Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO CAPÍTULO II EDUCAÇÃO E SOCIEDADE OBJETIVOS Apresentar o processo de socialização, seus mecanismos e características. Refletir sobre as diversas vertente da Sociologia da Educação. Apresentar as principais tendências teóricas no estudo da sociedade. CONTEÚDOS DO CAPÍTULO Socialização A pluralidade da Sociologia da educação Duas grandes tendências teóricas no estudo da sociedade CONTEÚDOS DAS UNIDADES 1. Guia de estudos da unidade. 2. Exercícios de fixação. SEQUÊNCIA DIDÁTICA DAS UNIDADES Para alcançar os objetivos propostos em cada unidade, é necessário que você: 1. Faça a leitura do material da Unidade. 2. Realize os exercícios de fixação. SOCIALIZAÇÃO No capítulo anterior você viu que estudiosos como Durkheim, Marx e Weber buscaram desenvolver mecanismos próprios de estudar o mundo social de forma a explicar o funcionamento das sociedades e a natureza da mudança social. Enquanto o pensamento de Durkheim e Marx estava localizado no poder que a sociedade exerce sobre os indivíduos, obrigando-os a agir de acordo com forças estranhas a suas vontades individuais, Weber adota a perspectiva da capacidade que os indivíduos têm de agir de forma criativa sobre o mundo exterior. Essas diferenças de abordagem entre os clássicos continuam quando a educação, como objeto de estudo sociológico, aparece como preocupação para esses autores. Nesta unidade, você aluno vai poder encontrar discussões e idéias que derivam de suas compreensões acerca da questão educacional no contexto de mudança social decorrente da formação e consolidação da sociedade capitalista. Consideramos primordial iniciarmos com um texto que nos faça entender como a vida em sociedade nos obriga a certos comportamentos e idéias que fazem com que sejamos vistos e nos vejamos como seres humanos, ou melhor, seres sociais. Leia o texto a seguir e identifique o processo que faz com que os seres humanos se tornem seres sociais, isto é, o processo existente em toda e qualquer sociedade humana que envolve fundamentalmente práticas educativas. SOCIALIZAÇÃO: a criação do ser social Aquele que consideramos ser humano nada mais é do que um indivíduo que aprendeu a viver em sociedade. As ciências sociais designam como socialização o processo que faz com que os homens se tornem seres sociais, pois é através da socialização que aprendemos a viver em sociedade. Em termos mais precisos: Socialização envolve todos os processos de aculturação, comunicação e aprendizagem através dos quais o organismo individual humano desenvolve uma natureza social e torna-se capaz de participar da vida social. (PAUL, 1979) Viver em sociedade significa aprender a se comportar da maneira como as várias situações exigem. Esse aprendizado começa desde que a criança nasce e se prolonga vida afora. Os professores Peter Berger e Thomas Luckmann, no livro A construção social da realidade (Petrópolis, Vozes, 1973), afirmam existir dois tipos de socialização: a primária e a secundária. Socialização primária É a que o indivíduo experimenta na infância. Nessa fase, a criança conhece o mundo e a realidade social através das definições que a ela são dadas pelos familiares. O mundo tal qual lhe é apresentado pelos pais é o único que ela conhece. Por isso, nessa fase, não há conflitos de identificação. A criança sente-se emocionalmente ligada à família, e os familiares são extremamente importantes e significativos para ela. No processo de socialização primária as normas e os valores sociais são interiorizados. A criança aprende os papéis correspondentes à sua posição e à dos demais membros familiares. Aprendendo o que se espera dela, em termos de comportamento, a criança adquire uma identidade social, ou seja, aprende a se localizar nas posições sociais e a definir os comportamentos esperados de cada uma. Em suma, ao aprender o que deve ou não fazer uma criança, um filho e um irmão, ela está sendo moldada pela sociedade. No decorrer do processo de socialização primária, a criança forma sua personalidade. Para muitos cientistas sociais, a socialização primária é a que mais influencia o ser humano. Dizem que ela acompanhará o indivíduo por toda a sua vida. Nesta fase, a criança ainda não possui outros referenciais para poder opor àqueles que são ministrados pelos pais. Socialização secundaria A socialização primária termina quando a criança consegue perceber que as normas sociais não são feitas apenas para uma ou outra pessoa particular, mas para todas as pessoas. Por exemplo, quando percebe que a reprimenda da mãe quando ela se apodera de alguma coisa que pertence ao seu irmão significa que ninguém deve se apoderar daquilo que pertence aos outros. O processo de socialização secundária não termina; a bem dizer, ele segue por toda a vida. À medida que cresce, a criança participa de várias instituições, e essa participação envolve aprendizado. Ela aprende a linguagem típica da instituição, mais os valores e os comportamentos esperados dos membros que compõem as diferentes instituições. Assim, por exemplo, na escola a criança vai aprender a ser aluno e a ser cidadão. O mesmo acontecerá no mundo do trabalho. De acordo com a posição que vier a ocupar quando adulto – chefe ou empregado –, deverá saber o que se espera dele. Todas as outras posições que vier a ocupar exigirão também uma série de comportamentos que cabe a ele desempenhar. Evidentemente, o aprendizado de muitas dessas posições pode ser antecipado, isto é, ocorre antes de a pessoa vir a ocupá-las. Isso facilita a acomodação do indivíduo ao papel. Por exemplo, a menina, desde a infância, vai interiorizando o que um marido espera da esposa numa dada sociedade. FERREIRA, Roberto. Sociologia da educação. São Paulo: Moderna Consciência, cultura e ideologia Durkheim faz referência à cultura quando ele concebe a educação como socialização, isto é, como um processo de integração dos indivíduos a uma determinada sociedade pela interiorização dos modos de pensar, de sentir e agir, ou seja, dos modelos culturais próprios a essa sociedade. Marx discute preliminarmente o conceito de ideologia quando projeta na educação a possibilidade de romper com a passividade do trabalhador frente à ideologia da classe dominante cuja pretensão é inculcar no trabalhador o modo burguês de ver o mundo. No texto a seguir, você vai estudar o conceito de Ideologia, identificando os diferentes significados e interpretações desse conceito. Consciência e ideologia A sociedade e a época em que vivemos influenciam de modo significativo o conhecimento que temos da vida e do mundo. Desde a infância, adotamos opiniões, crenças e valores que nos são transmitidos sem que nos demos conta de tal processo de formação de nossa mentalidade. Todas as pessoas, pelo fato de viverem em determinada sociedade em certas condições históricas, estão sujeitas à influência da ideologia corrente. Interesses e conveniências sociais condicionam e limitam o pensamento e as atitudes das pessoas, impedindo-as de alcançarem uma visão imparcial e objetiva das coisas. “A ideologia não é um processo subjetivo consciente” (Marilena Chauí) e, se muita gente não consegue chegar a uma percepção verdadeira de sua situação real, não é por sua culpa. A influência ideológica faz a consciência perder a autonomia, torcendo sua visão de acordo com as ideias geradas no interior da vida social. Nem sempre tais idéias representam interesses de toda a coletividade, mas são projeções de parte dela, isto é, de forças que a dominam. Ideologicamente representadas e transmitidas, passam a ser interiorizadaspor todo mundo, como se fossem aspirações legítimas de todo o conjunto social. Tornam-se mentalmente universais e justificadas, mesmo que na prática se ajustem apenas a casos particulares e a certos tipos de pessoas. Considerem-se, por exemplo, certas afirmações correntes a respeito da igualdade entre as pessoas, do direito de todos á educação, da liberdade de expressão