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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1179 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EDUCAÇÃO E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL: CONCEPÇÕES DA UNESCO PARA A DÉCADA DE 1960 Angela Galizzi Vieira Gomide (UEL) Resumo O trabalho que apresentamos teve como objetivo analisar, nos documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para a América Latina e Caribe, os direcionamentos e as concepções constitutivas para a educação, a formação de professores e o planejamento, de modo a estabelecer as possíveis relações com as políticas públicas para a educação adotadas no Brasil. Trata‐se de pesquisa bibliográfica e documental, na qual, por meio da análise de conteúdo de documentos selecionados, estabelecemos um diálogo crítico com as fontes. Definimos como objeto de pesquisa os documentos da UNESCO para a década de 1960 que abordaram a temática Planejamento da Educação, propondo o seguinte questionamento: Qual a concepção da UNESCO para planejamento educacional e sua implicação nas políticas públicas para a educação e a formação de professores no Brasil na década de 1960? Analisamos: a Recomendação da UNESCO sobre o “Planejamento Educacional” (1962); o documento proveniente da Conferência Internacional de Planejamento Educacional (1968); a Recomendação sobre a “Carência de Professores Primários” (1962) e o documento resultante da “Conferência Internacional sobre a Crise Mundial da Educação” (1968). Fundamentada no materialismo histórico, problematizamos os dados com apoio nas obras de Saviani (2011), Vasconcelos (2000), Calazans (2000) e Luckesi (2005), entre outros, buscamos apreender os significados teóricos e ideológicos enunciados nos documentos e que implicaram nas políticas para a formação de professores e o planejamento educacional do Brasil. O estudo revelou que a UNESCO, na década de 1960, fixou seu olhar para a educação, reconhecendo‐a como estratégia para o desenvolvimento geral do país. Utilizando‐se da noção de planejamento educacional, direcionou as políticas para a educação e a formação de professores no Brasil, articulada à concepção de educação para o desenvolvimento, como forma de fortalecer sua hegemonia e o modelo de sociedade capitalista excludente na qual se insere. PALAVRAS‐CHAVE: Política Educacional. Formação de professores. História da educação. UNESCO. Planejamento educacional. Para compreendermos a temática relativa à formação de professores, educação e o planejamento educacional na perspectiva da UNESCO (Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e Cultura) faz‐se necessário entender esta Organização como órgão da ONU (Organização das Nações Unidas), especializada em educação. Como articuladora de princípios e valores liberais democráticos ancorados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, suas concepções se reportam à “[...] liberdade e à igualdade de direitos e dignidade para todos os homens, independente de raça, cor, gênero, nacionalidade, língua, religião, opinião, nacionalidade ou origens sociais, propriedade, nascimento ou outro status” (UNESCO, 2004, p.37). Com base nesses pressupostos, afirma incentivar “[...] uma educação para a IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1180 paz, os direitos humanos e a democracia, com o objetivo de fomentar a tolerância, a não violência e o entendimento internacional”. Desde a sua constituição em 1945, a UNESCO vem realizando ao redor do mundo um conjunto de Conferências Internacionais, com o intuito de definir formas consensuais e unitárias de pensamento sobre os temas de interesse dos Estados membros que a compõem. Os documentos conclusivos dessas Conferências, considerados fontes documentais primárias, compreendem as suas recomendações e orientações para fins determinados. Neste trabalho, identificamos os documentos da UNESCO da década de 1960, selecionamos e organizamos um conjunto documental de modo a poder extrair deles os significados para a educação, a formação de professores e o planejamento educacional e sua implicação nas políticas públicas para a educação e a formação de professores no Brasil. Olinda Evangelista (2008, p. 5) denominou de empiria a esse conjunto de documentos, gestados “na história, como manifestação da consciência humana”. Para a autora, se a “tomamos como passível de conhecimento pelo sujeito histórico podemos considerar que conhecê‐la é conhecer a própria consciência humana”. O estudo se justificou porque até a década de 1960 a UNESCO não havia abordado a questão do planejamento educacional. Suas primeiras recomendações priorizaram a consolidação de um pensamento ideológico e de um discurso generalista, subjetivo, sedutor e abstrato necessário ao processo de reorganização do capitalismo, no mundo ocidental pós Segunda Guerra Mundial. Vinculou‐se a esse discurso, a formação moral do ser humano, sintonizado com os princípios liberais da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Tal definição reforçou sua imagem simbólica em favor da paz, da segurança nacional e mundial de modo a estabelecer um pensamento unitário para um projeto de uma sociedade ideal: sem guerras, sem