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Benolt Mandelbrot 
OBJECTOS FRJ\CTF\15 
CIÊNCIAABERIA 
graâiva 
CIÊNCIA ABERrA 
1. O JOGO DOS POSSÍVEIS 
François Jacob 
2. UM POUCO MAIS DE AZUL 
H. Reeves 
3. O NASCIMENTO DO HOMEM 
Robert Clarke 
4. A PRODIGIOSA AVENTURA DAS PLANfAS 
Jean-Marie Pelli.Jean-Pierre Cuny 
5. COSMOS 
Carl Sagán 
6: A MEDUSA E O CARACOL 
Lewis Thomas 
7. O MACACO, A ÁFRICA E O HOMEM 
Yves Coppens 
8. OS DRAGÕES DO ÉDEN 
Carl Sagan 
9. UM MUNDO IMAGINADO 
June Goodfield 
10. O CÓDIGO CÓSMICO 
Heinz R. Pagels 
11. CIÊNCIA: CURIOSIDADE E MALDIÇÃO 
Jorge Dias de Deus 
12. O POLEGAR DO PANDA 
StephenJay Gould 
13. A HORA DO DESLUMBRAMENTO 
H. Reeves 
14. A NOVA ALIANÇA 
Ilya Prigogine/Isabelle Stengers 
15. PONTES PARA O INFINITO 
Michael Guillen 
16. O FOGO DE PROMETEU 
Charles LumsdenjEdward O. Wilson 
17. O CÉREBRO DE BROCA 
Carl Sagan 
18. ORIGENS 
Robert Shapiro 
19. A DUPLA HÉLICE 
James Wa!Son 
20. OS TRÉS PRIMEIROS MINUTOS 
Steven Weinberg 
21. .. ESTÁ A BRINCAR, SR. FEYNMAN!" 
Richard P. Feynman 
22. NOS BASTIDORES DA CIÊNCIA 
Sebastião J. Formosinho 
23. VIDA 
Francis Crick 
24. SUPERFOR,ÇA 
Paul Davies 
25. QED-A ESTRANHA TEORIA 
DA LUZ E DA MATÉRIA 
Richard P. Feynman 
26. A ESPUMA DA TERRA 
Claude Allegre 
27. BREVE HISTÓRIA DO TEMPO 
Stephen W. Hawking 
28. O JOGO 
Man[red Eigen/Ruthild ~inkler 
29. EINSTEIN TINHA RAZAO? 
Cli!Tord M. Will 
30. PARA UMA NOVA CIÊNCIA 
Steve_n Rose/Lisa Appignanesi _ 
31. A MAO ESQUERDA DA CRIAÇAO 
Jonh D. Barrow./Toseph Silk 
32. O GENE EGOfS'TA 
Richard Dawkins 
33. HISTÓRIA CONCISA DAS MATEMÁTICAS 
Dirk T- S!ruik 
34. CitN'CIA, ORDEM E CRIATIVIDADE 
David Bohm/F. David Peat 
35. O QUE É UMA LEI FfSICA 
Richard P. Feynman 
36. QUANDO AS GALINHAS 
TIVEREM DENTES 
StephenJay Gotlld 
37. ·NEM SEMPRE A BRINCAR, 
SR. FEYNMAN!• 
Richard P. Feynman 
38. CAOS- A CONSTRUÇÃO 
DE UMA NOVA CIÊNCIA 
James Gleick 
39. SIMETRIA PERFEITA 
Heinz R. Pagels 
40. ENTRE O TEMPO E A ETERNIDADE 
Ilya Prigogineflsabelle ~tengers 
41. OS SONHOS DA RAZAO 
Heinz R. ~agels 
42. VIAGEM AS ESTRELAS 
RobertJastrow 
43. MALICORNE 
H. Reeves 
44. INFINITO EM TODAS AS DIRECÇÕES 
Freeman T- Dyson 
45. O ÁTOM"O ASSOMBRADO 
P. C. W. Davies/T- R. Brown 
46. MATÉRIA PENSANTE 
· · Jean-Pierre Changeux/Aiain Cannes 
47. A NATUREZA REENCONTRADA 
Jean-Marie Pelt 
48. O CAMINHO QUE NENHUM 
HOMEM TRILHOU 
Carl Sagan/Richard Turco 
49. O SORRISO DO FLAMINGO 
StephenJay Gould 
50. EM BUSCA DA UNIFICAÇÃO 
Abdus Saiam/Paul DiracjWerner Heisenberg 
51. OBJECTOS FRACTAIS 
Benoit Mandelbrot 
52. A QUARTA DIMENSÃO 
Rudy Rucker 
53. DEUS JOGA AOS DADOS? 
Ian Stewart 
54. OS PRÓXIMOS CEM ANOS 
Jonathan Weiner _ 
55. IDEIAS E INFORMAÇAO 
Arno Penzias 
56. UMA NOVA CONCEPÇÃO DA TERRA 
Seiya Uyeda 
57. HOMENS E ROBOTS 
Hans Moravcc 
58. A MATEMÁTICA E O IMPREVISTO 
Ivar Ekcland 
BENOIT MANDELBROT 
OBJECTOS FRACTAIS 
Forma, Acaso e Dimensão seguido de PANORAMA DA LINGUAGEM FRACTAL 
TRADUÇÃO DE CARLOS FIOLHAIS 
E JOSÉ LUÍS MA,LAQUIAS LIMA 
A PARTIR DA 3.' EDIÇÃO FRANCESA, 
REVISTA PELO AUTOR 
gradiva 
Título do original francês: Les Objects Fractals 
© 1975, 1984, 1989 by Benoit Mandelbrot 
Tradução: Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima 
Revisão de texto: Manuel Joaquim Vieira 
Capa: Annando Lopes sobre a ilustração do conjunto de Mandelbrot 
Fotocomposição, paginação e fotólitos: A/fanumérico, Lda. 
Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. 
Direitos reservados para Portugal a: 
Gradiva- Publicações, Lda. 
Rua Almeida e Sousa, 21, r/c, esq. - Telefs.: 397 40 67 I 68 
1350 Lisboa 
2.• edição: Maio de 1998 
Depósito legal: 123 383/98 
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ln Memoriam, B e C. 
Para a Aliette 
PREFÁCIO DO TRADUTOR 
Quando, em Junho de 1990, o matemático francês Benolt 
Mandelbrot esteve em Lisboa para presidir à «Fractal 90», urna 
reunião científica sobre os objectos que lhe devem a pater-
nidade - os objectos fractais -, manifestou o desejo de ver 
publicada em portugês a terceira edição, datada de 1989, do 
seu livro francês Les Objects Fractals. A Gradiva acolheu logo 
com grande entusiasmo a ideia de editar o livro que agora sai 
do prelo. 
Esta edição portuguesa inclui, tal como a do original francês 
que lhe serviu de base, um Panorama Geral da Linguagem Fractal, 
que é um texto de síntese e de comentário sobre o lugar e o 
significado dos fraetais no quadro das ciências contemporâ-
neas. Porém, e por especial deferência do autor, o presente 
texto do Panorama aparece bastante modificado e acrescentado. 