do pensamento, etc. A ideologia garante para a sociedade uma espécie de harmonia espiritual e moral e o consenso entre os indivíduos e grupos que a compõem. Por meio dela, justificam-se convenientemente os fatos da vida social, como se quisesse preservá-la de possíveis desequilíbrios ou conflitos, ao nível da prática. A convergência no pensamento evita a divergência nas ações. As pessoas, em geral, não percebem a intromissão da ideologia em seus discursos e práticas cotidianas, aceitando-a como verdade natural e pré-determinada. Não a confrontam com situações concretas de sua vida. Pensam, falam e agem dentro do contexto e dos limites traçados pela sociedade em relação aos valores admitidos culturalmente. Somente o exercício perspicaz do pensamento crítico poderia explicitar o caráter ideológico de suas ideias e condutas. Poderiam, neste caso, descobrir a distância entre o plano teórico e o plano prático de suas crenças. Para uma visão adequada do papel da consciência crítica é preciso colocar em pauta a questão da influência ideológica no pensamento e na ação das pessoas. Ele tem merecido atenção especial das ciências humanas. A transmissão da ideologia O processo de inculcação ideológica não é consciente e, de maneira geral, as pessoas não percebem esta influência. Opiniões, crenças e valores admitidos socialmente são difundidos no meio social e passam a fazer parte da subjetividade das pessoas. Constituem uma espécie de senso comum que condiciona a mente e a conduta dos indivíduos à custa de sua adaptação moral e prática. Vive-se num mundo perfeitamente natural e racional, pelo menos em sua aparência ideal, possibilitando um consenso em torno de objetivos pretensamente gerais da sociedade. As ideias e valores aceitos e parcialmente vividos, parecem verdades absolutas, anteriores à realidade histórica dos grupos e das pessoas. A ideologia que promove a reprodução do sistema social pela sua legitimação é, por sua vez, reproduzida por ele, através de suas instituições sociais e políticas: família, escola, igrejas, Estado, órgãos jurídicos, opinião pública e, inclusive, pela ciência. Descobrir o peso da ideologia no pensamento e na ação comum das pessoas é uma tarefa difícil e provém do exercício crítico da consciência, ao confrontar as ideias coma realidade objetiva. “A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras de conduta, que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer” (Marilena Chauí). Este sistema envolve o indivíduo e integra-o no modo de pensar dominante, desde os primeiros anos de vida consciente, formando esquemas de pensamento, hábitos e atitudes que se consolidam no íntimo de sua subjetividade. Neste processo de transmissão ideológica merece destaque o papel exercido pela escola e pela educação em geral. A escola pertence ao conjunto de instrumentos que ajudam a manter e reproduzir as estruturas da sociedade. A educação a serviço da ideologia dominante torna-se meio de imposição de determinada visão do mundo, onde interesses e objetivos são resguardados na consciência dos educandos como valores gerais da sociedade, embora correspondam às aspirações de parcelas da mesma. A educação reproduz e garante a divisão de classes existentes no interior da sociedade e é manipulada pelas forças que controlam a vida econômica e política, visando a manutenção de sua situação geral de domínio. Consciência Crítica e Ideologia Ao criar a falsa consciência, a ideologia torna-se uma forma de pensar que impede o verdadeiro pensar. Estabelece um divórcio entre a teoria e a prática: as ideias deixam de exprimir a face verdadeira da realidade e fixam aparências mistificadoras que ocultam o mundo concreto e contraditório das relações sociais. Frente à ideologia, tomada neste aspecto, a consciência crítica exerce o papel fundamental de confrontar teoria e prática, manifestando as verdadeiras condições de vida do homem. Ao identificar a origem e as bases da falsa visão do mundo, descobre o jogo de interesses que se escondem por trás dos discursos ideológicos. A mente dominada ideologicamente pode ser capaz de desvendar a ilegitimidade de sua submissão. Sabemos evidentemente que a transformação da sociedade não decorre de uma simples transformação da consciência, mas também não ocorre sem ela. Qualquer mudança concreta da estrutura social depende da compreensão de sua necessidade e objetivo, por parte das pessoas que devem conduzi-la ou que nela são envolvidas. Frente à ideologia, o exercício da consciência crítica é uma forma de descolonizar a mente e seus discursos sobre a realidade, devolvendo-lhe a autonomia. Descobre, então, que o concreto é muitas vezes o inverso daquilo que as ideias dominantes manifestam. Descobre, ainda, que nem tudo está definido, nem tudo está ajustado e que é preciso sair da harmonia aparente para uma harmonia real a ser construída pelos homens. O senso crítico põe em causa o pensamento e as concepções “tradicionais”, vence a consciência institucionalizada, que reina para exprimir ou legitimar uma sociedade, uma política, uma instituição. Por em causa a imagem refletida, à revelia do mundo concreto, consiste em problematizar o discurso ideológico, “estilhaçar o espelho”, restituindo a verdadeira imagem da história vivida pelos homens. CYRINO, Helio (org.). Ideologia hoje. Campinas: Papirus, 1986. A partir da leitura do texto acima você compreendeu como se dá a construção do conteúdo do conceito de ideologia. Diferentemente do conceito de cultura, o conteúdo do discurso ideológico anula as diferenças entre pensar, sentir e agir “obtendo a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada à imagem da classe dominante” (TOMAZI, 1993, p.171). No texto a seguir iremos pensar os conceitos de cultura e ideologia, relacionando-os a dois campos significativos da nossa sociedade: o campo das representações e de produção e reprodução material. Cultura e ideologia [...] Tanto as discussões que partem do conceito de cultura quando as que partem do conceito de ideologia necessitam responder como é que se relacionam esses dois campos: o campo das ideias e das representações que os homens constroem sobre a sociedade (o chamado universo simbólico) e o campo da produção e reprodução material dessa sociedade. Parece existir um dilema que acompanha qualquer tentativa de compreender a sociedade, que é justamente o de como entender esse seu componente “simbólico”. De maneira geral, a crítica que se faz ao conceito de cultura é a de que ele não trabalha satisfatoriamente com a questão da política, com a questão do poder. Com relação ao conceito de ideologia, o que se contesta nele é a submissão que estabelece do simbólico ao econômico, como se o simbólico fosse uma mera reprodução jurídica, moral, ética, estética, dos preceitos econômicos de uma dada sociedade. Pensemos um pouco sobre esse tema. A ideia tradicional de cultura tende a associá-lo às artes, ao conhecimento presente nos livros, em resumo, àquilo que chamaríamos de cultura erudita. A ideia de cultura como “modos de agir,pensar e sentir” de uma sociedade abrange e ultrapassa essa identificação entre arte e cultura. Contudo, embora tratando esses modos de “agir, pensar e sentir” como socialmente construídos, o conceito de cultura corre o risco de perder, em suas análises, a dimensão da dominação político-econômico que se dá numa sociedade capitalista, e que é em grande parte responsável pela predominância de determinados “modos de agir, pensar e sentir”, e não de outros. Além disso, a utilização desse conceito de cultura pode ignorar outros conceitos, igualmente importantes para a compreensão da sociedade, que são os de Estado, nação, pátria, progresso, ciência, etc., conceitos de certa forma mais imediatamente associados à esfera política. Principalmente, poderá, como se costuma criticar, desconsiderar, na análise de sociedades capitalistas, o lugar e a atuação das classes sociais, esfera onde exatamente se produz