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UFF – Língua Portuguesa V 
Anotações sobre neutralização de traços distintivos 
 
1. Algumas definições de fonema 
 
 
Battisti (2014, p. 66) 
“unidade mínima de som 
capaz de produzir diferença 
de significado”. 
Cristófaro-Silva (2007, p. 
126) 
“unidades fonêmicas 
distintivas”. 
 
 
Roberto (2016, p. 173) 
“unidade discreta abstrata 
que tem como 
correspondente concreto o 
fone (unidade sonora). O 
fonema não tem significado 
em si e tem valor distintivo 
nas línguas naturais”. 
 
Seara, Nunes, Lazarotto-
Volcão (2015, p. 100) 
 
“sons que, quando 
substituídos ou eliminados, 
mudam o sentido das 
palavras”. 
 
2. O fonema não é indivisível: compõe-se de um grupo de 
traços organizados. Exemplo: faca e vaca → o que diferencia 
um fonema do outro é o traço da sonoridade (/f/ [- sonoro] 
e /v/ [+sonoro]). Os traços distintivos podem ser descritos 
com base em diferentes critérios (articulatório, auditivo etc.) 
→ não há uniformidade → diferentes propostas de 
classificação. 
 
3. Uma proposta: o modelo de Chomsky e Halle (The Sound 
Patterns of English – SPE) → definem os traços fonológicos 
com base em uma classificação binária (+ / - ), enfatizando 
o aspecto articulatório: agrupam-se em traços de classe 
principal (A), de ponto de articulação (B), de modo de 
articulação (C), de traços laringais (D) e traços prosódicos 
(E). 
 
(A) Traços de classe principal: consonantal, silábico e soante. 
• Consonantal: segmento produzido com alguma 
obstrução da passagem do ar no trato vocal. No PB, 
as consoantes têm esse traço. 
• Silábico: segmento com maior proeminência na 
sílaba. No PB, apenas as vogais têm esse traço. 
• Soante: segmento com sonoridade espontânea. Em 
PB, vogais, semivogais, líquidas /l, É / e nasais 
têm esse traço. 
 
(B) Os traços de ponto de articulação referem-se às vogais e 
às consoantes. 
CONSOANTES 
• Coronal: segmento produzido com a elevação da 
lâmina da língua. / t, d, s, z, S, ʒ , r, É , l / 
• Anterior: segmento produzido na parte da frente do 
trato vocal, a partir dos lábios. ex.: fonemas 
labiais /p, b, m / e os dentais/alveolares /t, d, 
s, z, É , l, n/ 
• Labial: segmento produzido com o estreitamento 
dos lábios. ex.: / p, b, m, f, v / 
• Distribuído: segmento produzido com obstrução que 
se estende consideravelmente pelo trato vocal. Em 
PB, / s, z, S, ʒ / 
VOGAIS 
• Alto: segmento produzido com a língua na posição 
mais alta. No PB, /i, u/ 
• Baixo: segmento produzido com a língua na posição 
mais baixa. No PB, /a/ 
• Posterior: segmento produzido com a retração da 
língua. No PB, /o, ɔ, u/ 
• Arredondado: segmento produzido com o 
arredondamento dos lábios. No PB, /o, ɔ, u/ 
• Tenso: vogais produzidas com o corpo da língua em 
maior grau de constrição do que vogais relaxadas. 
Vogais longas e ditongos têm esse traço. 
• Raiz da língua avançada (ATR): produzidas com a 
raiz da língua empurrada para a frente. No PB, /i, 
e, o/. Distingue vogais médias abertas das 
fechadas. A sigla ATR deriva do inglês 
advanced tongue root. 
 