A bibliografia foi actualizada com a referência a alguns dos tra-
balhos que, num fluxo crescente, têm vindo a ser publicados 
nos últimos anos. A fim de ajudar leigos que eventualmente 
queiram saber mais, incluem-se listas separadas de livros re-
centes de divulgação, que de algum modo colocam a ênfase 
nos fractais, assim corno de livros sobre computadores e gráfi-
cos, que discutem o caos e os fractais, e, finalmente, livros para 
os mais novos. O primeiro e hoje já histórico texto, Objectos 
Fractais, foi expurgado (pelo menos assim se crê ... ) de 
pequenas gralhas presentes no original. Os tradutores preten-
7 
dem agradecer ao autor o interesse com que acompanhou esta 
edição e a amabilidade com que sempre respondeu às dúvidas 
que um trabalho de tradução naturalmente suscita. 
A palavra «fractal» é um neologismo introduzido por B. 
Mandelbrot e que entretanto já entrou nas mais diversas lín-
guas. Surge, com este livro e de forma oficial, na língua portu-
guesa. Embora, na comunidade científica nacional, o número 
de utentes da geometria fractal seja ainda escasso, o número de 
pessoas, estudantes, cientistas ou simples leigos que a desco-
brem e por ela se entusiasmam cresce dia a dia. O pintor Lima 
de Freitas, por exemplo, encontra nessa geometria a inspiração 
para algumas das suas últimas obras, julgando ver na arte ma-
nuelina reminiscências da «fractalidade» (outro neologismo!). 
Mandelbrot oferece-nos, com os fractais, uma maneira nova 
não só de usar a matemática, como de ver e conhecer o mundo, 
natural ou artificial. Mostra-nos como esse instrumento mo-
derno que é o computador abre fronteiras que são exploradas 
com esse velho aparelho que é o olho humano. Nos tempos 
manuelinos, a abertura de novas fronteiras não se fez sem 
«velhos do Restelo». Ainda hoje os há, nomeadamente entre os 
(poucos) matemáticos que tinham de todo abdicado da visuali-
zação como elemento de descoberta. Os físicos, químicos, bió-
logos e geólogos, dispostos a aprender a forma das nuvens, 
dos agregados coloidais, dos fetos arbóreos ou das falhas tectó-
nicas, incluíram rapidamente a geometria fractal na sua caixa 
de ferramentas. Os leigos, por sua vez, dificilmente deixarão 
de ser percorridos por sentimentos estéticos quando contem-
plam objectos artificiais que mais parecem naturais ou vice-
-versa. Com os fractais, ganham, uns, intuições inéditas, outras, 
descrições diferentes e, outros ainda, emoções particulares. 
Com todos estes ganhos, é certamente bem-vinda a edi-
ção portuguesa dos Objectos Fractais. Parafraseando Fernando 
Pessoa: 
8 
O conjunto de Mandelbrot é tão belo corno a Vénus de Milo. 
E há cada vez mais gente a dar por isso 
Nova Orleães, Julho de 1991 
CARLOS FlOLHAIS 
PREFÁCIO DA 3.a EDIÇÃO FRANCESA, 
ACRESCIDA DE PANORAMA GERAL DA LINGUAGEM 
FRACTAL 
Foi a Roberto Pignoni que o editor Giulio Einaudi, de Turim, 
confiou a tradução dos meus Objectos Fractais. O empenho 
posto no seu trabalho por esse jovem matemático de Milão 
mostra que até o provérbio italiano mais bem provadoconhece 
algumas excepções e que não é impossível que o tradutor seja 
o melhor amigo do autor. A sua atenção às questões de estilo, 
com efeito, ajudou em muito à preparação desta nova edição. 
Apesar disso, a sequência mantém-se praticamente inalterada. 
No momento em que escrevo estas linhas, um terna em foco 
na comunidade dos «fractalistas» é o dos «rnultifractais». 
O capítulo IX mostra que desde 1975 me apercebi da necessi-
dade de discutir este assunto. 
Foram precisos quase dez anos para que esse tópico tivesse 
verdadeiramente «pernas para andar». Mas não há dúvida de 
que agora tem boas pernas: aqui, corno, de resto, em todas as 
áreas de estudo dos fractais, realizaram-se progressos extraor-
dinários ao longo dos últimos treze anos. 
Corno levar em conta estes progressos sem pôr em causa um 
livro que tem vindo a dar provas desde 1975? Poder-se-ia ter 
simplesmente acrescentado urna lista de sucessos e meios 
sucessos, mas não seria possível mantê-la relativamente curta 
sem a reduzir a urna tabela de assuntos bastante indigesta. Era, 
por isso, mais recomendável descrever algumas das orien-
tações principais do passado recente. 
9 
Foi assim que o capítulo XVI foi aliviado dos seus pós-escri-
tos prospectivas e que o prefácio da 2.• edição foi reduzido. Os 
mesmos papéis são desempenhados, bastante mais em porme-
nor, por uma espécie de «suplemento» intitulado Panorama 
Geral da Linguagem Fractal. Este texto inédito pretende dar uma 
ideia do estado actual da teoria e das suas aplicações. Delibe-
radamente, não é numerado como capítulo. 
As duas partes deste livro correspondem a necessidades 
diferentes e não é forçoso que sejam lidas pela ordem apresen-
tada. Por um lado, era conveniente manter um texto que tem 
vindo a dar provas desde 1975. Mas, por outro lado, uma certa 
actualização afigurava-se adequada. 
Convém ainda assinalar dois pontos relativos à apresenta-
ção. Para evitar uma possível interrupção da continuidade do 
texto, as figuras são agrupadas no final de cada capítulo. A fim 
de facilitar a sua localização, cada figura é designada pelo 
número da página em que se encontra inserida. Um nome de 
autor seguido por uma data, como Dupont 1979, remete para 
a bibliografia que pode ser encontrada no final do livro. 
Quando necessário, o ano é seguido de uma letra. 
Primavera de 1989 
BENOIT MANDELBROT 
IBM, Yorktown Heights NY 10598 USA 
Yale University, New Haven CT 06520 USA 
PREFÁCIO DA 2.• EDIÇÃO FRANCESA (EXTRACTO) 
Esta edição difere pouco da de 1975, pois, ao rever o 
manuscrito com vista à sua reedição, verifiquei que não havia 
muitas arestas a limar. Talvez isto queira dizer que o livro 
depressa atravessou a idade ingrata em que se passa de moda, 
para atingir uma idade em que a moda deixa de ser impor-
tante. É cada vez menos um tratado, embora seja ainda uma 
introdução ao tema, bem como um documento de interesse 
histórico. Conserva ainda, como é evidente, as ambições loucas 
10 
da V edição. Por um lado, é ao mesmo tempo urna nova 
síntese matemática e filosófica e urna colecção de micro-
monografias respeitantes às minhas descobertas em diversos 
capítulos da ciência. Por outro lado, no entanto, dirige-se 
simultaneamente a públicos bastante díspares: pretende levar 
os especialistas das várias ciências a sonhar e a criar comigo. 
Para poder ser lido numa só noite, retirei do texto original 
diversos fragmentos inúteis. Deixou, por exemplo, de ser 
necessário prolongar a discussão sobre ideias que já não encon-
tram resistência. Da mesma maneira, muitos fragmentos mais 
rebuscados tornaram-se supérfluos, urna vez que certas conjec-
turas matemáticas, por mim formuladas em 1975, foram desde 
então demonstradas. Finalmente, não é agora necessário justi-
ficar-me pelo facto de a maior parte deste livro ser constituída 
por descrições sem a preocupação de explicar. 