violências, sem conflitos, sem contradições. Definida como um “[...] laboratório de ideias e uma instituição com padrões para tecer consensos universais sobre temas emergentes” (UNESCO, 2004, p.33), a UNESCO se baseia no pressuposto de que a educação é determinante para a sociedade. Nessas condições, estabeleceu mediações entre as recomendações aprovadas e a organização escolar propondo princípios, objetivos, prioridades políticas ou valores morais adequados ao momento IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1181 histórico posterior à Segunda Guerra Mundial, num processo contraditório e fortalecedor das relações capitalistas de produção. As Conferências Internacionais de Educação promovidas pela UNESCO desde a sua fundação até a década de 1950 foram pensadas a partir de particularidades diagnosticadas pelos países membros que buscavam, e receberam, da UNESCO recomendações específicas para o ensino primário, a formação do professor primário, a inspeção escolar, os manuais de ensino, a inserção da mulher na educação e a educação rural. Tais recomendações, mesmo constituídas de forma fragmentária, estabeleceram consensos em torno da defesa da escolarização primária para a população brasileira e da secundária, no Curso Normal, para a formação dos professores. Também recomendaram a inserção da mulher no mercado de trabalho, alegando que o melhor espaço para que isso ocorresse seria o escolar. Pensando nessa possibilidade, a sugestão da UNESCO acabou por limitá‐la ao trabalho docente, considerado pela Organização como extensão de seus afazeres domésticos. Nos documentos aprovados para a década de 1960, identificamos o foco no Planejamento da Educação, cujos significados para a educação e aformação de professores foram visualizados na educação brasileira deste período. Os documentos aqui analisados foram: A Recomendação da UNESCO sobre o “Planejamento Educacional” (1962); o documento proveniente da Conferência Internacional de Planejamento Educacional (1968), a Recomendação sobre a “Carência de Professores Primários” (1962) e a “Conferência Internacional sobre a Crise Mundial da Educação” (1968). Fundamentados no materialismo histórico, apoiamo‐nos em Cury (2005) e nas categorias do método dialético, quais sejam: contradição, totalidade, hegemonia, reprodução e mediação, cientes de que as mesmas implicam o pressuposto de que a sociedade se apresenta em constante movimento. No contexto geral, o Brasil da década de 1960 fortaleceu o perfil urbano industrial, que exigiu mão‐de‐obra qualificada para o mercado interno de consumo. Essa condição obrigou o Estado a enfrentar sérios problemas sociais, como o aumento na inflação, o crescimento urbano, o desenvolvimento econômico industrial, aumento no número de desempregados e de analfabetos. Sob a égide da ditadura, o Estado adotou medidas de cerceamento dos direitos políticos com redução dos direitos econômicos, caracterizando‐se como um governo a favor da classe de maior IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1182 poder econômico, conforme argumentou Sader (2007). Em sua concepção, a organização do Estado brasileiro passou de um modelo que [...] atendia estritamente os interesses da oligarquia primário‐exportadora e considerava a questão social “um caso de polícia” – nas palavras de Washington Luis, o presidente derrubado pela revolução de 1930‐, passava‐se a um Estado nacional que assumia os direitos sociais como responsabilidade sua. A criação do Ministério do Trabalho, a adoção da Legislação do Trabalho, a criação da Previdência Social, assim como da carreira do funcionalismo público, com os concursos correspondentes, e dos programas de fomento da produção eram algumas marcas do novo tipo de Estado que estava sendo criado e que nortearia a transformação do Brasil de um país agrícola e rural em um outro, industrial e urbano. (SADER, 2007, p.76). Nesse período, os militares assumiram o comando da nação, adotaram procedimentos de cerceamento da liberdade de expressão e comunicação e impuseram a força do autoritarismo e do medo, provocando um longo processo de perda dos direitos democráticos. Com relação aos documentos da UNESCO, reconhecemos que a temática “Planejamento Educacional”1 passou a ser discutida pela UNESCO a partir de 1962, na Conferência “Educação e Desenvolvimento Econômico e Social na América Latina”, realizada no Chile. O encontro chamou a atenção para a necessidade “urgente” de organizar a escola, sugerindo três etapas: a primeira, com duração de 8 a 9 anos de educação geral, sobre a base do período pré‐escolar; a segunda, com duração de 2 a 4 anos, de nível médio, e a terceira etapa, de 2 a 7 ou 8 anos, em que a formação combinaria com as “[...] múltiplas modalidades da formação especializada profissional ou científica, de nível superior” (Art. 2). Além de incentivar a adoção de políticas para erradicar o analfabetismo, sugeriu a formação dos professores e o aperfeiçoamento do pessoal para serviços educativos, em ações coordenadas de nível superior. Na utilização da expressão “pessoal de serviços educativos”, a UNESCO contemplou professores, supervisores, administradores e outros especialistas. No entanto, reforçou o papel da supervisão