o modelo de dominação político- econômica capitalista. Ao desconsiderar os aspectos políticos, o conceito de cultura pode tornar-se um conceito universalizante, isto é, afastar-se da história e das especificidades de cada sociedade, chegando, por essa razão, até a comparar sociedades diametralmente diferentes (que, exatamente por serem diferentes, não poderiam ser comparadas). De modo geral, os padrões de comportamento detectados nas análises culturais das sociedades não são concebidos necessariamente como possíveis instrumentos de dominação de classes ou grupos de indivíduos por outras classes ou grupos. Quando refletem sobre a questão do poder nas chamadas sociedades complexas como a nossa, as investigações que partem do conceito de cultura podem trabalhar com a ideia de classe social, o que não significa que irão se restringir a ela, mas que tentarão evitar utilizar esse conceito de classe social apenas no seu aspecto econômico. Nesse sentido, a utilização do conceito de cultura requer pensar outras formas de movimentos sociais, que ultrapassam o espaço da classe, como os movimentos feministas, homossexuais, étnicos, nacionalistas, etc. Assim é que se pode pensar em cultura negra, cultura indígena, cultura brasileira, cultura feminina, etc., algo que se torna difícil, se se atém apenas ao espaço das classes sociais. Quanto à ideologia, uma das críticas que se fazem a seu respeito, como já vimos no início deste item, é de que esse conceito acaba relacionando-se exclusivamente à esfera do poder e da manutenção de interesses de classes. E isso impede que os elementos culturais da sociedade sejam pensados não apenas como simples representações dos valores e crenças da classe economicamente dominante, mas também como elementos determinantes do funcionamento, manutenção e transformação da sociedade. Não se pode negar que, com o passar do tempo, o conceito de ideologia acabou adquirindo um caráter pejorativo. Por um lado, a prática de associá-lo exclusivamente à classe dominante parece fazer com que se interprete que essa classe possui domínio total sobre o conjunto da sociedade. Por outro lado, afirmar que todos os valores e idéias são ideologia parece banalizar o conceito, isto é, faz com que ele perca a sua especificidade. Se “ideologia” serve para definir muitas e diferentes coisas, então não serve realmente para definir coisa nenhuma. Ambas as posições colocam um impasse: é possível, então, usar esse conceito? Analisando a concepção que associa ideologia a distorção da realidade (na qual está contida a oposição “falso” versus “verdadeiro”), chegaríamos à conclusão de que a sociedade capitalista – a nossa sociedade – se mantém tal qual é porque veicula entre seus membros valores que não são os seus, fazendo-os acreditar que são. Nesse sentido, em oposição a uma realidade verdadeira, teríamos uma falsa realidade que se impõe ao conjunto da sociedade, baseada nos interesses da classe que a domina nos planos político, cultural e, principalmente, econômico. Essa tentativa de veiculação de ideias e valores de uma classe para o conjunto da sociedade como forma não só de camuflar, mas também de reforçar a sua dominação, faz com que, de certa maneira, se desqualifiquem, se minimizem as iniciativas de transformação provenientes das demais classes componentes da sociedade. Porém, essas iniciativas fazem parte da própria dinâmica da nossa sociedade. Mas não podemos negar a importância do conceito de ideologia para compreender a sociedade. Podemos não concordar com a ideia da existência de uma única ideologia – uma ideologia dominante – capaz de exercer sobre o conjunto da sociedade uma dominação total e completa, homogeneizando-a, padronizando-a. Entretanto, não podemos negar a existência de uma ideologia – certamente composta de elementos de várias ideologias – que caracteriza a sociedade capitalista, é veiculada a todo momento pelos meios de comunicação de massa, aparece nos acontecimentos comuns do nosso cotidiano e visa influenciar o nosso comportamento. Uma ideologia composta exatamente das imagens de harmonia, identidade e ausência de conflito detectadas por Marilena Chauí. Portanto, é fundamental tentar compreendê-la e aos seus mecanismos para podermos compreender a nossa própria sociedade. Nesse sentido, poderíamos refletir sobre como a transmissão ou reprodução dessa ideologia de dá. Um debate polêmico, que surgiu nos anos 70 entre os estudiosos da questão, ocorreu com a publicação de Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, do pensador marxista francês Louis Althusser. Para esse autor, instituições como o aparelho de Estado (órgãos governamentais) e principalmente a escola seriam responsáveis pela reprodução da ideologia dominante entre os membros da sociedade capitalista. Posteriormente, sua colocação foi questionada: as instituições, em geral, e o aparelho escolar, em particular, seriam simultaneamente as duas coisas: lugar de reprodução da ideologia, sim, mas igualmente de reflexão crítica. Desse modo, o caráter contraditório de nossa sociedade apareceria no interior de todas as instituições, que seriam, simultaneamente, arenas de reprodução, mas também de luta; da tentativa de camuflagem das injustiças sociais, mas também da consciência de sua real existência. Cultura e ideologia: em ambos os conceitos há críticas a serem consideradas. Eunice Durham, preocupada em compreender e diferenciar os dois conceitos, afirma que é preciso politizar a cultura. Isto é, é preciso fazer com que as análises que partem desse conceito sejam capazes de considerar o aspecto político das relações culturais, observando que elas contêm elementos de dominação e que estão ligadas ao plano da política. Entretanto, também é fundamental enfocar a política e a economia em seus aspectos culturais, para que não se coloquem esses esferas num estado de total autonomia diante das representações que geram e que, simultaneamente, são responsáveis por elas serem o que são. Como já foi dito, tanto um como outro conceito vêm sendo analisados ao longo dos anos, o que, se por um lado impede que se obtenha uma definição final para cada um deles, demonstra, por outro, a inexistência de verdades absolutas e o caráter dinâmico da reflexão sobre a sociedade. De qualquer maneira, há outras formas de pensar a relação entre cultura e ideologia. Vale conhecer uma delas que está, mais uma vez, em Gramsci, em seu conceito de hegemonia. Em linhas gerais, o conceito de hegemonia criado por esse autor consiste exatamente na tentativa de aliar, em um novo projeto político para a sociedade, os dois conceitos anteriores. Gramsci pensava na cultura como um processo social global, no qual os homens determinariam suas vidas (sua forma de pensar,sentir, agir); e pensava na ideologia como um sistema de valores e significados que expressariam ou projetariam os interesses de uma classe em particular (no caso, o proletariado, classe potencialmente transformadora da sociedade). A preocupação desse autor, ao trabalhar com esse novo conceito, era pensar um projeto de transformação da sociedade. Nesse sentido, o papel da classe trabalhadora será fundamental: ao fazer com que o conjunto da sociedade apóie e adote a sua visão de mundo (ou ideologia), não de maneira impositiva, autoritária, mas, sim, recebendo o seu consentimento, a classe trabalhadora – via seu partido político – poderá transformar a sociedade. TOMAZZI, Nelson Dacio (org.). Iniciação à Sociologia. Rio de Janeiro: Atual, 1993. A PLURALIDADE DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Como vimos, os conceitos de ideologia e de cultura são altamente expressivos nas análises sociológicas. Na Sociologia da Educação, pode-se dizer que o conceito de ideologia prevalece entre os estudiosos que se orientam pela teoria marxista da sociedade, enquanto que os sociólogos não-marxistas geralmente empregam os conceitos de cultura, visões de mundo, representações coletivas. No