Além disso, o estilo é agora mais suave, as ilustrações foram 
renovadas a partir dos originais ou seus equivalentes e foi 
acrescentado um léxico (novo capítulo xrn). O antigo capítulo 
xrn, enriquecido, transformou-se no novo capítulo XVI. 
Para conservar o carácter histórico e o tom de urna obra 
escrita em 1975, os raros acrescentos aparecem sob a forma de 
breves pós-escritos. Alguns termos pesados, corno apara e pas-
seio aleatório foram substituídos por outros que introduzi desde 
1975 e que considero preferíveis: trema e passeata. 
Para evitar alguns mal-entendidos maçadores, bastantes nós 
e seis, discretos, mas ambíguos, foram substituídos por eus 
directos e claros. É hoje um prazer verificar que o que era 
inédito no livro de 1975 (ver p. 25) era-o, em geral, por não ter 
sido julgado aceitável por urna apreciação cuidada e res-
peitável. Foi esse o caso do capítulo VI, o mais longo do livro 
e o primeiro a ser redigido. Tinha, por isso, razões para adop-
tar um tom inofensivo que evitasse intimidar. Mas, à força de 
argumentar que esta ou aquela minha tese deveria, no futuro, ser 
considerada por direito próprio, fiz crer a muita gente que a 
dita tese era aceite desde longa data. Quando isso é útil, esta 
edição esclarece que não era esse o caso. 
Março de 1984 
BENOiT MANDELBROT 
11 
CAPÍTULO I 
Introdução 
Ao longo deste ensaio, objectos naturais muito diversos, 
alguns dos quais, como a Terra, o céu e o oceano, nos são 
bastante familiares, são estudados com a ajuda de uma grande 
família de objectos geométricos, até agora considerados eso-
téricos e perfeitamente inúteis. Pretendo mostrar, pelo con-
trário, que estes objectos, pela sua simplicidade, diversidade e 
extraordinária extensão das suas novas aplicações, merecem 
ser rapidamente integrados na geometria elementar. Apesar de 
o seu estudo fazer parte de campos científicos diferentes, entre 
os quais a _ geomorfologia, a astronomia e a teoria da tur-
bulência, os objectos naturais em questão têm em comum uma 
forma extremamente irregular ou interrompida. Para os estu-
dar, concebi, aperfeiçoei e utilizei extensivamente uma nova 
geometria da natureza. 
A noção que lhe serve de fio condutor será designada por 
um de dois neologismos equivalentes, «objecto fractal» ou 
«fractal», termos que formei, pela necessidade que me surgiu 
com este livro, a partir do adjectivo latino fractus, que significa 
«irregular» ou «quebrado». 
Será necessário definir uma figura fractal de modo rigoroso, 
para em seguida dizer que um objecto real é fractal por se 
assemelhar à figura geométrica que constitui o modelo? Con-
siderando que um tal formalismo seria prematuro, adoptei um 
método muito diferente: um método baseado numa caracteri-
13 
zação aberta e intuitiva, onde os avanços se efectuam por 
retoques sucessivos. 
O subtítulo sublinha que o meu objectivo inicial consiste em 
descrever, a partir do exterior, a forma de diversos objectos. 
Logo que esta primeira fase seja bem sucedida, a prioridade 
transita de imediato da descrição para a explicação: da geome-
tria para a dinâmica, a física e por aí adiante. 
J O subtítulo indica ainda que, para conseguir a irregulari-
dade fractal, coloco a tónica sobre construções em que pre-
domina o acaso. 
Por fim, o subtítulo explicita que uma das características 
principais de todo o objecto fractal é a sua dimensão fractal, 
que será representada por D. Esta é uma medida do grau de 
irregularidade e de fragmentação. Um facto muito impor-
tante: ao contrário dos números dimensionais correntes, a 
dimensão fractal pode muito bem ser uma fracção simples, 
como 1/2 ou 5/3, ou mesmo um número irracional, como 
log 4/log 3 = 1,2618 ... ou 1t. Assim, é conveniente dizer, a 
respeito de certas curvas planas muito irregulares, que a sua 
dimensão fractal se situa entre 1 e 2, a respeito de certas 
superfícies muito enrugadas e cheias de pregas, que a sua 
dimensão fractal está entre 2 e 3e, enfim, definir conjuntos de 
pontos sobre uma linha cuja dimensão fractal está entre O e 1. 
Em certas obras matemáticas, diversas figuras conhecidas 
que eu incorporo entre os fractais são chamadas «figuras de 
dimensão fraccionária». Essa expressão é, porém, desagradá-
vel, pois não é costume chamar, por exemplo, a 1t uma fracção. 
Pior do que isso, há entre os fractais diversos objectos irregu-
lares ou quebrados para os quais D = 1 ou D = 2, mas que de 
forma nenhuma se assemelham a rectas ou planos. O termo 
«fractal» elimina todas às dificuldades associadas ao termo 
«fraccionária». 
A fim de sugerir quais os objectos que deverão ser conside-
rados fractais, comecemos por nos lembrar de que, no seu 
esforço para descrever o mundo, a ciência avança por séries de 
imagens ou modelos cada vez mais «realistas». Os mais sim-
ples são objectos contínuos perfeitamente homogéneos, como 
um fio ou um cosmo de densidade uniforme, ou um fluido de 
temperatura, densidade, pressão e velocidade também unifor-
14 
mes. A física conseguiu triunfar identificando vários domínios 
em que essas imagens são extremamente úteis, particularmente 
como pontos de partida para diversas correcções. Noutros 
domínios, contudo, a realidade revela-se de tal modo irregular 
que o modelo contínuo e perfeitamente homogéneo fica muito 
aquém das expectativas, não podendo sequer servir como pri-
meira aproximação. São domínios nos quais a física encalhou 
e sobre os quais os físicos preferem nem sequer falar. (P.-5. Isto 
seria válido em 1975, mas é-o cada vez menos hoje em dia.) 
Para introduzir estes domínios e dar, ao mesmo tempo, uma pri-
meira indicação sobre o método que propus para os abordar, 
passo a citar alguns parágrafos do prefácio ignorado de uma 
obra que, apesar disso, é célebre: Les Atomes1 (Perrin 1913). 
Onde Jean Perrin evoca objectos familiares 
com forma irregular ou quebrada 
[ ... ] Mais para o leitor que acabou de ler este livro do que 
para aquele que vai iniciar a leitura, gostaria de fazer alguns 
comentários cujo interesse poderá ser o de dar uma justifi-
cação objectiva a certas exigências lógicas dos matemáticos. 
Todos sabemos como, antes de dar uma definição rigo-
rosa, se faz notar aos principiantes que eles já têm a ideia de 
continuidade. Traça-se-lhes uma curva bem perfeita e diz-se, 
colocando uma régua sobre este contorno: «Como podem 
ver, em cada poi,lto está definida uma tangente.» Ou ainda, 
para dar a definição um pouco mais abstracta da velocidade 
real de uma partícula num dado ponto da sua trajectória, 
explicar-se-ia: «Conforme a vossa intuição indica, a veloci-
dade média entre dois pontos vizinhos, nesta trajectória, não 
varia apreciavelmente quando os dois pontos se aproximam 
indefinidamente um do outro.» E, com efeito, muita gente 
verifica que para certos movimentos familiares assim parece 
ser, não se apercebendo do grande número de dificuldades 
que existem. 