escolar, com o objetivo de “[...] assegurar a melhoria da qualidade da educação” e “[...] do rendimento dos recursos que lhes são destinados” (art. 9). Numa perspectiva de “racionalização técnica dos serviços educacionais” (art. 7), a UNESCO ressaltou a necessidade de elaborar o planejamento educacional, considerando‐o 1 O documento síntese da Conferência sobre Educação e Desenvolvimento Econômico e Social na América Latina, realizada no Chile, em 1962 foi publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos n.89, de 1963 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1183 como “[...] parte do sistema nacional de educação” (art 11), o que implicaria a adoção de um projeto para tornar a educação eficiente em relação ao modelo de desenvolvimento. O tema “Planejamento Educacional” 2 também foi alvo de discussão pela UNESCO na XXV Conferência Internacional de Educação, realizada em Genebra em 1962. Desta Conferência resultou a Recomendação n.54, que apontou a importância de estabelecer “[...] as necessidades e os objetivos do desenvolvimento da educação em período determinado”. Para tanto, os representantes dos países membros foram convencidos da possibilidade de usar na educação as técnicas de planejamento empregadas em outros setores e com isso, “[...] fixar as etapas principais” e estabelecer “[...] os meios e as medidas de ordem concreta” visando a alcançar o desenvolvimento da educação (UNESCO, 1963, p. 96. Recomendação n. 54). Tal convencimento, na concepção da UNESCO, ocorreu devido à “[...] aceitação do princípio de interdependência entre o desenvolvimento da educação e o desenvolvimento econômico e social”, sem contundo, “[...] esquecer que a educação deve preservar seu caráter próprio, que é formar a personalidade humana e desenvolver harmoniosamente todas as virtualidades morais, intelectuais e físicas” (UNESCO, 1963, p. 97. Recomendação n. 54). Para a UNESCO, o planejamento da educação deveria “[...] inspirar‐se nos princípios gerais do planejamento no que se refere à previsão dos efetivos escolares, de pessoal docente e sua formação, construções escolares e créditos destinados ao ensino” (UNESCO, 1963, p. 98. Recomendação n. 54). Com base nessa concepção, a elaboração de um plano de educação, para a UNESCO, deveria compreender: a) A análise da situação educacional do país e de sua situação de conjunto; b) A determinação das necessidades educacionais a atender; c) O inventário dos recursos humanos e materiais existentes; d) A fixação dos objetivos a atingir e a ordem de prioridades a observar num espaço de tempo estabelecido; e) A enunciação de medidas a serem tomadas ou modificações a efetuar, tendo em vista objetivos determinados. (UNESCO, 1963, p. 99. Recomendação n. 54) 2 A Recomendação n. 54 da UNESCO dispõe sobre o Planejamento Educacional. Sintetizou as recomendações da XXV Conferência Internacional de Instrução Pública, convocada pela UNESCO e pelo Bureau Internacional de Educação e realizada em 1962, em Genebra. Foi publicada na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos n.89, de 1963. IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1184 Os princípios acima mencionados vão ao encontro da concepção de planejamento escolar, entendida no Brasil na década de 1960, como um instrumento para a introdução do racionalismo científico na educação, sob a ótica do escolanovismo. Libâneo (2001, p.123) corrobora esta assertivae define planejamento como “[...] atividade de previsão da ação a ser realizada, implicando definição de necessidades a atender, objetivos a atingir dentro das possibilidades, procedimentos e recursos a serem empregados, tempo de execução e formas de avaliação”. A UNESCO (1963, p. 99. Recomendação n. 54), com esse documento, redigiu “[...] a elaboração de um plano de educação não se limitaria a considerar somente os fatores de ordem pedagógica”, porém sua visão não ultrapassou a concepção mecanicista relacionada às influências de diferentes condicionantes para o desenvolvimento da educação. Nessa questão, destacou a interferência da estrutura social, da evolução demográfica, dos fatores de ordem econômica, dos recursos financeiros, bem como da organização e do funcionamento da administração escolar e sugeriu aos países membros que dessem atenção especial a estas partes do plano. Assim, bastaria operacionalizar todos estes meios para alcançar os fins propostos, independente das demais adversidades que viessem interferir nos resultados esperados. Sobre a formação de pessoal, suas diretrizes focalizaram os “especialistas em planificação educacional”, os “dirigentes de ensino” e as “autoridades responsáveis pela administração e organização escolares” (UNESCO, 1963, p. 102. Recomendação n. 54), a quem foi recomendada a promoção de cursos universitários nos quais se abordassem aspectos técnicos da planificação educacional. Ao mesmo tempo, sugeriram a inserção desses conhecimentos no programa, não só dos cursos de inspetores e administradores escolares, como também na formação de magistério, apoiados em modelos ou projetos técnicos esmerados. No geral, as recomendações aprovadas no documento de 1962 focalizaram o planejamento em curto prazo, restrito às ações a serem