entanto, a Sociologia da Educação é hoje um campo tão fluido e tão indeterminado que qualquer tentativa de apreender-lhe as principais perspectivas de análise e temas de pesquisa torna-se difícil. Com a leitura do texto abaixo, procure identificar como a Sociologia da Educação é um campo plural e multifacetado. A pluralidade da sociologia da educação Aquilo que hoje consideramos como sendo Sociologia da Educação está tão identificado com um referencial crítico dos arranjos sociais e educacionais existentes, principalmente no Brasil, que se torna difícil pensar que este nem sempre foi o paradigma dominante e que ainda não o é em países como os Estados Unidos, por exemplo. É muito difícil traçar-lhe a origem e a consolidação. Mas seja lá onde as situarmos, vamos encontrar uma disciplina acadêmica altamente envolvida numa aceitação e numa justificação da ordem existente. Este é o caso, se remontamos sua fundação a Durkheim, por exemplo, que tinha uma avaliação altamente positiva da relação entre educação e sociedade. Ocorre o mesmo se preferirmos fazer coincidir sua institucionalização com o auge do predomínio do paradigma funcionalista em Sociologia nos Estados Unidos, cujos exemplos paradigmáticos são o ensaio de Parsons. The School as a Social System: some of its function in American Society, e o livro de Dreeben, On what is learned in school. E mesmo hoje ainda convivem, lado a lado, uma Sociologia da Educação extremamente cética com relação à ordem existente, baseada em geral em algum modelo marxista (mas não exclusivamente), e uma outra, ainda fortemente inspirada pelo paradigma funcionalista e baseada em metodologias de pesquisa declaradamente empiricistas, isto para não falarmos de perspectivas que rejeitam ao mesmo tempo uma e outra abordagem como as Sociologias da Educação de inspiração interacionista, fenomenológica ou etnometodológica. Quando se fala em Sociologia da Educação pensa-se imediatamente no estudo das grandes relações entre processos sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais como, por exemplo, entre certas características da economia capitalista e a produção de desigualdades sociais via escolarização. Existem entretanto setores no campo da SE cuja preocupação principal e exclusiva não tem nada a ver com esses processos sociais mais gerais, mas com processos sociais produzidos no nível de pequenas unidades sociais, como a sala de aula, e seus efeitos neste nível, como o demonstra toda uma linha de estudos de inspiração interacionista ou fenomenológica, de resto muito presente na gênese da própria “nova sociologia da educação”. Isto mostra como é difícil falar de uma Sociologia da Educação. As diferenças entre os referenciais teóricos, os temas tratados e a orientação política são tão grandes, que talvez fosse mais coreto falarmos de Sociologias da Educação, o que implicaria caracterizar cada uma destas perspectivas e discutir os problemas de pesquisa postos por cada uma dessas tradições. No âmbito mais modesto deste trabalho, entretanto, esta advertência serve apenas para situar o campo no qual estarei me movendo. No que se segue, estarei circunscrito àquela Sociologia da Educação que de certa forma se tornou dominante e que se caracteriza por uma perspectiva eminentemente crítica com relação aos arranjos sociais e educacionais existentes e por uma ênfase na busca de explicações causais situadas na ordem de processos socais mais amplos e gerais. A descrição dos importantes temas de pesquisa e preocupação dessa tradição, tentada abaixo, servirá para tornar mais clara esta restrição. Movendo-se no campo: as referências principais Pode-se dizer que o grande tema desta Sociologia da Educação é o dos mecanismos pelos quais a Educação ou mais concretamente a escola contribui para a produção e a reprodução de uma sociedade de classes. Este é o tema unificador desta tradição teórica e empírica, o fio de ligação entre estudos que, de resto, podem se mostrar bastante divergentes. Seria mesmo em torno deste tema que se poderia tentar uma definição da Sociologia da Educação hoje. Mas o que é mais importante é que os estudos que marcaram e delimitaram o campo da Sociologia da Educação nos últimos 20 anos centram-se em torno dessa problemática: a Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado de Althusser (1970), o Schooling in Capitalist America de Bowles e Gintis (1976), a Reprodução de Bourdieu e Passeron (1970), o L’Ecole Capitaliste em France de Baudelot e Establet (1971) e o Knowledge and Control de Michael Young (1971), muitas vezes englobados sob o título, impróprio e depreciativo, de reprodutivistas. Naturalmente eles têm muita coisa a separá-los e são estas diferenças que nos vão permitir fazer um desdobramento deste tema geral. Antes de entrar nessas diferenças, entretanto, é preciso mencionar uma outra característica que nos une. De uma forma ou de outra, esses estudos fundadores postulam que a contribuição específica e decisiva da Educação para a produção e reprodução das classes reside na sua capacidade de manipulação e moldagem das consciências. E na preparação de tipos diferenciados de subjetividade de acordo com as diferentes classes sociais, que a escola participa na formação e consolidação da ordem social. Para isto é decisiva a transmissão e inculcação diferenciada de certas idéias, valores, modos de percepção, estilos de vida, em geral sintetizados na noção de ideologia (resguardadas as evidentes diferenças entre os diferentes estudos na definição deste conceito tão central como veremos). Mas para além desta problemática unificadora, há muitas diferenças conceituais metodológicas. Temos, por um lado, os ensaios declaradamente marxistas como os de Althusser, Bowies e Gintis e Baudelot e Establet, para os quais a divisão social decisiva é aquela entre classes econômicas e para os quais o papel da escola consiste em preparar as pessoas para os diferentes papéis de trabalho nessa divisão. E por outro o famoso estudo de Bourdieu e Passeron, para os quais a divisão social é centralmente mediada por um processo de reprodução cultural. Num outro eixo temos de um lado esses quatro estudos mencionados, centrados nos mecanismos amplos de reprodução social via escola e os estudos da “nova sociologia da educação”, preocupados em descrever as minúcias do funcionamento do currículo escolar e de seu papel na estruturação das desigualdades sociais. E para a descrição dos argumentos centrais de cada um dessesestudos que nos voltamos agora, tentando fazer, através disso, um mapeamento mais preciso dos principais temas da Sociologia da Educação. [...] A problematização do conhecimento escolar Embora tenha tido muito pouca repercussão no Brasil, a corrente que ficou conhecida como a “nova sociologia da educação” teve uma influência decisiva sobre o perfil que tem hoje a S.E. O marco inicial dessa importante abordagem é constituído pela publicação em 1971 do livro Knowledge and Control, organizado por Michael Young. Embora sua influência principal tenha se dado na Inglaterra, onde se iniciou, ela se estendeu depois a outros países, sobretudo aos Estados Unidos, e um pouco tardiamente, a França, através do trabalho de divulgação de J-C Forquin (1989). Já muito se escreveu sobre as condições sociais de surgimento da “nova sociologia da educação”, sobretudo sobre seu aspecto de reação à chamada sociologia aritmética da educação, que se fazia então na Inglaterra e em outros países. Para o que nos interessa aqui, entretanto, imposta destacar aquilo que a distingue fundamentalmente dos outros ensaios e estudos fundadores. Embora acabe havendo mais tarde uma convergência e uma reacomodação entre essas diversas correntes, e é exatamente essa recombinação que vem a dar na atual Sociologia da Educação, a Nova Sociologia da Educação (NSE) se distingue dos outros estudos centrais em importantes aspectos. Em primeiro lugar, a Nova Sociologia da Educação coloca no centro da análise