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EO cJ 
~ r~NVEST 008 
• 
DA SUA 
----------------------------·· ----------------+ 
DEIXE O EDITAL SENAI SESI DE 
INOVAÇÃO SER O SEGUNDO. 
• PRIMEIRA PAGINA -.DA MESA DO EDITOR 
Apicanha 
e o Universo 
A FERRAMENTA mais potente 
do mundo é essa massa 
gosmenta que fica entre 
as suas orelhas. Ela pesa 
o mesmo que uma picanha 
bovina, pode ser erguida com 
uma só mão, e ainda assim 
cabe um universo inteiro 
dentro dela. São 86 bilhões 
de neurônios, conectados entre 
si por 100 trilhões de sinapses, 
o que resulta num número 
infinito de caminhos diferen-
tes para um impulso nervoso 
percorrer. Dessa infinitude 
emerge toda a espetacular 
diversidade humana. 
As pinturas rupestres de 
Lascaux,ostextos sagrados 
das religiões antigas, os 
afrescos da Capela Sistina, 
as leis de Newton, as sinfonias 
de Beethoven, as canções dos 
Beatles, os toques de bola de 
Pelé, o design do iPhone, o 
roteiro de Breaking Bad - cada 
Foto Ou lia 
uma dessas maravilhas surgiu 
na escuridão de algum cérebro 
humano. Inteligência, memó-
ria, percepção, humor, amor, 
consciência, emoção, intuição. 
Cada uma das mais profundas 
capacidades que nos definem 
se origina ali. 
Ao longo da história, 
o cérebro humano desvendou 
os mais íntimos segredos da 
matéria, a lógica da vida, os 
confins do Universo, a bilhões 
de anos-luz daqui. É impres-
sionante que um órgão de pou-
co mais de 1 quilo na cabeça 
de um primata sem pelos de 
um planeta da periferia de uma 
galáxia qualquer tenha 
compreendido tanto. Mas é 
impressionante também que 
falte tanto para o cérebro 
humano compreender do 
próprio cérebro humano. 
Nossa complexa máquina 
de entender coisas é complexa 
demais até para 
ela própria. 
Aqui na SUPER, 
nosso trabalho 
é alimentar o seu 
cérebro. Natural que, 
ao longo dos anos, 
tenhamos produzido 
dezenas de grandes 
reportagens sobre 
o próprio cérebro 
e suas capacidades. 
As mais marcantes 
entre elas estão nesta 
edição. Espero que 
o seu cérebro goste. 
Denis Russo Burgierman 
DIRETOR DE RE DAÇÃO 
DENIS. BURGIERMAN@ABRIL.COM. BR 
EDITORA~ Abril 
Fundada t m 1950 
VICTOR CIVITA ROBER'TO Cl\lTA 
11901·19901 (19;6.2013) 
Conselho Editorial: Victor Ci\,ita Neto (Presidente/. 
Thomaz Sou1o Corrêa (Vicc·Presidenlc). Euripcdcs A cãn1ara. 
Giancarlo Civi la e José Rober1o Guzzo 
Pre1lde.nt e. Abril Míd~: Giancarlo Ci\'il3 
Presidente Editora Abríl: Alexandre Caldini 
OirtlorCommial: Rogério Gabriel Comprido 
Dire.torade.Vt ndtls de Publicidade: Virginla Any 
Diretor de Vendas para Audlf nda: Dimas ~'l i cito 
Diretor de Marktt ing: Tiago Afonso 
DiretorõlOigital e Mobilt: Sandra Can·alho 
Diretor dtApoloEditorla l: Ed\\'ard Pimenta 
Diretor~·Suptrintendenl e:Aiccsandra Zapp:uoli 
Diretor dt Relb (.\o: Otnis Russo Bu~imtan Diretor de Ar1e: f abricio \liund~ 
R.tda:Ot-dMtfe: Ak:undrt \'tr'S~;n.mt Editores: Bruno GaranonL K.1rln llutck. Tbgo Jokur3 
Editor de Arte: JorgtOll\'tiro. l>flJgnt:rs: Brurut Lor.t,FU\ tll Pes.soat lnat:l Kep;lll Rfpórte:r. 
úsmíb AlmtidJ Rl!dn SO<Wit.: luca.4i P415Cjual ~11uts Zlrruner Mmnin' Est.tgUrios: 
AM luísa Ftrnandts.l.ton.1tdo Ramlres SaniOSe lutai Muniz Rapli\IJI Prodt.rtor Grí lko: 
Andcr$on C. S.dC' Fam Col.lbora(.lo: Ale.undre Cal'\~lho (mi~) Altndimtnlo .o Leitor. 
Carolln.J C.uob~ 5.1ndt:~ l f3d!ch. Sonb Santos. W.tlkirb G10r;mo Poot Adrnini:nratrvo: 
Crisli.lt.e Ptrtir.a (cootdtrrudor.J). Dtbor:lh Sib'a (auxiliar admlnbtu1n'1). Grie'C' Kt!l) 
Al\"!:5 (aprtadlz) Gmn!t de "cg6dos Oigiuis: M:tmnnt t\~híhlta ~tntts eM Produto: 
Prdro \formo t Renata Comes de Agu1.1r ANfrtt.u de Produto; Ebuu~ Cnsll11.1 dos 
s.n,.. < l<o1>1m lkm.lnlo D<slgotn: O:mllo Bnp. 11:'-" M<mr>. SUnon< lllrWnOIO 
~ Fdi;>< Tbirou< O......ol...,.n10: Aoo!"""' R<mto Poll Cah Fdu. llrnls \" 
Russo. Eduardo Bo~ Ftrr~n. Elton Prado bt~gUrios::: O;an1tl lto f \'inlou~ ArrvdJ 
www.Juptrin1eressan1e..com.br 
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CMod.>. -~ • ~~ Cruuno ""- ll'o""""'~ lml.rb Sm.'b CTtmOiop 
' Ttkoxn~ joa;u<s ~ I_.IL Raqod lo>;> CS.Ud<. E>porl< < f.t"'"<'c>L Sd.,. 
Soc.'111 (6rM de Conwmo). \\lWm I~ (l'raru.por.t t Mobi.i!d.WrJ VOIOAS PARA AU· 
Olb<CIA - M>l)oo G<>r..odo Cl'!oasioiL Cbõi> ObctdlltO.-N>çlo Ew><i'ft=.c.lSL 
Dl<.Cb \'>da CSACl. l<a. .. f:<!.., iCirnolaçlo \ ep,IX<SI)-1<1. U<l Si.'u C\"...W ~~ 
0;1$). Mm» Tullo ArJ.bt tEszudío dt C~~ Ml t)' \ms (\ft1it.H Corpo:l:r\""11). RoCt110 
0...4J> !Nus.""'~ " ".boa l"""' i\"Cid» ~~ MAJU(ffiliG - Aodr<• Abc:lon 
(\ 'fi). Alld:a Cosa (~r~ dt \!nado~ Ciw Al:Ddd.l!Ea'Df1,. Cuol1na Bt:r1t!lt (fftn· 
ln!Ju:i\. t\tib Ardpmt (U!OI)It~ ~Urda AQno (Abnl B!J 0~"). Ro:do P.d.n~ t\f.u\tt 
1q t E\-mtos}. OIGifAL E MOIILE - Adria» Bonolooo ~!ttnc:u). Al.no:t l..o;lc1 (Tt"''\Jm. 
áü). \t&.-m Franmcdni llmrlrmmtaçio dt Tmdmc::m). Rodn,:u Muun\ (Rtdrs Soda") 
APOIO - ASRIL BRAHCEO COtlTENT - 0Jgmtr StTp;t. Ni\11 ~llllttllo, \lallhN Sh!n~ 
Patricia 1-llrgre.i\tS, Thitago Araújo PLAtU.JAMEIHO CONTROLE E OPERAÇ0ES -
&hl)()ll Soarrs (Rt'Cti14S), José PauSo Rando (Marktting f Contrudo) DEOOC e ABRIL 
PWS- Ekrlltt Ftmri A!CUIISOS HUMANOS - Al<swxirll d< Cas!to ill<•tmokim<rl'> 
Orpnludonal}. \Urtto Nl.Sdmtnlo (Rt.muntração t Btnefinos), Milnzttc Ambr:m. 
Mkbdle Cosb t Rtpr\.3 Cordrito lCon.st~J:on.a lr.ltt'N). An.1 Kob.l (~udt t Stn"I\011 
~ e CormpondMcil: A\. d.u t\"I(Ots Cnida.s. m 1. 2tr ar.d.u, Plnhnto\, Slo 
P>ulo. SP. CEP05•25·90l. ld. (li) J03i·2000. PI.COdcladr SOo....., • ..,.,_ uobrt 
rtptt:S«~twtsdt~nolm.il eno E.cltrior.ll"'.-publbbrilrombc 
SUPERIU TERESSAIRE cdfçto n•lH (ISS!\ 01~· 17S9). ~o 29. n• 11. ê uma publicaçlo 
da Editora Abril1937 G+l Eip.ma S.A ~.\IU)' Inlctt:S3ntt~ r.\ tuilo lntMSSanle1. Espa· 
nha. Edi(6H antetiocn: Vmda etdu$1\'1.1. m bancu. pelo pctÇO da ühlma Ntç:\o tm bane~ 
Soli<il<ao"" """lriro. Dl>inbuld.J"" IOdo o p.úsprb DinopS.A. O.>lnbuldor:ll'odorul d< 
PllbUCI(Ilts. 5.lo 1\lulo. SUPERINT!JIESSAIITE não odml~ publiddadr otdaâon:!l 
Se...Aço .oAUNtltt: Gr~ Sio Pau5o:(11} S017·Z11l 
Dtmais kK,t,licbdts: OID0-77S·Z11Z-.• Ílw(.com 
,,.n ,.Si.!Nr. Grow!t Uo hu~(11) J J.1 7·2121 
DtrNk kK.IIicbdn: OI00-77S·Z&21 ~ninubril.com.br 
IWRU U I~ GIÚ.flCAASRIL 
A\'. Ot.a,iano Al\t:S dt Uma. .uoo. frt;utsia do Ó, CEP02909·900. Slo l~ulo. SP 
11/(. 
!?fJ Abril MloiA s.A. 
Pmidrn1o: Giancarlo Ci\ila 
Din:to r·Suptrlntendtntt da Gro\fiu: Eduardo Costa 
Direlor d• Fin.~"'•s: Fábio PCirossi Gallo 
Dirt tora Jurldicil : Mariana ~lacia 
Diretora de Rtc.unos Humanos: Claudia Ribeiro 
Diretor de TI e Serviços Compartilhados: Claudio Prado 
www.abril.com.br 
... 
CARDÁPIO I -+NO VEM BR O DE 2015 
PERGUNTAS E RESPOSTAS 
6 7 8 
U M LA DO C UIDA DA 
RAZÃO , E OUTRO, 
DA EMOÇÃO ? 
SÓ USAMOS 10% O CÉREBRO COMEÇA 
A MORRER DEPOI S 
DOS 17 AN O S? 
ÚLTIMA PÁGINA 
66 NA CABEÇA DOS BICHOS 
O ser humano está longe de 
ter o maior cérebro. 
o 
N ÚMERO 
INCRÍVEL 
1_00 
trilhões 
Número de 
conexões 
entre os 
neurônios no 
cérebro. 
P. 51 
10 Inteligência 
O que é? Existe mais de um tipo? Será que os 
testes de Ql dizem mesmo quem tem mais? 
16 Eu: quem é esse cara? 
Cientistas e fi lósofos afirmam: não existe 
consciência. Ou ela está em todo lugar. 
24 As mentiras que o seu 
cérebro conta para você 
O que nós vemos não é real. E o que 
pensamos já foi decidido antes. 
30 Minha vida sem foco 
Um relato pessoal do transtorno de 
déficit de atenção e hiperatividade. 
44 A pílula da inteligência 
Repórter da SUPER tomou o modafinil 
por uma semana e conta como foi. 
46 A cura pela palavra 
Veja quais são os tipos de psicoterapia 
e o que a ciência tem a dizer sobre eles. 
56 Os maiores 
cérebros do mundo 
Os savants juntam problemas mentais 
sérios com superpoderes cerebrais. 
62 Papo cabeça 
Será que a neurociência explica tudo? 
Alguns pesquisadores dizem que não. 
Capa Carlo Glovani 
, 
E VERDADE 
QUE UM LADO 
, 
DO CEREBRO 
CUIDA DA 
.._, 
RAZAO, E QUTRO, 
DA EMOCAO? 
M A IS OU M E NOS. M A I S P ARA M E NOS . Tradicio-
nalmente, o lado esquerdo era relacionado a funções 
precisas; o direito, à criatividade. Mas, na prática, a 
coisa não é bem assim. 
Considere, por exemplo, o caso de dois rapazes acom-
panhados pela neurocientista Mary Helen Immordi-
no-Yang, da Universidade do Sul da Califórnia. Eles 
perderam metade de seus respectivos cérebros: um teve o 
hemisfério direito cirurgicamente retirado para controlar 
a epilepsia e o outro tirou o esquerdo, como prevenção a 
uma doença autoimune. Eles continuaram sendo capazes 
de andar, falar, raciocinar e interagir socialmente - o que 
seria impossível se houvesse uma divisão absoluta de 
tarefas entre os hemisférios cerebrais. 
"O que nós estamos vendo é que a atividade dos 
neurônios é sempre probabilística", diz Miguel Nico-
lelis, neurocientista brasileiro da Universidade Duke 
(EUA) - e criador do exoesqueleto da Copa. "Não são 
sempre os mesmos neurônios que produzem a mesma 
ação." Ele acredita que a divisão tradicional deve cair, se 
mais pesquisas confirmarem a versatilidade do cérebro. 
6 SUPER NOVEM BRO 2015 
0 
MITOS 
O cérebro é um órgão 
ainda misterioso, 
sobre o qual circulam 
concepções erradas e 
até lendas urbanas. 
Veja a seguir o que é 
mito ou realidade. 
o 
Ilustrações Guilherm e Oareuo 
P&R 
Nós só usamos 10% do cérebro? 
OLHA, VOCÊ PODE TER MUITOS DEFEITOS, mas está 
livre dessa culpa: os tais 10% são pura lenda. "Sabemos 
que grande parte do cérebro é utilizada. Isso explica por 
que até microlesões cerebrais podem causar danos graves 
e irreversíveis", diz o neurocientista e pesquisador do Hos-
pital Sírio-Libanês, Erich Fonoff. Quantos por cento então? 
"Atribuir um percentual é leviano. Para isso, teríamos que 
saber o que são os 100%. Ainda não chegamos a esse nível". 
Especialistas dizem que o "mito dos 10%" surgiu entre 
os defensores da para normalidade. Para eles, utilizar 100% 
é exclusividade de quem levita, lê mentes e entorta garfos 
a distância, enquanto atividades do dia a dia limitam o 
resto de nós a apenas um décimo da "força do pensamen-
to". Bom, não apenas o suposto cálculo foi puro chute, 
como a ciência nunca provou a existência de telepatia, 
telecinese e fenômenos afins. 
Mas e aqueles exercícios de aumentar a potência do 
cérebro? São mentira também? Nem todos. "O sistema ner-
voso é plástico. Se for estimulado, aumenta o seu potencial 
colossalmente", diz o chefe do laboratório de Neurociências 
do Instituto de Biociências da USP, Gilberto Xavier. 
O CÉREBRO É CINZA? 
QUANDO SE FALA EM CÉREBRO, todo mundo logo 
pensa em "massa cinzenta". Tudo bem. pode conti-
nuar se referindo ao cérebro assim. Afinal, o termo já 
entrou para o vocabulário popular. Além do mais, ele 
não está inteiramente incorreto. Existe uma parte do 
cérebro que até os neurologistas chamam de massa 
-ou substância- cinzenta. O nome veio de como ela 
foi descoberta: por anatomistas, em autópsias. Um 
cérebro morto é cinzento. 
Enquanto vivemos, no entanto, nosso cérebro não 
é cinza Se pudéssemos observar o órgão em pleno 
funcionamento, o que veríamos seria uma massa de 
coloração apenas esbranquiçada, bem clarinha e bri-
lhante. "Essa aparência se deve aos fluidos e ao mate-
rial gorduroso que envolve o cérebro humano", diz a 
médica Márcia Lorena Chaves, do Departamento de 
Neurologia Cognitiva da Academia Brasileira de Neu-
rologia (Abneuro). Ainda que o órgão fosse partido ao 
meio e visto do lado de dentro, a cor cinza não daria as 
caras. No máximo, você observaria um tom levemente 
rosado, por causa da incrível vascularização sanguínea 
que irriga cada milímetro de nosso "disco rígido". 
Rigidez, por sinal, é outro mito sobre o cérebro 
humano. Muita gente acredita que ele seja mole e gos-
mento, mas na verdade é bem firme- uma consistência 
semelhante à do tofu. 
)UNHO 2015 SUPER 7 
P&R 
, 
E VERDADE 
, 
QUE O CEREBRO 
COMEÇA 
A MORRER 
AOS 27 ANOS? 
A DUR A RESPOSTA É S IM. Sob O aspecto neuroló-
gico, a morte começa aos 27 anos. Quem descobriu foi 
o pesquisador Timothy Salthouse, da Universidade da 
Virginia, nos EUA. Em 2009, ele divulgou os resultados 
de um estudo que mediu as habilidades cognitivas de 
2 mil pessoas. Segundo Salthouse, o cérebro humano 
atinge o auge aos 22 anos, fica estável até os 27 e, a partir 
daí, começa a declinar. Aos 30 anos, várias funções do 
cérebro já estão bem mais fracas. Isso acontece porque, 
do ponto de vista evolutivo, ao virar "trintão" você já 
deveria ter se reproduzido e completado seu ciclo de vida. 
Lembre-se, por exemplo, de que os homens das cavernas 
não viviam muito mais do que 30 anos - e que, pelo 
menos anatomicamente, nosso cérebro é igual ao deles. 
Mas não precisa entrar em pânico. Esse mesmo estudo 
revelou também que algumas habilidades, como a verbal, 
continuam se desenvolvendo até os 6o anos de idade. 
Para tudo aquilo que exige conhecimento cumulativo, 
seguimos ampliando nossa capacidade. E tem mais: a 
ciência tem cada dia mais controle sobre o envelheci-
mento. Alguns cientistas afirmam até que, em 50 anos, 
nem vai haver mais definição para expectativa de vida, 
de tanto que as pessoas passarão a viver. 
8 SUPER N OV EM BR O 201 5 
LADEIRA ABAIXO 
Quando você completa 30 anos, 
seu cérebro já apresenta uma 
sensível queda de desempenho. 
MEMÓRIA 
-17% 
VELOCIDADE MENTAL 
-27,3% 
RACIOCÍNIO LÓGICO 
-37,5% 
o 
l lustr~ ç~o Gullharme O~rezzo 
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.Abril 
assinaturas 
A 
O que faz uma pessoa ser mais inteligente que outra? Quais são os 
limites do cérebro? Dá para aumentar o poder da sua mente? Você vai ver 
as respostas para essas e outras questões nas próximas páginas. 
E a viagem começa com a pergunta fundamental: o que é a inteligência? 
Texto Rodriqo Rezende Ilustrocõo Mariana Sal i mena 
GANHAR UMA PARtiDA de xadrez, escrever um ro-
mance, compor uma sinfonia, convencer uma mul-
tidão, contar a piada perfeita. São coisas que vêm tão 
rápido à mente quando se fala de inteligência quanto a 
imagem de um relógio se movendo ao pensarmos no 
tempo. Mas experimente gastar um ou dois minutos 
refletindo sobre o que há de comum entre essas ha-
bilidades. De uma hora para outra, a ide ia clara que se 
tem da inteligência começa a se dissipar. Quanto mais 
se pensa, mais parece não haver ligação direta entre 
raciocínio matemático, criação de personagens e melo-
dias ou talento para persuasão e comédia. Refletir sobre 
a inteligência desse ponto de vista gera uma sensação 
semelhante à que temos ao ouvir a pergunta "O que é 
o tempo?" Antes da pergunta, sabemos exatamente o 
que é. Depois dela, não sabemos mais. Se quisermos 
entender o que é a inteligência, é preciso contornar esse 
tipo de dificuldade. E uma boa estratégia para isso é ir 
direto à fonte: entender o cérebro. 
Agora mesmo uma tempestade elé trica se alastra 
pelo 1,4 quilo de massa gelatinosa aí atrás da sua testa. 
É esse movimento caótico de sinais por uma rede de 86 
bilhões de neurônios que produz seus pensamentos. 
Das profundezas desse órgão, surge o que chamamos 
de inteligência. Mas, se você pensa que o processador 
de informações mais avançado do Universo foi pro-
jetado de um jeito elegante, está enganado. O cérebro 
humano é uma obra feita nas coxas.-t 
NOVEMBRO 2015 SUPER~~ 
Uma obra que começou em vermes 
microscópicos, quando um punhado de 
células especializadas em enxergar se 
juntou numa das extremidades do bicho. 
Foi assim que surgiu o ancestral daquilo 
a que chamamos cabeça: um mero recep-
táculo de células nervosas responsáveis 
por captar luz e mover o animal. Com 
o tempo, essa massa de neurônios, e a 
complexidade com a qual eles se conec-
tam, cresceu. E aconteceu um milagre. 
Animais que reagiam automaticamen-
te a estímulos exteriores passaram a se 
comportar de um jeito mais complexo e 
imprevisível. Em vez de responder cega-
mente a qualquer estímulo, começaram 
a repetir apenas os movimentos mais 
eficazes na luta pela sobrevivência- por 
exemplo: em vez de caçar qualquer coisa 
que se mexesse, passaram a selecionar 
suas presas entre as mais nutritivas e 
fáceis de abater. Esse talento para iden-
tificar acertos é a origem daquilo que 
chamamos aprendizagem. 