(C) Traços de modo de articulação: 
• Contínuo: segmento produzido sem a interrupção 
da passagem de ar pelo trato vocal. Em PB, todas 
as fricativas têm esse traço. 
• Metástase retardada: segmento que, após uma 
obstrução à passagem de ar, tem uma soltura. Em 
PB, por exemplo, os sons africados. 
• Nasal: segmento em que o ar passa pela cavidade 
oral e nasal simultaneamente. No PB, /m,n, ù / 
• Lateral: segmento produzido com obstrução na 
parte central da boca e escape pelas laterais. No 
PB, / l, ʎ / 
 
(D) Há três traços laringais. Apenas um deles interessa ao 
PB: 
• Vozeado: segmento produzido com a vobração das 
pregas vocais ex.: vogais, semivogais, líquidas 
e nasais. 
 
(E) Os traços prosódicos representam traços fonéticos 
suprassegmentais. Interessa-nos dois: 
• Acento: proeminência na emissão de uma sílaba. 
Em PB, o acento tende a incidir na penúltima sílaba 
(paroxítono é o padrão canônico de acentuação). 
• Pitch: frequência da vibração das pregas vocais; 
associação à entonação. Em PB, associa-se às 
diferentes de entonação presentes em diferentes 
regiões (alguns dialetos são mais “cantados” do que 
outros). 
 
Observação: Há traços fonológicos que podem ser 
pertinentes ou impertinentes em PB. Compare: 
a) faca e vaca b) tipo (pronúncia cearense e carioca) 
 
Esse modelo permitiu o surgimento de fonologias não 
lineares (a Geometria de Traços, por exemplo → Clements e 
Hume), que postulam haver uma hierarquização entre os 
traços que compõem dado fonema (traços mais centrais e 
mais periféricos) → explicaria, por exemplo, por que as 
crianças, no processo de aquisição da linguagem, têm mais 
facilidade para perceber alguns traços do que outros. 
 
4. CLASSES NATURAIS: considerados em conjunto, de 
acordo com os valores dos traços que partilham, os 
segmentos podem ser agrupados em classes naturais. Ex: 
/p, f, t, s, S, x, k/ formam uma classe natural: compartilham 
o traço [-vozeado]. 
 
EXERCÍCIOS 
 
1) Com base na proposta de Chomsky e Halle: 
1.1) Identifique o traço distintivo dos seguintes pares 
mínimos: 
a) vela / Vera / l / [+lateral] e / É / [- lateral] 
b) caso / caço /z/ [+ vozeado] e /s/ [- vozeado] 
c) para / Pará o traço do acento é deslocado nas duas 
palavras: trata-se do único traço que as distingue. 
d) pé / pê /e/ [+ATR] e /ɛ / [-ATR] 
 
 
 
 
1.2) Atribua os valores + (presença do traço) e - (ausência 
do traço) para cada segmento a seguir: 
 
Traço 
distintivo 
p b t d k g l É m n f v S ʒ tS dʒ ʎ 
consonantal + 
 
+ + + + + + + + + + + + + + + + 
coronal - 
 
- 
 
+ + - - + + - + - - + + + + - 
anterior - 
 
- + + - - + + + + + + - - - - - 
labial + 
 
+ - - - - - - + - + + - - - - - 
Distribuído 
 
- - - - - - - - - - - - + + - - - 
contínuo - 
 
- - - - - + + - - + + + + - - + 
metástase 
retardada 
- 
 
- - - - - - - - - - - - - + + - 
nasal - 
 
- - - - - - - + + - - - - - - - 
lateral - 
 
- - - - - + - - - - - - - - - + 
vozeado - 
 
+ - + - + + + + + - + - + - + + 
 
2) Identifique que classe natural agrupa os fonemas: 
a) /m,n, ù / consoantes nasais 
b) /p,b,m / consoantes (bi)labiais 
 
3) Para cada grupo, identifique o som que não pertence à 
mesma classe natural. Justifique sua resposta: 
a) /l, É, d, ɔ , ʒ, f, , ù / o som / ɔ /, pois é uma vogal; os 
demais são consoantes. 
b) /m, É, n, ù / o / É /, tepe, enquanto os outros são 
consoantes nasais. 
c) /t, d, s, ʎ, É / o som /ʎ /, consoante palatal, enquanto 
os outros são dentais/alveolares (coronais). 
d) /a, ɛ, e, i / o som /a/, vogal central; as demais são 
anteriores. 
 