sociológica da Educação a problematização dos currículos escolares. Em vez de tomar aquilo que é considerado como currículo escolar como um dos fatos aceitáveis da vida, um dado natural, a NSE coloca em questão o próprio processo pelo qual um determinado tipo de conhecimento veio a ser considerado como digno de ser transmitido via escola. Aquela divisão e organização do conhecimento escolar que nos acostumamos a ver como natural constitui o resultado de uma sedimentação temporal ao longo da qual houve conflitos e lutas em torno da definição que devia ser adotada. Ao contrário das outras orientações, nas quais o que é central é o processo de estratificação social, aqui o processo fundamental a ser examinado é o da estratificação do conhecimento escolar. Qual é a hierarquia entre as diferentes disciplinas escolares? Como essa hierarquia veio a ser estabelecida, através de quais processos de luta e negociação? Aqui o pano de fundo teórico é o interacionismo simbólico e o da fenomenologia, com sua ênfase nos processos de construção social da realidade, e da negociação. Daí a importância que adquire o estudo dos processos de integração em sala de aula e dos processos pelos quais atores sociais tais como professores e alunos vivem uma realidade social que é construída e negociada na interação social. A implicação prática e política desta conceptualização teórica é a de que a mudança educacional e social ficava bastante dependente do fato de alunos e professores (sobretudo esses últimos) compreenderem este processo de construção social e a forma pela qual ele contribuía para produzir identidades sociais dentro da sala de aula e da escola que levavam à desigualdade e à estratificação social. Ironicamente, uma das promessas da NSE, a da análise pelo qual as disciplinas escolares vieram a se construir socialmente não chegou a ser cumprida. Com sua ênfase demasiada nos processos de interação na sala de aula, a NSE mostrou-se incapaz de analisar os processos mais amplos pelos quais o conhecimento escolar se apresenta na configuração existente e não noutra, uma importante tarefa que parece começar a ser realizada por uma “história das disciplinas”. SILVA, Tomaz Tadeu da. A sociologia da educação entre o funcionalismo e o pós-modernismo: os temas e os problemas de uma tradição. “Em Aberto”, Brasília: Inep, 9 (46): 3-12, jun. 1990 O papel da educação na estrutura social Como vimos no texto anterior, uma das abordagens mais marcantes da Sociologia da Educação evidencia como a escola contribuiu para a produção e reprodução de uma sociedade de classes. No entanto, há outras possibilidades de abordar a relação educação e sociedade. Com a leitura do próximo texto, você deverá perceber como a educação contribui, ainda que indiretamente, para a promoção de mudanças na sociedade. A sociedade pode ser representada por uma estrutura onde as partes componentes mantêm uma relação de interdependência. Assim, por exemplo, transformações na estrutura econômica poderão gerar mudanças nas crenças religiosas de um povo. Pesquisadores afirmam que a perda de fiéis da Igreja católica na Europa pode ser explicada pelos processos de industrialização e de urbanização. Da mesma forma, alterações na esfera religiosa podem exercer fortes pressões sobre a estrutura econômica. Veja-se, por exemplo, as proibições que a Igreja católica exerceu sobre o lucro excessivo e a usura na Europa nos primórdios da idade Moderna. É legitimo supor que, se essas proibições não impediram o desenvolvimento da economia capitalista, colocaram alguns obstáculos a sua ampliação por toda a Europa. Como podemos ver, há uma interdependência entre as estruturas que compõem a sociedade. Sendo a educação uma das estruturas sociais, é licito supor que as mudanças nas outras estruturas provocarão mudanças na educação. Da mesma forma, é logicamente válido acreditar que a educação possa contribuir para mudanças nas outras esferas sociais, como a economia, a política, a cultura, a arte, etc. A primeira suposição é evidente. A questão é um pouco mais complicada quando tentamos demonstrar a possibilidade do caminho inverso, ou seja, de a educação ser um agente da mudança social. Se ela for realmente uma causa das mudanças sociais, cabe perguntar se é uma causa suficiente ou apenas necessária. E, se for uma causa necessária, de que maneira, efetivamente, a educação poderia promover as mudanças sociais? No campo educacional e político brasileiro houve um grupo de autores enfáticos em caracterizar a educação como um fator suficiente para as mudanças sociais. Em termos gerais, a posição desse grupo foi muito bem caracterizada pela professora Vanilda Pereira Paiva, como a de entusiastas pela educação. Segundo a autora, um dos aspectos mais importantes desse entusiasmo é: [...] a supervalorização da educação como fator capaz de solucionar todos os demais problemas da nação: a educação começa a ser percebida como o principal problema nacional que, uma vez resolvido, conduziria à solução dos demais. (LOYOLA, 1973) Enquanto esse grupo acredita que através da educação podem ser feitas mudanças em todas as esferas da vida social, há um outro grupo que pensa exatamente o oposto. Um segmento desse grupo é representado por alguns autores de orientação marxista que adotam uma visão extremamente determinista das estruturas sociais. Veem a educação como determinada pela estrutura econômica e totalmente impotente para impulsionar transformações na sociedade. Não é outro o significado do texto a seguir: Não é além disso pela “mudança” da escola que se mudará a sociedade. Querer-se aperfeiçoar a sociedade pela escola é garantir- se a manutenção do status quo, enquanto se apregoa estar-se “inovando”, “revolucionando”. (ROSSI, 1986) Nem todos os sociólogos da educação que seguem a orientação marxista comungam da visão expressa por Wagner Rossi. Há uma corrente genericamente denominada teoria da resistência que vê a educação como o espaço para a promoção das mudanças sociais. Em obra recente, Georges Snyders (Escola, classe e luta de classes, Lisboa, Moraes Ed. 1981) defende que no interior da escola existem “forças progressistas”que podem conduzir não à manutenção da ordem, mas à sua transformação. Para Snyders a escola é um campo de luta. Nela se confrontam as duas classes antagônicas da sociedade capitalista, a classe operária e a burguesia, cada uma querendo que a escola represente a sua visão de mundo e defenda seus interesses. Para Snyders, os agentes que lutam contra a dominação capitalista no interior da escola são os alunos, os “professores progressistas” e os movimentos populares. Ele acredita que da luta de classes no interior da escola possam advir mudanças na sociedade capitalista. Outro autor de orientação marxista, Henry Giroux (Pedagogia radical; subsídios. São Paulo, Cortez, 1983), avança ainda mais no sentido de indicar a possibilidade de que a reprodução da ordem social burguesa gere distintas formas de resistência. E estas acabam levando a mudanças sociais substantivas. Essa possibilidade é exemplificada com a realidade escolar. Para Giroux, a escola, longe de representar uma estrutura que reproduz indefinidamente uma determinada ordem social, produz focos de tensão. Por exemplo, a estrutura autoritária da administração escolar, a discriminação sexual e étnica existente no sistema educacional, as novas ideias trazidas para o interior da escola e as expectativas de realização pessoal não- satisfeitas pela organização escolar. Enfim, tudo isso são pontos de tensão, focos de contradição que colocam dificuldades para que o status quo se reproduza continuamente. De qualquer maneira, a sociologia da educação que segue a orientação marxista ainda se encontra bastante presa à ideia de que um conflito central (capital versus trabalho) divide a sociedade. Então, quando fala nas mudanças sociais que a educação pode promover, ela está pensando em termos das transformações restritas ao