realizadas no âmbito escolar. Foi um ato político da UNESCO para responsabilizar o professor pelo fracasso e insucesso da educação que, em sua opinião, deveria planejar melhor as atividades escolares de modo a atender às necessidades dos alunos e reverter os resultados negativos. Na análise que realizamos sobre os documentos da UNESCO para a década de 1950, constatamos um conjunto de recomendações que discutiram questões particulares a respeito da IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1185 problemática educação. Contudo, na Recomendação n.54 (1962), a UNESCO focalizou a temática “Planejamento Educacional”, como uma estratégia política para orientar as ações escolares em seu conjunto. Isso não configurou, entretanto, uma compreensão dialética da instituição escolar e de suas articulações com o contexto no qual está inserida. Ao contrário, valorizou‐se a concepção de planejamento como estratégia para racionalizar investimentos e aumentar a eficiência das ações pedagógicas escolares. Com isso, proporcionou maior penetração e interferência da UNESCO no campo escolar, que poderia acompanhar, controlar e cobrar melhoria nos resultados da educação dos países membros. Baseada no referido direcionamento, a UNESCO apontou para a adoção da concepção de planejamento em curto prazo, com finalidades imediatas, mediante a definição de ações referentes à organização da escola, a seus objetivos e aos meios para alcançá‐ los. Prevaleceu a dimensão científica e técnica, em detrimento da dimensão político‐social, responsável pela “discussão política da ação que se vai realizar” na qual se insere o “modelo de sociedade ao qual está servindo o planejamento elaborado (LUCKESI, 2005, p.118). Evidenciou‐se a limitação deste conceito ao contexto da escola, compreendendo‐a de forma desarticulada das relações sociais que se travam em seu entorno. Positivismo, funcionalismo e mecanicismo foram pressupostos presentes nesta concepção. No ambiente escolar, o supervisor pedagógico e o inspetor de ensino cumpririam com rigor o papel disciplinador e cerceante que o planejamento trouxe ao contexto escolar, principalmente no momento ditatorial no qual o Brasil vivia na época. A própria Organização sugeriu a realização de novas conferências regionais para discutir “[...] sobre as necessidades educacionais e os meios de solucioná‐las” (UNESCO, 1963, p. 103. Recomendação n. 54). Visando a concretizar esta ideia, em 1968, a UNESCO realizou a Conferência Internacional de Planejamento Educacional3, que reforçou a questão do Planejamento Educacional e sua relação com o desenvolvimento em geral. Com este documento, ampliou‐se a concepção de planejamento, que passou a abarcar a sua relação com o desenvolvimento geral do país. 3 A “International Conference on Educational Planning” foi realizada em Paris, em 1968. Analisou as tendências, os problemas e as necessidades do planejamento educacional em relação ao desenvolvimento da educação e ao desenvolvimento em geral (tradução livre). IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1186 Assim, a UNESCO, juntamente com os representantes dos países membros, compreendeu o planejamento educacional como um “[...] dos meios essenciais do progresso da sociedade”, sendo a execução dos planos de desenvolvimento educacional “[...] um dever essencial das autoridades responsáveis” (INTERNATIONAL CONFERENCE ON EDUCATIONAL PLANNING, 1968, art. 1, tradução livre). A educação foi considerada prioridade, para a qual a UNESCO sugeriu “[...] mais esforços para alcançar os progressos substanciais na área de planejamento educacional e desenvolvimento” (UNESCO, 1968, tradução livre). Essa assertiva revelou o interesse da UNESCO em ultrapassar os limites da escola e compreender o processo educativo como um dos aspectos a serem trabalhados, com o objetivo de alcançar o desenvolvimento geral. Ao relacionar a concepção de planejamento da educação com desenvolvimento geral da sociedade, a UNESCO fortaleceu a articulação entre o planejamento da educação e o modelo econômico, sobre o qual Calazans (2001, p.13) argumentou “[...] o planejamento num sistema capitalista não é mais a forma de racionalização da reprodução ampliada do capital”, pois fica evidente que “[...] não é o planejamento que planeja o capitalismo, mas é o capitalismo que planeja o planejamento”. A leitura deste documento apontou para a mudança no discurso da UNESCO em direção à adoção de políticas públicas educativas que definissem ações, metas e resultados quantitativos a serem alcançados, com o fim de proporcionar maior controle da educação. Tais políticas foram amplamente disseminadas a partir da década de 1990, com a Conferência de Jomtien e as demais conferências que se seguiram. Afirmamos que, ao contrário da Recomendação de 1962, os princípios para o planejamento disseminados no documento de 1968 abarcaram as “políticas de planejamento educacional” numa visão em longo prazo, cujos princípios foram assim definidos: a‐ O planejamento educacional deve ser encarado como parte integrante do planejamento de desenvolvimento geral; b‐ O planejamento educacional é pré‐eminentemente de longo prazo, necessitando de estudos futuros, antes da elaboração de decisões