1 Em português, Os Átomos. (N. dos T.) 
15 
16 
Os matemáticos, contudo, cedo notaram a falta de rigor 
destas considerações ditas geométricas e até que ponto, por 
exemplo, é ingénuo pretender demonstrar pelo desenho de 
uma curva que toda a função contínua admite uma deri-
vada. Se é verdade que as funções com derivada são as 
mais simples, as mais fáceis de tratar, também é verdade 
que elas são a excepção, e não a regra. Ou, se se preferir 
uma linguagem geométrica, as curvas que não possuem 
tangente são a regra, enquanto as curvas regulares, como a 
circunferência, são casos, apesar de interessantes, muito par-
ticulares. 
Numa primeira abordagem, tais restrições parecem não 
passar de um exercício intelectual, sem dúvida engenhoso, 
mas definitivamente estéril e artificial, onde o desejo de 
perfeição é levado até à obsessão. E é frequente que pessoas 
a quem se fala de curvas sem tangentes ou de funções sem 
derivadas comecem por pensar que, como é evidente, na 
natureza não existe esse tipo de complicações, pelo que ela 
não sugere uma tal ideia. 
É, contudo, o contrário que é verdadeiro e a lógica dos 
matemáticos manteve-os mais próximos da realidade do que 
se tivessem recorrido às representações práticas usadas 
pelos físicos. Isto pode ser visto se divagarmos um pouco, 
sem ideias preconcebidas de simplificação, sobre certos 
dados de carácter experimental. 
Esse tipo de dados surge frequentemente quando se estu-
dam os colóides. Observem-se, por exemplo, os flocos bran-
cos produzidos numa solução de sabão quando nela se 
mistura sal. De longe, o seu contorno parece ser bastante 
simples, mas essa simplicidade depressa se desvanece à 
medida que nos aproximamos. O olho não é mais capaz de 
fixar a tangente a um ponto: uma recta que à primeira vista 
parece tangente, se se olhar com atenção, depressa poderá 
parecer perpendicular ou oblíqua ao contorno. Se se utilizar 
uma lupa ou um microscópio, a incerteza mantém-se, pois 
de cada vez que se aumenta a ampliação se vêem surgir 
novas anfractuosidades, sem nunca se atingir a impressão 
simples e tranquilizante que nos dá, por exemplo, uma 
esfera de aço polido. De modo que, se esta esfera nos dá 
uma imagem útil da continuidade clássica, o nosso floco tam-
bém pode logicamente sugerir a noção mais geral de funções 
contínuas sem derivada. 
Convém deixar bem claro que a incerteza quanto à posi-
ção do plano tangente num ponto do contorno [de um floco] 
não é da mesma ordem que a incerteza que surgiria na deter-
minação da tangente a um ponto no litoral da Bretanha, con-
forme se utilizasse um mapa com uma ou outra escala. Ao 
variar a escala, mudaria também a tangente, mas esta estaria 
definida de cada uma das vezes. Isto acontece porque o mapa 
é um desenho convencional onde, por construção, toda a linha 
tem uma tangente. Pelo contrário, uma das características 
essenciais do nosso floco (como, de resto, do litoral bretão, se, 
em vez de o estudarmos num mapa, olharmos realmente para 
ele mais ou menos de perto) é que, qualquer que seja a escala, 
se supõe a existência de pormenores que, embora não possam 
bem ser vistos, nos impedem por completo de fixar uma tan-
gente. 
Permaneceremos na realidade experimental se, espreitando 
pela ocular de um microscópio, observarmos o movimento 
browniano que agita qualquer pequena partícula em suspensão 
num fluido. Para fixar uma tangente à sua trajectória, devere-
mos encontrar um limite, pelo menos aproximado, para a di-
recção do segmento de recta que une as posições desta partí-
cula em dois instantes sucessivos muito próximos. Ora, pelo 
que se pode ver da experiência, esta direcção varia aleatoria-
mente à medida que se diminui o intervalo entre esses dois 
instantes. De tal modo assim é que este estudo sugere a um 
observador sem preconceitos, mais uma vez, a função sem 
derivada e, de modo nenhum, a curva como tangente. 
P.-S. Dois graus de ordem no caos: 
a ordem euclidiana e a ordem fractal 
Abandonemos a leitura de Perrin (que podemos continuar 
em Les Atomes - ou na 1." edição deste livro), para discutir 
a importância histórica destes últimos comentários. Por volta 
17 
de 1920, eles devem ter perturbado o jovem Norbert Wiener 
e tê-lo estimulado a construir o seu modelo probabilístico do 
movimento browniano, que será útil por diversas vezes ao 
longo deste ensaio. Vamos, a partir de agora, servir-nos de um 
termo que Wiener gostava de utilizar para referir uma forma 
extrema de desordem natural. Esse termo, «caos», permite-nos 
notar que Perrin fez dois comentários distintos a respeito da 
geometria da natureza. Por um lado, ela é caótica e só deficien-
temente pode ser representada pela ordem perfeita das formas 
vulgares de Euclides ou do cálculo diferencial. Por outro lado, 
pode fazer lembrar a complicação das matemáticas que foram 
criadas por volta de 1900. 
Mas a influência dos comentáriosde Perrin parece ter-se 
resumido ao efeito que tiveram sobre Wiener. Foi à obra de 
Wiener que fui buscar a minha principal inspiração e só vim a 
tomar conhecimento da filosofia de Perrin quando este texto já 
se encontrava nos seus retoques finais. Já tinha concebido a 
ideia de que seria possível considerar certos fenómenos caóti-
cos por meio de diversas técnicas matemáticas que, por obra 
do acaso, se me tinham tornado familiares. Estas técnicas já se 
encontravam disponíveis, embora sofrendo uma reputação de 
serem inaplicáveis e «complicadas». Desenvolveu-se então 
uma nova «fornada» de utilizações dos fractais, distanciada da 
primeira no «mapa» das disciplinas científicas estabelecidas. 
Foi só bastante mais tarde, através de diversos processos de 
fusão e reorganização, que estas utilizações, entretanto já 
numerosas, se reuniram numa nova disciplina e numa nova 
maneira de ver as coisas. 
A geometria fractal é caracterizada por duas escolhas: a 
escolha de problemas no seio do caos da natureza, uma vez 
que descrever todo o caos seria uma ambição sem esperança 
e sem interesse, e a escolha de ferramentas no seio das 
matemáticas, pois procurar aplicações das matemáticas pelo 
simples facto de serem belas acabou sempre por causar dissa-
bores. 
Depois de progressivamente amadurecidas, estas duas 
escolhas criaram algo de novo: entre o domínio do caos des-
regulado e a ordem excessiva de Euclides existe agora a nova 
zona da ordem fractal. 
18 
Conceitos propostos como solução: 
dimensões efectivas, figuras e dimensões fractais 
Um dos fractais mais simples que podemos considerar é a 
trajectória do movimento browniano. Contudo, o modelo pro-
posto por Wiener já apresenta a característica surpreendente 
de ser uma curva contínua cuja dimensão fractal toma um 
valor deveras anormal, nomeadamente D = 2. 