 
NEUTRALIZAÇÃO 
 
Fenômeno caracterizado pela perda das 
propriedades distintivas de dois fonemas em um dado 
contexto. Compare: 
 
a) sede / cede 
b) peteca (dialeto carioca) / peteca (dialeto cearense) 
 
 Em a, temos um par mínimo, uma vez que a única 
diferença entre os itens lexicais reside em um dos fonemas 
que os constituem (vogal média-alta /e/ e vogal média-baixa 
/ɛ/, respectivamente). Mais precisamente, de acordo com os 
traços propostos por Chomsky e Halle, as duas vogais se 
distinguem pelo traço da raiz de língua avançada. Em b, as 
duas realizações possíveis para a vogal pretônica ([e] ou [ɛ]) 
não gera palavra distinta. Assim, o traço raiz de língua 
avançada, pertinente no PB, a exemplo de sede e cede, perde 
sua função distintiva na sílaba pretônica da palavrapeteca. 
Nesse caso, ocorre uma neutralização do traço distintivo de 
/e/ e /ɛ/, representada por um arquifonema (abstração 
referente a dois fonemas): /E/. 
Em relação às vogais, é possível afirmar que há uma 
íntima relação entre o grau de atonicidade e o alcance da 
neutralização. Assim, nas sílabas átonas finais, de 
atonicidade máxima, desaparece a oposição entre as três 
vogais da série anterior e as três da série posterior, ficando 
o sistema reduzido a três vogais. 
 
ALOFONIA E NEUTRALIZAÇÃO 
 
• Alofonia: ocorrência de diferentes fones em face do 
mesmo fonema. Exemplos: [t] e [tS] que 
concretizam /t/ no dialeto carioca; [x, h] que 
concretizam /r/ em ambiente raio, carro e par, por 
exemplo. 
 
• Neutralização: perda da distinção entre dois 
fonemas em dado ambiente fonológico. 
Assim, caso dois sons sejam permutáveis sem jamais 
constituírem um par mínimo, há alofonia. Se dois sons que 
normalmente formam par mínimo no sistema perdem esse 
valor distintivo em dado contexto, há neutralização. Os dois 
fenômenos podem confluir em um mesmo ambiente 
fonológico. Compare-se, por exemplo, a pronúncia da vogal 
átona final em doce e em caro. 
 
EXERCÍCIOS 
 
1) Transcreva foneticamente as palavras, levando em conta 
as possíveis pronúncias da vogal pretônica: 
 
a) cobrança [ko’bÉãs¨], [ko’bÉãns¨], [kɔ’bÉãs¨], 
[kɔ’bÉãns¨] 
b) despido [des’pidʊ], [dɛs’pidʊ], [dɪS’pidʊ] 
c) metal [me’taw], [mɛ’taw] 
d) corado [ko’Éadʊ], [kɔ’Éadʊ] 
e) perigo [pe’Éigʊ], [pɪ’Éigo], [pɛ’Éigʊ] 
 
OBS.: As transcrições acima não são exaustivas. 
 
2) Identifique, nos itens anteriores, os casos de alofonia e 
de neutralização nas vogais pretônicas. 
No caso das vogais pretônicas do exercício acima, há 
neutralização em todos os casos. Nos itens B e E, 
também há harmonização vocálica*. 
 
*Esse processo será estudado nos próximos materiais 
de aula. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
BATTISTI, Elisa. Fonologia. In: SCHWINDT, Luiz Carlos. Manual de 
Linguística: Fonologia, Morfologia e Sintaxe. Petrópolis, RJ: 2014. 
 
CAVALIERE, Ricardo Stavola. Pontos essenciais em fonética e 
fonologia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / Lucerna, 2010. 
 
ROBERTO, Tania Mikaela Garcia. Fonologia, fonética e ensino: guia 
introdutório. São Paulo: Parábola, 2016. 
 
SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-
VOLCÃO, Cristiane. Para conhecer fonética e fonologia do português 
brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.

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