As vantagens que ela trouxe lançaram 
os seres vivos numa corrida em busca 
do maior e mais versátil cérebro. Mas 
os organismos que entraram na disputa 
enfrentaram um sério problema. Na evo-
lução biológica, é impossível traçar um 
plano novo de construção de órgão do 
zero, pois herdamos as instw ções bási-
cas para a obra, que estão nos genes dos 
nossos pais. O resultado disso é que o 
cérebro foi crescendo meio no improviso, 
com "puxadinhos" se amontoando a par-
tir de uma estrutura básica. Essa é a ver-
dadeira história do cérebro: uma sucessão 
de gambiarras bem feitas. E nem preci-
samos ir longe para entender isso. Quem 
tenta se concentrar em fazer uma prova, 
mas ao mesmo tempo não consegue tirar 
os olhos da(o) mocinha( o) ao lado, expe-
rimenta sentimentos e pensamentos tão 
pouco relacionados que aparentam ter 
sido juntados aleatoriamente uns com 
os outros. Foram mesmo. "Existe uma 
série imperfeita de conexões entre os 
sistemas cognitivos e emocionais", afirma 
o neurocientista Joseph Le Doux, da New 
York University. ''Essa situação é parte do 
preço que pagamos por termos capaci-
dades que ainda não foram plenamente 
integradas ao nosso cérebro." 
Quantas são essas capacidades e como 
elas se relacionam são questões centrais 
para definir o que é a inteligência, mas 
ninguém ainda tem uma resposta exata 
para elas. Se você está em busca de um 
meio objetivo de medir a inteligência, 
TIPOS DE INTELIGÊNCIA 
A Teoria das 
Inteligências 
Múltiplas é um 
desafio à ideia de 
que o QI representa 
uma medida direta 
da inteligência. 
Segundo o psicólogo 
Howard Gardner, LÓG ICO- LINGUÍSTICA 
será obrigado a deixar o cérebro de lado e 
estudar uma área com mais de um século 
de tradição: a psicometria. 
O tamanho da inteligência 
Paris, começo do século 20. O psicólogo 
Alfred Binet recebe uma tarefa do mi-
nistro da Educação da França: encon-
trar um meio de prever quais crianças 
vindas do interior do país teriam mais 
possibilidade de enfrentar dificuldades 
na escola - o governo queria oferecer 
educação especial a elas. Em 1905, ele 
publica um teste de raciocínio verbal e 
matemático, com questões que testam a 
memória e o potencial de resolver pro-
blemas de lógica. O objetivo de Binet era 
medir a capacidade de compreensão pura 
e simples, não o conhecimento prévio, 
colocando em pé de igualdade crianças 
que só sabiam capinar mato com as que 
recitavam Shakespeare. Pouco depois, o 
alemão Wilhelm Stem criou um sistema 
de pontuação-padrão para o teste e lhe 
deu o nome de Intelligenz-Quotient. 
Nascia o método mais bem-sucedido 
da história para medir a inteligência: o 
famoso teste de QI. E ele revoluciona-
ria o que entendemos como inteligência. 
Até então a maior parte dos estudiosos 
MUSICAL ESPACIAL a nossa inteligência 
é o resultado de 
oito processadores 
mentais diferentes 
dentro do cérebro, 
cada um deles 
responsável por 
uma habilidade. 
-MATEMÁTICA Sensibilidade para Semelhante à inteligência Habilidade de reconhecer língua falada e escrita, lingu ística, só que e manipular padrões 
É a habilidade de resolver capacidade para relacionada a sons. no espaço. É útil para 
problemas a partir da aprender línguas e de É a habilidade de compor quem trabalha com 
lógica, realizar operações usar a lábia para e apreciar padrões a coordenação m otora 
matemáticas e investigar alcançar os próprios musicais. Bastante e tem de compreender 
questões científicas. objetivos. Encontrada rica em compositores, o mundo visual. 
Bastante desenvolvida em escritores, locutores cantores, dançarinos Bem desenvolvida 
em cientistas. e advogados. e maestros. em arquitetos. 
~2 SUPER NOVEMBRO 2015 
entendia o nosso intelecto a partir do 
conceito da tabula rasa- a ideia do filó-
sofo John Locke de que a mente humana 
é uma folha em branco que vai sendo 
preenchida durante a vida. Com a ado-
ção dos testes de QI, esse ponto de vista 
perdeu terreno - afinal, se uma criança 
semianalfabeta podia apresentar um QI 
maior que uma instruída, essa história 
de folha em branco era uma furada. E a 
inteligência passou a ser considerada cada 
vez mais como algo inato, como um mero 
produto do que está escrito nos genes. 
Uma pesquisa de 2015, feita pelo 
King's College, de Londres, revelou que 
nem mesmo a matéria estudada impor-
ta. Avaliando 12.500 pares de gêmeos, 
eles descobriram que o desempenho em 
matemática, ciências humanas, línguas 
estrangeiras, negócios, informática e 
artes era afetado pelos mesmos genes, 
que respondiam por entre 54% e 65% na 
diferença dos resultados. "Descobrimos 
que mais da metade das diferenças no 
desempenho educacional das crianças, 
para todas essas disciplinas, era explicada 
por diferenças em seu DNA e não pela 
escola, família ou outras influências do 
ambiente", afirma a neurocientista Kaili 
Rimfeld, coordenadora do estudo. 
Esse tipo de experimento mostra que 
os genes responsáveis pela inteligência 
podem ser vistos como uma espécie de 
balde, e o aprendizado durante a vida, 
como a água que enche o balde. Ter mais 
educação vai levar você mais rápido a 
encher o balde de água. Mas, caso ele seja 
muito raso, não vai adiantar jogar muita 
água lá. Ou seja: nem toda a educação do 
mundo poderá tomar realmente brilhan-
te alguém que nasceu com a inteligência 
apagada. Só que esse efeito tem um lado 
positivo: se você tiver vocação genética 
para ser um físico quântico ou coisa que 
o valha, tem como conseguir isso mesmo 
sem ter tido uma instrução excepcional 
na infância. Mas será mesmo que o QI 
é a melhor medida para a capacidade da 
mente humana? 
Mil e uma habilidades 
Alguns psicólogos acham que não, os 
testes de QI não dizem grande coisa. Uma 
importante ruptura veio na década de 
1990, com o livro Inteligência Emocio-
nal, do psicólogo Daniel Goleman. Ele 
ressaltou que habilidades como regular 
os próprios sentimentos, compreender 
emoções alheias, ser capaz de trabalhar 
em grupo e sentir empatia pelos outros 
Testes de QI são 
usados amplamente 
por cientistas . 
Mas será que são 
mesmo a medida 
universal da 
inteligência? 
Boa parte dos 
psicólogos diz 
que não . 
eram completamente ignoradas nos tes-
tes de QI. O que não fazia sentido, já que 
essas habilidades deveriam fazer parte 
daquilo que chamamos de inteligência. 
Outra ofensiva veio do psicólogo Ho-
ward Gardner, autor da Teoria das Inte-
ligências Múltiplas. Ele se inspirou no 
modo como a neurociência vê o cérebro 
hoje: um conjunto de vários módulos dis-
tintos, ou "puxadinhos", que evoluíram 
separadamente e hoje funcionam como 
processadores para funções específicas. 
Com isso em mente, Gardner concluiu 
que a inteligência não é um conceito -+ 
FÍSICO-
SINESTÉSICA INTER PESSOAL INTRAPESSOAL NATURALISTA 
É o tipo de inteligência 
usada para resolver problemas 
e executar movimentos 
complexoscom o próprio 
corpo. Você a encontra 
em dançarinos, 
mímicos e esportistas. 
É a capacidade de 
entender as intenções 
dos outros. Bastante 
necessária a quem coordena 
e executa trabalhos 
em grupo. É encontrada 
em vendedores, 
políticos, professores, 
clínicos e atores. 
É a habilidade de olhar 
para dentro de si mesmo 
e entender as próprias 
intenções, objetivos 
e emoções. Necessária 
para encontrar erros 
no próprio raciocínio. 
Presente em psicólogos, 
filósofos e cientistas. 
É a sensibilidade para 
perceber e organizar 
fenômenos e padrões 
da natureza, como 
a diferença entre plantas 
quase idênticas. 
Costuma ser encontrada 
em biólogos e membros 
de tribos indígenas. 
N OVEMBRO 2015 SUPER 1.:J 
único, ind ivis ível, mas uma soma de 
várias habilidades - como raciocínio 
lógico-matemático, linguistico, espacial, 
musical, intrapessoal, interpessoal, mo-
tor e naturalista (está na página anterior). 
Assim, a ide ia de colocar um Stephen 
Hawking, um Neymar e uma Cláudia 
Leitte em pé de igualdade no quesito 
inteligência deixou de soar estranha. Pela 
teoria de Gardner, cada um deles pode 
ser considerado especialista em um tipo 
de habilidade (respectivamente, a lógico-
-matemática, a motora e a interpessoal). E 
por isso não daria para considerar qual-
quer um deles menos genial que o outro. 
Talvez por parecer mais democrática 
que os testes de QI, a ideia de Gardner 
se tornou extremamente popular des-
de que foi publicada, em 1983. Tanto 
que hoje é senso comum achar que ela 
está certa, e que o quociente de inteli-
gência tradicional ficou ultrapassado. 
Mas no meio acadêmico é diferente: 
a Teoria das Inteligências Múltiplas 
ainda é vista como um patinho feio e 
enfrenta muitas críticas. Principalmen-
te porque nem Gardner nem ninguém 
sabe ao certo como medir cada uma 
dessas habi lidades que formariam a 
inteligência. "Não fica claro se o con-
ceito de inteligência de Gardner mede 
mais traços de personalidade e habili-
dades motoras que faculdades mentais 
de fato", afirma Linda S. Gottfredson, 
professora de estudos educacionais da 
Universidade de Delaware. 
Ela é um dos muitos entusiastas do 
fator "g" (de "inteligência geral"). Segun-
do essa teoria, baseada em estatísticas, 
a ideia de que várias habilidades cogni-
tivas estejam disseminadas uniforme-
mente pela população é falsa. Ou seja, 
não existem muitas pessoas excelentes 
em cálculo e ao mesmo tempo péssi-
mas em redigir textos, ou com bom 
ouvido musical e pouca inteligência 
interpessoal. Se uma pessoa for boa 
em qualquer dessas habilidades, tende 
a ser boa também nas outras (como 
atestou a pesquisa genética do King's 
College, citada anteriormente.) 
Essa essência da teoria do fator g, 
porém, não é nova. Ela está por trás da 
14 SUPER NOVEMBRO 2015 
própria ideia do QI. Tudo bem que os 
testes não medem coisas como coorde-
nação motora, mas é verdade que eles 
avaliam tipos diferentes de raciocínio. 
E a pontuação final vai levar em conta 
o seu desempenho em todos eles. Além 
disso, dá para comparar milhares de re-
sultados de épocas e lugares diferentes, 
o que cria uma bela base estatística, se 
o ponto é saber qual é o tamanho da 
sua inteligência em relação à dos outros. 
Então, mesmo com suas limitações, os 
testes tradicionais continuam sendo ex-
tremamente comuns no meio cientifico. 
"Ninguém duvida de que eles não ava-
liam todos os aspectos importantes das 
funções mentais - não medem a cria-
tividade ou a sabedoria, por exemplo. 
Mas o ponto é que isso não é o mesmo 
que afirmar que eles não servem para 
nada", afirma o psicólogo lan ). Deary, da 
Universidade de Edimburgo (Escócia). 
Mesmo assim, a necessidade de ex-
pandir o conceito de inteligência para 
além das fronteiras dos testes de QI 
continua. Afinal, pouca gente duvida 
de que a criatividade, algo muito difícil 
de medir objetivamente, é um inegável 
sinal de inteligência. Diante dessa es-
pécie de tilt dos testes mentais, o que 
dá para fazer? Com a palavra, Howard 
Gardner: "Nós, psicólogos, não somos 
mais os donos da inteligência, se é que 
algum dia já fomos. O que significa 
ser inteligente é uma questão filosófica 
profunda, que exige base em biologia, 
física e matemática". Ou seja, exige que 
voltemos ao lugar onde começamos 
essa história: para dentro do cérebro. 
Inteligência = demência? 
Para muitos neurologistas, a inteligên-
cia é só um sinal de que você tem um 
cérebro com a "fiação" bem conectada. 
Quanto mais saudável ele for, mais coisas 
extraordinárias vai fazer. Mas espere ai. 
Às vezes o que acontece é justamente o 
contrário. É o que mostra um experi-
mento sem paralelo feito na Austrália: 
pesquisadores lançaram pulsos eletro-
magnéticos no crânio de pessoas para 
desligar partes do cérebro e observar o 
que acontecia com as capacidades cog-
nitivas. E o resultado foi espantoso: as 
cobaias humanas começam a desenhar 
melhor, ter memória mais rápida, mais 
habilidade musical ou um raciocínio 
numérico mais apurado. A questão é: 
se partes do cérebro estavam sendo 
desligadas, por que a mente parecia 
funcionar melhor, e não pior? 
Não para por aí. Um estudo de 2015, 
da Universidade de Edimburgo (Escó-
cia), revelou que há um maior risco 
de desenvolvimento de doenças rela-
cionadas ao espectro do autismo em 
pessoas com os mesmíssimos genes 
ligados à inteligência. 
Na página 6o, essa ligação fica ainda 
mais clara. Lá você pode conhecer os cé-
rebros mais fascinantes do planeta, ver-
dadeiros telescópios para decifrar o que 
é a inteligência. E descobrir que, talvez, 
você tenha algo em comum com eles. 0 
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A ciência 
desvendou de 
átomos a buracos 
negros, mas o ma1or 
mistério de todos 
continua onde sempre 
esteve: na sua 
cabeça. Afinal, o que 
é a consciência? 
mos bancos de dados sobre 
tudo o que você vê e sente, cer-
to? Lá estão informações sobre 
todo mundo que você conhece. 
Então não seria nem um pouco 
surpreendente ela ter formado 
uma ficha sobre você mesmo, 
uma que você compila na me-
mória desde os primeiros anos 
de vida Nesse sentido, a cons-
ciência é um modelo inte.mo 
do mundo com um "eu" inseri-
do. "O acesso a informações so-
Texto Rodrigo R(!z_ende_ e Alexandre Versignossi 
Oesign Joono Amador 
Ilustrações de Thois Beltr:ome_ 
SABE AQUELA PESSOA que sempre mo-
rou na sua cabeça e que você apelidou de 
"eu"? Então, imagine que um dia exista 
uma máquina que faça cópias perfeitas 
de você, com a sua cara, seu cérebro, 
suas memórias. Tudo. Será que a sua 
consciência vai parar lá também? Ou 
sua cópia ganha outro "eu"? Se você não 
conseguiu responder, fique tranquilo: 
nada é mais misterioso que esse cidadão 
aí dentro. Uma prova disso é o grande 
número de teorias que tentam explicar 
o que é a consciência. Muitas delas vão 
bem fundo no problema, mas batem de 
cabeça umas com as outras. Uns acham 
que ela nem existe. Outros, que está em 
todo lugar. Muitas perguntas continu-
am sem resposta - e, como você pode 
ver nas colunas ao lado, nunca vão ter. 
Mas não faltam argumentos que nos 
deixem pelo menos mais perto de escla-
recer o mistério. Prepare-se para conhe-
cer esse "eu" que mora em você. 
Você, por você mesmo 
Afinal, o que é a consciência? Foi esse 
o problema enfrentado pelo linguista 
Ray )ackendoff, da Tufts University, e 
pelo fi lósofo Ned Block, da Universida-
de de Nova York. Eles chegaram a dois 
significados fundamentais. 
Em primeiro lugar, consciênciaé o co-
nhecimento que você tem de você mes-
mo. Nossa cabeça consegue formar óti-
bre esse 'eu' é fácil de reproduzir. 
Um robô que possa se reconhecer 
num espelho não seria mais difícil 
de construir do que um capaz de re-
conhecer qualquer outra coisa", diz o 
neurocientista Steven Pinker, da Univer-
sidade de Harvard, EUA, em seu já clás-
sico livro Como a Mente Funciona. 
Outra parte é a forma com que o cére-
bro acessa a infinidade de informações 
que tem lá dentro. Numa conversa, por 
exemplo, você pode falar do filme de on-
tem, de alguém que está passando na sua 
frente, da chuva. Mas não tem como dis-
correr sobre a velocidade com que seu 
sangue está correndo agora ou o jeito 
como enzimas estão sendo secretadas 
pelo seu estômago. Tudo o que você vê e 
boa parte do conteúdo da sua memória 
são o que sua cabeça pode acessar. O res-
to fica "esconclido" no seu cérebro. Isso 
mostra que o sistema nervoso divide cla-
ramente o que vai e o que não vai para a 
consciência. Então a gente fica com um 
outro jeito de definir o "eu": ele é tudo a 
que você pode ter acesso pela sua cabeça 
na hora. Ou, mais exatamente, tudo o que 
você precisa pensar para falar e fazer. 
Nesse processo, informações da parte 
consciente às vezes são escondidas. 
Quando você está aprendendo a dirigir, 
por exemplo, precisa pensar para trocar 
as marchas do carro. Operar o câmbio é 
uma preocupação que faz parte da cons-
ciência do motorista de primeira via-
gem. Depois de alguma experiência, a 
troca de marchas vira uma coisa auto-
mática, tão inconsciente quanto a respi-
ração e o trabalho das enzimas do estô-
mago. E o "eu" fica liberado para matutar 
sobre o filme, os passantes, a chuva. 
Esevocêforum 
cérebro em um vidro? 
Por mais que os cientistas 
se esforcem para estudar 
a consciência, existem 
algumas perguntas rela· 
cionadas ao assunto que 
ainda não têm resposta. 
Como saber, por exemplo, 
que você não é um mero 
cérebro em um vidro de 
laboratório, e que essa 
revista, as suas mãos e o 
lugar em que você está 
sentado agora não passam 
de ilusões criadas por 
cientistas? Não é uma ideia 
absurda, por um simples 
motivo: não existem 
meios de responder a essa 
pergunta com um sim ou 
não. E é possível que nunca 
venham a existir. Demais 
perguntas desse tipo 
aparecerão nas colunas do 
resto da reportagem. 
Essas definições explicam alguma 
coisa, mas deixam muita coisa de fora. 
Não explicam questões que parecem 
simples, mas que são impossíveis de 
responder, do tipo: como é ser um be-
souro, como seria estar morto, ou qual 
o sentido do "eu". E ai entram as teorias 
que mergulham fundo para resolver 
esses problemões. Bem fundo, até a 
parte irracional da nossa mente. 
Você, pela sua emoção 
Lembra o que acontece quando você 
toma um susto? Primeiro vem uma es-
pécie de chacoalhão no seu corpo, de-
pois um salto meio inconsciente e aí a 
sensação de medo. E não há nada que 
você possa fazer para evitar essa reação 
em cadeia. Aliás, para ser bem sincero, 
não existe nem um "você" presente nes-
se processo todo. A consciência de que 
o susto aconteceu só vem depois dele. 
E talvez não seja à toa. Segundo um dos 
neurologistas mais respeitados do 
mundo, o português António Damásio, 
da University o f Southern California, o 
processo que te levou a perceber o sus-
to reproduz a história evolutiva da 
mente, na qual a consciência é o último 
passo de todo o processo. -+ 
NOVEMBRO 2015 SUPER ~7 
A primeira forma de pensamento na 
natureza não vinha com o "eu..- no pa-
cote. Era só emoção. Para Damásio, a 
emoção é uma imagem mental forma-
da por várias coisas ao mesmo tempo, 
tipo a dilatação da pupila, a descarga de 
adrenalina e a tensão muscular que 
acontecem na hora do susto. Quando a 
mente processa tudo isso junto e vê 
que tem algum perigo por perto, faz 
você dar um salto, por exemplo. Isso foi 
essencial para os animais primitivos na 
luta pela sobrevivência, já que permitiu 
reagir automaticamente a ameaças. 
Com o tempo, o cérebro aprendeu a 
lidar melhor com a tal emoção dos se-
res vivos, criando um "eu" para admi-
nistrá-la. Que vantagem isso dá? Sim-
ples: imagine que você sempre tome 
um baita susto toda vez que vê uma 
barata. E que comece a trabalhar num 
lugar infestado delas. Em vez de passar 
a dia inteiro cheio de adrenalina e com 
a musculatura tensa, gastando um 
monte de energia à toa, você usa a 
consciência e se pergunta: "Por que eu 
tenho medo de barata?" E tenta arranjar 
um jeito de se livrar desse medo. 
Mas por que não é fácil controlar o 
medo e outros sentimentos que só 
atrapalham a sua vida? Exatamente 
porque a consciência é só a ponta do 
iceberg desse conjunto de reações ir-
racionais e automáticas que deu ori-
gem à mente. Para Damásio, a emoção 
e o sentimento compõem o grosso da 
mente, e não o pensamento, a razão. 
Essa teoria dá urna boa ideia da ori-
gem da consciência. Afinal, ela é útil 
para o controle das emoções, e acaba aju-
dando na sobrevivência. Mas por que 
tem de existir um "alguém" aí dentro de 
você? Não daria para a mente trabalhar 
no piloto automático? Alguns acham 
que é isso mesmo que ela faz, que não 
mora ninguém dentro da sua cabeça. 
Você, robô 
Você já leu esta linha. E esta também. 
