deputados Federais e Senadores
ANTES da AP 937 QO
Antes da decisão da AP 937 QO, as investigações envolvendo Deputado
Federal ou Senador somente poderiam ser iniciadas após autorização formal
do STF.
Assim, por exemplo, se, a autoridade policial ou o membro do Ministério
Público tivesse conhecimento de indícios de crime envolvendo Deputado
Federal ou Senador, o Delegado e o membro do MP não poderiam iniciar uma
investigação contra o parlamentar federal.
O que eles deveriam fazer: remeter esses indícios à Procuradoria Geral da
República para que esta fizesse requerimento pedindo a autorização para a
instauração de investigação criminal envolvendo essa autoridade. Essa
investigação era chamada de inquérito criminal (não era inquérito "policial") e
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deveria tramitar no STF, sob a supervisão judicial de um Ministro-Relatorque
iria autorizar as diligências que se fizessem necessárias.
Em suma, o que eu quero dizer: a autoridade policial e o MP não podiam
investigar eventuais crimes cometidos por Deputados Federais e Senadores,
salvo se houvesse uma prévia autorização do STF.
Investigações criminais envolvendo Deputados Federais e Senadores
DEPOIS da AP 937 QO
Situação Atribuição para investigar
Se o crime foi praticado antes da
diplomação
Polícia (Civil ou Federal) ou MP.
Não há necessidade de autorização do
STF
Medidas cautelares são deferidas pelo
juízo de 1ª instância (ex: quebra de
sigilo)
Se o crime foi praticado depois da
diplomação (durante o exercício do
cargo), mas o delito não tem relação
com as funções desempenhadas.
Ex: homicídio culposo no trânsito.
Se o crime foi praticado depois da
diplomação (durante o exercício do
cargo) e o delito está relacionado com
as funções desempenhadas.
Ex: corrupção passiva.
Polícia Federal e Procuradoria Geral da
República, com supervisão judicial do
STF.
Há necessidade de autorização do STF
para o início das investigações.
O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale
para outras hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os
Deputados Federais e Senadores?
Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o
próprio STF no julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
12/06/2018 no qual afirmou que o entendimento vale também para Ministros
de Estado.
O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e
Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Explico.
O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes
praticados por Governadores de Estado e por Conselheiros dos Tribunais de
Contas dos Estados:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito
Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros
dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do
Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais;
A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a
amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:
O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e
Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito
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aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.
Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos
Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente
se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo
e em razão deste.
STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 20/06/2018.
STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
20/06/2018.
O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores dos
Tribunais de Justiça são julgados criminalmente pelo STJ. O
entendimento acima exposto (que restringiu o foro para crimes
relacionados com o cargo) é aplicado também para os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça? Se um Desembargador
praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas
funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo
juízo de 1ª instância?
NÃO.
Os Desembargadores dos Tribunais de Justiça continuam sendo
julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as
suas funções.
Assim, o STJ continua sendo competente para julgar quaisquer
crimes imputados a Desembargadores, não apenas os que tenham
relação com o exercício do cargo.
STJ. APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 30/05/2016.
É uma espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o foro por
prerrogativa de função.
O STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de 1º
instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto
administrativo, está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz).
Veja as palavras do Min. Relator Benedito Gonçalves:
“É que, em se tratando de acusado e de julgador, ambos, membros da
Magistratura nacional, pode-se afirmar que a prerrogativa de foro não
se justifica apenas para que o acusado pudesse exercer suas atividades
funcionais de forma livre e independente, pois é preciso também que o
julgador possa reunir as condições necessárias ao desempenho de suas
atividades judicantes de forma imparcial.
Esta necessidade (de que o julgador possa reunir as condições
necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma
imparcial) não se revela como um privilégio do julgador ou do acusado,
mas como uma condição para que se realize justiça criminal. Ser
julgado por juiz com duvidosa condição de se posicionar de forma
imparcial, afinal, violaria a pretensão de realização de justiça criminal
de forma isonômica e republicana.
A partir desta forma de colocação do problema, pode-se argumentar
que, caso Desembargadores, acusados da prática de qualquer crime
(com ou sem relação com o cargo de Desembargador) viessem a ser
julgados por juiz de primeiro grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos
pertencem, se criaria, em alguma medida, um embaraço ao juiz de
carreira.”
10/09/2019 Dizer o Direito: Foro por prerrogativa de função: panorama atual
https://www.dizerodireito.com.br/2018/06/foro-por-prerrogativa-de-funcao.html 12/18
O caso concreto enfrentado pelo STJ envolvia um Desembargador do Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná que estava sendo acusado de ter,
supostamente, praticado lesão corporal contra a mãe e a irmã.
Este Desembargador deve ser julgado pelo STJ (e não pelo Juiz de Direito de
1ª instância).