O conceito de dimensão fractal faz parte de uma certa 
matemática que foi criada entre 1875 e 1925. De um modo mais 
geral, um dos objectivos do presente trabalho é mostrar que a 
colecção de figuras geométricas criadas na altura, colecção que 
Vilenkin 1965 qualifica de «Museu de Arte» matemática e 
outros de «Galeria dos Monstros», pode igualmente ser visi-
tada na qualidade de «Palácio das Descobertas»2• Para esta 
colecção muito contribuiu o meu mestre Paul Lévy (grande 
mesmo naquilo que tinha de anacrónico, conforme evoco no 
capítulo XV), ao colocar a tónica sobre o papel do acaso. 
Estas figuras geométricas nunca tiveram quaisquer hipóte-
ses de entrar no campo do ensino, mal passando do estado de 
espantalho «moderno» que, mesmo a título de exemplo, era 
demasiado específico para merecer qualquer atenção. Pre-
tendo, com este trabalho, dar a conhecer essas figuras através 
das utilizações que lhes encontrei. Demonstro que a carapaça 
formalista que as isolou impediu a revelação do seu verda-
deiro significado: do facto de estas figuras terem algo de extre-
mamente simples, concreto e intuitivo. 
Mostro não só que elas são realmente úteis, mas também 
que podem ser rapidamente uitilizadas, com um formalismo 
muito reduzido. Não exigem quase nenhum daqueles prelimi-
nares formais onde, conforme a experiência mostra, alguns 
encontram um deserto intransponível e outros um paraíso de 
onde não querem sair. 
É minha convicção profunda que frequentemente se perde 
mais do que se ganha com a abstracção forçada ou com o 
' O <<Palácio das Descobertas» é um museu interactivo de ciência em Paris. 
(N. dos T.) 
19 
relevo dado ao perfeccionismo e à proliferação de conceitos e· 
termos. Não sou o último a lamentar que as ciências menos 
exactas, aquelas cujos próprios princípios são menos certos, 
tendam a ser as mais preocupadas com a axiomática, o rigor 
e a generalidade. Sinto-me, por isso, feliz por ter descoberto 
diversos exemplos originais, nos quais, de uma maneira 
clássica, forma e conteúdo se apresentam intimamente ligados. 
Antes de passarmos às dimensões que podem ser frac-
cionárias, necessitamos de compreender melhor a noção de 
dimensão na perspectiva do seu papel na física. 
Antes de mais nada, sabemos da geometria elementar que 
um ponto isolado, ou um número finito de pontos, constitui 
uma figura de dimensão zero. Que uma recta, bem como qual-
quer outra curva-«padrão» - querendo este epíteto dizer que 
se trata da geometria normal criada por Euclides-, consti-
tuem figuras de dimensão um. Que um plano, ou qualquer 
outra superfície-«padrão», constituem figuras de dimensão 
dois. Que um cubo tem dimensão três. A estas coisas que toda 
a gente sabe, diversos matemáticos, a começar por Hausdorff 
1919, acrescentaram que certas figuras idealizadas têm dimen-
sões não inteiras. Estas podem ser fracções, como, por exem.;. 
pio, 1/2, 3/2, 5/2, mas são mais frequentemente números 
irracionais, como log 4/log 3"" 1,2618 ... , ou mesmo soluções de 
equações complicadas. 
Para caracterizar essas figuras, poder-se-ia começar por 
dizer, de um modo grosseiro, que uma figura cuja dimensão se 
situe entre 1 e 2 deverá ser mais «afilada» que uma superfície 
ordinária, sendo, contudo, mais «maciça» que uma linha ordi-
nária. Em particular, se se tratar de uma curva, deverá ter uma 
superfície nula, mas um comprimento infinito. Da mesma 
maneira, se a sua dimensão estiver compreendida entre 2 e 3, 
deverá ter um volume nulo e uma superfície infinita. Portanto, 
este texto começa por dar exemplos de curvas que não se 
estendem indefinidamente, mas onde a distância entre quais-
quer dois pontos é infinita. 
O formalismo essencial, no que respeita à dimensão fractal, 
já está portanto publicado há muito tempo, embora se man-
tenha ainda propriedade intelectual de um pequeno grupo de 
matemáticos puros. Era frequente ler, aqui e ali, a opinião de 
20 
que esta ou aquela figura que eu apelido de fractal era tão bela 
que teria forçosamente de, onde quer que fosse, servir para 
alguma coisa. Mas essas opiniões não faziam mais que trans-
mitir urna esperança desprovida de substância, enquanto os 
capítulos seguintes propõem realizações efectivas, abrindo o 
caminho a teorias precisas e em pleno desenvolvimento. Cada 
capítulo estuda urna classe de objectos concretos, dos quais se 
pode dizer que, à semelhança do que acontece com as figuras 
ideais que já referimos, têm urna dimensão física efectiva com 
um valor anormal. 
Mas o que vem a ser exactamente uma dimensão física 
efectiva? Esta é urna noção intuitiva que remonta a um estado 
arcaico da geometria grega, mas que merece ser retornada, 
elaborada e de novo respeitada. Refere-se às relações entre 
figuras e objectos, designando o primeiro termo idealizações 
matemáticas e o segundo dados da realidade. Nesta perspec-
tiva, um véu, um fio ou urna pequena bola - por muito finos 
que sejam - deverão ser representados por figuras tridimen-
sionais, da mesma maneira que urna bola grande. 
Mas, de facto, qualquer físico sabe que essa não é a maneira 
de proceder e que é muito mais prático considerar que um véu, 
um fio ou urna bola que sejam suficientemente finos têm 
aproximadamente dimensões 2, 1 e O. 
Esclareçamos melhor: nem as teorias referentes à bola nem 
as referentes à linha ideal descrevem um fio de forma com-
pleta. Nos dois casos é necessário introduzir «termos correcti-
vos», sendo certo que se vai preferir o modelo geométrico que 
exige o menor número de correcções. Se se tiver sorte, essas 
correcções serão tais que, mesmo omitidas, o modelo continua 
a dar urna boa ideia daquilo que se está a estudar. Por outras 
palavras, a dimensão física tem, inevitavelmente, uma base 
pragmática, logo subjectiva. Trata-se de urna questão do gr!iu 
de resolução. 
Para o confirmar, mostremos que um novelo com 10 cm de 
diâmetro feito de um fio com 1 mm de diâmetro possui, de 
·uma forma um pouco latente, diversas dimensões efectivas 
distintas. Se seusar um grau de resolução de 10 rn, trata-se de 
um ponto e, portanto, de urna figura de dimensão zero. Para 
um grau de resolução de 10 cm trata-se de uma bola tridimen-
21 
sional. Para urna resolução de 10 mm é um conjunto de fios e, 
portanto, urna figura unidirnensional. Para um grau de reso-
lução de 0,1 mm, cada fio transforma-se numa espécie de 
coluna e o todo volta a ser tridimensional. Para um grau de 
resolução de 0,01 mm, cada coluna resolve-se em diversas 
fibras filiforrnes e, de novo, o todo é unidimensional. Numa 
análise mais apurada, o novelo é representado por um número 
finito de átomos pontuais e o todo tem, mais urna vez, dimen-
são zero. E assim por diante: o valor da dimensão não pára de 
variar! 