Faz meio segundo que o seu cérebro 
processou cada uma dessas letras que 
você está lendo agora. Ele faz todo o 
trabalho antes que você tenha consci-
ência do que está acontecendo, sem 
1.8 SUPER NOVEMBRO 2015 
perguntar nada. Sempre foi assim: 
todas as decisões da sua vida foram to-
madas sem que você fosse consultado. 
Todas. Se neste momento você resolver 
jogar esta revista pela janela, saiba que 
seu cérebro já ordenou que você fizesse 
isso sem que a parte consciente da sua 
cabeça se desse conta. 
Essa é uma possibilidade aberta por 
pesquisas sobre o funcionamento do 
cérebro feitas pelo falecido neurocien-
tista norte-americano Benjamin Libet, 
pioneiro dos estudos sobre a consci-
ência. Entender o raciocínio dele é fá-
ci l: levante seu braço agora mesmo. 
Levantou? Pois Libet concluiu que o 
impulso que seu cérebro acabou de 
enviar para erguer o seu braço partiu 
um pouco antes de você ter decidido 
levantá-lo. Você, o legítimo dono do 
membro, pode não passar de um figu-
rante nesse processo. 
Mas espera um pouco. Se realmen-
te não temos domtnio sobre nossas 
ações, somos o quê, então? Sinto lhe 
dizer, mas, segundo Richard Dawkins, 
professor emérito da Universidade de 
Oxford - que hoje pode ser famoso 
pela militância antirreligiosa, mas é 
(ironia) um dos "papas" da biologia 
moderna - você não passa de um robô, 
"ainda que um bem complexo". 
Essa posição tão simpática vem de 
uma ideia genial: a de que somos "má-
quinas de sobrevivência" dos nossos ge-
nes. "Máquinas" porque eles usam nos-
sos corpos para se reproduzir e depois 
vão embora. Por essa visão, quem já teve 
o trabalho de arrumar parceiros sexuais 
e criar filhos pode morrer tranquilo por 
ter cumprido sua missão: ajudar suas 
moléculas de DNA a continuar sobre a 
Terra. E mais nada. Bom, se os genes são 
os chefes dos nossos corpos, quem man-
da na nossa mente, nas nossas ideias? 
Para Dawkins, a diretoria aí não é forma-
da exatamente pelo genes, mas pelos 
memes - pelo menos esse é o nome que 
o inglês inventou. 
Isso tem pouco que ver com as piadi-
nhas de humor duvidoso na internet, 
que herdaram o nome por sua pretensão 
a se tomarem memes. Um meme, no 
sentido original, é basicamente uma 
Você vê o mesmo que eu? 
Como ter certeza de que 
as cores que você vê aí em 
cima são as mesmas que 
outra pessoa veria? E se a 
sensação que você tem do 
vermelho é idêntica à que 
eu tenho do verde? Para 
a física, o que chamamos 
de vermelho é apenas 
uma frequência de uma 
onda eletromagnética, 
mas nada garante quea representação mental 
dessa cor seja a mesma 
para nós dois. 
idéia, um conceito qualquer. Mas, note 
bem, eles têm vida própria. E estão na 
Terra com um objetivo único: se espa-
lhar, igual os genes fazem. Quer ver um 
meme agora mesmo? Então pense em 
alguma música das Spice Girls - ou em 
qualquer uma que você gostava quando 
era mais novo. Se ela começa a tocar so-
zinha na sua cabeça, é porque você está 
testemunhando um meme em ação. Se 
você resolver cantar a música e alguém 
que estiver do seu lado ficar com ela na 
cabeça, você está vendo um meme se re-
produzir, passar de um corpo para outro. 
Como se fosse um gene! Ou uma carinha 
mal desenhada na internet. 
Essa lógica serve para tudo no mundo. 
Um filósofo, do ponto de vista "meméti-
co", é o meio que uma biblioteca tem de 
produzir outras bibliotecas. E por aí vai. 
Vivemos numa "memosfera" carregada 
de ideias que lutam para se reproduzir. 
E em que lugar uma ideia tem me-
lhores condições de procriar? Num 
cérebro humano. É ele quem tem o 
trabalho de espalhar ideias por aí, não 
é? Cérebros são o paraíso dos memes. 
Um conceito que esteja em várias ca-
beças, entrando por muitas orelhas e 
saindo por muitas bocas, fica com 
chances melhores de crescer e de se 
reproduzir no "mundo das ideias". 
Para Dawkins, então, a mente é um 
emaranhado de memes em busca de 
um lugar ao Sol. E você, o dono do cé-
rebro, não tem nada a ver com isso. A 
briga para ver o que se passa na sua 
cabeça é entre eles, caro robô. -+ 
r 
Se você achou isso difícil de engolir, 
não é o único. O filósofo Daniel Dennett, 
do Centro de Cognição da Universidade 
Tufts, nos EUA, também achou. Mas é 
uma ideia que se encaixa tão bem em 
outras teorias da biologia que até ele aca-
bou engolindo. E criou uma explicação 
da consciência baseada nos memes. 
Para ele, o nosso cérebro é um ema-
ranhado quase infinito de memes que 
estão agora mesmo no seu inconscien-
te. O que eles fazem é ficar brigando 
uns com os outros lá no escuro até que 
um ganha vantagens sobre os outro se 
consegue "ver a luz". Quer dizer: ele 
emerge na sua cabeça em forma de uma 
ideia consciente, pronta para sair da sua 
boca e se reproduzir em outras cabeças. 
O modelo de Dennett é bastante 
complexo, mas tem uma essência sim-
ples. Para ele, o cérebro tem dificuldade 
em lidar com o turbilhão de ideias que 
moram lá. Então a consciência não seria 
exatamente um meme qualquer que 
pula para fora, mas uma "máquina vir-
tual" criada para controlar o jorro de 
ideias. uma espécie de "filtro" dos me-
mes que estão enterrados em sua cabe-
ça. E o nome que você dá para essa má-
quina, enfim, é "eu", amigo robô. 
A conclusão, mais uma vez pouco 
animadora, é que a sua consciência não 
passa de ilusão. O que você chama de 
"eu", na verdade, é uma estratégia dos 
milhões de memes para se regularem. 
Tudo certo então? Claro que não. Uma 
teoria da consciência, pelo menos tão 
instigante quanto essa, fala exatamen-
te o contrário. Vamos lá. 
Você, em todo lugar 
Se você está preocupado com a possibi-
lidade de ser apenas um robô sem con-
trole sobre si mesmo, chame o neuro-
cientista e filósofo David Chalmers, da 
Universidade Nacional da Austrália. 
Para ele, esse tipo de argumento é coisa 
de gente preguiçosa. "A maneira mais 
fácil de desenvolver uma teoria da 
consciência é negar que ela existe", afir-
ma ele em seu livro The Conscious Mind 
("A Mente Consciente", inédito em por-
tuguês). Chalmers, você vê, acredita que 
a consciência não seja só uma ilusão e 
bate de frente com Dennett, seu mais 
ferrenho rival acadêmico. 
Pense bem, a consciência é um fe-
nômeno bastante poderoso, mas que 
ninguém sabe muito bem onde está. 
Mesmo sendo o centro da existência de 
todo mundo, nenhum cientista conse-
guiu matar a charada e dizer de onde ela 
surge, ou sequer afirmar com certeza 
quais seres têm ou não consciência. 
Um jeito científico de tentar detec-
tá-la é colocar animais na frente de um 
espelho para ver se eles conseguem se 
reconhecer. Por esse critério, bebês 
humanos de um ano não têm consci-
ência. Os animais que passaram no 
teste até hoje são outros hominídeos 
(chimpanzés, bonobos e orangotangos, 
mas não gorilas), elefantes, golfinhos 
nariz-de-garrafa, orcas e, por incrível 
que pareça, a pega-rabuda (esse é o 
nome), um tipo de gralha europeia. 
Ainda assim, muitos cientistas contes-
tam os resultados. Mas por enquanto 
não dá para ir mais longe. 
Para Chalmers, ninguém conseguiu 
achar a resposta por um motivo bem 
simples: ela estava embaixo do nariz de 
todo mundo. A consciência para ele é 
uma propriedade das coisas. De qual-
quer coisa: de um ganhador do Nobel a 
um caixote, tudo tem consciência. 
Se, a essa altura, você já está seguran-
do o seu chapéu e achando isso tudo um 
absurdo, pense de novo na ide ia. Largue 
o seu chapéu e tente responder. por que 
essa benção, essa força tão poderosa, só 
apareceria no cérebro humano? Não pa-
rece muita pretensão nossa? É por isso 
que, para Chalmers, ela pode, sim, estar 
em tudo: seja numa pedra, num pedaço 
de papel ou numa estrela. O motivo pelo 
qual você nunca percebeu essa habilida-
de neles é que existem diferentes graus 
de consciência. Para ele, quanto mais 
complexa for a atividade de uma coisa, 
quanto maior for o número de diferentes 
"e>..'Periências" que ela vivenda- em ou-
tras palavras, quanto mais complexo for 
o objeto - maior sua "quantidade" de 
consciência. Um cérebro experimenta 
bilhões de impulsos elétricos por segun-
do. É a coisa mais frenética do Universo 
conhecido. Então ele tem um grau alto 
Máquinas podem 
ter consciência? 
Imagine se a gente pudes-
se tirar um dos neurônios 
do cara da foto aí ao 
lado e substituí-lo por 
um chip com as mesmas 
funções. O cérebro dele 
ia continuar funcionando, 
certo? Agora, imagine que 
continuamos trocando 
células por chips equiva-
lentes. O resultado seria 
uma máquina idêntica 
ao nosso cérebro, 
mas ... ela teria alguma 
consciência? E seria essa 
consciência a mesma 
do cérebro original? 
de consciência. Já uma pedra não passa 
por muitas emoções ao longo da vida. A 
única coisa que ela faz é esfarelar com o 
tempo, bem devagarinho. Então seu 
grau de consciência seria minúsculo. 
Uma estrela, digamos, é grande e agitada 
por dentro, mas não faz nada de comple-
xo: é só uma bolona que gera energia 
fundindo hidrogênio, uma rotina bas-
tante tediosa. Então seu grau de consci-
ência não seria lá essas coisas. 
Por esse ponto de vista, a consciên-
cia é nada mais que uma propriedade 
do mundo físico, como a massa e a ve-
locidade. Do mesmo jeito que uma coi-
sa pode ser mais rápida ou mais pesada, 
ela também pode ser mais consciente 
que outra. 
Mas a teoria não faz sentido para 
todo mundo. Na verdade, Daniel Den-
nett, o arqui-inimigo de Chalmers, acha 
tudo isso tão absurdo que se preocupa 
basicamente em tirar sarro da teoria. 
Dennett propõe a seguinte cena: um 
bebê brincando com um filhote de ca-
chorro. O que os dois têm em comum? 
São fofos. E muito. Assim como a cons-
ciência, a fofura é uma força poderosa, 
que pode estar em qualquer lugar e que 
é bem difícil de conceitualizar (tente, por 
exemplo, explicar o que é fofura sem usar -+ 
NOVEMBRO 201S SU PER 21 
Há como medir 
o consciência? 
Aparelhos de ressonância JW.77:1:tí:t: 
magnética, tomografia 
e encefalograma são 
instrumentos com 
os quais os cientistas 
estudam a mente. Só que 
nenhum deles possibilita 
leitura direta do conteúdo 
da consciência de uma 
pessoa. A única a que um 
cientista tem acesso 
é a dele mesmo. 
O problema é que a 
ciência precisa de 
evidências do mundo 
físico para comprovar 
teorias. Se pensar a 
consciência a partir da 
própria consciência 
contraria os valores 
científicos fundamentaise extrapola os limites 
da ciência, como é 
possível explicá-la 
cientificamente? 
os dedos. Difícil, não?) "Já que é assim, 
por que não considerar a fofura uma pro-
priedade fundamental da matéria?", disse 
o filósofo, em um artigo de 2004. 
O problema é que não existem meios 
de provar nem a teoria de um, nem a do 
outro. A biologia fica de mãos atadas na 
hora de debater a consciência. Mas a 
física talvez não. 
Você, atômico 
A gente pensa num cérebro como se fos-
se um grande computador. É até natural. 
Afinal, os dois têm memória, processam 
informações e travam de vez em quando. 
Além disso, a estrutura do cérebro, com 
bilhões de neurônios, axônios e sinapses, 
lembra o emaranhado de fios e micro-
chips que temos nas nossas máquinas. E 
existe um sinal elétrico correndo lá den-
tro, seja na máquina, seja na cabeça. 
Mas existe uma coisa que os cérebros 
manjam e que computador nenhum 
consegue fazer: abstrações. Uma partida 
de xadrez, por exemplo, tem um número 
absurdo de caminhos diferentes. O que 
um computador faz na hora de jogar? 
Tenta um número enorme de jogadas até 
achar uma que tenha boas chances de 
sucesso. Já você, antes de cada lance, 
22 SUPER NOVEMBRO 2015 
pensa só nas três ou quatro jogadas mais 
sensatas. Mesmo sem perceber, você de 
alguma forma conseguiu tirar um senti-
do do jogo e agir de acordo com alguma 
lógica -algo que fios, chips e eletricidade 
não conseguem fazer sozinhos. 
Outro ponto em que somos bem 
diferentes das máquinas é que nós 
nunca pensamos em apenas uma in-
formaçãp por vez. Você pode até estar 
aqui processando as informações des-
se texto, mas ao mesmo tempo está 
ligando essas ideias ao cheiro que você 
está sentindo, às memórias do que 
você fez nos últimos tempos, à sensa-
ção do lugar em que você está e aos 
barulhos que está ouvindo. Cada mo-
mento que você vive é processado ao 
mesmo tempo por vários neurônios, 
em diferentes partes do cérebro. 
É como se o mesmo sinal passasse por 
vários processadores intimamente li-
gados, como se todos fossem um só. 
E é claro que um computador não 
consegue fazer uma reprodução exata 
disso. Mas por que não? Para responder 
essa pergunta, o matemático Roger Pen-
rose, da Universidade de Oxford, Ingla-
terra, buscou inspiração em um mundo 
quase tão estranho quanto nosso cére-
bro: o da física quântica, que descreve o 
comportamento das coisas ultramicros-
cópicas. Lembre-se do que acabamos de 
dizer sobre o cérebro: é uma máquina 
que processa informações como se elas 
estivessem em vários lugares ao mesmo 
tempo e que, de alguma forma, consegue 
extrair uma força maior, um sentido de 
tudo isso. É algo que poderia ser compa-
rado a um elétron, por exemplo. 
Ele nunca está em um lugar definido. 
É como se estivesse sempre indeciso 
sobre onde ficar e, enquanto não "resol-
ve", se mantém em vários lugares ao 
mesmo tempo. E, de alguma forma, é 
dessas interações que saem as leis da fí-
sica com as quais lidamos no dia a dia. 
As estranhezas da física quântica 
não param por aí. As partículas podem 
se comportar como pequenos bonecos 
de vodu. Exatamente: se você "espetar" 
uma aqui, outra "sente a dor" em outro 
lugar, não importa a distância que se-
pare as duas. Bizarro, não? 
O mesmo aconteceria no cérebro. 
Dentro da sua cabeça, tudo o que você 
sente e pensa está espalhado em áreas 
distantes. O que você vê agora é proces-
sado perto da sua nuca, e as coisas de que 
você lembra ficam no meio do cérebro. 
Para Penrose, então, os sinais que os 
neurônios transmitem poderiam ficar 
em vários lugares ao mesmo tempo, que 
nem os elétrons dos experimentos quân-
ticos, por uma fração de segundo. A jun-
ção dessas pequenas flutuações resulta-
ria no jeito como você e eu sentimos a 
cor azul e a sensação de segurar esse pa-
pel simultaneamente. Em suma, ela for-
maria a sensação do "eu". 
O problema é que nenhum desses 
argumentos fez a ideia de Sir Penrose 
ganhar crédito. Uns contestam a mate-
mática da teoria. Outros falam que os 
fenômenos quânticos não poderiam 
existir dentro de um cérebro, um am-
biente grande e quente que não dá con-
dições para que os átomos se compor-
tem de um jeito tão estranho. Tem 
ainda quem diga que Penrose só subs-
tituiu um mistério por outro e não tem 
nada que tentar explicar o inexplicável. 
"Mas estou aberto para qualquer um 
que venha e me mostre que eu estou 
errado. E ainda estou esperando!", desa-
fiou a matemático. Vai encarar? 
Com certeza, muita gente vai. Penro-
se continuou trabalhando em sua teoria 
e, em 2013, ele e o anestesiologista Stuart 
Hameroff afirmaram com todas as letras 
que o cérebro é um "computador quân-
tico". Uma máquina que mal existe ain-
da. Mas essa é uma daquelas questões 
centrais a qualquer área da ciência - e 
que nunca vai morrer. Enquanto existir 
essa voz aí na sua cabeça que você se 
acostumou a chamar de "eu", existirá 
quem tente descobrir de onde ela vem, 
do que ela é feita. Quem sabe o "eu" de 
algum deles ainda desvende o seu? O 
PA~A SA3fH MAIS 
MENTE, CÉREBRO E COGNIÇÃO, João de 
Fernandes Teixeira, Vozes. 
O MISTÉRIO DA CONSCitNCIA. Antônio Damás io, 
Cia das Letras. 
CONTENT ANO CONSCIOUSNESS, Daniel Dennett, 
Rout ledge Classics. 
• Colaboraram Bianca Carneiro c Cris tina Kist. 
VOCÊ NÃO TOMA AS PRÓPRIAS 
DECISÕES - E BOA PARTE 
DO QUE VÊ NÃO É REAL. É 
APENAS UMA ILUSÃO CRIADA 
PELO SEU CÉREBRO, QUE PASSA 
PELO MENOS 4 HORAS POR DIA 
ENGANANDO VOCÊ. CONHEÇA 
OS TRUQUES QUE ELE APLICA 
- E SAIBA O QUE REALMENTE 
ACONTECE DENTRO DA MENTE . 
Texto Alexandre de Santi" Design Rafael Quick 
VOCÊ FICA CEGO 4 horas por d ia. Já foi enganado 
por um rótulo nesta semana. Tem preconceitos sobre 
todos os assuntos (por mais que ache que não). Toma 
decisões irracionais, que vão contra os seus interesses. 
Você não está no controle da própria mente. Mas não 
se preocupe: você é normal. Não é maluco e possui um 
cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só 
que ele inventa coisas para iludir você. Não é por mal. 
E só uma maneira de economizar energia. 
O cérebro humano é o objeto mais complexo do 
Universo. Tem 86 bilhões de neurônios, que podem 
formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar 
um computador com o mesmo número de circuitos do 
cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de 
eletricidade: 6o milhões de watts por hora, segundo 
uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. 
É o equivalente a quatro usinas de Itaipu trabalhando 
simultaneamente. Mas o cérebro humano gasta pou-
quíssima energia - 20 watts, menos que uma lâmpada. 
E mesmo assim consegue fazer coisas extremamente 
sofisticadas, de que nenhum computador é capaz. 
Só que isso tem um preço. O seu cérebro não con-
segue anal isar as situações de forma completamente 
racional, avaliando todas as variáveis envolvidas em 
cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda mais 
circuitos - e muito mais energia. Mas, ao longo da 
evolução, a natureza encontrou uma solução: o cérebro 
pode mentir para seu dono. Sim, mentir. Descartar 
informações, manipular raciocínios e até inventar 
coisas que não existem. Dessa forma, é possível s im-
plificar a realidade- e reduzir drasticamente o nível 
de processamento exigido dos neurônios. "São efeitos 
colaterais do funcionamento normal do cérebro", diz 
Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). --+ 
NOVEMBRO 2015 SUPER 25 
Tudo começa pela visão. 
Você não percebe, mas o 
cérebro edita o que você vê. 
Das 16 horas por dia que 
uma pessoa passa acorda-
da, em média, 4 horas são 
preenchidas por imagens 
"artificiais"- que não foram 
captadas pelos olhos, e sim 
criadas pelo cérebro. 
O olho humano só cap-
ta imagens com clareza em 
uma pequena parte, a fóvea, 
que tem l. milimetrode di-
âmetro e fica no centro da 
retina. Então, para compor 
a linda imagem que você 
está vendo agora, os seus 
olhos estão constantemen-
VOCÊ NÃO 
ENXERGA 
O QUE ESTÁ 
ACONTECENDO 
AGORA, 
MAS VÊ O 
FUTURO. 
QUE SEU 
CÉREBRO 
INVENTA. 
te em movimento. Eles focam determinado ponto e 
depois pulam para o ponto seguinte. Cada um desses 
saltos tem duração de 0,2 segundo. Quer comprovar 
isso na prática? Na próxima vez em que você estiver 
conversando com uma pessoa, preste atenção nos olhos 
dela. Você irá perceber que eles se movimentam o 
tempo todo para escanear vários pontos do seu rosto. 
O problema é que a cada pulo desses, enquanto 
os olhos estão se movendo para a próxima posição, 
o cérebro deixa de receber informação visual por 0,1 
segundo. Durante esse tempo, você está cego. E, como 
nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos 
os dias, o resultado são 4 horas diárias de cegueira 
involuntária. Você não percebe isso porque o cérebro 
preenche esses momentos com imagens artificiais, que 
dão a sensação de movimento contínuo. Mas que, na 
prática, você não viu. 
Tem mais: o que você enxerga não é o que está 
acontecendo - e sim o que vai acontecer no futuro. É 
sério. Isso acontece porque a informação captada pelos 
olhos não é processada imediatamente. Ela tem de 
passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. 