resultado desse conflito. Muito embora se possa aceitar que o conflito entre o operariado e a burguesia seja importante para se compreender as transformações nas sociedades capitalistas, fica difícil aceitar que todas as mudanças sociais decorram da luta de classes ou estejam diretamente relacionadas a ela. O conflito de gerações, a revolução sexual dos anos 60, os movimentos feministas, ecológicos, dos homossexuais, das minorias étnicas, dos povos indígenas, a luta contra os movimentos neonazistas na Europa e muitos outros possuem especificidades que impedem que os vejamos como meros reflexos da luta de classes. Podemos dizer que todos esses movimentos não têm tido suas explicações através da noção de luta de classes. Além disso, é evidente que, por sua vez, esses movimentos acabam acarretando mudanças na estrutura social. Uma outra maneira de minimizar o poder de a educação promover a mudança social consiste em afirmar que ela apenas difunde aquilo que foi criado em outras esferas da vida social. Sob certo ponto de vista, essa afirmação é correta. E aqui estamos tratando da maneira como a educação poderia contribuir para a mudança social. Se a educação realmente atuar como agente promotor de mudança, essa atuação se dará devido à força das ideias e das atitudes que ela difunde. Não há como negar que grande parte do que a educação transmite foi criado nos setores tecnológicos, científicos, artísticos e filosóficos, isto é, por grupos não ligados diretamente ao campo educacional. Assim, o potencial transformador da educação está no sucesso que tem em fazer com que sejam aceitas socialmente ideias e práticas que contribuem para desencadear ou acelerar o processo de mudança em algumas esferas da vida social. A educação, num sentido mais amplo, e a escola, num sentido mais restrito, têm grande poder de difundir novas visões, valores e atitudes que podem alterar radicalmente as instituições sociais. Elas difundem novas definições das situações que, caso aceitas, farão com que os indivíduos tenham opções de escolha para a transformação das estruturas. Não podemos deixar de citar que a educação, formal e informal, possibilita a difusão das inovações tecnológicas que causarão impacto na sociedade. Ela também pode difundir uma visão alternativa que alimentará o conflito social. Em suma, ela tem condições de fazer com que as causas necessárias à mudança – conflito, ideias, inovações tecnológicas, etc. – se tornem socialmente efetivas. FERREIRA, Roberto. Sociologia da educação. São Paulo: Moderna DUAS GRANDES TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA SOCIEDADE Podemos dizer que existem duas grandes tendências, duas correntes teóricas nas quais se encaixam as diferentes pro- posições explicativas sobre a realidade, que se aplicam, também, à explicação sobre a sociedade. São duas maneiras diferentes de encarar a realidade, também chamadas de cosmovisões ou visões de mundo. São duas formas de uma compreensão geral do universo que expressam a maneira como é representada a realidade e que, em certo sentido, determinam o pensamento e as ações de quem as aceita e as defende. Vários são os nomes atribuídos a essas duas visões de mundo. Nós chamaremos, neste trabalho, a primeira de “funcionalismo” e a segunda de “materialismo dialético”. Funcionalismo O termo “funcionalismo” sugere a ideia de funciona mento ou de função. De fato, o funcionalismo como visão de mundo supõe que a realidade está estruturada de uma forma especial, formando um sistema organizado em que tudo tem uma função. Na Sociologia, aqueles que se filiam a essa maneira de pensar costumam comparar a estrutura social com o organismo biológico. Dessa maneira, o mundo social é todo organizado para o seu bom funcionamento. Tudo tem a sua função e o bom funcionamento de cada parte colabora para o bom funcionamento do todo social. Os fatos sociais seriam considerados e explicados pelas relações sincroniza- das que têm com outros fatos sociais. Se os órgãos ou elementos do sistema funcionam de maneira integrada, então o todo funciona de maneira apropriada. Cada elemento é explicado pela sua função no processo global de manutenção e sobrevivência equilibrada da totalidade do organismo. Como podemos verificar, a analogia orgânica da sociedade é inspirada no funcionamento de um organismo vivo. Você deve se lembrar que o organismo vivo tem uma tendência para o equilíbrio. Na biologia, esse fenômeno recebe o nome de “homeostase”, isto é, a tendência à estabilidade do meio interno do organismo. É um mecanismo de auto regulação de que os organismos vivos se utilizam para que o seu estado de equilíbrio seja mantido. Na visão funcionalista de sociedade, haveria não apenas uma interdependência entre as partes que a compõem, mas também um estado normal de equilíbrio, da mesma maneira que existe a saúde no organismo. No entanto, para que essa auto regulação funcione adequadamente, é necessário que cada elemento ou órgão realize sua função. Se isso não ocorrer, o organismo tem suas chances de sobrevivência diminuídas, podendo mesmo chegar a morrer. Essas ideias são aplicadas pelos funcionalistas na compreensão da sociedade como estrutura em permanente equilíbrio. Isso não significa dizer, no entanto, que tudo funciona a contento na sociedade. As evidências estão aí para dizer o contrário. Esse funcionamento inadequado é explicado da mesma maneira que o mau funcionamento do organismo vivo. Como uma “disfunção”. Assim como o organismo vivo experimenta doenças que devem e precisam ser curadas para que o restabelecimento do todo seja possível, da mesma maneira a sociedade experimenta certas “disfunções”, como doenças sociais, que precisam ser tratadas e corrigidas para que o equilíbrio social possa existir. Então, na vertente funcionalista da Sociologia, o pressuposto é de que tudo está organizado efunciona no sentido da busca da harmonia. As coisas que funcionam são, em princípio, boas. Se não funcionam não são boas e, nesse caso, algo está errado, está disfuncional, e precisa ser corrigido. O funcionalismo tem uma estreita ligação com o positivismo. Alguns chegam, mesmo, a denominar essa visão de mundo de positivista-funcionalista. A palavra “positivismo” é originária do latim positum, que é o particípio passado do verbo pôr, ou seja, posto, colocado. A realidade social, por essa perspectiva, é o que está posto, o que está colocado, o que existe, o que está aí. Dessa maneira, podemos dizer que a visão de mundo funcionalista aplicada ao estudo da sociedade parte de alguns pressupostos, de algumas hipóteses, de acordo com o quadro abaixo: Essas hipóteses e a forma como o funcionalismo está estruturado permitem- nos assinalar algumas características próprias dessa filosofia. Uma delas é a visão extremamente otimista em relação à sociedade. A realidade social é a que está aí colocada, posta – positum – e funciona tendencialmente para a harmonia, o equilíbrio e a coesão. O processo social é avaliado, então, de maneira bastante tolerante. Uma consequência desse atributo é a perspectiva conservadora, ou seja, a sociedade tal como existe é um sistema global- mente desejável que precisa ser conservado. Por último, o que fazer com aquilo que não funciona dentro da normalidade esperável? Como tratar os elementos disfuncionais, que não se enquadram na harmonia, no equilíbrio? Esses elementos que atrapalham o bom funcionamento do organismo social não podem ser desconheci- dos, pois a sua existência é uma questão de constatação. A ideia funcionalista supõe que essas disfunções são acidentes de percurso que podem e devem ser corrigidos. Não fazendo parte da lógica de funcionamento da sociedade é necessário que essas disfunções sejam retificadas, reordenadas e reequilibradas, para que o organismo social volte a funcionar equilibradamente. A correção implica tornar o elemento disfuncional isento de erros, havendo a possibilidade de voltar ao bom caminho do equilíbrio. Essas