nacionais de planos, programas e projetos de médio ecurto prazo; c‐ O planejamento educacional deve ser abrangente e a educação deve ser identificada com o conceito de educação ao longo da vida/para a vida toda, na medida em que se aplica à educação em todos os níveis e de todo tipo e em todas as fases da vida; IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1187 d‐ Os fundos necessários para a implementação de programas de educação e formação devem ser considerados como um pré‐investimento para o desenvolvimento geral de um país; e‐ O planejamento da educação deve levar em conta as estruturas, métodos e conteúdos de educação, bem como seus aspectos quantitativos (UNESCO, 1968, art 1, tradução livre). Buscamos em Vasconcelos (2000, p.95) a compreensão da expressão planejamento educacional cujo significado refletiu as grandes políticas educacionais situadas na esfera nacional, estadual ou municipal, com ações de maior abrangência, tal como pudemos verificar nos princípios acima mencionados. Chamamos a atenção para o fato de a UNESCO abordar na oportunidade a concepção de “educação ao longo da vida/para a vida toda”, noção esta que também será disseminada com maior ênfase a partir da Conferência de Jomtien, em 1990. Na análise das Recomendações aprovadas (de A a G) na Conferência Internacional de Planejamento Educacional (1968), verificamos que os Estados membros foram responsabilizados pelo levantamento e diagnóstico dos seus problemas educativos, de modo a planejar ações que viessem assegurar um “[...] desenvolvimento econômico e social e o funcionamento eficiente do sistema educativo, em particular através da redução da repetência e desistências” (UNESCO, 1968, tradução livre). Foram sugeridas “[...] medidas para padronizar as estatísticas e informações”, de modo a estabelecer “indicadores comparáveis”, que levassem em conta fatores, tais como: “[...] satisfação das necessidades e aspirações sociais e culturais; realização educacional e ajuste dos currículos; desistências e repetências; custos unitários, reformas e inovações; estruturas e administração” (UNESCO, 1968, tradução livre). Com base neste diagnóstico, a UNESCO difundiu princípios administrativos, focalizados na racionalização técnica, na otimização de recursos e no planejamento de ações para atender às necessidades mais prementes. Também possibilitou a utilização de “estratégias modelos” pelos demais países membros, reforçando a dimensão técnica e científica, na medida em que “não se pode planejar sem um conhecimento da realidade” nem mesmo, “sem os meios eficientes para se obter os resultados” (LUCKESI, 2005, 119). Para a formação inicial de professores, esse documento nada apresentou. Reforçou, entretanto, a necessidade de treinar o pessoal encarregado das funções de planejamento, IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1188 mediante o estudo da educação comparada e cursos ou reuniões periódicas a fim de “[...] permitir a troca de experiências, programas, métodos e materiais de ensino” (UNESCO, 1968, tradução livre). Também enfatizou a ideia de aumentar “[...] a cooperação internacional no campo da educação como um meio importante para a compreensão internacional e a busca da paz” (UNESCO, 1968, tradução livre). Levando em consideração a prioridade dada à educação, bem como a necessidade de implantar políticas de planificação, a UNESCO sugeriu proclamar 1970 como o Ano Internacional da Educação. Para a organização, confirmou‐se a crença na importância da educação para o desenvolvimento geral dos países. Com essa proclamação, as autoridades pretendiam mobilizar energias e definir, na esfera mundial, a prioridade que a educação deveria merecer, resgatando, portanto, o seu papel preponderante na definição da concepção ideológica da educação como fator de desenvolvimento. Para reforçar a celebração do Ano Internacional da Educação, a UNESCO incentivou a realização de pesquisas que discutissem [...] “formação de professores, métodos de ensino, seleção dos alunos e dos estudantes, construção de prédios escolares, o custo e a administração da educação” (UNESCO, 1970, p.227). Sugeriu ainda investir mais na qualidade da educação, acreditando que [...] “só se pode utilizar os recursos humanos e formar todas as categorias de mão‐de‐obra necessárias à sociedade, melhorando a qualidade do sistema de ensino” (UNESCO, 1970, p.227). Em linhas gerais, a UNESCO fundamentou sua concepção de qualidade ancorada em cinco diferentes ângulos, quais sejam: “resultados obtidos, pertinência, equilíbrio, retenção e repetência” (UNESCO, 1970, p.228). No documento resultante da Conferência Internacional de Planejamento Educacional (1968), o Ano Internacional significou uma política de planejamento da educação, como “[...] estratégia de ação internacional conjunta” que “[...] ajudaria a definir mais claramente as grandes opções e prioridades das estratégias nacionais para o planejamento educacional” (UNESCO, 1968, tradução livre). No geral, o documento de 1968 trouxe significados divergentes dos apontados no documento de 1962 (Recomendação 54), o que nos levou a questionar: Contradição? Ruptura de pensamento? Adequação à ordem vigente? Hegemonia? A estes