O processo leva frações de segundo, e você não pode 
esperar- um atraso na visão pode fazer com que você 
seja atropelado ao atravessar a rua, por exemplo. Então, 
o que faz o cérebro? Inventa. Analisa os movimentos 
de todas as coisas e fabrica uma imagem que não é 
real, contendo a posição em que cada coisa deverá 
estar 0,2 segundo no futuro. Você não vê o que está 
acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá 
acontecer daqui a 0,2 segundo. 
As mentiras invadem a razão 
Com R$ 2,2o, você pode comprar um café e uma 
bala. O café custa R$ 2 a mais do que a bala. Quanto 
26 S UPER NOVEMBRO 2015 
custa a bala? Responda rápido. Vinte centavos, 
certo? Errado. Você acaba de ser enganado pelo 
próprio cérebro. Mas não está sozinho - m ais da 
metade dos estudantes de universidades prestigia-
das como Harvard, MIT e Princeton responderam 
a essa mesma pergunta e também erraram (entre 
alunos de instituições menos badaladas, o índice 
de erro é ainda maior, cerca de 8o%). Essa chara-
da é um dos exemplos citados no livro Thinking, 
Fast and Slow (Pensando, Rápido e Devagar, ainda 
sem versão em português), do psicólogo israelense 
Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel 
de Economia de 2002 por suas pesquisas sobre o 
comportamento humano. 
Para Kahneman, o cérebro tem dois tipos de pen-
samento. O primeiro é rápido e intuitivo e confia 
na experiência, na memória e nos sentimentos para 
tomar decisões. O segundo é lento e analítico - e 
serve como uma espécie de guardião do primeiro. 
Se estamos decidindo sobre o que comer, podemos 
ficar em dúvida entre um sanduíche e um prato de 
feijão. Mas por que essas duas opções, justo elas, 
surgiram como as alternativas válidas para o mo-
mento? Por que você não considerou um bacalhau 
com batatas? Por que não um sorvete de abacaxi? 
Porque o seu pensamento intuitivo já estava inclinado 
para optar pelo sanduba ou pelo feijão e restringiu 
previamente as escolhas, antes mesmo que você se 
desse conta de que estava chegando a hora de almoçar. 
Do contrário, passaríamos horas avaliando todas as 
possíveis opções de refeição - e morreríamos de fome. 
Se o pensamento intuitivo não existisse, seria extre-
mamente difícil escolher uma roupa ou responder a 
perguntas banais, do tipo "como você está?" ou "gostou 
do filme?". De certa forma, o pensamento intuitivo é 
o que nos diferencia dos robôs. E é ele que permite 
ao cérebro processar informações na velocidade ne-
cessária. "Ele é mais influente. É o autor secreto de 
muitas decisões e julgamentos que você faz", explica 
Kahneman no livro. Foi o pensamento intuitivo que 
apontou os R$ 0,20 como resposta para o enigma do 
café. Só que ele mentiu para você. A resposta certa 
é R$ 0,10. Se a bala custasse R$ 0,20, o café custaria 
R$ 2,20 - e o total daria R$ 2,40. 
Esse duelo entre os dois tipos de pensamento, o 
rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma 
explicação evolutiva. O córtex pré-frontal, região 
do cérebro responsável pelo processamento lógico, 
surgiu relativamente tarde na evolução da espécie 
humana -já as emoções e os instintos estavam com 
nossos ancestrais há muito mais tempo. Por isso elas 
são tão fortes e nos influenciam tanto. "A filosofia 
considera o ser humano um animal racional. Mas o 
que sabemos é que apenas em certas circunstâncias e __. 
à custa de muito esforço conseguimos ser racionais", 
afirma Vitor Haase, médico e professor de psicologia 
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 
O pensamento intuitivo está sempre presente, até 
nas situações em que a racionalidade é suprema-
menteimportante. Um estudo de pesquisadores das 
universidades de Ben Gurion, em Israel, e Columbia, 
nos EUA, analisou o comportamento de juízes que 
deveriam decidir sobre a liberdade condicional de 
presos (um processo rápido, que leva 6 minutos). 
Em média, somente 35% dos condenados ganhavam 
a condicional. Mas os cientistas perceberam que 
os juízes eram muito mais benevolentes depois 
de comer. Quando eles tinham acabado de fazer 
uma refeição, a taxa de aprovação subia para 65%. 
Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, 
e a concessão de liberdade condicional ia cain-
do. Minutos antes do próximo lanche, o índice de 
aprovação era quase zero. 
Decidir sobre liberdade condicional e julgar a 
própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar 
todas as variáveis envolvidas, muitas delas subjetivas, 
o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado. Por isso, ele 
usa atalhos. "Os nossos problemas são resolvidos no 
piloto automático, por meio de soluções que a cultura 
já embutiu no nosso cérebro", diz Haase. 
Estudos têm revelado outra distorção: toda pes-
soa sempre tende ao otimismo, mesmo quando não 
há motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, 
da University College London, gravou a atividade 
cerebral de voluntários enquanto eles imaginavam 
situações banais - como tirar uma carteira de iden-
tidade. Ela também pediu que os voluntários pen-
sassem em coisas do passado. Os testes mostraram 
que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para 
recordar o passado e imaginar o futuro. Só que, ao 
imaginar o futuro, os voluntários criavam cenários 
magníficos - era o cérebro tentando colorir os eventos 
sem graça. "Cerca de 8o% das pessoas têm tendência 
ao otimismo, algumas mais do que outras", diz ela. 
Para Tal i, autora do livro Oplimism Bias (O Viés do 
Otimismo, ainda sem versão em português), o otimis-
mo é sempre mais comum que o pessimismo - seja 
qual for a faixa etária ou o grupo socioeconômico 
da pessoa. Assim, nunca acreditamos que algo vá 
dar errado - mesmo quando o mais racional seria 
pensar que sim. "As taxas de divórcio, por exemplo, 
chegam a 40%, so%. Mas as pessoas que estão para 
casar sempre estimam suas chances de separação 
em o%", exemplifica Tali. Segundo ela, a inclinação 
natural ao otimismo também é um dos fatores que 
levaram à crise econômica global de 2008. "As pessoas 
achavam que o mercado continuaria subindo cada vez 
mais e ignoraram as evidências contrárias", afirma. 
Ele está no controle 
As manipulações criadas 
pelo cérebro afetam até a 
capacidade mais essencial 
do ser humano: tomar as 
próprias decisões. Quando 
você decide alguma coisa, 
na verdade o cérebro já 
decidiu -com uma antece-
dência que pode chegar a 10 
segundos. Uma experiência 
feita no Centro Bernstein 
de Neurociência Computa-
cional, em Berlim, compro-
vou que as nossas escolhas 
são resolvidas pelocérebro 
antes mesmo de chegarem 
à consciência. Voluntários 
foram colocados em frente a 
O SEU 
CÉREBRO 
DECIDE 
AS COISAS 
SOZINHO. 
DEZ 
SEGUNDOS 
ANTES 
QUE VOCÊ 
SEQUER 
PENSE. 
uma tela na qual era exibida uma sequência aleatória 
de letras. O voluntário tinha que escolher uma das 
letras e apertar um botão sempre que ela apareces-
se. Os cientistas monitoraram o cérebro dos parti-
cipantes durante o experimento. E chegaram a uma 
descoberta impressionante: 10 segundos antes de os 
voluntários escolherem uma letra, sinais elétricos 
correspondentes a essa decisão já apareciam nos 
córtices frontopolar e mediai, as regiões do cérebro 
ligadas à tomada de decisões. Cinco segundos antes 
de o voluntário apertar o botão, o cérebro ativava os 
córtices motores, que controlam os movimentos do 
corpo. Isso significa que, 10 segundos antes de você 
fazer conscientemente uma escolha, o seu cérebro 
já tomou a decisão para você - e até já começou a 
mexer a sua mão. 
"O indivíduo não é livre para escolher", afirma Re-
nato Zamora Flores, professor de genética do com-
portamento da Universidade Federal do Rio Grande 
do Sul (UFRGS). O cérebro restringe previamente as 
suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe uma delas 
antes mesmo que você se dê conta. 
É possível lutar contra isso. Lembra-se daquele outro 
tipo de pensamento, o lento-analitico? Basta colocá-lo 
em ação. E isso você consegue tendo calma, refletindo 
sobre as coisas e duvidando das suas escolhas e opi-
niões. Os truques do cérebro são poderosos, mas não 
invencíveis. Agora que você sabe como funcionam, está 
muito mais preparado para lidar com eles- e se tornar 
realmente livre para tomar as próprias decisões. e 
PARA SABfH MAIS 
COMO A MENTE FUNCIONA, Steven Pinker, 
Companhia das Letras. 
RÁPIDO E DEVAGAR, Daniel Kahneman, Objetiva. 
NOVEMBRO 2015 SU PER 29 
ATE NÇÃO 
M I N H A 
V I O A 
Esta reportagem demorou 
dois anos para ser escrita. 
E a culpa não é (só) da 
minha desorganização. 
Eu tenho Transtorno 
de Déficit de Atenção. 
Aqui você vai entender como 
meu cérebro funciona. 
Texto Rodrigo Rezende 
Fotos Somuel Esteves 
3 0 SUPER NOVEM BRO 2015 
BUZINA DE CARRo, latido de cachorro, choro de bebê, 
"Que horas são?", "Rola algo no Facebook?", "Que pro-
grama de TV é esse?", "O que tem para comer?", "Por que 
alguém vai ler esta matéria mesmo?". Apenas 5 minutos 
sentado em frente ao computador e tudo isso já pas-
sou pela minha cabeça. Tudo ao meu redor fala mais 
alto do que escrever este texto. Fecho a janela, checo o 
relógio, surfo na net, desligo a TV; como chocolate. Só 
então consigo voltar para explicar o que você ganha ao 
continuar lendo esta matéria: uma visão sobre como 
funciona uma mente inquieta. Nas próximas páginas, 
você vai enxergar o mundo pelos meus olhos. Bem-
-vindo ao cérebro TDAH. 
A redação da SUPER não é exatamente o melhor 
lugar para manter a atenção. Pilhas de livros, revistas 
importadas nas paredes, gente falando ao telefone. 
Enquanto rabisco no bloquinho, o diretor de redação 
me explica a pauta: "Quero que você escreva sobre 
TDAH. Mas em primeira pessoa. Sua experiência pode 
ser interessante para o leitor". Topo imediatamente. 
Marcamos o prazo de um mês para entregar o texto 
que você lê agora. Prazo real de entrega: dois anos. 
Se você tem TDAH, não é difícil se 
identificar com a história acima. Ela ex-
põe um dos traços mais característicos 
do Transtorno de Déficit de Atenção e 
Hiperatividade: dificuldade em gerenciar 
o tempo. O paciente TDAH também se 
reconhece facilmente na brincadeira de 
Douglas Adams, autor do Guia do Mo-
chileiro das Galáxias: "Amo prazos de en-
trega. Adoro o som que fazem quando 
passam voando pela minha janela". Somos 
tachados de avoados ou incapazes. Mas 
julgamentos como esses não explicam as 
nuances do TDAH. Eu perco as contas de 
quantas vezes chego atrasado a compro-
missos e esqueço datas de aniversário. Ao 
mesmo tempo, tenho a capacidade de ler 
textos que me inte ressam por horas a fio 
nos ambientes mais caóticos possíveis. 
É bem provável que você conheça mais 
pessoas com esse perfil. Estima-se que um 
em cada 20 adultos apresente sintomas -t 
O cérebro 
de alguém com 
TDAH não consegue 
· los· filtrar os est•mu . 
recebe tudo ao 
mesmo tempo. 
BRO 2015 SUPER J1 NOVEM 
suficientes para ser diagnosticado com 
TDAH. Um estudo de 2012 estimou que 
o impacto da doença na produtividade 
dos EUA era de até US$ 138 bilhões por 
ano, com mais 56 bilhões no tratamento. 
Somando também os custos em crianças, a 
cifra chega a astronômicos U$ 266 bihões. 
Isso supera a depressão, cujo prejuízo foi 
medido em U$ 210 bilhões este ano. Por 
isso, entender o TDAH é uma tarefa cada 
vez mais importante. E é isso que eu fiz, 
procurando alguém que conhece o assun-
to bem de dentro. Mais exatamente, de 
dentro de seu próprio cérebro. 
Uma pilha de exames com cérebros 
coloridos. É o que mais chama atenção 
na mesa da psiquiatra e autora de livros 
Ana Beatriz Barbosa. Mas não consigo 
tirar os olhos de um outro objeto: um 
bloco de anotações. Dentro dele, vejo a 
prova física do que já sabia antes: não sou 
o único com problemas de atenção na sala. 
Os rabiscos caóticos só podem ter vindo 
de um lugar: outro cérebro TDAH. 
Enquanto enche de riscos o seu blo-
quinho, Ana Beatriz explica o que há de 
errado em nossas cabeças: "O defeito es-
tá numa parte do cérebro chamada lobo 
frontal, que fica próxima à testa". O lobo 
frontal é uma espécie de gerente execu-
tivo do cérebro. A função dele é coletar 
informações e enviar ordens em forma de 
impulsos elétricos para as outras partes do 
órgão. Mas, como todo bom gerente, exige 
um pagamento adequado para trabalhar. 
No caso, o pagamento é em dopamina, 
uma substância que regula a interação 
entre neurônios. Sem ela, os neurônios 
do lobo frontal não conseguem conversar 
direito. Quando isso acontece, o cérebro 
começa a funcionar como uma empresa 
sem CEO: ganha o setor que grita mais 
alto. Com medo da falência, a empresa 
cerebral ainda pode tentar criar uma espé-
cie de caixa dois de dopamina. Aí começa 
uma busca desesperada por tudo que pro-
move a produção do neurotransmissor. 
açúcar, sexo, nicotina, jogo, álcool, drogas 
ilegais. Entre 17% e 45% dos adultos com 
IDAH apresentam problemas com álcool. 
O risco de se viciar em drogas é o dobro. 
Mas como diagnosticar alguém assim? 
"Primeiro, é preciso sorte", diz a psiquiatra. 
"Pessoas com TDAH muitas vezes não 
32 SUPER NOVEMBRO 2015 
OS PREJUÍZOS DO 
TDAH SÃO 
ENORMES: ATÉ US$ 
266 Bl AO ANO NOS 
ESTADOS UNIDOS. 
BEM MAIS DO QUE 
A DEPRESSÃO. 
têm ideia de que sofrem de uma doença". 
Sorte foi exatamente o que levou Ana Be-
atriz a ser diagnosticada. Atrasada para 
um curso na Universidade Berkeley (EUA) 
-"Começava às 8h. Cheguei 9h15"-, foi 
obrigada a assistir à única palestra dispo-
nível no horário. O palestrante era Russell 
Barldey, um dos pioneiros no estudo do 
TDAH. Ao ouvir os sintomas da doen-
ça, Ana Beatriz não teve dúvidas: "Sou 
eu!". Logo que a palestra acabou, foi atrás 
de Barldey e pediu para fazer um teste 
psicológico. Ele voltou com o resultado 
positivo. Assim que começou a se tratar, 
Ana Beatriz, que cursou ao mesmo tempo 
Medicina, Física e Odontologia, conse-
guiu pisar no freio da mente e seguir uma 
estrada só: especializou-se em TDAH e 
hoje é autora de best-sellers sobre o tema. 
Homo desatentus 
Savana africana, 30 mil a.C. Em um pe-
queno grupo de Homo sapiens, alguém se 
esforça para entender a conversa. Não é 
tarefa fácil. Folhas balançando ao vento, 
pilhas de ossos ao lado, trilhas de ani-
mais no chão. Tudo capta seu olhar. Mas 
o IDAH pode ter sido uma vantagem para 
nossos ancestrais. Na luta pela sobrevi-
vência entre caçadores-coletores,levava 
vantagem quem possuía uma misteriosa 
habilidade presente no cérebro TDAH: o 
hiperfoco. Hiperfoco é uma capacidade 
de superconcentração característica de 
muitas mentes desatentas. Você já deve 
ter topado com gente assim: o menino 
que não para quieto, mas joga dez horas 
de videogame, ou a pessoa que não vai 
à aula, mas passa a tarde tocando violão. 
Seriam todos descendentes diretos doca-
çador distraído, mas supereficaz. Para ele, 
um animal na savana é como um videoga-
me ou um violão: algo que monopoliza o 
cérebro. Essa capacidade de ver uma presa 
e apagar o resto do mundo conferiu vanta-
gens evolutivas. E possibilitou que os ge-
nes do caçador TDAH chegassem até nós. 
"Estima-se que 8o% dos casos de TDAH 
têm origens genéticas", diz o psiquiatra 
da New York University Lenard Adler. 
Mas voltemos ao presente. Faz quatro 
horas que escrevo sem parar. Não batu-
co na mesa, como de costume. Nenhuma 
janela aberta no navegador. Quem me 
conhece pode achar que estou possuído. 
E estou: por uma pílula. O mecanismo 
exato de funcionamento dos medicamen-
tos para TDAH é desconhecido. Mas os 
efeitos mentais são bem familiares. Em 
alguns minutos, o cérebro, que funcionava 
como um rádio fora de estação, entra em 
sintonia. E o impossível se toma possível: 
executar uma só tarefa por vez. 
Ritalin, Aderall, Concerta, Venvanse. 
Esses formam a primeira linha de com-
bate na guerra contra os problemas de 
atenção (e têm sido abusados por gente 
sem o transtorno, como "anabolizante" do 
cérebro). Mas essas armas não são exata-
mente precisas. É possível, por exemplo, 
ingerir um medicamento com um alvo 
em mente e acertar outro: engolir uma 
pílula com a intenção de escrever um 
texto e terminar arrumando a gaveta de 
meias. Muito menos existe uma espécie 
de bomba atômica contra o TDAH: um 
medicamento que funcione com 100% dos 
pacientes. Para tratar o TDAH, ainda é ne-
cessário alguém que entenda de estratégia 
de guerra: um psiquiatra capaz de testar 
os medicamentos adequados a cada caso. 
Mas agora a pergunta que realmente 
interessa: como saber se você tem TDAH? 
Se você chegou sem interrupções até aqui, 
a resposta mais provável é não. (Mas pode 
ser que sim. E você está em hiperfoco 
agora). A verdade é que só um profissional 
vai saber responder. Mas, se a resposta for 
sim, não se desespere. Afinal, um simples 
TDAH não impediu você de ler este tex= 
to até o final, não é mesmo? E nem me 
impedirá de escrever muitos outros. O 
PARA SABfR MAIS 
MENTES INQUIETAS 
Ana Beatriz Barbosa, Principium. 
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36 SU PER NOVEMBRO 2015 
MARIANA ALMEIDA É APENAS UM ANO 
mais nova que o irmão, Pedro. Na escola, 
ela não era brilhante, mas estudava um 
pouquinho todos os dias e conseguia 
manter as notas altas, enquanto ele ra-
ramente era aprovado em alguma ma-
téria sem fazer recuperação. Na família 
de gordinhos, Mariana lutava contra a 
balança, enquanto Pedro gastava a me-
sada em biscoitos recheados. Quando 
ela arrumou o primeiro emprego, como 
secretária numa multi nacional, indicou 
Pedro para um cargo de office-boy. Mas 
o trabalho era puxado, o chefe era nervo-
so, e ele não demorou a pedir demissão. 
Nos últimos dez anos, Pedro trabalhou 
numa padaria, foi garçom de um bar, alu-
gou um carrinho de cachorro-quente, e 
agora está desempregado, mas pensando 
em comprar um táxi. Mariana continua 
na mesma empresa, onde foi promovida 
a secretária executiva, e vive empres-
tando dinheiro para o irmão. Quando se 
encontram na casa da mãe aos domingos, 
ela fica na saladinha, enquanto ele se 
farta na macarronada, mas garante que 
naquela semana mesmo vai começar a 
jogar futebol com os amigos. 
Esta história talvez soe familiar para 
você: dois irmãos ou amigos que tiveram 
oportunidades muito parecidas na vida, 
mas seguiram caminhos completamente 
diferentes. O manual de uma vida bem-
-sucedida não é segredo para ninguém 
- devemos comer verduras, praticar es-
portes, man ter a calma no trabalh o, eco-
nomizar dinheiro. Se algum dia você já 
fez uma lista de resoluções de ano-novo, 
é possível que alguns desses itens esti-
vessem presentes nela. Mas é provável 
que muitos deles nunca tenham virado 
parte da sua rotina. Andar na linha não 
é tão simples quanto pode parecer à pri-
meira vista: por trás das tentações há 
um intricado sistema cerebral que tenta 
Sentir prazer é tão 
viciante para o cérebro 
quanto usar drogas. 
Por isso é tão perigoso. 
o tempo inteiro nos levar para o mau 
caminho. Se vamos ceder às vontades 
ou não, depende do nosso autocontrole, 
um dos fatores mais decisivos para o 
desempenho da nossa vida. 
Por que falar "não"? 
A clássica imagem dos desenhos a ni-
mados em que o personagem tem um 
anjo num ombro e um diabo no outro 
não é exagero. De acordo com as úl-
timas pesquisas, é assim mesmo que 
nos comportamos diante das tentações. 
É realmente uma batalha o que acon-
tece entre a vontade de sentir prazer 
imediato contra o esforço de adiá-lo. 
Algumas pessoas são naturalmente mais 
descontroladas do que outras, mas, de 
maneira geral, todos temos coisas que 
conseguimos manter nos trilhos e outras 
que descarrilam de vez em quando. Tem 
quem seja impecável no trabalho, por 
exemplo, mas não consiga levar uma 
dieta a sério. Ou quem pratique espor-
tes regularmente, mas não aguente ser 
contrariado sem partir para a briga. 