O Min. João Otávio de Noronha acompanhou o Relator argumentando que:
“Por mais que acredite na lisura dos juízes brasileiros, seria muito
constrangedor para esse juiz em determinada situação votar ou
condenar um superior hierárquico, que votou ou votará nele para uma
promoção. Sem considerar outras hipóteses. Eu não daria essa carta em
branco. Não assinaria um cheque em branco para os juízes nessa
hipótese. Eu prefiro a cautela. Não quero ver juiz perseguido nem
promovido por favores concedidos que pode gerar até a impunidade.
Minha preocupação é sobretudo a impunidade, vamos ver Estado em
que a pressão no juiz é muito grande. Juiz que tem vínculo com
investigado não pode julgar. É uma blindagem que se faz à
independência da magistratura. O juiz que está subordinado a um
investigado não deve julgá-lo.”
No mesmo sentido foi o voto do Min. Herman Benjamin:
“Para um juiz, a carreira é o fundamento da sua existência profissional.
E não vejo como um juiz possa julgar o corregedor do seu Tribunal. O
foro existe para o réu e em favor da sociedade. É garantia implícita."
Votos vencidos
Ficaram vencidos os Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e
Maria Thereza de Assis Moura, que defendiam a tese de que os
Desembargadores devem receber o mesmo tratamento que as demais
autoridades e que se o delito não estiver relacionado com as funções, eles
deveriam ser julgados em 1ª instância.
O caso analisado pelo STJ envolvia um Desembargador do Tribunal de
Justiça. Esse entendimento deverá ser aplicado também para os
membros dos TRFs (“Desembargadores Federais), para os membros
dos TRTs (“Desembargadores Federais do Trabalho”) e para os
membros dos TREs? Essas autoridades também serão julgadas pelo
STJ mesmo que o crime tenha sido praticado fora do exercício do
cargo e mesmo que o delito nãoesteja relacionado com as funções
desempenhadas?
Essa questão não foi solucionada ainda de forma expressa pelo STJ. Isso
porque alguns Ministros afirmaram que estavam mantendo o foro porque
entendiam que não era prudente um juiz julgar o processo criminal de um
Desembargador ao qual está vinculado hierarquicamente. Logo, para esses
Ministros, um dos argumentos principais para se manter a competência do STJ
nesses casos está no fato de que o Juiz não teria a imparcialidade necessária
para julgar um Desembargador que pertence ao mesmo Tribunal que ele (e
que é seu superior).
Ocorre que, se um membro do TRT (“Desembargador Federal do Trabalho”)
praticar um crime, ele não seria julgado por um Juiz do Trabalho, mas sim por
um Juiz de Direito ou por um Juiz Federal. Isso porque o Juiz do Trabalho não
tem jurisdição criminal. O “Desembargador Federal do Trabalho” não tem
10/09/2019 Dizer o Direito: Foro por prerrogativa de função: panorama atual
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qualquer ingerência sobre o Juiz de Direito ou sobre o Juiz Federal,
considerando que fazem parte de Tribunais diferentes. Desse modo, esse
argumento do STJ não se aplicaria neste caso e, em tese, não haveria
qualquer empecilho de o “Desembargador Federal do Trabalho” ser julgado em
1ª instância.
O Min. João Otávio de Noronha, em trecho de seu voto, deu a entender que
poderia, em tese, adotar essa distinção:
 “A questão envolvendo o Judiciário tem que ser caso a caso. Não há
problema nenhum de um juiz do Trabalho, por exemplo, ser julgado por
um juiz de primeiro grau. Mas há problema um juiz de primeiro grau
julgar um desembargador que o promoveu ou que reforma suas
decisões”.
Por outro lado, alguns Ministros demonstraram certo incômodo de se criar uma
regra de foro para os Desembargadores dos Tribunais de Justiça e outra para
os “Desembargadores Federais do Trabalho”.
Assim, é preciso aguardar para se ter certeza do caminho que será adotado
pelo STJ.
Por enquanto, posso apontar as seguintes conclusões e dúvidas:
• REGRA: as autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88 somente são
julgadas pelo STJ em caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas. Ex: membro do Tribunal de Contas
pratica violência doméstica contra a sua esposa. Será julgado pelo Juiz de
Direito de 1ª instância.
• EXCEÇÃO: os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados pelo
STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas funções. Ex:
Desembargador pratica violência doméstica contra sua esposa. Será julgado
pelo STJ (e não pelo juiz de 1ª instância).
DÚVIDAS:
1) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os membros dos TRFs
(“Desembargadores Federais), para os membros dos TRTs (“Desembargadores
Federais do Trabalho”) e para os membros dos TREs?
2) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os membros dos TRFs
(“Desembargadores Federais), para os membros do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais (e que estão listados no art. 105, I, “a”, da
CF/88)?
3) Se o crime praticado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça for um
“crime federal” (delito de competência da Justiça Federal), ele poderia ser
julgado pelo Juiz Federal de 1ª instância, considerando que eles não mantêm
qualquer vinculação entre si, já que não fazem parte do mesmo Tribunal?

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