questionamentos podemos responder afirmativamente, pois contradição, ruptura e hegemonia são categorias presentes no IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1189 pensamento da UNESCO e se justificam em vista de seu compromisso com o continuísmo e com a defesa do interesse econômico dominante, de modo a atender as suas demandas. Também revelou o seu descomprometimento com a compreensão político‐social do ato de planejar, numa forma evidente para escamotear a realidade social na qual estamos inseridos. Com este documento, a UNESCO evidenciou a relação direta entre educação e desenvolvimento e estabeleceu um novo pensamento ideológico que vinculou o planejamento da ação educativa ao desenvolvimento mais amplo da sociedade. Apontou, também, normas e pressupostos que subsidiaram as políticas educativas dos países membros, que reforçaram a utilização da educação, como espaço privilegiado para a “[...] difusão e consolidação da visão de mundo dominante” (SAVIANI, 2011, p.39). Lembramos que, na década de 1960, o Brasil alterou a organização da educação, mediante a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 4024/1961), da Reforma Universitária (Lei 5540/68) e da instauração da ditadura militar. Abarcando ainda a noção de planejamento da educação, a UNESCO considerou a carência de professores primários “[...] não somente um obstáculo ao desenvolvimento quantitativo da escola”, mas também um fator prejudicial à qualidade do ensino, o que instigou a Organização, juntamente com seus países membros, a analisar as “[...] causas diversas e as características nos países” em que ocorre a carência de professores primários (UNESCO, 1964, p. 67. Recomendação n.57). Para tanto, discutiu sobre a temática “Carência de Professores Primários” 4 na Conferência de Instrução Pública de 1962, apontando que “[...] as medidas tomadas para remediar a falta de professores primários” se baseassem em “[...] dados objetivos resultantes de pesquisas e estudos científicos” (UNESCO, 1964, p. 68. Recomendação n. 57). Examinando as possíveis causas dessa carência, a UNESCO alertou para o caráter permanente ou passageiro de cada uma delas, de modo a verificar a “[...] tendência a se agravarem, a se estabilizarem ou se extinguirem” (UNESCO, 1964, p. 68. Recomendação n. 57). E, considerando a “complexidade do problema”, apontou outros fatores responsáveis pela crise no recrutamento de professores que agravariam ou inviabilizariam o planejamento das demandas. Como exemplo, mencionou a “[...] situação demográfica”, que 4 A temática relativa à “Carência de Professores Primários” foi discutida durante a XXVI Conferência Internacional de Instrução Pública, convocada pela UNESCO e realizada em Genebra, em 1962. Suas diretrizes foram sistematizadas na Recomendação n.57 da UNESCO e publicadas na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos n.93, em 1964. IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1190 exigiu: maior recrutamento de professores para atender a uma maior ocorrência de natalidade; o prolongamento da escolaridade obrigatória em alguns países, fatores que requerem maior número de professores, ao mesmo tempo em que revelam a carência deles (UNESCO, 1964, p. 68. Recomendação n.57). Também apontou a questão das condições de vida dos professores e sua remuneração que são, [...] muitas vezes insuficientes e com frequência, consideradas uma das causas principais da falta de mestres; assim, devem‐se iniciar, o mais cedo possível, estudos que permitam comparar a situação de professores primários com a de membros de outras profissões que tenham qualificações e responsabilidades equivalentes. (UNESCO, 1964, p. 69. Recomendação n. 57). A proposta da Organização para superar a carência dos professores primários, expressa neste documento, sugeriu o planejamento de medidas que melhorassem a situação dos mestres, facilitassem a sua formação ou mesmo realizassem uma formação acelerada. Para tanto, a UNESCO incentivou a criação de novos estabelecimentos de ensino para a formação de professores, apoiou campanhas divulgadoras da profissão nos meios de comunicação de massa, bem como sugeriu a formação acelerada ou de urgência para os professores. Na prática, a UNESCO adotou a concepção de planejamento como uma “técnica neutra de prever a administração dos recursos disponíveis da forma mais eficiente possível” (LUCKESI, 2005, p. 120), sem se preocupar com as finalidades político‐sociais. Embora reconhecesse as lacunas de uma formação de urgência, responsabilizou os professores pela sua “[...] preparação ulteriormente” (UNESCO, 1964, p. 70. Recomendação n. 57). Sugeriu a contratação de professores com “[...] boa cultura geral e que, submetendo‐se à prova de aptidões pedagógicas, sintam‐se atraídos pelo ensino” e, ainda, se predisponham a adquirir as “[...] qualificações necessárias para atingir o nível profissional requerido” (UNESCO, 1964, p. 71. Recomendação n. 57). A noção de planejamento também se evidenciou no documento sobre a Carência de Professores, ao incentivar o recrutamento de novos professores, mediante a elaboração de um plano de estudos ou de cursos acelerados com conteúdos que permitissem [...] eliminar os conhecimentos considerados