Mas qual é o problema de ceder às 
tentações? Bem, a existência do futuro. 
Se você soubesse que vai morrer ama-
nhã, não teria por que guardar dinheiro 
ou passar o sábado à noite estudando. 
Nem ficar comendo salada para não en-
tupir as veias de colesterol aos 50 anos. 
Essas preocupações só fazem sentido 
porque imaginamos que vamos viver 
muitos anos ainda. "Seguir nossos im-
pulsos seria adaptável biologicamente 
se nós fôssemos projetados para viver 
apenas por hoje. E sem preocupação 
com o bem-estar dos ou tros", defini-
ram os psicólogos alemães Wilhelm 
Hofmann, Malte Friese e Fritz Strack 
no artigo Impulso e Autocontrole a Partir 
de uma Perspectiva Dual de Sistemas, de 
2009. O homem não é o único animal 
que precisa lidar com a tentação 
do prazer imediato contra os pla-
nos de futuro. (O joão-de-barro 
passa dias montando uma casi-
nha no capricho, por exemplo, e 
as abelhas constroem colmeias 
complicadíssimas para armazenar 
alimento.) Mas nós somos os úni-
cos com interesses e necessidades --+ 
muito mais complexos do que simples-
mente comer e procriar. Queremos, por 
exemplo, ter uma vida em sociedade. 
Manter relações amigáveis seria pra-
ticamente impossível se todo mundo 
resolvesse levar o hedonismo às últi-
mas consequências. 
Fazer tudo o que dá na telha afasta as 
pessoas próximas. Por isso cada grupo 
na história da humanidade criou suas 
próprias leis e códigos morais parare-
gular sexo, drogas, comida e jogos. Na 
Grécia Antiga, alguns prazeres eram 
socialmente aceitos e cultuados na 
figura do deus Dionís io, aquele das 
orgias e bebedeiras. Na Idade Média, 
por outro lado, quase todas as formas 
de prazer eram proibidas: as tentações 
deveriam ser pun idas com penitências, 
e todos viviam sob a ameaça da Inqui-
sição (Está Já no fim do pai-nosso: "Não 
nos deixei cair em tentação, amém"). 
Mas o cerceamento do prazer está pre-
sente em todas as sociedades humanas, 
de maneira mais ou menos radical. (No 
nosso mundo, essas regras se aplicam 
na hora de pegar a última empadinha 
do prato, por exemplo -todo mundo se 
controla para não fazer a desfeita com 
os outros.) Esse cuidado para regular as 
tentações faz sentido: poucas coisas são 
biologicamente tão poderosas quanto 
a sensação de prazer. 
Já é tentação 
Nos anos 1950, os psicólogos Peter 
Mi lner e Ja mes Olds, da Universi-
dade McGill, noCanadá, estavam 
testando o cérebro de ratos. A ideia 
era implantar eletrodos em uma área 
chamada sistema reticular do mesen-
céfalo para examinar o controle do 
sono. O teste consistia em deixar os 
roedores explorarem livremente uma 
caixa retangular com os cantos etique-
tados como A, B, C e D. Cada vez que 
os ratos chegavam ao canto A, rece-
biam um pequeno choque do eletrodo. 
Durante um experimento com um rato 
em especial, entretanto, o eletrodo aca-
bou escorregando e se acomodando em 
outra área cerebral, uma região chama-
da septo. Milner e Olds perceberam que 
esse ratinho adquiriu o hábito de voltar 
O centro de 
prazer do 
cérebro é tão 
poderoso que 
ratos que 
conseguem 
estimulá-lo 
deixam de 
comer e quase 
morrem de 
fome. 
frequentemente ao canto A, passando 
por Já até 7 mil vezes por hora. Ele aban-
donou a comida, a água, os fi lhotes, e 
teve de ser retirado do aparato para 
não morrer de fome. Sem querer, os 
cientistas fizeram um dos mais radicais 
experimentos da neurociência: encon-
traram o centro de prazer no cérebro. 
No livro The Compass of Pleasure 
("A Bússola do Prazer", inédito no 
Brasil), o neurologista americano 
David Linden conta que mais tarde 
descobriu-se que não havia somente 
um pequeno ponto capaz de produzir 
prazer: havia um grupo de estruturas 
conectadas, todas na base do cérebro 
e distribuídas ao longo da linha média. 
Quando os neurônios dessas regiões 
estão ativos, incentivam a liberação 
de um neurotransmissor ch a mado 
dopamina, responsável pela sensação 
de prazer. Diversas áreas do cérebro 
são então inundadas pela dopamina, 
incluindo as que controlam as emoções, 
o aprendizado e, claro, o julgamento e 
o planejamento - ou seja, o autocon-
trole. A dopam i na causa uma sensação 
de prazer tão poderosa que você terá 
vontade de senti-la de novo e de novo. 
Por isso qualquer coisa que estimule 
essas estruturas cerebrais - comida, 
sexo, preguiça - é tão tentadora. 
Parece cocaína, mas é só comida 
Para piorar, a vontade de chutar o balde 
foi moldada em nós ao longo de milênios 
e milênios de evolução. Na pré-história, 
os homens nem sempre eram bem-su-
cedidos na hora de caçar o jantar. Então 
comidas calóricas, que proporcionassem 
um estoque de energia por mais tempo, 
eram ideais para a sobrevivência. Hoje 
em dia, qualquer pessoa acima da linha 
de miséria tem uma alimentação regular 
a seu alcance, mas o nosso cérebro ainda 
está condicionado a preferir as comidas 
mais gordurosas ou açucaradas. De fa-
to, o processo é parecido com um vício. 
Em cérebro tanto de viciados em drogas 
quanto de obesos, é comum haver um 
número reduzido de receptores de do-
pamina, o que faz com que circule mais 
dessa substância no corpo. A lógica é a 
de uma rua sem bueiros que alaga du-
rante uma tempestade. Sem receptores 
para absorver a dopam i na, ela sobra no 
cérebro. É possível que esses indivíduos 
tenham nascido com menos receptores -
o que os tornaria mais vulneráveis ao ví-
cio, ou seja, ao descontrole. Quase todas 
as tentações podem potencialmente ser 
viciantes: a preguiça, a procrastinação, 
a vontade de fazer compras - e o sexo. 
Entre nossos antepassados, qualquer 
possibilidade de procriação da espécie 
deveria ser agarrada com unhas e dentes 
(literalmente) - afinal, morria-se cedo, 
a concorrência era braba e as ameaças 
eram muitas. Hoje em dia, quando a 
maior parte do sexo não tem função 
reprodutiva, muitos já aprenderam que 
não é qualquer noite de amor que vale 
a pena (recaídas com ex-namorados? 
Bebedeiras?). A tentação está lá, afinal o 
prazer sexual também libera dopamina. 
Mas o homem moderno já aprendeu que 
às vezes vale a pena evitá-la. 
A modernidade, aliás, é péssima para 
quem quer se controlar. São tantas as 
possibilidades que fica difícil optar por 
algo sem pensar em todas as opções in-
críveis deixadas de lado. Por que preparar 
uma salada, se posso pedir hambúrguer 
no meio da noite? Por que economizar 
dinheiro, se dá para pagar em dez ve-
zes? Com a internet, o excesso de in-
formações disponível manda para o __. 
NOVEMBRO 2015 SUPER 39 
espaço qualquer tentativa de controle. 
Docinhos explodindo gloriosamente na 
tela, a 123 música no YouTube, mais um 
quadrinho de memes no Facebook, isso 
faz as vezes do diabinho na hora em que 
você precisa trabalhar. O mundo mo-
demo foi feito para os descontrolados. 
Os genes têm sua dose de culpa. 
Diversos estudos, a partir da década 
passada, ligaram versões do gene da 
monoamina oxidase (MAOA) ao baixo 
autocontrole - o que inclui, talvez o 
ponto mais polêmico, a propensão à 
violência. Mas ainda está longe de estar 
escrito na pedra." Apesar da evidência 
de que o gene MAOA leva ao risco pa-
ra a violência ser relativamente forte, 
possuir uma variante menos funcional 
não é, de forma alguma, determinístico", 
escreveu o professor de psicologia Paul 
Denson, da University of New South 
Wales, na Austrália. Denson é autor de 
um desses estudos, que verificou em 
pessoas com baixo autocontrole uma 
atividade exagerada em duas partes do 
cérebro responsáveis pela regulação das 
emoções, a amígdala e o córtex anterior 
cingulado dorsal. 
"Não é determinístico" quer dizer que, 
não importa com o que você tenha sido 
premiado na loteria genética, ainda assim 
é possível melhorar seu autocontrole. 
Eles estão controlados 
Nos anos 1990, o cientista Roy Baumeis-
ter, da Florida State University, resolveu 
testar se o autocontrole era um recur-
so ilimitado. A lógica é a seguinte: por 
que, depois de se forçar a i r à academia, 
muitas pessoas não conseguem resistir 
a um brigadeiro de sobremesa? Será que 
elas gastaram todo o autocontrole que 
tinham? Para isso, Baumeister desen-
volveu um experimento cruel: preparou 
uma fornada de cookies com gotas de 
chocolate, e deixou que somente alguns 
dos participantes os saboreassem. Aos 
outros, foram servidos insossos raba-
netes. Mais tarde, ele pediu ao grupo 
todo que tentasse responder a alguns 
exercícios - que, na verdade, eram in-
solúveis. Ele observou que aqueles que 
foram forçados a resistir à tentação dos 
cookies desistiram mais rapidamente 
'f.O SUPER NOVEMBRO 201S 
dos problemas, ficaram apenas 8 minu-
tos tentando resolvê-los. Por outro lado, 
aqueles que puderam se empanturrar 
de biscoitos insistiram nos problemas 
durante uma média de 19 minutos. A 
conclusão é a de que nossa habilidade 
de nos comprometermos com objeti-
vos a longo prazo depende da nossa 
reserva de d isciplina. Se o professor 
Baumeister estiver certo, e o nosso au-
tocontrole for limitado, eis aí a primeira 
técnica para melhorar seu desempenho. 
Bastaria aprender a gastá-lo o mínimo 
possível no dia a dia para poder lançar 
mão dele no que realmente importa. 
Por isso, use-o com parcimônia. Por 
exemplo, se no trabalho você gasta o 
seu autocontrole tentando evitar bri-
gas com aquele seu colega folgado, é 
possível que de noite você não consiga 
resistir à porção de torresmo no bar. 
Você simplesmente gastou toda a dis-
ciplina que tinha disponível. 
Aos poucos, foi ficando claro que o 
autocontrole não é uma característica 
constante e bem definida, que alguns 
têm a sorte de ter e outros não. O suces-
so do autocontrole depende de muitas 
variáveis. Uma delas é a dificuldade que 
a pessoa sente em se privar de uma coi-
sa específica. Um chocólatra vai sofrer 
mais para fazer dieta do que alguém 
que não liga para chocolate; ou alguém 
que não gosta de ler dificilmente vai 
tirar notas altas nas aulas de história. 
Se precisamos do autocontrole apenas 
porque temos planos para o futuro, é 
de se esperar também que a capacidade 
de manter o foco em um objetivo seja 
importante. Se você cair na primeira 
possibilidade de prazer imediato, não 
vai chegar a lugar nenhum. Pense no 
exemplo: vocêestá meio insatisfeito 
com a barriga e decide começar a dieta 
na segunda-feira. Na terça é aniversá-
rio de um amigo, e ele marca num bar. 
Além da tentação do chope, vem tudo 
o que o acompanha: salaminho, amen-
doim, provolone à milanesa, frituras em 
geral. Você segura a vontade e pede uma 
salada e um suco? E como lidar com a 
pressão dos amigos? "Mesmo a pessoa 
que quer economizar, se olhar para uma 
vitrine em promoção, ficará tentada a ~ 
As dicas 
de ouro 
VÃ COM CALMA 
O autocontrole não é infinito. 
Por isso não o desperdice 
se expondo a tentações, como 
ir ao bar se você quer emagrecer. 
ESTUDE O INIMIGO 
Entenda as consequências 
negativas de um comportamento. 
Bote na cabeça que, sim, 
cigarro mata. 
ESPALHE AO VENTO 
Assuma o compromisso em 
público. Se você contar a todos 
que está prestando concurso, 
eles vão perguntar como vão 
os estudos, a data das provas ... 
SEJA PRECISO 
Transforme objetivos 
abstratos em metas. "Perder 
2 kg este mês" é mais concreto 
do que manter o objetivo 
de emagrecer indefinidamente. 
CAIA NA GANDAIA 
Comemore cada meta cumprida. 
Vale comer um quadradinho 
de chocolate depois de uma semana 
de dieta ou cair na balada depois 
de meses estudando para o vestibular. 
ENCARE O PERIGO 
Ensaie para não ser pego desprevenido. 
Assim: "Se meu parceiro me chamar 
para uma rodada de pôquer, 
eu vou falar que não posso ir". 
PERMITA-SE 
Às vezes você merece uma 
trégua. Se você seguir as 
metas com uma rigidez nazista, 
a chance de desistir é enorme. 
Junto com 
QI e status, 
o autocontrole 
define se 
A T 
vocesera 
bem-sucedido 
ounão.Mas 
ele é o único 
que pode ser 
aprendido. 
gastar. Se você quer poupar, não é 
uma boa ideia passear no shopping", 
diz Patrícia Fonseca, pesquisadora de 
economia psicológica. 
Os benefícios de se segurar de vez 
em quando são claros. E também já 
foram testados, no mais famoso es-
tudo sobre autocontrole, conduzido 
pelo psicólogo austríaco radicado nos 
EUA, Walter Mischel. Mischel elabo-
rou um experimento bastante simples. 
Convidou um grupo de crianças para 
u ma brincadeira. Elas se sentariam de 
frente para uma mesa, onde jazia um 
marshmallow, e tinham duas opções: 
ou esperar pacientemente durante um 
tempo e ganhar um segundo marsh-
mallow, ou comer imediatamente o 
doce e ficar sem o segundo. Apenas 
um terço das crianças conseguiu espe-
rar. Inspirados pelos testes de Mischel, 
pesquisadores da Universidade Duke 
acompanharam mil pessoas durante 30 
anos, avaliando os efeitos da disciplina 
e m sua saúde, finanças,e segurança. 
O estudo concluiu que quem t inha 
problemas de autocontrole na infância 
(que comeria imediatamente o primei-
ro marshmallow, por exemplo) acabava 
tendo maior incidência de DSTs, de-
pendência de drogas, problemas finan-
ceiros, filhos sem planejamento e até 
envolvimento em crimes. 
Isso acendeu uma luz na comunidade 
científica. Sempre se falou muito sobre 
como o status e o QI i n.fluenciam no su-
cesso de alguém, mas tudo indica que o 
autocontrole é um pedaço importante da 
questão. Não faltam histórias de pessoas 
brilhantes que, por falta de disciplina, 
não conseguiram passar em um teste 
importante. Mas a boa notícia é que, ao 
contrário do status e do QI. que são dois 
fatores altamente resistentes a mudanças, 
o autocontrole pode ser melhorado com 
alguns treinamentos simples. 
Em seu experimento com o marsh-
mallow, Walter Mischel fez uma ob-
servação: as crianças que conseguiam 
esperar pelo segundo doce utilizavam 
alguma estratégia de autoproibição: 
fosse física (sentando sobre as mãos ou 
escondendo o doce, por exemplo), fosse 
de distração (como olhando para outro 
lado ou cantando uma canção). Assim, 
ele percebeu que o autocontrole tinha 
menos a ver com um comportamento 
naturalmente "zen'' das crianças, e mais 
a ver com uma estratégia ou esforço 
consciente. (Lembra-se do que o herói 
grego Ulisses fez para se defender das 
sereias? Como ele sabia que o canto 
das sereias poderia seduzi-lo a ponto 
de fazê-lo jogar-se ao mar e morrer 
afogado, ele pediu que os marinheiros 
entupissem seus ouvidos de cera para 
que ele não pudesse ouvir o canto delas 
e o amarrassem ao mastro do navio.) Foi 
isso que fez Mischel: ele sugeriu essas 
técnicas às outras crianças que tinham 
mais dificuldade em esperar pelo segun-
do marshmallow, e muitas conseguiram 
se segurar depois de instruídas. 
Controle traz felicidade? 
Isso não quer dizer, no entanto, que o 
segredo para uma vída bem-sucedida 
esteja em sempre abrir mão de suas 
vontades. O excesso de controle pode 
ser tão prejudicial quanto a falta dele. 
Dois pesquisadores da Tufts Universi-
ty resolveram testar as desvantagens 
do exagero do autocontrole. A expe-
riência era no complicado assunto das 
relações inter- raciais, e mostrou que 
pessoas bem intencionadas podem ser 
tão cuidadosas para não dizer bobagens 
que podem parecer artificiais- a ponto 
de parecerem racistas. Na e>."Periência, 
alguns voluntários eram submetidos a 
exercícios mentais tão desafiadores que 
gastavam seu estoque limitado de auto-
controle. Em seguida, exaustos de tan-
to se segurar, eram convidados por um 
entrevistador negro para responderem 
sobre a diversidade racial nas univer-
sidades. Os resultados foram curiosos: 
os que estavam mentalmente esgotados 
ficaram muito mais relaxados durante a 
entrevista e conseguiram falar natural-
mente sobre o assunto. Já aqueles que 
não foram submetidos aos exercícios, e 
cujo autocontrole estava intacto, foram 
considerados artificiais. 
Mas nem é preciso ir tão longe. Às 
vezes o prazer que uma hora a mais de 
sono proporciona não vale o sacrifício 
necessário para acordar mais cedo. Em 
outras palavras, de vez em quando é bom 
ceder às tentações e simplesmente des-
frutar o momento. "O autocontrole não é 
meramente o ato de ser uma boa pessoa 
ou ser alguém responsável. É escolher a 
quais das tentações você vai ceder - e 
depois viver de acordo com essa esco-
lha", diz Daniel Akst, autor do livro We 
Have Met the Enemy: Self-Control in an 
Age of Excess ("Encontramos o Inimigo: 
Autocontrole na Era do Excesso", sem 
versão em português). De fato, vocês se 
lembram do Pedro, irmão da Mariana, 
no começo desta reportagem? Ele não 
se arrepende das tardes em que jogava 
pique-esconde na rua com os amigos, 
enquanto a irmã não saía de cima dos 
cadernos. E ela, que não se diz exata-
mente realizada no cargo de secretária 
de multi nacional, às vezes pensa como 
teria sido se tivesse arriscado abrir uma 
escola de inglês em sociedade com uma 
amiga, vários anos atrás, em vez de per-
severar na mesma rotina de sempre. Ela 
não poderia ser mais feliz? e 
PARA SABH ~AAIS 
THE COMPASS OF PLEASURE. David J. linden, 
Viking, 2011 
WE HAVE MET THE ENEMY: SELF-CONTROL 
IN AN AGE OF EXCESS.Daniel Akst, Penguin, 2011 
TO DO OR NOT TO DO: THE NEURAL S/GNATURE OF 
SELF-CONTROL. Mareei Brass e Patrick Haggard 
NOVEMBRO 2015 SUPER 43 
Eu tomei a droga 
Levo uma vida s audável 
e me considero bem normal. 
Por isso , decidi fazer uma 
experiência arriscada -
passar uma semana tomando 
modafinil. Veja no que deu . 
QUARTA-FEIRA 
Onze da manhã. Faz duas horas que tomei o comprimido. 
A droga está começando a bater. Não dá nenhum barato nem 
alteração de humor. Mas algo estranho acontece na minha 
cabeça. Ela fica silenciosa ... e percebo que, pela primeira vez 
na vida, não estou pensando em absolutamente nada. Zero. 
Parece que o meu cérebro apagou. Chega a dar medo. Alguns 
instantes depois, tento pensa r em alguma coisa - e consigo. 
Ufa .. . A diferença é que, quando começo algum raciocínio, 
ele preenche completamente a minha consciência - não 
existe sensação, inspiração, lembrança nem coisa capaz 
de me distrair. E um estado desuperconcentração. Bem 
impressionante. Tão impressionante que perw o dia todo 
refletindo a respeito, e acabo não produzindo quase nada. 
Vou para casa, jogo videogame (um passatempo nada 
intelectual). deito à 1 da manhã . Não tenho nenhum sono, 
mas durmo sem a menor dificuldade. Estranho. 
QUINTA-FEIRA 
Tive uma noite meio agitada: acordei três vezes. Mas levanto 
bem-disposto e cheio de energia para fazer qualquer coisa 
- inclusive enrolar no trabalho. (Ainda não inventaram uma 
droga capaz de curar a vagabundagem.) Quando finalmente 
começo a trabalhar, sinto diferença. Meu trabalho não ficou 
mais fáciL Mas ficou menos cansativo - muito menos. Será 
que é um efeito psicológico, causado não pela droga, mas pela 
expectativa que tenho dela? Talvez. Mas é fato que o modafinil 
está agindo no meu corpo. Tanto que eu, que sempre fico 
sonolento depois do almoço, só dou meu primeiro bocejo à 
noite. Também ganhei uma espinha bem feia, daquelas que 
não tinha desde a adolescência. E um efeito colateral típico. 
l1ustro1ção iStock/palau8] 
SEXTA-FEIRA 
Acordo com um pouco de sono. E cadê aquele foco dos outros 
dias? Será que a droga está perdendo o efeito? Assim que 
termino de pensar isso, ela bate com tudo- e meu cérebro 
entra no modo superconcentrado. O problema é que ele 
superconcentra na primeira informação que aparece: um 
e-mail dos meus amigos, que estão combinando de sair para 
tomar umas cervejas hoje à noite. Quero ir, mas é melhor não 
(não existem estudos sobre os efeitos da mistura modafinil· 
álcool) . Fico frustrado e resolvo tomar um cafezinho. Pra 
quê ... meia hora depois, fico extremamente irritado (sem 
nenhum motivo). E a parte superior esquerda da minha 
cabeça começa a formigar! Cruz-credo. 