A dependência de um resultado numérico das relações entre 
o objecto e o observador está bem no espírito da física deste 
século, de que é mesmo urna ilustração particularmente exem-
plar. Com efeito, no mesmo sítio onde um observador vê urna 
zona bem separada das suas vizinhas, com um certo D carac-
terístico, um segundo observador não verá mais do que urna 
zona de transição gradual, que pode até não merecer um 
estudo separado. 
Os objectos tratados neste livro têm, também eles, urna série 
de dimensões diferentes. A novidade é que onde - até agora 
- não se via mais do que zonas de transição, sem estrutura 
bem determinada, eu identifico zonas fractais em que a dimen-
são é quer urna fracção quer um inteiro «anormal», também ele 
descritivo de um estado irregular ou quebrado. Não tenho 
quaisquer problemas em reconhecer que a realidade de urna 
zona só fica plenamente estabelecida quando associada a urna 
verdadeira teoria dedutiva. Reconheço também ·que, tal· corno 
as entidades de Guilherme d'Occarn, as dimensões não se 
devem multiplicar para além do· necessário e que, em parti-
cular, certas zonas fractais podem ser demasiado estreitas para 
merecerem ser distinguidas. O melhor é adiar o exame de tais 
dúvidas para urna altura em que o objecto tenha sido bem 
descrito. 
É agora a ocasião oportuna para esclarecer quais são os 
domínios da ciência aos quais vou buscar os meus exemplos. 
É bem sabido que a descrição da Terra foi um dos primeiros 
problemas que o homem se colocou. Por intermédio dos Gre-
gos, a «geo-metria» deu lugar à geometria matemática. Entre-
tanto - corno acontece frequentemente no desenvolvimento 
22 
das ciências! -a geometria matemática depressa se esqueceu 
das suas origens, tendo apenas aflorado a superfície do pro-
blema original. 
Mas, por outro lado - coisa espantosa, ainda que a ela já 
nos tenhamos habituado -, «nas ciências naturais, a lingua-
gem da matemática revela-se mais eficaz do que seria razoá-
vel», citando a bonita expressão de Wigner 1960. «É um 
presente maravilhoso que nós nem compreendemos nem mere-
cemos. Devemos estar reconhecidos, esperando que ele con-
tinue a ser útil nas nossas investigações futuras e que, para o 
melhor ou para o pior, se estenda, para nosso prazer e talvez 
mesmo para nossa estupefacção, a outros ramos do conheci-
mento.» Por exemplo, a geometria herdada directamente dos 
Gregos explicou triunfalmente o movimento dos planetas, em-
bora continue a sentir algumas dificuldades com a distribuição 
das estrelas. Da mesma maneira, consegue dar conta do movi-
mento das marés e das ondas, mas não da turbulência atmos-
férica e oceânica. 
Em suma, este livro trata, em primeiro lugar, de objectos 
bastante familiares, mas demasiado irregulares para caírem na 
alçada da geometria clássica: Terra, Lua, céu, atmosfera e 
oceano. 
Em segundo lugar, consideramos brevemente diversos ob-
jectos que, apesar de não serem muito familiares, ajudam a 
esclarecer a estrutura daqueles que o são. Por exemplo, a dis-
tribuição dos erros em certas linhas telefónicas demonstrou ser 
um excelente utensílio de transição. Outro exemplo: a articula-
ção de moléculas orgânicas nos sabões (sólidos, não desfeitos 
em bolhas). Os físicos descobriram que a dita articulação é 
governada por um expoente de semelhança. E verifica-se que 
esse expoente é uma dimensão fractal. Se este último exemplo 
se generalizasse, o domínio de aplicação dos fractais alcançaria 
a teoria dos fenómenos críticos, um campo particularmente 
activo hoje em dia. 
(P.-S. Esta previsão cumpriu-se totalmente.) 
Todos os objectos naturais referidos até agora são «sis-
temas», no sentido de serem formados por muitas partes 
distintas, articuladas entre si, descrevendo a dimensão fractal 
um aspecto desta regra de articulação. Mas a mesma definição 
23 
também se aplica aos «artefactos». Uma diferença entre os 
sistemas naturais e artificiais é que, para conhecer os pri-
meiros, é necessário utilizar a observação ou a experiência, 
enquanto, para os segundos, se pode interrogar o respectivo 
criador. No entanto, existem artefactos de tal maneira com-
plexos, para os quais contribuíram diversas intenções de forma 
tão incontrolável, que o resultado acaba, pelo menos em parte, 
por se tornar um «objecto de observação». No capítulo XI 
encontraremos um exemplo, para o qual a dimensão fractal de-
sempenha um papel, nomeadamente um aspecto da organi-
zação de certos componentes de um computador. 
Examinaremos, finalmente, o papel da dimensão fractal em 
certas árvores de classificação que surgem na minha explicação 
da lei de frequências das palavras no discurso, bem como em 
certas árvores hierárquicas usadas para explicar a distribuição 
de uma forma particular de rendimento pessoal. 
Esta obra mistura, deliberadamente, 
a divulgação e o trabalho de descoberta 
Tendo já delineado o objectivo deste livro, precisamos agora 
de examinar o modo de o atingir. 
É feito um esforço constante para sublinhar quer a diversi-
dade dos assuntos abordados, quer a unificação permitida pela 
nova ferramenta fractal. É igualmente efectuado um esforço 
para desenvolver todos estes problemas desde as suas bases, a 
fim de tornar o texto acessível a um público não especializado. 
Finalmente, para não· assustar inutilmente aqueles a quem não 
interessa a precisão matemática, todas as definições foram 
remetidas para o capítulo XIV. Nesta perspectiva, estamos aqui 
perante uma obra de divulgação. 
Além disso, este trabalho apresenta algumas aparências de 
um trabalho de erudição, devido ao grande número de aspectos 
históricos que fiz questão de recordar. Isso não é costume em 
ciência. No caso presente, a maior parte destes aspectos só me 
despertaram a atenção demasiado tarde para, de alguma ma-
neira, influenciarem o desenvolvimento dos meus trabalhos. 
Mas a história das ideias é um assunto que me apaixona. 
24 
Acresce o facto de as minhas teses principais terem começado 
diversas vezes por enfrentar a incredulidade. A sua novidade 
era portanto evidente, embora eu tivesse fortes razões para as 
procurar enraizar. Pus-me então a buscar activamente prede-
cessores, em vez de lhes procurar fugir. 
Entretanto - valerá a pena insistir? - a procura das origens 
está sujeita a controvérsias. Por cada autor antigo a quem 
reconheço urna ideia boa e bem expressa arrisco-me a encon-
trar um seu contemporâneo -por vezes o mesmo autor, num 
contexto diferente - a desenvolver a ideia oposta. Poderemos 
louvar Poincaré por ter concebido aos 30 anos ideias que iria 
condenar aos 55, sem parecer recordar-se dos seus pecados de 
juventude? E que fazer quando os argumentos eram tão fracos, 
quer num lado quer no outro, que os dois autores se conten-
taram em anotar as respectivas ideias, sem se darem ao tra-
balho de as defender e fazer aceitar? Se os nossos dois autores 
passaram despercebidos, será melhor deixá-los cair no esqueci-
mento? Ou será nosso dever atribuir um pouco de glória pós-
tuma àquele com quem concordamos, ainda que (sobretudo 
porque?) ele tenha sido incompreendido? Será, além disso,necessário fazer reviver personagens cuja memória já desa-
pareceu, urna vez que só se empresta dinheiro a quem já é rico 
e frequentemente a obra de alguém só é aceite graças à auto-
ridade superior de um outro que a adopta e lhe assegura a 
sobrevivência sob o seu nome? 