secundários conservando apenas o essencial do que deve conferir valor a esta preparação intensiva; dadas as dificuldades inerentes a esta espécie de preparação, convém que ela seja confiada a professores particularmente qualificados e experientes, tanto do ponto‐de‐vista cultural como didático (UNESCO, 1964, p. 67. Recomendação n. 57). IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1191 Com este documento, a UNESCO adotou duas diferentes concepções para planejamento. Primeiramente, na dimensão ampliada, o conceito foi utilizado na definição de políticas públicas para a educação e formação de professores. Embora, porém, articulassem educação com desenvolvimento, foram planejadas na dimensão compensatória, pois sugeriam políticas parciais, paliativas e focalizadas, visando à rápida formação de professores por meio de cursos aligeirados, com ênfase em práticas pedagógicas, em detrimento de conhecimentos teórico‐práticos sobre o processo educativo. A segunda, na dimensão restrita, o planejamento ficou evidenciado na elaboração dos planos individuais de estudo dos professores que, responsabilizados pela continuidade de sua formação, procuraram novas estratégias educativas para compensar a diminuição do tempo, a aceleração de sua formação ou a redução dos conteúdos. Neste conjunto de políticas para a formação de professores, chamamos a atenção para a sugestão da UNESCO de realização de treinamentos durante as férias ou por correspondência, em concomitância com o exercício profissional, desvelando as reais intenções para a formação ou aperfeiçoamento de professores: mérito ou castigo? Formação ou precarização? Políticas básicas ou compensatórias? Em nossa análise, a concepção de planejamento da UNESCO foi utilizada para fins pragmáticos e racionais, propícios ao ajuste da educação aos interesses econômicos. Aplicadas na formação de professores, essas orientações, desconsideraram os pressupostos teóricos, metodológicos e legais fundamentais para uma formação efetiva. Entretanto, para uma Organização favorável ao capital, essas medidas pareceram justificar‐se, independente das consequências que recairiam sobre o plano político, social ou educacional brasileiro. Na verdade, reforçaram o papel social da escola e do professor que, no contexto da sociedade capitalista, se estabeleceu para manter suas necessidades e sedimentar seu fim maior, qual seja, o lucro econômico. Revelaram também políticas para a formação de professores que favoreceram maior produtividade, massificação e utilização dos recursos tecnológicos, tais como os evidenciados pela modalidade da Educação a Distância, fortemente incentivados a partir da década de 1990. A UNESCO, na década de 1960, fez fortalecer a concepção de que a educação é uma preocupação central de todas as nações do mundo. Reforçando esta ideia, o documento intitulado IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1192 “Crise Mundial da Educação”5 argumentou que a educação não pode ser pensada de forma desconexa, visto ser considerada tal como um todo unificado, que exige equilíbrio entre as partes e a totalidade, e ser melhor compreendida na concepção da UNESCO como o equilíbrio entre as necessidades da sociedade e os recursos disponíveis para efetivação da proposta educacional. O documento apontou a existência de uma crise na educação, revelada pela disparidade mundialexistente em duas frentes: uma divulgada pela esperança dos indivíduos e as necessidades da sociedade e sua relação com a capacidade do sistema educacional; outra, pelas disparidades existentes entre países desenvolvidos e os em desenvolvimento e suas necessidades internas. Com base nesse diagnóstico negativo sobre o sistema educacional, a UNESCO divulgou a necessidade de modernizar os sistemas educacionais, mediante a adoção de novos e necessários conceitos e experiências. Para tanto, os países ali representados admitiram a aceitação de tais ideias e analisaram os programas de ação a serem adotados a partir de então. Foi dada ênfase nas tarefas da administração e, prioritariamente, nas de planejamento, que deveriam ser desempenhadas por aqueles, dentre o grupo de professores, que tivessem aptidão para tal cargo. Caso contrário, deveriam ser traçadas ações de treinamento e aperfeiçoamento para desvelar novos talentos e vocações. No entendimento da UNESCO, a universidade, “[...] vértice do sistema educacional, estava apta para responder às necessidades do sistema em sua totalidade”. (UNESCO, 1967, p.307). Na concepção deste documento, os professores e alunos foram considerados o centro do processo educacional, devendo tudo o mais “[...] existir para servi‐los e aperfeiçoá‐los como indivíduos e para aumentar as perspectivas de seu mútuo e construtivo relacionamento” (UNESCO, 1967, p.307). A UNESCO argumentou sobre a necessidade de dar boas condições de trabalho aos professores, além de exigir que eles desempenhassem importante papel fora do contexto da sala de aula. Evidenciou também que tanto o professor quanto a escola deveriam tornar‐se “parte integral do processo social que está transformando a sociedade”, reconhecendo sua vinculação como uma das “principais forças do desenvolvimento social” (UNESCO, 1967, 5 O documento síntese da Conferência Internacional sobre a Crise Mundial da Educação, cujo relator foi Philip Coombs, foi publicada na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. 