SÁBADO 
Uma droga que aumenta a inteligência não serve só para 
trabalhar, certo? Teoricamente, ela serve para qualquer coisa 
que envolva inteligência - inclusive as divertidas. Decido 
pegar para ler um livro meio cabeçudo, que há tempos estou 
querendo começar. A leitura flui depressa, mais do que seria 
normaL Mas isso não elimina o fato de que o livro é chato. 
Logo desisto. 
DOMINGO 
Domingo é dia de descanso. Resolvo não tomar a droga 
e aproveitar para cair em prazeres mundanos. Saio, como, 
bebo e converso a valer, e vou dormir bem tarde. 
SEGUNDA-FEIRA 
Acho que exagerei na minha folga. Acordo cansado, lesado, 
com a cabeça patinando ... Bem segunda-feira. Bem que a tal 
pílula da inteligência podia me ajudar agora. E ajuda. Duas horas 
depois de tomar o comprimido, estou 100%. Na verdade, mais 
que isso. Parece que faço o trabalho de quatro dias em apenas um. 
Não estou mais inteligente. Mas estou mais funcional 
TERÇA-FEIRA 
Hoje é dia de fazer meu segundo teste de Ql. Não contei 
para vocês, mas antes de começar esta experiência meu 
Ql foi avaliado, numa prova com dezenas de testes, por 
uma neurologista. E hoje, sob o efeito do modafinil, vou 
refazer a avaliação. É uma sequência de tarefas mentais 
bem exigentes, que leva duas horas. Em alguns testes, 
que avaliam e forçam a atenção de m aneira mecânica 
(encontrar certas figuras numa lista, por exemplo), sinto 
que estou arrebentando. Outros testes, como os de 
m emória e raciocínio verbal, ficam mais difíceis. 
QUARTA-FEIRA 
Hoje é o último dia da experiência. Mas decido jogar fora o 
último comprimido e para r por aqui. Sim, o modafinil me 
deixou mais focado. E me ajudou a pensar mais. Mas o estado 
de superconcentração não é natural - eu senti, o tempo todo, 
minha mente sendo modificada à força pela droga. É bem 
ruim. Recebo um e-mail da neurologista, com o resultado dos 
testes e duas surpresas. Primeira: sob o efeito do modafinil, 
meu Ql abaixou 8 pontos. Segunda: tecnicamente, sou 
superdotado - sem tomar o remédio, meu Ql é 150 (a média 
da população é 100). E o suficiente, né. E sem drogas. O 
NOVEMBRO 201S SUPER 45 
TERAPIA 
4 6 SU PE R NOVEMBRO 2015 
Nunca tanta gente 
consultou um psicólogo para 
falar de sua vida no divã. 
Mas será que vale a pena gastar 
tempo e dinheiro contando 
nossa intimidade a alguém 
que mal conhecemos? 
Texto Denize Guedes 
Ilustrocão Corlo Giovoni 
JEAN DE OLIVEIRA LEITE BATIA na 
namorada. De repente, por causa de uma 
discussão ou por terem esquecido uma 
das sacolas de compras no supermer-
cado, ele dava tapas e pancadas na mu-
lher que amava. Dois anos de namoro e 
algumas s ituações de violência depois, 
ela deu queixa na delegacia e terminou 
com ele. Os dois estariam separados 
até hoje se Jean não tivesse procurado 
um analista e ingressado num grupo 
de reflexão de homens com o mesmo 
problema. Na terapia, entendeu por que, 
em um de seus sonhos que tinha a na-
morada como personagem, ela assumiu 
a forma de um arame que ele dobrava 
sem parar. "Eu não podia dobrá-la me-
tendo a mão", diz. Depois das sessões 
de psicoterapia, os dois voltaram. Estão 
juntos -e em paz - há três anos. 
No ano passado, a bancária Tatiana 
Dória não queria mais viver. No fundo 
de uma depressão, não se interessava 
por nada nem ninguém. Raramente saía: 
passava os dias na cama, dormindo ou 
assistindo a filmes. Foi quando decidiu 
bater à porta de um psiquiatra. Saiu de lá 
com uma receita de antidepressivos e um 
encaminhamento à psicoterapia. Durante 
seis meses, passou por dois terapeutas 
de abordagens diferentes, até o convê-
nio médico cortar o benefício. Insistiu 
por dois meses, pagando as sessões do 
próprio bolso, mas resolveu abandonar 
o tratamento por achá-lo inútil. "Procu-
ro o autoconhecimento há muito tempo, 
mas realmente não sei se um terapeuta 
tem algo a me acrescentar", diz Tatiana, 
que preferiu seguir com os remédios e 
se dedicar a práticas como meditação. -+ 
NOVEMBRO 2015 SUPER 47 
Assim como Jean e Tatiana, milhares 
de pessoas estão insatisfeitas com o que 
são ou como estão. Querem se livrar de 
fobias, manias obsessivas, conseguir dor-
mir direito, ter forças para sair da cama 
pela manhã, deixar para trás dificuldades 
sexuais ou simplesmente achar a vida 
mais interessante. Cada vez mais gente 
resolve desbravar a to rre de Babel que é 
o mundo das terapias, habitado por mais 
de 400 modelos. O número de psicólogos 
deu um salto de 48% desde 2000, de 123 
mil para mais de 250 mil. Sem contar o 
crescimento do número de psicanalistas, 
psiquiatras e outros profissionais, como 
os filósofos clínicos. A Agência Nacional 
de Saúde Suplementar (ANS) exige que 
os convênios ofereçam no mínimo 12 
sessões anuais de psicoterapia a todos 
os conveniados. Se houve o dia em que 
ir a psicólogos era coisa de (usando um 
eufemismo educado) "problemáticos", 
hoje falar da experiência parece ser um 
bom jeito de engatar uma conversa com 
os amigos no bar. 
48 SU PER NOVEMBRO 2015 
A palavra terapia vem do grego the-
rapeúein, que carrega significados como 
assistir e cuidar. Desabafar no ombro 
do amigo e conversar com um médico 
atencioso pode até ser terapêutico - mas 
não é um método que afasta o sofrimento 
por meio de técnicas apoiadas em fun-
damentação teórica, como as terapias 
de verdade. Entre quem frequenta um 
psicoterapeuta e quem está pensando em 
procurar um, é comum haver dúvidas, 
do tipo: vale a pena gastar tempo e di-
nheiro com isso? Não é besteira contar 
detalhes da intimidade a alguém que mal 
conhecemos e que não oferece nenhu-
ma garantia de eficácia? Enfim, a grande 
pergunta: terapia funciona? 
Sim e não. Dezenas de pesquisas neu-
rológicas provam que sessões de psico-
terapia modificam conexões neurais e 
padrões de comportamento, como acon-
teceu com Jean. Apesar disso, é grande a 
possibilidade de você conhecer terapia 
e, como Tatian a, ter achado o método 
inútil, ineficaz - ou até bizarro. 
Por dentro da terapia 
A primeira pessoa tratada pela terapia da 
palavra se chamava Bertha Pappenheim, 
masela ficou conhecida como Anna O. 
Foi assim que os médicos Josef Breuer 
e Sigmund Freud a chamaram na hora 
de narrar o caso clínico que germinou a 
psicanálise. Anna o. sorria de alucinações 
histéricas, sonambulismo e se recusava a 
beber água. Já levava seis semanas inge-
rindo somente a água de frutas quando 
os sintomas começaram a desaparecer 
- sempre após falar em voz alta sobre o 
que a atormentava. "Depois de ter desa-
bafado energicamente a raiva que ficara 
dentro dela, pediu para beber e bebeu sem 
inibição uma grande quantidade de água, 
acordando da hipnose com o copo nos 
lábios. Com isso, o distúrbio desapareceu 
para sempre", escreveram os dois no livro 
Estudos sobre a Histeria, de 1895. 
Anna O. fez Freud ter uma sacada ge-
nial: expressar em voz alta pensamentos 
opressores e resgatar lembranças trau-
máticas causam efeitos benéficos ao 
corpo. Isso parece óbvio hoje em dia, 
mas não naquela época. As pessoas então 
enxergavam o corpo e a alma (o pensa-
mento e o sentimento) como elementos 
que se opunham ou pelo menos não se 
comunicavam. Tratavam-se doenças 
mentais com procedimentos físicos, 
como eletrochoques ou incisões no cé-
rebro. Com a criação do tratamento pela 
fala, Freud revolucionou a psiquiatria, 
criando a psicanálise. 
Primeiro, ele afirmou que todos temos 
problemas mentais de menor ou maior 
grau. Cada pessoa, para Freud, monta 
sua identidade em cima de conflitos 
do inconsciente - local dos traumas e 
desejos reprimidos na infância. Depois, 
para chegar a esses desejos e impulsos 
que operam abaixo do nível da cons-
ciência, ele criou todo um conjunto de 
técnicas. Colocou um divã para dentro 
do consultório (e do nosso imaginário), 
onde o paciente deveria sentar e falar 
fazendo associações livres, de modo 
que o psicanalista pudesse desvendar 
as reais motivações por trás daquela 
fala e dos sonhos que a pessoa narrava 
ter v ivido. "Não apenas Freud inventou 
sozinho o campo da psicoterapia, mas o 
fez de uma só vez", afirma, no livro Os 
Desafios da Terapia, o ps iquiatra lrvin D. 
Yalom, professor emérito de psiquiatria 
da Universidade Stanford (EUA) e autor 
de Quando Nietzsche Chorou. 
Nesses mais de cem anos, a psicaná-
lise se multiplicou em diferentes teorias 
e abordagens, dando origem a uma área 
mais abrangente, a psicologia. Mas a cria-
ção de Freud permanece a fonte onde, 
de alguma forma, todas as correntes 
da psicoterapia ainda bebem. "Dá para 
considerar a psicanálise como o berço 
de todo o campo, pelo menos em relação 
à maioria das linhas de psicologia pro-
funda", afirmou em entrevista à SUPER 
Franklin Goldgrub, que foi professor de 
psicologia da PUC-SP*. De modo geral, 
o terapeuta com alguma influência de 
Freud tenta provocar no paciente um 
processo de autoconhecimento, ou se-
ja, de descoberta da raiz das suas mo-
tivações e traços de personalidade. Um 
processo que pode durar anos e envolve 
diversos passos, como os que se seguem: 
Rever o passado. Entre psicólogos, é 
comum ouvir a frase "o passado muda 
todo dia". A ideia é que podemos vol-
tar aos fatos do passado que mais nos 
atormentam e reavaliá-los, dando a eles 
outro significado. Fazer urna "arqueolo-
gia da alma", como dizia Freud, passa por 
descobrir como nossos pais e os desejos 
deles influenciaram a nossa vida. Uma 
passagem de Cartas a um jovem Terapeu-
ta, do psicanalista Contardo Calligaris, 
explica por que a infância assume papel 
tão importante na terapia: "Não é por-
que os eventos da infância sejam mais 
marcantes do que os de hoje, mas porque 
os eventos de hoje tomam relevância e 
sentido a partir de nosso passado e, por-
tanto, de nossa infância". 
Tomar consciência. É quando o pa-
ciente descobre o que faz com a própria 
vida e tenta vislumbrar o motivo por 
trás de suas ações. Geralmente a toma-
da de consciência provoca descobertas 
revolucionárias sobre si próprio, do tipo: 
"Minha mulher morreu há três anos e 
desde então vivo fingin-
O problema é que esse roteiro inspi-
rado nas ideias de Freud pode demorar 
para se desenvolver - e ninguém ga-
rante que produza os resultados que 
o paciente espera. Tem mais: muitas 
das teorias de Freud e outros grandes 
psicanalistas não nasceram do método 
cientifico - aquele em que um cientis-
ta delimita um universo de pesquisa, 
faz análises e a partir dela tira conclu-
sões. Suspeita-se até que Freud tenha 
exagerado histórias de seus pacientes 
para comprovar sua teoria. "Do nasci-
mento da psicanálise até hoje, várias 
ideias de Freud foram descartadas", 
diz o neurocientista Renato Sabbatini, 
professor aposentado da Unicamp. "A 
neurociência, por exemplo, descobriu 
que os sonhos têm mais a ver com a 
memória do dia anterior do que com 
desejos reprimidos." 
À medida que as ideias de Freud 
foram sendo questionadas, novos tra-
tamentos surgiram. Das mais de 400 
técnicas diferentes que existem hoje, 
a maioria apareceu a partir da década 
de 1960, quando a revolução sexual fez 
do que ela está viva" ou 
"Sou ranzinza e intole-
rante com as pessoas da 
mesma forma como ajo 
comigo mesmo". 
Responsabilizar-se. 
Depois que a pessoa se 
dá conta de seus traços 
de comportamento, vem 
Há mais de um século, 
Freud descobriu que 
falar cura. Estava 
inventada a psicoterapia. 
a hora de tomar para si a responsabi-
lidade pelos problemas e deixar de 
culpar os outros - os pais, o chefe, a 
sociedade ou o marido que decidiu ir 
embora. Como diz o psiquiatra Irvin 
Yalom no livro O Carrasco do Amor: "Se 
a pessoa não se sente responsável pelas 
próprias dificuldades, como, então, ela 
será capaz de modificar sua situação?" 
Não significa se culpar pelos infortún ios 
da vida. "Culpar-se é querer se castigar. 
Responsabilizar-se é querer mudar. O 
objetivo é fazer a pessoa perceber o que 
quer e como ela própria se sabota", afir-
mou Franklin Goldgrub. 
as pessoas darem mais importância ao 
bem-estar do corpo e da mente. En-
quanto a terapia baseada na psicanálise 
tradicional permaneceu um processo 
demorado, no qual falar de cura e efi-
cácia soa estranho, sua hegemonia foi 
dando lugar a modelos mais curtos e 
facadas, as psicoterapias breves dinâ-
micas. Uma das correntes mais fortes 
é a terapia cognitivo-comportamental 
(TCC), recomendada sobretudo a quem 
sofre de fobias, como medo de dirigir, 
ou transtornos obsessivos, como o 
hábito de lavar as mãos várias vezes 
por hora. Bem diferente das terapias --. 
• Entrevista concedida em 2008; Franklin Goldgrub faleceu &Q j unho passado. 
NOVEMBRO 2015 SU PER 49 
baseadas em Freud, a TCC quer saber 
pouco do passado ou dos desejos repri-
midos do paciente. O tratamento costu-
ma ser mais curto e se concentra no que 
a pessoa pensa sobre si mesma e como 
esse pensamento se reflete nas ações. 
"Para a terapia cognitiva, os sintomas de-
pressivos vêm de pensamentos e crenças 
negativas sobre si e sobre o mundo", diz 
o psiquiatra Aristides Volpato Cordioli, 
organizador de Psicoterapias-Abordagens 
Atuais, já em sua terceira edição. Assim 
como a TCC, existem técnicas mentais 
que fazem você se acostumar a ter pen-
samentos tranquilizantes, levando esse 
sentimento a situações de ansiedade. 
Freud também vem perdendo terreno 
porque se restringiu aos conflitos in-
teriores de um indivíduo, dando pouca 
importância a influências sociais nos 
sentimentos dele. "O sofrimento psíquico 
varia de acordo com o contexto socio-
cultural", diz o psiquiatra e psicanalista 
Mário Eduardo Pereira, professor de 
psiquiatria da Unicamp. Se na época de 
Freud os casos de "histeria" (problemas 
50 SUPER NOVEMBRO 2015 
femininos que hoje atendem por muitos 
outros nomes) proliferavam, provavel-
mente em resposta à repressão sexual 
do século 19, a sociedade atual pode nos 
deixar mais narcisistas, competidores e 
ansiosos porter prazer. "Vive-se hoje em 
uma sociedade nada solidária e muito 
competitiva, na qual as posições con-
quistadas são sempre incertas. Isso está 
fortemente relacionado aos casos, cada 
vez mais comuns, de pânico, insônia, 
ansiedade, estresse e depressão", diz 
Pereira. Se a raiz desses problemas está 
no tipo de vida que levamos hoje em 
dia, eles não podem ser tratados apenas 
pelas técnicas de Freud. 
Por dentro do cérebro 
Tantas correntes diferentes de psicote-
rapia impõem uma questão: como saber 
qual é a mais eficaz ou pelo menos se 
alguma delas é eficaz? É aqui que entra 
uma outra área da ciência que está se 
interessando pelo que acontece no divã. 
Pesquisas com neuroimagem funcional, 
método que fotografa o fluxo sanguíneo 
no cérebro, estão provando que a terapia 
baseada na fala causa efeitos permanen-
tes no sistema de aprendizagem, na me-
mória e no processamento de emoções. 
Um estudo de 2007, feito na Univer-
sidade de Amsterdã, analisou 20 pessoas 
com transtorno do estresse pós-trau-
mático, distúrbio que geralmente atinge 
quem passa por traumas como sequestro, 
acidentes graves e abuso sexual. Elas fo-
ram submetidas a uma sessão semanal de 
psicoterapia breve- inspirada em Freud, 
porém focada e mais curta - durante qua-
tro meses. Enquanto isso, outras 15 pes-
soas com o mesmo diagnóstico ficaram 
num grupo sem tratamento. No final, o 
cérebro de quem fez terapia mudou. Hou-
ve mais atividade em regiões do córtex 
pré-frontal, área relacionada a cálculos, 
pensamentos práticos e ações que to-
mamos conscientemente. Na prática, o 
tratamento deu alívio a sintomas que têm 
tudo a ver com traumas, como hiperví-
gilância (estado de alerta permanente) e 
recordações aflitivas, que se manifestam 
em pesadelos e pensamentos recorrentes. 
Imagens 
do cérebro 
comprovam: 
a terapia faz 
as pessoas 
pensarem melhor. 
Alguém pode logo dizer que não é 
privilégio da psicoterapiaalterar redes 
neurais. E não é mesmo. Com maior ou 
menor intensidade, as experiências da 
nossa vida provocam mudanças na ati-
vidade cerebral- como na hora em que 
ouvimos a seleção de músicas da nossa 
banda favorita, recebemos a notícia triste 
da morte de alguém ou damos uma boa 
caminhada no parque. "O que é bastante 
recente é o reconhecimento da comu-
nidade cientifica sobre a intensidade e a 
permanência das mudanças alcançadas 
pela psicoterapia. Não se imaginava que 
o funcionamento do cérebro pudesse ser 
alterado tão dramaticamente pelo trata-
mento, e com beneficios tão duradouros", 
diz o psicólogo e neurocientista Marco 
Montarroyos Callegaro. 
É como se o pensamento a lterado 
pela terapia fosse a tabuada que a gen-
te não esquece mais. "Os sistemas de 
memória e aprendizagem constituem 
a base de todas as psicoterapias. Co-
mo o cérebro é uma estrutura plástica, 
que se modifica de acordo com nossas --. 
TERAPIA PARA A GUERRA 
Elo foi chamado de "coração de soldado" no Cuerro de Secessão, 
de "choque do bombo" no :z!! Cuerro e de "fodigo do combate" 
no Cuerro do Vietnã - quando foi batizado de tronstomo do estresse 
pós-traumático. Com os recentes conflitos, o distúrbio reapareceu. 
Poro trator os soldados que voltam troumotizodos do I roque, 
os americanos usom oti videogomes. Bancado pelo Exúcito, 
o psicólogo clinico Albert Rizzo, do Universidade do Sul do Colifómio, 
adequou a terapia cognitivo-comportamento I a um gome de guerra, 
trotando os soldados com realidade virtual. 
COMO ESSE TIPO DE 
TRATAMENTO COMEÇOU? 
No início, todos imaginavam 
que a Guerra do lraque seria 
rápida - e que por isso não 
haveria soldados com t ranstorno 
do estresse pós-traumático. 
Em 2004, porém, uma revista 
médica publicou um artigo 
com números assustadores 
de gente traumatizada voltando 
do lraque e do Afeganistão. 
Os militares reconheceram 
o problema e vieram até nós. 
Tínhamos adaptado o game Fui/ 
Spectrum Worrior, que se 
parece muito com o ambiente 
de guerra do lraque, para incluir 
nele elementos úteis à terapia. 
COMO A REALIDADE VIRTUAL 
CONTRIBUI PARA O TRATAMENTO? 
Trata-se de uma simulação em 3D 
em que o paciente, com um headset, 
pode dirigir um humvee ou andar 
por uma vila. É quando 
o terapeuta faz coisas acontecerem. 
No começo, muda o número de 
pessoas na rua. Depois, conforme 
o paciente fica mais confortável 
e sua resposta ao medo diminui, 
adiciona coisas como o barulho 
de uma arma a distância ou 
de uma bomba. Um helicóptero 
que sobrevoa um veículo que 
explodiu. Tudo bem gradual. 
Montamos um simulador do 
ambiente de guerra que inclui 
até o cheiro de combustfvel, 
pólvora, lixo, borracha queimada, 
todo tipo de cheiro da guerra. 
Quando uma bomba explode, 
eles sentem o chão tremer. 
QUAL O PAPEL DA FALA 
NO TRATAMENTO? 
É o elemento principal. A tecnologia 
não cura ninguém. O paciente não 
fica simplesmente sentado olhando 
o que acontece no mundo virtual. 
Eles são encorajados a falar da 
experiência, a chorar e a contar 
os detalhes. O mundo da realidade 
virtual os ajuda a ter condições 
de voltar para aquele evento e a 
processar a memória emocional. 