correções, longe de promoverem uma alteração substancial na estrutura da sociedade, já que o ponto de partida é uma sociedade supostamente boa, caracterizam-se pela aplicação de reformas que visam a dar melhor forma aos elementos disfuncionais, melhorando e aprimorando a sua capacidade de bem funcionar, para que o bom funcionamento do corpo social esteja garantido. Funcionalismo hipóteses Estabilidade: a sociedade é um sistema relativamente estável. Equilíbrio: a sociedade é um sistema equilibrado de elementos. Funcionalismo: cada elemento contribui para o funcionamento da sociedade. Consenso: a sociedade se mantém pelo consenso espontâneo em torno de valores comuns. Funcionalismo características Otimismo: a sociedade coesa e harmônica. Conservadorismo: se a sociedade é positivamente avaliada, então deve-se conservá-la. Reformismo: a lógica de funcionamento da sociedade é a harmonia. Os conflitos são desvios que devem ser corrigidos, reformando a sociedade pontualmente na parte disfuncional. O materialismo dialético Você pode observar que a expressão “materialismo dialético”, para significar uma visão de mundo diferente do funcionalismo, já traz, em si mesma, a necessidade de compreensão das duas palavras que a compõem e que têm significados próprios, isto é, materialismo e dialética. Vamos iniciar, portanto, tentando dar uma noção básica sobre essas duas correntes de pensamento. Em sentido amplo, o “materialismo” afirma que a realidade é essencialmente material, ou depende da matéria. Em sentido mais restrito, afirma que a realidade humana assim o é. As condições materiais seriam suficientes para explicar todos os fenômenos. A “dialética” é um dos conceitos filosóficos mais antigos, complexos e controversos. Já os filósofos da Antiguidade utilizavam-se de metáforas que podem nos dar algumas noções de características importantes dessa maneira de ver o mundo. Na acepção moderna, a dialética é considerada como modo de pensar as contradições da realidade e de compreendê-la em permanente transformação. O filósofo chamado Heráclito de Éfeso (540 a.C. a 480 a.C.), por exemplo, afirmava, utilizando-se de uma linguagem poética e dialética, que “o mundo e os homens são um permanente devir”, isto é, são um permanente vir a ser, querendo dizer, com essa ideia, que nem o mundo nem o homem que nele habita estão prontos nem nunca estarão, pois sempre estão tornando-se algo diferente do que anteriormente eram. Essa metáfora nos indica uma importante característica da dialética, a da incompletude das coisas e da natureza, de uma permanente transformação. Em outra expressão sua , “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, assinalando outra marca dialética, a do movimento, da permanente transformação, do dinamismo que caracteriza a natureza e os homens. Nessa perspectiva, mesmo que nos banhemos no mesmo lugar em momentos diferentes, as águas do rio já não serão as mesmas e nós também não seremos, pois ambos já teremos mudado. Por fim, a ideia de uma permanente contradição que existiria em todas as coisas, manifestada pela frase “os homens são e não são”. Essa última característica demarca uma importante diferença entre a lógica dialética e a lógica formal, que praticamente moldou a maneira ocidental de pensar. Essa característica é a da contradição. Na lógica formal, ela é tratada como um dilema. Nessa perspectiva, os contrários são concebidos como opostos que se excluem, sendo impossível a convivência entre eles. Em nossa sociedade, esses opostos são tratados geralmente como dicotomias do tipo claro–escuro, verdadeiro–falso, pobreza–riqueza, masculino– feminino, bem–mal, vida–morte, dentre tantas outras conhecidas. Por serem tratados como dicotomias, esses polos de contradição só existem à medida que o seu oposto inexiste. Assim, uma realidade ou é boa ou é má, ou clara ou escura, ou masculina ou feminina. No campo da educação, muitas dessas dicotomias são intensamente aplicadas como valores que organizam o processo pedagógico, de modo especial a avaliação da aprendizagem, como as noções de bem e mal, verdadeiro e falso, certo e errado. Duas grandes tendências no estudo da sociedade Pois bem, qual é a novidade da dialética na maneira como trata esses contrários? É a de considerá-los não excludentes, mas explicativos um do outro. Assim, os contrários não se excluem, mas se unem. Esse é o sentido da frase de Heráclito, ao afirmar que os homens “são e não são” ao mesmo tempo. Lembre-se da expressão do famoso personagem de Shakespeare que, com uma caveira na mão impunha-se a resolver um dilema, seguindo os princípios da lógica formal: “ser ou não ser, eis a questão”. Fosse ele um personagem dialético, sua reflexão não seria excludente, mas se aproximaria de algo como “ser e não ser” ao mesmo tempo. Essa maneira de pensar considera que os opostos são partes de uma mesma realidade, que só pode ser explicada pela compreensão da contradição que a encerra. Talvez a ideia de pobreza e riqueza possa ajudá-lo(a) a compreender melhor a lógica dialética. Nesse caso, não há uma realidade isolada compreendida como pobreza e outra, também isolada, como riqueza. Na verdade, existe uma realidade social e econômica que gera a pobreza e a riqueza como faces de uma mesma moeda, uma não existindo sem a outra. Pois bem. Agora que já temos uma noção sobre o materialismo e sobre a dialética, podemos continuar nossa reflexão construindo uma compreensãosobre a visão de mundo materialista dialética, considerada a filosofia do marxismo. Como expressão, foi utilizada pela primeira vez depois da morte de Marx (provavelmente por Plekhanov, em 1891), mas as ideias centrais dessa filosofia foram concebidas por Marx e, especialmente por Engels. O materialismo dialético formou-se da junção de formas particulares do materialismo e da dialética, que se constituíam como duas filosofias burguesas: o materialismo mecanicista e a dialética idealista. O materialismo mecanicista, que inspirou as ideias iluministas, é uma doutrina que reduz os fenômenos a seus processos mecânicos, explicando-os por meio de mudanças puramente quantitativas. O idealismo é uma doutrina que considera que o pensamento, a consciência, as ideias, a vontade são os dados primários a partir dos quais se resolvem os problemas filosóficos. A essência do mundo, nesse sentido, não seria material. O cruzamento dessas duas filosofias foi realizado pela refutação das características especiais de cada uma delas. Assim, o mecanicismo do materialismo é rejeitado, da mesma maneira que o idealismo da dialética o é. Dessa forma, sobrevivem um materialismo e uma dialética que se juntam para formar uma outra filosofia, uma outra visão de mundo, diferente das anteriores. A união da dialética com o materialismo transforma cada um deles. O materialismo do materialismo dialético não é reducionista. Defende que material e ideal são diferentes e dialeticamente opostos, isto é, convivem como oposições dentro de uma mesma unidade, na qual a essência é material. A dialética do materialismo dialético, por sua vez, não é idealista. Afirma que a realidade concreta e objetiva é essencialmente contraditória. O conflito dos contrários é o que faz essa realidade avançar num processo de progressiva e constante transformação. Como filosofia do marxismo, a ideia central da dialética materialista é a de que o mundo não é um complexo de coisas acabadas, mas um conjunto de processos em constante movimento e incessantes transformações. A pretensão de Engels, exposta no livro Dialética da natureza, é a de constituir o materialismo dialético como uma “filosofia natural”, que toma as descobertas das ciências específicas e constrói generalizações. Isso ocorreria, inclusive, com a ciência social do “materialismo histórico”, ao qual nos referiremos mais tarde. As teorizações produzidas pelo materialismo dialético são enunciadas como leis gerais que regulam a natureza, a sociedade e o pensamento. Essas leis