48, em 1967. IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1193 p.308). Contudo, incentivou a utilização de novas tecnologias e recursos, compreendidos como instrução programada, ensino em grupo, filmes, rádios e televisão no planejamento didático e metodológico das aulas. Destacou a necessidade de estabelecer uma relação positiva entre os professores e os recursos tecnológicos, a fim de que o professor não se tornasse escravo das novas propostas, nem tivesse receio delas ou aversão à sua utilização. Isso implicou também disseminar a concepção de que “[...] a tecnologia, adequadamente empregada, poderia constituir‐ se uma de nossas maiores esperanças para colocar o bom professor em contato com um crescente número de estudantes” (UNESCO, 1967, p.308). Sustentada por este documento, a UNESCO sugeriu aos países signatários que os recursos disponíveis fossem utilizados de “modo inteligente”, apoiada na concepção de que “muito pode ser feito com verbas limitadas e imaginação ilimitada” (UNESCO, 1967, p.310), ou seja, com escassez de recursos financeiros, evidenciando novamente seus princípios racional e técnico para planejamento. Em reforço a esta concepção, incentivou a utilização da tecnologia como um investimento menos dispendioso que bibliotecas e laboratórios, admitindo a aceitação dos pressupostos da pedagogia tecnicista que, desde 1968, com a Lei da Reforma Universitária, já fundamentava a organização da educação e do ensino e, consequentemente, a formação de professores no Brasil e, com a Lei 5692/71, passou a ser adotada de forma compulsória mediante a profissionalização do ensino médio. Nessa Conferência, os 52 países reunidos concordaram a respeito da importância a ser dada à educação. Reportaram‐se à exploração de recursos financeiros, como uma questão de prioridade política. Recomendaram maior investimento na educação, em detrimento dos programas de segurança, alegando que a “[...] educação é a melhor defesa do mundo contra as tensões, equívocos e ignorância que jazem na base de muitos conflitos nacionais” (UNESCO, 1967, p.310). Considerações finais A partir da década de 1960, com base nos pressupostos disseminados pelos documentos aqui analisados, reconhecemos que a UNESCO incentivou a utilização de estratégias de IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1194 planificação, objetivando prever necessidades e racionalizar o emprego de recursos materiais, humanos e financeiros para alcançar resultados concretos nos campos escolar, educativo e geral do desenvolvimento do país. Os documentos analisados evidenciaram a preocupação da Organização com os fins científicos e técnicos, em detrimento da concepção política e social de planejamento. Vincularam suas recomendações a uma aparente neutralidade no exercício de planejar e prever objetivos, sem revelar, em nenhum momento, a necessidade de compreensão político‐social do ato de planejar, o que lhe possibilitou reforçar as condições excludentes impostas pelo desenvolvimento econômico capitalista. Embasada na concepção de que a educação é fator de desenvolvimento, a UNESCO responsabilizou os professores pelos baixos resultados estatísticos da educação brasileira. Incentivou a formação deles mediante o planejamento de cursos de treinamento ou aperfeiçoamento, numa política educativa de preparação rápida e pontual da mão‐de‐obra docente, necessária para reverter os resultados negativos apresentados e incluir o contingente de alunos, que buscavam, pela educação, sua inserção no processo produtivo, acelerado pela política de urbanização e industrialização característica da época. Com a anuência dos Estados membros, incentivou a adoção de políticas de inclusão de professores no campo educativo, por meio de uma formação acelerada ou realizada em serviço. A ênfase na educação, como condição para o desenvolvimento, ajustou as políticas educativas, a formação de professores e o planejamento para a satisfação das necessidades do mercado capitalista, embasado nos fundamentos da teoria do capital humano (Schultz, 1973), ciente de que a educação dos seres humanos é considerada fonte de riqueza econômica. A concepção de educação direcionada para a formação humana disseminada pela UNESCO na década de 1950 cedeu espaço para a sua articulação com o mercado, o modelo economicista e o pragmatismo, reforçando o seu papel de utilizar‐se da educação com o intuito de reforçar a ordem mundial regulada pelo mercado globalizado capitalista. No geral, utilizando‐se da noção de planejamento educacional, a UNESCO, na década de 1960, direcionou as políticas para a educação e a formação de professores no Brasil, associadas à concepção de educação para o IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1195 desenvolvimento como forma defortalecer sua hegemonia e o modelo de sociedade capitalista excludente na qual se insere. Referências BRASIL. Lei 4024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases para a educação nacional. 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