Nós ouvimos a sua história repetidas 
vezes, gravamos e a entregamos 
em uma fita no final da sessão. 
QUE TIPOS DE SINTOMAS 
OS SOLDADOS ESTÃO ELIMINANDO? 
Os principais são os que chamamos 
de reexperiências. Elas aparecem 
em pesadelos e flashbacks, que 
talvez sejam os piores sintomas. 
Basicamente, o transtorno consiste 
em ter atitudes extremas quando não 
é necessário. Por exemplo: o sujeito 
está sentado do lado de fora de um 
café e o escapamento do carro dá 
um estrondo. De repente, ele volta 
ao lraque. Eles t ambém evitam acon-
tecimentos associados ao t rauma. 
Voltam para casa e não querem ir a 
canto nenhum, porque acham que 
uma bomba vai explodir. Ou, se estão 
dirigindo e veem uma pilha de lixo ao 
lado da estrada, relembram a guerra 
e, eventualmente, não dirigem mais. 
De 15 veteranos que completaram o 
programa desde 2005, 12 mostraram 
melhoras impressionantes. Não 
pretendemos eliminar a memória, 
mas ajudá-los a não ser assombrados 
pelos sintomas do TEPT, que fazem a 
guerra continuar dentro de cada um. 
NOVEMBRO 201S SU PER 51. 
10 GRANDES LINHAS DO AUTOCONHECIMENTD 
Desde que Freud inventou a terapia pela palavra, seu mitodo foi questionado, 
derrubado, reerguido e refonnado. Hoje, sua influindo está dlspetSD em 
antenas de correntes -algumas mais, outJ'Qs menos ~udlanas. Veja abaixo 
como du grandes linhas da psicaterapia funcionam. 
AlTA INFlUÊJtCIA DE FREUD 
PSICANÁUSE 
O analista acredita que os problemas 
vêm de impulsos reprimidos na infância 
do paciente, que passa a maior parte da 
sessão falando por meio de associações 
livres. O terapeuta geralmente fala pouco, 
sem emitir juízo, tentando analisar 
fala e os sonhos. Modelo mais antigo, 
foi ampliado e modernizado com os 
estudos de Jacques Lacan {1901-1981). 
PSICANÁUSE JUNGUIAHA 
Também chamada de psicoterapia 
anaUtica, foi criada por Carl Jung. 
discipulo de Freud, que introduziu na 
psicanálise o conceito de inconsciente 
coletivo- as imagens e as experiências 
comuns a todos os seres humanos. 
Por isso, o método junguiano leva em 
conta, além das questões individuais 
do paciente, as influências externas e 
coletivas que podem atormentá-lo. 
PSICODINÃMICA 
Chamada de psicanálise light, baseia-se 
em noções tradicionais da psicanálise, 
só que é mais breve, com o terapeuta 
tentando ativamente engajar o paciente 
em um diálogo que o faça reconhecer 
e resolver conflitos antigos. É também 
mais focada para atingir objetivos 
concretos preestabelecidos entre 
paciente e terapeuta. 
MÍDIA IJIRUÉJICIA DE FABIO 
GESTALT 
Usando o teatro e outras expressões 
artísticas, explora técnicas dramáticas 
para construir pensamentos e atitudes 
criativas. Com blocos de espuma, 
bonecosou almofadas, o paciente 
é encorajado a adotar novos papéis 
e expressar sentimentos, com o objetivo 
de compreendê-los melhor. 
TERAPIA DE GRUPO 
Abriga teorias e práticas de outras 
correntes, com a diferença de ser 
praticada em grupo. O convívio com 
os outros pacientes funciona como um 
microcosmo social- um ambiente seguro 
para um novo comportamento. É indicada 
para quem sofre de problemas comuns 
do seu ambiente e tem dificuldade 
de se relacionar com os outros. 
52 SUPER NOVEMBRO 2015 
INTERPESSOAL 
Recomendada a quem passa por 
depressão leve ligada a conflitos 
pessoais, luto ou mudança repentina 
de papéis (um casamento ou um novo 
cargo profissional). O tempo da terapia 
é predeterminado, e as sessões se 
concentram no tempo presente, sem 
ligar experiências atuais ao passado. 
CENTRADA NA PESSOA 
Foca na relação entre o paciente 
e o profissional Sem interpretar 
pensamentos e comportamentos, 
o terapeuta cria um clima de empatia 
que perm ite ao paciente explorar 
questões que o perturbam e desenvolver 
a autoestima. Por isso, é indicada a 
quem se sente oprimido pelo mundo 
e tem baixa aceitação de si próprio. 
BAIXA INFLUÊNCIA DE FREUD 
TERAPIA COMPORTAMENTAL 
linha bem distante de Freud, é indicada 
para quem sofre reações indesejáveis do 
corpo diante de manias e fobias (como 
medo de aranha ou de avião). Utiliza 
técnicas básicas de aprendizagem, 
como exposição e condicionamento, 
na tentativa de trocar o comportamento 
usual por reações mais agradáveis. 
Para os criticos, esse tipo de terapia tenta 
fazer um adestramento do paciente. 
TERAPIA COGNITIVA 
Baseada na ideia de que "os homens 
se perturbam não pelas coisas, mas 
pela visão que têm delas", como disse 
o pensador romano Epíteto {60-117). A 
terapia cognitiva tenta reconhecer e alterar 
padrões de pensamento que incomodam 
o paciente, para ensiná-lo a vigiar ideias 
automáticas e corrigi-las. Indicada a quem 
sofre de depressão e precisa mudar o que 
pensa sobre si próprio. 
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL 
Utiliza técnicas das duas correntes 
ao lado para tentar fazer o paciente 
identificar pensamentos e crenças 
distorcidas que tem de si próprio. A ideia é 
fazer a pessoa perceber seus pensamentos 
e procurar corrigi-los, gerando novos 
padrões de raciocínio. Indicada para 
quem sofre de depressão, ansiedade e 
perturbações relacionadas a traumas. 
experiências, o tratamento consegue 
atuar em determinados circuitos", diz 
Jesus Landeira-Femandez, presidente do 
Instituto Brasileiro de Neuropsicologia 
e Comportamento (IBNeC). 
Meses antes da pesquisa holandesa, 
uma outra, realizada pela USP, mostrou 
resultados parecidos. O estudo envolveu 
16 pacientes também com transtorno do 
estresse pós-traumático. Eram pessoas 
que tinham vivido eventos como a mor-
te de parentes, sequestro e assalto. Em 
dois meses, elas passaram por sessões 
semanais de uma psicoterapia chamada 
exposição e reestruturação cognitiva, 
que consiste em revisitar o evento para 
então dar a ele um significado menos 
traumático. Outros 11 pacientes com o 
mesmo distúrbio ficaram numa lista de 
espera. Resultado: aqueles que foram 
às sessões tiveram mais atividade no 
córtex pré-frontal e menos na amígdala. 
Como esta parte do cérebro regula nossa 
sensação de medo, a relação é direta: a 
terapia reduziu o medo e a ansiedade 
dos pacientes. Já quem ficou no grupo 
de controle não teve mudanças relevan-
tes. "Novos arranjos das sinapses ocor-
rem durante o aprendizado promovido 
pela ps icoterapia", diz o psicólogo Julio 
Perez, o autor do estudo. "O tratamento 
modifica as redes associativas que an-
tes estavam relacionadas à situação que 
causava dor e d ificuldade." 
Quer mais? Há ainda estudos provan-
do a eficácia da terapia para problemas 
especificas, como as fobias. Na Alema-
nha, em 2006, 2 8 voluntárias perderam 
o medo de aranha em sessões sema-
nais, de 5 horas, de TCC. Elas tiveram 
menor atividade da ínsula e do giro do 
cíngulo anterior direito, áreas ligadas 
àquelas reações que nós não contro-
lamos, como ficar assustado e com o 
coração batendo rápido logo depois 
de ver u ma aranha. No Japão, também 
em 2006,12 pacientes com síndrome 
do pânico se livraram do mal em dez 
sessões de terapia comportamental ao 
longo de seis meses. O cérebro deles 
também deu uma recauchutada nas 
áreas ligadas ao medo, à memória e ao 
pensamento consciente. "Há indícios 
de que as psicoterapias promovem o 
fortalecimento das funções executivas, 
ligadas ao córtex pré-frontal", diz Lan-
deira-Fernandez. Em outras palavras, a 
terapia fez as pessoas pensar melhor. 
As pesquisas de neuroimagem indi-
cam que quem completa o tratamento 
sai, em geral, So% melhor do que os 
pacientes fora do consultório. É um 
resultado tão positivo que já está pro-
vocando mudanças na saúde pública 
de alguns países. Na Inglaterra, o go-
verno anunciou um investimento de 
170 milhões de libras para treinar 3 
.6oo profissionais em terapia cogni-
tivo-comportamental. "O valor inicial 
do tratamento com antidepressivos é 
inferior ao da psicoterapia. No entanto, 
no médio e no longo prazo, 
A conclusão, publicada em 2007: equi-
valência de novo. 
O fato de terapias diferentes funcio-
narem igualmente cria uma hipótese: 
talvez a psicoterapia não funcione pe-
lo motivo que os terapeutas apontam, 
mas por razões não tão confortáveis à 
psicologia. Dylan Evans, pesquisador 
especializado em psicologia evolutiva, 
defende uma dessas razões incômodas: 
"Se as diferentes técnicas não têm qual-
quer impacto na recuperação, então é 
plausível que os beneficios se devam à 
única coisa que todas as abordagens têm 
em comum. A crença do paciente de 
que está recebendo ajuda médica de bo-
a-fe"'. Ou seja: efeito placebo- o mesmo 
que faz as pessoas se sentirem melhor 
depois de tomarem um remédio de fa-
a melhor relação é a do tra-
tamento psicoterápico, que 
tende a apresentar menor 
reincidência da depressão 
e efeitos mais duradouros", 
diz Callegaro. O resultado 
também fez até os mais cé-
ticos admitir as vantagens da 
terapia. "Uma coisa é a teoria 
ultrapassada de Freud, outra 
Enquanto Freud era 
questionado, novos 
tratamentos surgiram. 
Hoje, são mais de 400. 
são os efeitos comprovados da prática", 
diz o neurocientista Sabbatini. 
Por fora da terapia 
Mas tem um probleminha. A neu-
roimagem também levanta questões 
que incomodam a psicologia. Em 
grande parte das pesquisas, há um 
paradoxo aterrador: não importa se 
o paciente passou por um tratamento 
inspirado em Freud ou uma prática 
mais nova. No fim, o efeito de todas 
é muito parecido. Ou seja: em eficá-
cia, abordagens distintas não fazem 
diferença nenhuma entre si. Incon-
formados com isso, pesquisadores da 
Universidade de Leeds, na Inglaterra, 
tentaram pôr fim ao mistério. Durante 
três anos, eles estudaram 5.500 pa-
cientes que passaram por três tipos 
de terapia: cognitivo-comportamental, 
psicodinâmica e centrada na pessoa. 
rinha ou passarem por uma benzedeira. 
Evans conta em seu livro Placebo 
(sem tradução para o português) que 
essa possibilidade teria assombrado 
Freud até a morte. O Pai da Psicaná-
lise acreditava na supremacia do seu 
método e, tão logo diferentes linhas se 
formaram dentro da escola psicanalítica, 
passou a atribuir os efeitos provocados 
por essas dissidências à pura sugestão. 
"Logo se tomou claro que seus próprios 
pacientes não diferiam em recaídas da-
queles tratados por heréticos como Jung 
e Adler", afirma Evans. 
Assim se desenrola um novelo de 
pontos fracos dos tratamentos psi-
cológicos. Apesar de as pesqui sas 
neurológicas provarem os efeitos da 
terapia, não há provas de que isso acon-
tece pelos motivos que os terapeutas 
apontam. "Na área da saúde mental, 
é difícil até saber qual é o distúrbio __.NOVEMBRO 2015 SUPER 53 
que a pessoa apresenta", diz Sabbatini. 
Distúrbios mentais não são como dores 
de cabeça - não h á certeza do que o 
paciente tem e nem se o tratamento 
vai ser eficaz A falta de fundamentação 
faz das terapias um serviço estranho: 
elas oferecem um tratamento sem saber 
se ele vai dar certo. Por causa disso, "a 
psiquiatria é uma das últimas áreas da 
medicina que ainda não conseguiu o 
status de ciência", diz Sabbatini. 
É o que os especialistas chamam de 
fase empírica não científica: quando se 
descobriu, pela prática, que uma erva ou 
uma atitude ajudam a prevenir ou curar 
uma doença, mas sem ninguém saber 
exatamente por quê. Por exemplo: no 
século 18, o médico italiano Giovanni 
Lancisi acreditava que a malária era 
contraída ao se respirar o ar fétido de 
pântanos - daí o nome da doença, que 
vem de "maus ares". De fato, deixar de 
circular em pântanos evita malária, mas 
não por causa dos maus ares, e sim por-
que o lugar é cheio de mosquitos - estes, 
sim, a verdadeira origem da doença. As 
psicoterapias podem estar nesse nivel. 
Baseiam-se numa crença forte e têm 
alguma eficiência, mas ninguém sabe 
exatamente como a melhora acontece. 
E mais: pode haver uma causa e um 
tratamento mais acertados, que ainda 
não foram descobertos. 
Um exemplo é a genética. Por muito 
tempo, acreditou-se que a esquizofre-
nia era um mal psicológico que deveria 
ser tratado no divã. Quando vieram à 
tona su as raízes genéticas e químicas, 
a psicoterapia para tratar esquizofre-
nia virou coisa do passado. Do mesmo 
modo, cada vez mais pesquisas ligam 
os genes à predisposição ao comporta-
mento depressivo. Em 2008, uma pes-
quisa de biólogos evolutivos dos EUA 
mostrou que a hiperatividadE' tem laços 
genéticos. Psicólogos costumam expli-
car esse distúrbio como uma estratégia 
de filhos para chamar a atenção dos 
pais. Já os biólogos americanos des-
cobriram que há uma razão evolutiva 
para a hiperatividade existir. Quando o 
ser humano vivia em grupos nômades, 
não conseguir parar quieto era uma 
vantagem competitiva para caçadores e 
pastores. Hoje, porém, a vida sedentária 
fez desse traço um problema. Pesquisas 
como essa mostram que, no futuro, os 
cientistas podem descobrir que tratar 
depressão ou hiperatividade no divã 
é tão equivocado quanto achar que os 
ares do lodaçal causam malária. 
Trapalhadas no divã 
Para os psicoterapeutas, porém, a his-
milhares de novos psicólogos. Muitos 
saem de faculdades pouco prestigiadas, 
não fazem um curso de especializa-
ção num método ou num distúrbio 
e mesmo assim abrem seus ouv idos 
para tratar das razões individuais do 
ser humano - talvez o objeto de estudo 
mais complexo que existe. Além disso, 
terapeutas também têm seus proble-
mas emocionais, que podem resvalar 
para o paciente. Nem todos mantêm 
uma necessidade básica: sua própria 
tória é outra. Se linhas 
diferentes de tratamen-
to funcionam da mesma 
forma , não significa que 
o efeito da terapia seja 
Dá para 
confiar 
terapia. "Como é possí-
vel uma pessoa guiar os 
outros num exame das 
estruturas profundas da 
existência sem examinar 
placebo ou coisa pareci- numa a si mesmo?", questiona 
• A • da. E sim que a eficácia 
não depende do tipo 
de tratamento, mas da 
vontade do paciente 
em amadurecer, da ha-
bilidade do terapeuta e 
sobretudo da relação que 
os dois desenvolvem. 
c1enc1a Yalom. Entre os resulta-dos da falta de análise 
do terapeuta, está o de 
seduzir ou deixar-se 
seduzir pelo paciente. 
Não raro terapeutas mal 
-quenao 
Pouca gente gostaria, 
por exemplo, de se tratar 
com quem se comprome-
te mais com a doutrina 
em que se formou do que 
com o paciente. E passa 
conhece 
bem a 
causado 
que tenta 
tratar? 
analisados têm relacio-
namentos amorosos 
com clientes. 
"Se fôssemos subme-
ter terapeutas a um con-
trole estatístico, poucos 
sobreviveriam", diz o 
as sessões tentando encaixar o pobre 
coitado na teoria. Críticos da psicanálise 
chamam essa prática de "cara eu ganho, 
coroa você perde". É o caso do analista 
convicto de que o rapaz sofre do clássico 
complexo de Édipo, quer matar o pai 
para ficar com a mãe. Se ele concorda 
com a interpretação, perfeito. Se não, é 
porque está reprimindo impulsos se-
xuais. "Um dos desafios é não tornar o 
nosso fazer um leito de Procusto", diz 
Julieta Quayle, um dos presidentes da 
Associação Brasileira de Psicoterapia. 
No mito grego, os hóspedes de Procusto 
não saíam vivos de sua casa, pois ele 
cortava ou esticava seus pés para que 
coubessem no tamanho exato da cama 
que oferecia. 
Também há o problema da má for-
mação. A cada ano, o Bras il ganh a 
neurocientista Sabba-
tini . Mas, como grande parte do su-
cesso do tratamento depende de quem 
está se tratando, é muito difícil avaliar 
um terapeuta. Para o profissional, fica 
fácil culpar o paciente pela ineficácia 
das sessões. Diante disso, faz sentido 
a metáfora que o psicólogo clínico 
americano Scott Miller usa para falar 
do paciente: cliente herói. "Quer o te-
rapeuta funcione ou não, depende do 
cliente, e de suas habilidades heroicas, 
levantar-se contra as coisas horríveis 
que lhe aconteceram", afirma ele. 
A terapia no futuro 
A falta de certeza do tratamento pe-
lo menos tem uma vantagem: exigir 
terapeutas cada vez mais focados em 
resultados, que usem técnicas mais 
científicas para descobrir o problema 
do paciente. "No futuro, talvez possa-
mos diagnosticar os transtornos por 
meio de exames de neuroimagem", diz 
Landeira-Fernandez. 
Na hora do tratamento, uma das 
tendências é que cada vez mais os 
profissionais se especiali zem no 
d istúrbio e não numa doutrina in-
telectual. Um exemplo é o trabalho 
do psicólogo clínico Albert Rizzo, da 
Universidade do Sul da Califórnia. 
Ele adequou a terapia cognitivo-com-
portamental a um game de guerra e 
tratou soldados que sofreram trau-
mas no Iraque. "Jovens acostumados 
à realidade virtual , eles se sentem 
incentivados a voltar aos eventos da 
guerra pelo computador", diz Rizzo. 
Mas também existe a tendência 
oposta: de que algumas correntes fi-
quem ainda mais distantes da ciência 
e próximas da fi losofia, criando sessões 
nas quais a cura seja um fator secundá-
rio. "Vivemos questões existenciais que 
acompanham o ser humano há séculos", 
diz o filósofo Lúcio Packter, pioneiro da 
filosofia clínica no Brasil. Não à toa, o 
psiquiatra lrvin Yalom dedicou o livro 
A Cura de Scllopenhauer aos filósofos 
clínicos - que ele chamou de terapeutas 
do futuro: "Nós [os psicólogos] fazemos 
parte de uma tradição que remonta não 
só aos nossos ancestrais imediatos da 
psicoterapia, começando com Freud 
e Jung, e todos os ancestrais deles -
Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard 
-,mas também Jesus, Buda, Platão, 
Sócrates, Galeno, Hipócrates e todos 
os outros grandes líderes religiosos, 
filósofos e médicos que se ocuparam 
de cuidar do desespero humano". Essa 
é uma venerável agremiação. O 
PARA HBfR 1.\AIS 
OS DESAFIOS DA TERAPIA. lrvin Yalom. Ediouro. 
PLACEBO. Oylan Evans. HarperCollins 
Publishers Ltd. 
PSICOTERAPIA$- ABORDAGENS ATUAIS. 
Aristides Volpato Cordioli. Artmed. 
ESTUDOS SOBRE A HISTERIA. 
Sigmund Freud. lmago. 
NOVEM BRO 2015 SUPER 55 
SAVANT 
.. 
. .) 
-· 4. 
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.. - ~ 
, 
OS MAIORES GEREBROS DO MUNDO 
As mentes mais extraordinárias da Terra pertencem a pessoas 
que mal conseguem falar ou calçar os próprios 
sapatos. Conheça os savants - e o que eles podem nos 
ensinar sobre os limites da inteligência humana. 
Text;g~il)_qldo_,)q_s_é L.Jlll.es e Alex_cmg.r..e Versignossi ~dj_ç_ão Fobio Marton Design Alessoi]SIE.!J.Jl.ejg_uins 
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56 SUPER NOVEMBRO 2015 lmaaens Cettylmllges 
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58 SUPER NOVEMBRO 2015 
KIM PEEK LIA UM UVROde 300 páginas em 40 mi-
nutos. Uma página com cada olho. Desde a infância 
até sua morte em 2009, aos 58 anos, o americano leu 
mais de 9 mil livros, mais ou menos um a cada dois 
dias. E com uma diferença em relação a você: ele não 
esquecia nada do que lia. Kim sabia de cor a história de 
todos os países, seus p residentes, quando eles nasce-
ram, quem foram as esposas deles. Recitava qualquer 
trecho da Bíblia, do Alcorão ou da estrutura interna 
de um ônibus espacial. 