podem ser expressas da seguinte forma: Materialismo Dialético Princípio da totalidade: Tudo se relaciona. A natureza se apresenta como um todo coerente, onde objetos e fenômenos estão ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. Princípio do movimento: Tudo se transforma. As coisas são o seu devir. O movimento é qualidade inerente a todas as coisas. A negação da negação garante que cada síntese é a tese de uma nova antítese, reproduzindo indefinidamente o processo. Princípio da mudança qualitativa: o acúmulo de elementos quantitativos, num dado momento, produz o qualitativamente novo. A partir de certo limiar, dá-se a passagem da quantidade para a qualidade. Pelo “princípio da totalidade”, portanto, o princípio das coisas não está na individualidade, mas em sua totalidade. As coisas se interpenetram, interagindo entre si e com o todo. Nesse senti- do, ao isolar um dado da realidade para estudá-lo, o pesquisador o está privando de sentido, já que o seu entendimento só pode ser alcançado em relação ao todo do qual faz parte. Já pelo “princípio do movimento”, o materialismo dialético concebe que todas as coisas estão em permanente dinamismo. A realidade, e em especial a realidade social que nos interessa estudar, não é uma entidade acabada, mas em permanente transformação. Uma realidade é negada pelo seu oposto. Porém a negação não prevalece como tal, mas ambas, a realidade e a sua negação, são superadas por uma síntese, que é chamada de “negação da negação”. Assim, a realidade põe-se em permanente movimento, já que essa síntese será, também, provisória, pois será negada pelo seu contrário. O “princípio da mudança qualitativa” prevê que as transformações não se realizam sempre no mesmo ritmo. Pequenas mudanças quantitativas podem gerar uma alteração qualitativa caracterizada por transformações radicais. Engels exemplificou essa lei com o fenômeno da água colocada para ferver. O aumento gradativo na quantidade de graus de aquecimento acaba por chegar a um limite de temperatura, ao alcançar os cem graus centígrados, em que é possível observar uma alteração qualitativa no estado da água. Podemos, então, observar uma mudança que se caracteriza por um salto de qualidade, razão por que esse princípio é também denominado de “lei dos saltos”. Vejamos o que afirma o próprio Engels, ao analisar o princípio dialético em questão: [...] vamos apelar para outro testemunho da mutação da quantidade em qualidade, a saber, Napoleão. Ele descreve o combate da cavalaria francesa, cavaleiros inferiores, mas disciplinados, contra os mamelucos, indiscutivelmente a melhor cavalaria da época no combate individual, porém indisciplinada: Dois mamelucos eram indiscutivelmente superiores a três franceses; 100 mamelucos equivaliam a 100 franceses; 300 franceses eram, em geral, superiores a 300 mamelucos, e 1000 franceses venciam sempre 1500 mamelucos (ENGELS, 1968, p. 119). O “princípio da contradição universal”, essência da dialética materialista, supõe que essas transformações só podem ocorrer porque as forças opostas que residem em todas as coisas tendem à unidade e à oposição ao mesmo tempo. Esses elementos contraditórios não existem de maneira independente, mas coexistem numa realidade mais ampla. Assim, a pobreza não existe sem o seu oposto que é a riqueza, ou o proletariado não existe sem a burguesia. As duas tendências teóricas e suas aplicações Como acabamos de ver, existem duas grandes tendências na Sociologia – o funcionalismo e o materialismo dialético. Você percebeu que há características e ênfases em cada uma delas que demarcam as suas diferenças e, seguramente, os seus usos. A primeira visão, a “funcionalista”, apresenta a realidade, e em especial a sociedade, como algo que está colocado, está posto (positum, da palavra positivismo), devendo ser conservado para garantia do bom funcionamento do organismo social. Os grupos são absolutos e fechados em si mesmos. Não há nada que não tenha a sua função e esta, quando bem executada, assegura o bom funcionamento do todo. O mundo é, nessa perspectiva, todo organizado, tudo caminhando para a harmonia e para o equilíbrio. Essa teoria foi fortemente utilizada nos primórdios da Sociologia pela sua aproximação com o positivismo e pela necessidade de alçar a Sociologia ao status de conhecimento científico. Essa tendência teórica serviu, e ainda serve, como justificativa para a adoção de posturas conservadoras em relação à sociedade. Na verdade, podemos nos perguntar que grupos são beneficiados com essa teoria. A serviço de quê e de quem estão os valores que garantiriam a coesão social harmoniosa? Evidentemente, são as camadas privilegiadas as beneficiadas com essas assertivas teóricas, pois a elas interessa que tudo permaneça como está, com a promoção de pequenas mudanças que não alterem a estrutura da sociedade, mas sejam apenas uma passagem de uma posição de equilíbrio para outra. Para essas camadas sociais as disfunções não justificam mudanças na estrutura da sociedade, mas apenas pequenas alterações pontuais,localizadas, atingindo somente as partes da sociedade que estão disfuncionais. A segunda visão, a “materialista dialética”, ao contrário, promoveu a vocação crítica da Sociologia, que pressupõe que tudo o que é criado é histórico e, portanto, não é eterno. Assim como apareceu, em função de alguma circunstância, pode desaparecer, em função de outras circunstâncias. A estrutura social, nessa perspectiva, é transitória, propensa a mudanças que não sejam simples- mente arranjos de equilíbrio, mas transformações mais radicais, com redistribuição de poder. A sociedade não é, aqui, considerada como um organismo em permanente equilíbrio. Ao contrário, é entendida como um sistema de forças em desequilíbrio e conflito per- manentes. Nessa visão, nada está pronto, mas em permanente esta- do de incompletude. Por isso, a mudança é sempre possível, tendo em vista que todas as coisas estão todo tempo se completando, se aperfeiçoando, superando a contradição interna. A manutenção da sociedade, nessa perspectiva teórica, se dá não pelo consenso espontâneo de seus membros, mas pela coerção que alguns exercem sobre os demais. A sociologia baseada nessa tendência teórica não considera os grupos absolutos, mas, ao contrário, relativiza todas as coisas, dando ênfase à característica transitória do social. Aqui também podemos nos perguntar a quem pode interessar essa teoria, que grupos são beneficiados por ela. A história da própria construção do pensamento sociológico nos dá essa resposta, pois foi com base nessa tendência teórica que os movimentos de trabalhadores e a luta pela igualdade se apoiaram. Essas duas grandes tendências geraram teorias sociológicas a elas subordinadas e muitas delas, por sua vez, promoveram interpretações sobre a relação entre a educação e a estrutura social. Aplicaram, para usar nossa metáfora inicial, lentes sociológicas especiais para melhor enxergar o fenômeno social da educação. Nosso trabalho, a partir de agora, será o de identificar algumas das principais análises sociológicas da educação. Uma pergunta básica estará por trás de todas essas reflexões: para que a sociedade organiza a educação e qual sua função social? Vamos tentar responder a esse questionamento, analisando quatro diferentes interpretações sobre as relações entre a educação e a sociedade. Esperamos que, ao final deste trabalho, você tenha condições de analisar e de se posicionar quanto às diferentes concepções sobre a função social da educação e, em particular, da instituição escolar e do professor. Erasto Fortes Mendonça Universidade de Brasília Exercícios de fixação: 1) Elabore um pequeno texto sobre o processo de socialização. 2) Apresente resumidamente as duas principais teorias para o estudo da sociedade. Importante: Ao final desta unidade você deverá ser capaz de: 1. Compreender o processo de socialização. 2. Discorrer sobre as teorias que estudam a sociedade.
Compartilhar