Stent 1972 leva-nos a concluir que estar à frente do seu 
tempo não merece mais do que a compaixão do esquecimento. 
Pelo meu lado, não pretendo resolver os problemas do pa-
pel dos percursores. (P.-S. 1989. E confesso que o meu inte-
resse pela história das ideias é por vezes acompanhado por 
uma certa ponta de amargura. Com efeito, a experiência 
mostrou que alguém que, não só reconheça, mas também 
procure activamente predecessores, está a dar armas a quem o 
pretenda denegrir.) Apesar de tudo, continuo a pensar que o 
facto de alguém se interessar não só pelas ideias que tiveram 
sucesso, mas também pelas que foram esquecidas, é bom para 
o espírito do sábio. Desejo por isso conservar os laços com o 
passado e realço alguns deles nos esboços biográficos do 
capítulo XV. 
25 
Mas tudo isto pouca importância tem. O objectivo essencial J 
deste trabalho consiste em fundar uma nova disciplina científica. 
Antes de mais nada, o tema geral, o da importância concreta 
das figuras de dimensão fraccionária, é inteiramente novo. 
Mais especificamente, quase todos os resultados que serão dis-
cutidos se devem, em grande parte ou na sua totalidade, ao 
autor deste trabalho. Muitos são inéditos. Trata-se aqui, então 
e antes de tudo, de apresentar trabalhos de investigação. 
Será conveniente reunir e tentar divulgar teorias recém-nas-
cidas? A minha esperança é que o leitor julgue por si mesmo. 
Antes de encorajar alguém a conhecer novas ferramentas de 
pensamento, julgo conveniente caracterizar qual, na minha opi-
nião, será a contribuição destas. O progresso dos formalismos 
matemáticos nunca foi o meu objectivo principal, mas sim um 
efeito secundário, e, de qualquer maneira, tudo o que eu possa 
ter feito nesse sentido não tem lugar neste ensaio. 
Algumas aplicações menores limitaram-se a pôr em prática 
e a baptuzar conceitos já antes conhecidos. Não foi mais do 
que um primeiro passo. Quando (frustrando as minhas espe-
ranças) não for seguido por outros, terá um interesse simples-
mente estético ou cosmético. A matemática, sendo uma lingua-
gem, serve não só para informar, mas também para seduzir, 
sendo necessário estar de sobreaviso em relação às noções que 
Henri Lebesgue tão bem descreveu como «certas novidades 
que não servem para mais nada do que para serem definidas». 
Felizmente que o meu empreendimento evitou esse risco. 
Com efeito, na maioria dos casos, os conceitos de objecto 
fractal e de dimensão fractal são inteiramente positivos e 
contribuem para o desenvolvbimento de algo fundamental. 
Eles atacam (como diria H. Poincaré) não as questões que 
uma pessoa se coloca, mas as questões que se colocam a 
elas próprias com insistência. Com o fim de o realçar, esforço-
-me, sempre que possível, por partir daquilo a que podemos 
chamar um paradoxo do concreto. Preparo o cenário, mos-
trando como dados experimentais, obtidos de diversas formas, 
se parecem contradizer. Se cada uma dessas formas, se 
parecem contradizer. Se cada uma dessas formas é incon-
testável, esforço-me por defender que o quadro conceptual, no 
seio do qual inconscientemente as interpretamos, é radi-
calmente inapropriado. Concluo, resolvendo cada um desses 
26 
paradoxos com a introdução de um fractal e de uma dimensão 
fractal- introduzidos sem dor e quase sem que ninguém se 
aperceba. 
A ordem de apresentação é, em grande parte, regida pela 
comodidade de exposição. Por exemplo, esta obra começa com 
problemas sobre os quais o leitor, provavelmente, pouco reflec-
tiu, não tendo portanto ideias preconcebidas sobre o assunto. 
Além disso, a discussão encetada nos capítulos II e III termina 
no capítulo VII, numa altura em que o leitor estará já familiari-
zado com o pensamento fractal. 
A exposição é facilitada pela multiplicidade de exemplos. 
Com efeito, temos pela frente a exploração de um bom número 
de temas distintos, resultando que cada teoria fractal os aborda 
por uma ordem diferente. Por conseguinte, todos estes temas 
se unirão sem esforço, ainda que eu me proponha desenvolver 
apenas as partes de cada teoria que não envolvam grandes 
dificuldades técnicas. 
Sublinhemos que diversas passagens, um pouco mais com-
plicadas que a média da exposição, podem ser saltadas sem se 
perder o fio à meada e insistamos em que as figuras se encon-
tram no fim de cada capítulo. Inúmeros complementos do 
texto podem ser encontrados nas legendas, que fazem parte 
integrante do conjunto, enquanto diversos complementos de 
carácter matemático foram guardados para o capítulo XN. 
27 
CAPÍTIJLO II 
Quanto mede, afinal, 
a costa da Bretanha? 
Neste capítulo, o estudo da superfície da Terra serve como 
introdução a uma primeira classe de fractais, a saber, as curvas 
de dimensão superior a 1. Por outro lado, aproveitaremos a 
ocasião para ponderar diversas questões de aplicação mais 
geral. 
Considerando um pedaço de linha costeira numa região 
acidentada, vamos tentar determinar qual é o seu compri-
mento efectivo. É evidente que essa linha é, no mínimo, igual 
à distância em linha recta entre as duas extremidades da linha 
costeira que considerámos. Assim, se a costa fosse direita, o 
problema estaria resolvido neste primeiro passo. Contudo, 
uma verdadeira costa natural é extremamente sinuosa e, por 
conseguinte, muito mais longa que a dita distância em linha 
recta. 
É possível chegar a esta conclusão de diversas formas, 
mas, em qualquer dos casos, descobrir-se-á que o compri-
mento final é de tal maneira grande que se poderá considerar 
infinito, sem qualquer inconveniente prático. Quando, em 
seguida, se quiserem comparar os «conteúdos» de costas 
diferentes, não se poderão deixar de introduzir diversas for-
mas do conceito de dimensão fractat até agora propriedade 
exclusiva de um grupo restrito de matemáticos que nunca 
acreditaram na possibilidade de uma aplicação concreta do seu 
trabalho. 
29 
A diversidade dos métodos de medição 
Eis um primeiro método: Percorremos a costa com um 
compasso de abertura determinada T), começando cada passo 
no ponto em que terminou o anterior. O valor de T), multipli-
cado pelo número de passos, dará um comprimento aproxi-
mado L(T)). Se repetirmos a operação, com a abertura do 
compasso cada vez menor, verificar-se-á que L(T)) tende a 
aumentar constantemente, sem limite bem definido. Antes de 
discutir este facto podemos notar que o princípio do procedi-
mento acima descrito consiste, em primeiro lugar, em substi-
tuir o objecto que nos interessa, que é demasiado irregular, por 
urna curva mais manejável, pois que arbitrariamente suavizada 
ou «regularizada». A ideia geral é-nos dada por urna folha 
de alumínio, a qual pode ser utilizada para embrulhar urna 
esponja, sem chegar a seguir todo o contorno. 