Mas o que Kim fez era pouco perto do que o britânico 
Daniel Tammet faz. Tammet simplesmente inventou 
uma matemática particular. Pergunte para Daniel quanto 
é, digamos, 27 elevado à 5a potência. Ele vai responder 
rapidinho que isso dá 10.460-353.203. Só que sem ter 
feito uma conta nem decorado nada. Os resultados 
surgem por mágica na cabeça desse inglês timido de 
36 anos. E ele não é incrivel só com números. A rede 
americana de TV PBS o desafiou a aprender islandês, 
uma língua que até quem nasceu na Islândia acha com-
plicada, em uma semana. Sete dias depois, Daniel estava 
num talk show em Reykjavik contando que o idioma 
deles era "mjog fallegur" ("muito bonito") - era a u a das 
línguas que ele aprendia a falar fluentemente. 
Daniel e Kim, diga-se, têm outra coisa em comum 
além desses superpoderes: os dois foram diagnosticados 
com transtornos mentais. Por muito tempo, achou-se 
que Kim era autista, mas um estudo em 2008 revelou 
que ele provavelmente tinha a rarissima síndrome FG, 
o que fez com que não tivesse um corpo caloso, parte 
que conecta os dois lados do cérebro. Ele mal conseguia 
falar, não sabia abotoar a camisa e, quando criança, lhe 
recomendaram internação para o resto da vida. Daniel 
tem sindrome de Asperger, um transtorno do espectro 
do autismo. Ele é mais comunicativo, um rapaz bem 
simpático até, mas se sente perturbado quando anda em 
ruas movimentadas e é tão desligado que não consegue 
pegar um ônibus sem se perder. E eles não são únicos. 
Isso de combinar algum transtorno com brilhantismo, 
ou até genialidade, em certas áreas, é conhecido como 
síndrome de savant ("sábio", em francês), uma condição 
raríssima que desafia as ideias sobre como a mente 
funciona. Kim era conhecido como o "megasavant". 
Ninguém deveria ser capaz de decorar com pre-
cisão a quantidade de informações que os savants 
(vamos chamá-los assim, daqui para a frente) conse-
guem acessar sem o menor esforço em seus "discos 
CÁLCULO 
SAVANT 
Daniel Tammetfoi o primeiro savant que 
conseguiu descrever como sua mente faz cálculos 
sobre-humanos sem fazer força. Veja como. Daniel reconhece 
todos os números 
primos até. 
(E nem pense em tentar você mesmo!) 
PENSE EM 30 ENCAIXE PRONTO! 
Ele imaginou formas para 
todos os números entre o 
e 10 mil. Cada um ganhou 
identidade própria. 
Para multiplicar, ele aproxima 
mentalmente os "números" 
Então Tammet lembra que 
forma tem o número que se 
encaixa melhor no espaço 
vago. E dá a resposta certa. 
e deduz como preencher o 
espaço entre eles. 
rígidos" cerebrais. Também não parece 
fazer sentido a maneira como muitos 
deles lidam com a matemática: fazer 
contas gigantes é, para eles, uma ati-
vidade não consciente, como andar 
de bicicleta. E se pessoas com men-
tes comuns aprendessem a fazer isso? 
Será que todo mundo tem um "savant 
adormecido" dentro do próprio cérebro? 
É o que veremos a seguir. 
"Idiotas sábios" 
A primeira descrição que temos do 
savantismo foi feita em 1887 por John 
Langdon Down, psiquiatra britânico 
mais conhecido por ter feito também 
o primeiro relato científico sobre a sin-
drome de Down. Uma das principais 
experiências de Down com savants en-
volveu um paciente que conseguia reci-
tar de cabeça o livro O Declínio e Queda 
do Império Romano, um catatau de seis 
volumes. Down batizou os portadores 
do problema de "idiotas savants" (calma, 
na época "idiota" era um termo técnico). 
Alguma forma extraordin ária de 
memorização parece estar por trás de 
todos os casos de savantismo, mas é 
bom qualificar essa afirmação: trata-se 
de uma memória diferente da que você 
usaria para decorar um número de tele-
fone, por exemplo. Parece envolver pouco 
pensamento consciente e, muitas vezes, 
nem exige compreensão do que está sendo 
decorado. Darold Treffert, psiquiatra da 
Universidade de Wisconsin em Madi-
son (EUA), relata o caso de dois gêmeos 
americanos com dano cerebral congênito, 
George e Charles, que não conseguiam fazer contas 
de somar simples, mas se divertiam gritando um para 
o outro números primos (os que só são divisíveis por 1 e 
por eles mesmos) de 20 digitos, da ordem de quintilhões. 
Em comparação, a sua memória só conseguia lidar com 
sete ou oito algarismos. É inconcebível fazer operações 
mentais conscientes com números desse tamanho. 
George e Charles, assim como Kim Peek e vários 
outros savants, também eram calculadores de calen-
dário. Se você dissesse a Peek em que dia do mês e 
ano nasceu, ele respondia imediatamente com o dia 
da semana em que você veio ao mundo. 
O preço que se paga para ser um savant é alto. Em 
geral, esses indivíduos são 10% dos autistas. Daniel 
Tammet é uma exceção. A síndrome de 
Asperger é uma forma moderada de au-
tismo, e tem ganhado bastante visibilidade o b r i 1 h anti s mo 
nos últimos anos, com seus portadores se 
organizando em prol da aceitação. Os "as-
pies", como chamam a si mesmos, têm boa 
capacidade verbal, embora se compliquem 
em situações sociais. 
Além de ser um savant, Tarnmet também 
tem sinestesia, uma forma rara de percep-
ção que faz o cérebro misturar sentidos -
sons podem ter cores associadas a eles, por 
exemplo. E isso toma sua mente ainda mais 
fascinante. A sinestesia dele é numérica. Ele 
excepcional combinado 
com um transtorno 
mental ganhou o nome 
de "savant", dado pelo 
mesmo psiquiatra que 
primeiro descreveu a 
Síndrome de Down. 
afirma que todos os números de o a 10 mil possuem 
formas visuais específicas e até personalidades, como 
se fossem indivíduos mesmo. "O 11 é amigável, o 5 
é barulhento e o 4 é meu número favorito, porque é 
quieto e tímido como eu", conta Tammet em Nascido 
num Dia Azul, sua autobiografia. 
O britânico também reconhece todos os números 
primos até 9·973 porque eles lhe parecem "redondos e li-
sos, como os seixos numa praia". Ao fazer multiplicações 
enormes, seu tipo favorito de contas, Tarnmet visualiza _.... 
NOVEMBRO 201S SUPER 59 
Num experimento na 
Austrália, pessoas 
tiveram partes de seu 
cérebro desligadas , 
simulando dano 
as tais formas dos números que estão sendo 
multiplicados lado a lado, separados por 
um espaço. Essa brecha tem exatamente o 
formato do produto da multiplicação: basta 
preenchê-la para que ele saiba a resposta 
certa (veja na página anterior). 
O neurocientista Vilayanur Ramachan-
dran, do Centro de Estudos do Cérebro de 
San Diego, testou as formas numéricas de 
Tammet, pedindo que ele as moldasse usan-
do massinha de modelar e, no dia seguinte, 
neurológico . Com isso, 
tornaram-se como os 
savants por um tempo. 
60 SUPER NOVEMBRO 2015 
as refizesse. O resultado foi consistente, ou 
seja, ele associa sempre a mesma forma ao 
mesmo número. As pessoas normais tendem a pensar 
nos números como abstrações puras. Tammet os trans-
forma em objetos concretos, tão fáceis de entender quanto 
um cachorro ou um gato. Esse pode ser um segredo 
da inteligência savant, de acordo com Darold Treffert. 
A memória que mais usamos para atividades intelectuais 
é a consciente, que nos ajuda a lembrar se "espaço" se 
escreve com sou ;. Mas há outro tipo importantíssimo 
de memória: a implícita- aquela que nos permite trocar 
as marchas do carro sem pensar. 
Tammet se tornou um ícone do lado positivo da 
síndrome de Asperger. Depois de sua autobiografia de 
2007, ele publicou doisoutros best-sellers, que ainda 
não chegaram ao Brasil. Em 2012, ele foi aceito na Royal 
Society of Arts. 
Você pode ser um savant 
Ao que parece, as complicações mentais que os savants 
têm os deixam sem acesso a grande parte da memória 
consciente. Então seu cérebro simplesmente transfere 
as funções dela para a implícita. E eles fazem automati-
camente coisas que temos de pensar (e muito) para fazer. 
É uma capacidade não muito diferente de reconhecer um 
rosto. Nós nunca precisamos de uma descrição verbal 
da cara de um amigo para determinar que ele é o Paulo, 
e não o José: nosso cérebro simplesmente sabe. Para 
Tarnmet, os números funcionam assim. E talvez você 
seja mais parecido com ele do que imagina. 
É o que pensa o neurologista Allan Snyder, da 
Universidade de Sydney. Para ele, existe um Daniel 
Tarnmet dentro da sua cabeça. Esse "savant interior", 
segundo o australiano, foi quem fez você aprender a 
falar. Se você se mudar para a Islândia e tiver um filho 
lá, terá urna criança bilingue em casa. Ela vai aprender 
português em casa e islandês na escola, e falar os dois 
idiomas. Você pode até aprender a língua local, mas 
nunca terá a fluência do seu filho. 
Essa habilidade mágica de "sugar" um idioma exis-
te apenas na infância porque a mente vai "calejando" 
com o tempo. Por exemplo: qm lê um txto scrito dste 
jto consegue entender a frase porque o cérebro criou 
padrões para cada uma dessas palavras. 
Com os sons de um idioma estranho é 
o contrário: sua mente está tão calejada 
com o português que decifrar novas lín-
guas de ouvido não é fácil. Já os savants 
não teriam esse problema. Para Snyder, 
o cérebro deles impede que esses calos 
mentais apareçam. Daí a capacidade de 
aprender islandês em uma semana. 
E a coisa mais maluca aqui é que Sny-
der tentou fazer com que esse savant que 
um dia esteve na sua cabeça apareça de 
novo para dar um oi. Como? Aplicando 
únãs no crânio. A ideia foi "desligar" tem-
porariamente partes da massa cinzenta a 
fim de simular os danos que os savants 
têm no cérebro. E assim fazer com que 
você veja o mundo como se fosse um 
deles. E não é que deu certo? Em 2005, 
Snyder fez com que pessoas submetidas 
ao experimento "virassem savants" por 
algum tempo, desenhando de forma mais 
precisa ou encontrando com mais facili-
dade erros de digitação. 
Talvez Peek, Tarnmet e outros savants 
estejam em grande companhia: Isaac 
Newton e Albert Einstein. Não, não exis-
te prova nenhuma de que eles portavam 
essa condição. Mas alguns neurologistas 
acham que os dois apresentavam, sim, 
pelo menos alguns sintomas da síndrome 
de Asperger- principalmente inabilidade 
social e obsessões compulsivas. De fato, 
Newton mal abria a boca e ficava imerso 
no trabalho a ponto de não comer. E Eins-
tein, que se comportava como um autista 
até os 7 anos, repetindo frases sem parar, 
era tão desligado que certa vez não per-
cebeu um terremoto enquanto divagava. 
Talvez nunca saibamos se eles eram ou 
não versões moderadas de Daniel Tam-
met. Mas Einstein pode ter deixado uma 
pista: "Uso sinais, imagens mais ou menos 
claras, como ferramentas para pensar. Elas 
se encaixam sozinhas, voluntariamente. 
Esse jogo de combinações me parece mais 
essencial que construções lógicas com 
palavras". Qualquer semelhança disso com 
o que você leu nestas páginas talvez não 
seja mera coincidência. e 
PUA SHEH MAIS 
NASCIDO NUM DIA AZUL, Daniel Tammet, 
Estrela Polar 
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Patrodnlo lnternac1oMI. Catro Oftc.taL Patrodruo t.ocal 
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FORAM MILÊNIOS de chutômetro. 
Quem quisesse entender a mente hu-
mana só tinha uma coisa a fazer: espe-
cular. Mas eis que, na década de 1990, 
os cientistas puderam ver nosso cérebro 
em pleno funcionamento pela primeira 
vez na história. Tecnologias avançadas 
pareciam colocar ao alcance o fim dos 
mistérios da mente. 
Seguiram-se duas décadas de muitos 
progressos - ou não? Talvez não: come-
ça a emergir, em um grupo eclético de 
pesquisadores, a sensação de que todas 
as imagens coloridas do sistema nervoso 
em ação não passam de miragem. Ainda 
estariamos muito longe de compreender 
como o cérebro produz a consciência. 
"Quando se fala em imagens do cé-
rebro, ver pode equivaler a acreditar, 
mas não necessariamente a compreen-
der", afirmam a psiquiatra Sally Satel e 
o psicólogo Scott Lilienfeld, autores de 
Brainwashed: 7he Seductive Appeal ofMin-
dless Neuroscience ("Lavagem cerebral: O 
apelo sedutor da neurociência irrefleti-
da"). O livro é apenas um de uma leva que 
busca baixar a bola dos neurocientistas. 
A grande questão é o que se pode e o 
que não se pode saber sobre o funciona-
mento do cérebro. Estamos falando de 
um sistema nervoso com mais de 100 
trilhões de conexões paralelas, trabalhan-
do de forma frenética para manter nosso 
corpo funcionando. O que chamamos de 
consciência é uma parte relativamen-
te pequena dessa conta. Ironicamente, 
é onde tudo parece se complicar. 
Alguns acertos 
Um dos lampejos mais antigos da neuro-
ciência - obtido ainda na época em que 
o imageamento sofisticado não estava 
disponível - é o de que o cérebro é di-
vidido em módulos. Cada pedaço seria 
responsável por uma certa função. Mas 
as coisas não são tão simples assim. 
No cérebro, temos um fenômeno 
conhecido como plasticidade. É a ca-
pacidade de modificar as conexões ce-
rebrais para adquirir novas habilidades. 
Graças a essa capacidade constante 
de reorganização, podemos aprender 
novas coisas e produzir memórias. 
Ou sofrer um acidente cerebral, mas 
recuperar movimentos na fisioterapia. 
Ou tocar piano muito bem- a área do 
cérebro responsável pelo movimento 
dos dedos se expande nos pianistas. 
A plasticidade foi confirmada e reforça-
da em anos recentes com técnicas que 
permitem ver o cérebro trabalhando 
em tempo real. 
O novo passo é, nessa tempestade de 
impulsos elétricos, conseguir ver ima-
gens. Imagens mesmo: em 2011, pesqui-
sadores da Universidade da Califórnia 
em Berkeley conseguiram reconstruir 
imagens coloridas obtidas a partir da 
visão de voluntários usando ressonância 
magnética funcional. Os vídeos gerados 
não são uma perfeição, mas permitem 
ver vultos das imagens a que as pessoas 
foram expostas enquanto estavam na 
máquina de ressonância. Eles esperam 
que, no futuro, seja possível gravar so-
nhos para rever na televisão quando 
estiver acordado. 
Inovações como essas fazem parecer 
que, finalmente, o entendimento de co-
mo funciona nosso pensamento está a 
apenas um passo ou dois de distância. 
Só que não. 
Várias falhas 
Às vezes, os neurocientistas se entu-
siasmam tanto que começam a ima-
ginar ter explicado coisas que estão 
longe de ser resolvidas. "A despeito de 
inferências bem informadas, o maior 
desafio do imageamento é que é muito 
difícil os cientistas olharem para um 
ponto ativo em uma imagem cerebral 
e concluírem com certeza o que está 
acontecendo na mente da pessoa", di-
zem Satel e Lilienfeld. 
Um exemplo eloquente de como eles 
podem escorregar na casca de bana-
na aconteceu em 2008, quando um 
grupo de neurocientistas da empresa 
FKF Applied Research, de Washington, 
tentou enxergar o "posicionamento 
político" no cérebro de voluntários 
indecisos sobre sua preferência na 
eleição presidencial americana. Eles 
foram colocados em máquinas de 
ressonância magnética e expostos a 
imagens de diversos pré-candidatos 
democratas e republicanos. Segundo 
suas conclusões, publicadas em artigo 
no jornal The New York Times, os dois 
pré-candidatos mais impopulares eram 
John McCain e Barack Obama, meses 
depois indicados por seus partidos. 
Obama ganhou aquela eleição e era 
tão "impopular" quefoi reeleito. 
Para a dupla de neurocéticos ameri-
canos, há fatores intangíveis na com-
preensão da mente que nunca surgi-
rão em imagens cerebrais. "O domínio 
neurobiológico é de cérebros e causas 
físicas. O domínio psicológico é de 
pessoas e seus motivos. Ambos são 
essenciais para um entendimento com-
pleto de por que agi mos como agimos", 
escrevem a psiquiatra e o psicólogo. 
E o que pensa um neurologista, mais 
acostumado aos fatos nus e crus da fi-
siologia cerebral? Se esse neurologista 
for o americano Robert Burton, a opi-
nião não é muito diferente. "Olhar para 
as mais detalhadas imagens do cérebro 
não capturará o que sentimos quando 
experimentamos amor ou desespero, 
tanto quanto examinar os pixels indi-
viduais numa pintura não lhe dará um 
senso geral do quadro", afirma. 
Um dos desafios das pesquisas de 
neurociência é que, para correlacionar 
um tipo de pensamento a um padrão de 
atividade cerebral, é preciso que o vo-
luntário relate o que está pensando. Aí 
fica fácil dizer que visualizaram "amor" 
ou "ódio" no cérebro. Mas é quase uma 
redundância. O voluntário já sabia o que 
estava sentindo, e não precisava de uma 
imagem cerebral para provar! Por outro 
lado, sem a informação de quem está "do 
lado de dentro" da mente, o padrão de 
atividade em si não permite mais que 
inferências muito gerais. 
Mentes que mentem 
Em seu livro A Skeptic's Cuide to the 
Mind: What Neuroscience Can and Cannot 
Te li Us About Ourselves ("Um guia cético 
para a mente: o que a neurociência pode 
e não pode nos dizer sobre nós mesmos", 
sem versão em português), Burton su-
gere que acreditar cegamente no poder 
da neurociência pode levar a situações 
dramáticas. Com ampla experiência na 
prática médica, ele lembra os casos em 
que a pessoa fica em coma profundo, ou 
em estado vegetativo, por vários anos. 
Alguns neurocientistas têm investi-
gado o nível de atividade cerebral nesses 
pacientes e sugerido, a partir disso, que 
eles ainda estão conscientes, apesar de 
incomunicáveis. Burton defende que 
essa é uma conclusão precipitada, sem 
base em ciência sólida, e que pode le-
var ao sofrimento muitos parentes que 
tiveram de fazer a opção por desligar 
o suporte de vida a esses pacientes. 
Indo mais longe, Burton acredita que 
há uma falha essencial que impedirá 
os humanos de compreenderem sua 
própria mente. 
"Acho que todos nós - neurocien-
tistas, cientistas cognitivos, psicólogos, 
filósofos e leigos - deveríamos estar 
cientes do paradoxo essencial", afir-
ma. "Faz parte da condição humana 
experiment ar uma mente gerada de 
for ma involuntária, que acredita que 
pode explicar a si mesma de maneira 
racional. Esse paradoxo é inevitável e 
não contornável com ciência melhor ou 
novas tecnologias." 
Será? O 
NEUROSSUCESSOS 
cl"' 
Já foram identificados o centro de 
recompensa, as áreas responsáveis pela 
memória, pela visão, pela audição e até 
mesmo que região é usada na leitura 
(uma atividade aprendida, em que o 
cérebro empresta uma área associada 
a reconhecimento de rostos). 
Este ano, um homem paraplégico 
conseguiu voltar a andar com eletrodos 
conectando os sinais elétricos emitidos 
pelo cérebro aos músculos 
de suas pernas, simulando a conexão 
da medula espinhal. 
Estudos no Japão já mostraram que 
é possível interpretar sinais do córtex 
visual e t ransformá-los em imagens 
muito próximas do que os voluntários 
estão vendo. O passo seguinte é 
fazer a mesma coisa com sonhos. 
NEUROFRACASSOS 
Um relatório de 2013 publicado 
na revista Noture Reviews Neuroscience 
demonstrou que os estudos de 
neurociência em geral têm uma 
confiabilidade estatística muito 
baixa. Como eles usam poucos 
voluntários, é difícil distinguir 
fenômenos reais de flutuações. 
·" Embora a compreensão de 
fenômenos neurológicos que levam 
a doenças como epilepsia e mal 
de Alzheimer tenha aumentado, 
pouquíssimas drogas eficazes 
surgiram como resultado dos 
avanços recentes da neurociência. 
Na Índia, em 2008, eletroencefalogramas 
foram usados para condenar à prisão 
perpétua uma estudante de 25 
anos, acusada de matar o ex-noivo 
envenenado. Outros dois foram 
condenados por assassinato 
pelo mesmo método, até que 
um relatório, naquele mesmo 
ano, mostrou que os exames eram 
absolutamente inconclusivos. 
ÚLTIMA PÁGINA 
Corvo gênio 
__.DESCULPA OUA LOUE R COISA E ATÉ LOGO 
Humanos têm cérebro grande em relação ao peso do corpo. 
Mas não tanto quanto os corvos - esses sim são cabeções. 
Infográfico Alexandre Versignossi e Fabrício Mirando 
Corvo da Nova Caledõnla 
- ;---------- ------ corpo 340 gramas 
66 SUPER NOVEMBRO 2015 
cérebro 8 gramas 
Humanos 
corpo 70 quilos 
cérebro 1.345 gramas 
Esquilo-Cinzento 
corpo 500 gramas 
cérebro 8 gramas 
Chimpanzé 
corpo SO quilos 
cérebro 384 gramas 
Golfinho Nariz-de-Garrafa 
corpo 250 quilos 
cérebro 1.700 gramas 
Elefante Africano 
corpo S toneladas 
cérebro 5.400 gramas 
Cachalote 
corpo 41 toneladas 
cérebro 7.800 gramas 
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