Uma tal regularização é inevitável, mas ela pode igualmente 
ser conseguida de outras maneiras. Assim, pode-se imaginar 
um homem que caminhe ao longo da costa, percorrendo o 
caminho mais curto possível, garantindo, contudo, que nunca 
se afasta da linha costeira mais do que urna dada distância T). 
Depois repete-se o processo, tornando a distância máxima do 
homem à costa cada vez menor. Em seguida substitui-se o 
nosso homem por um r51to, depois por urna formiga e assim 
por· diante. Mais urna vez, quanto mais próximo o animal se 
mantiver da costa, mais longa será, inevitavelmente, a distân-
cia a percorrer. 
Ainda um outro método, caso se considere indesejável a 
assimetria que o segundo método estabelece entre a terra e o 
mar, consiste em considerar todos os pontos, quer de urna 
quer do outro, cuja distânciaà costa seja, no máximo, igual a 
T). Imaginamos, portanto, que a costa está coberta, o melhor 
possível, por urna fita com uma largura de 2T). Mede-se então 
a área da dita fita e divide-se esse valor por 2T), corno se a fita 
fosse um rectângulo. 
Quarto método: imagina-se um mapa, desenhado por um 
pintor pontilhista, servindo-se de «pontos» grossos, de raio T). 
Por outras palavras, cobre-se a costa, o melhor possível, com 
círculos de raio igual a T). 
30 
Deve ser desde já evidente que, ao dar a 11 valores cada 
vez menores, todos estes comprimentos aproximados aumen-
tam. Continuam ainda a aumentar quando 11 é da ordem 
do metro, ou seja, desprovido de qualquer significado geo-
gráfico. 
Antes de colocar questões sobre a regra que preside a esta 
tendência, asseguremo-nos do significado do que agora se 
acaba de estabelecer. Para isso refaçamos as mesmas medições, 
substituindo a costa selvagem de Brest do ano 1000 pela costa 
de 1975, que o homem dominou. A discussão acima ter-se-ia 
aplicado outrora, mas hoje tem de ser revista. Todas as formas 
de medir o comprimento «com a precisão de 11» continuam a 
dar um resultado sempre crescente até ao ponto em que a uni-
dade 11 desce abaixo de cerca de 20 m. Encontra-se então uma 
zona em que L(11) varia muito pouco, só recomeçando a 
aumentar quando 11 atinge valores da ordem dos 20 cm ou 
inferiores, ou seja, valores tão pequenos que o comprimento 
começa a ter em conta a irregularidade das pedras. Daí que, ao 
traçar um gráfico do comprimento L(11) em função do parâ-
metro 11, se encontre hoje uma espécie de patamar que não 
estaria presente antigamente. Ora, quando se pretende apanhar 
um objecto que não pára de se mexer, é melhor aproveitar logo 
que ele se imobilize, por um só instante que seja. Não será, por 
isso, muito difícil aceitar que um certo grau de precisão na 
medição do comprimento da costa de Brest se tornou intrín-
seco nos dias de hoje. 
Mas este «intrínseco» é inteiramente antropocêntrico, pois se 
refere ao tamanho das maiores pedras que o homem pode 
deslocar ou dos blocos de cimento que decide criar. A situação 
anterior não era muito diferente, uma vez que o 11 ideal para 
medir a costa não era nem o tamanho de um rato nem o de 
uma formiga, mas sim o tamanho de um homem adulto. 
Portanto, o antropocentrismo desempenhava já um papel, 
ainda que de uma forma um pouco diferente: de uma maneira 
ou de outra, o conceito, aparentemente inofensivo, de compri-
mento geográfico não é inteiramente «objectivo», nem nunca o 
foi. Na sua definição, o observador intervém de uma forma 
inevitável. 
31 
Dados empíricos de Lewis Fry Richardson 
Um estudo empírico da variação do comprimento aproxi-
mado, L(fl), pode ser encontrado em Richardson 1961. Este 
texto, que Lewis Fry Richardson nos deixou antes de morrer, 
contém a fig. 43 deste livro, a partir da qual se chega à con-
clusão de que L(T]) é proporcional a T}a. O valor do expoente a. 
depende da costa em causa e diversos bocados de uma mesma 
costa, considerados separadamente, permitem frequentemente 
chegar a valores de a. diferentes. Na perspectiva de Richard-
son, o número a. não tinha qualquer significado especial. Con-
tudo, este parâmetro merece-nos uma atenção mais cuidada. 
Primeiras formas da dimensão fractal 
A minha primeira contribuição para este domínio, quando 
Mandelbrot 1967 «exumou» - se me é permitido dizê-lo - o 
resultado empírico de Richardson de um recolhimento onde 
poderia ter ficado perdido para sempre, consistiu em interpre-
tar o parâmetro a.. Interpretei 1 + a. como uma «dimensão frac-
tal», designada por D. Reconheci, de facto, que cada um dos 
métodos de medição de L(T]), enumerados acima, corresponde 
a uma definição de dimensão, definição já usada nas matemáti-
cas p~ras, embora ninguém se tivesse lembrado de a aplicar a 
casos concretos. 
Por exemplo, a definição baseada na cobertura da costa por 
pontos grossos· de raio 11 é utilizada por Pontrjagin e Schnirel-
man 1932, a ideia da definição baseada na cobertura por uma 
fita de largura 211 é atribuída a Minkowski 1901 e outras defi-
nições estão ligadas à entropia-épsilon de Kolmogorov e 
Tihomirov 1959-1961. 
Contudo, estas definições, que depois serão exploradas no 
capítulo XIV, são demasiado formais para serem verdadeira-
mente elucidativas. 
Vamos agora examinar mais em pormenor um conceito 
geometricamente bem «mais rico», que é uma forma adul-
terada da dimensão de Hausdorff-Besicovitch, bem como o 
conceito simples e elucidativo de dimensão de homotetia. 
32 
Uma tarefa bem mais fundamental é a de representar e 
explicar a forma das costas, servindo-nos de um valor de D 
superior a 1. É o que faremos no capítulo VII. Basta aqui afir-
mar que a primeira aproximação conduz a D = 1,5, valor este 
demasiado grande para dar conta dos factos, mas que serve 
para melhor estabelecer a «naturalidade» do facto de a dimen-
são ser maior do que 1. A partir daí, quem quer que pretenda 
refutar os meus diversos motivos para considerar que, no caso 
de uma costa, se tem D > 1 não poderá retornar à posição 
ingénua que admitia sem reflexao D = 1: alguém que pense que 
assim é fica obrigado a justificar a sua posição. 
Dimensão fractal de conteúdo. 
Rumo à dimensão de Hausdorff-Besicovitch 
Se se admitir que diversas costas naturais têm, «na reali-
dade», comprimentos infinitos e que os seus comprimentos 
antropocêntricos não podem dar mais do que uma ideia extre-
mamente parcial, como poderemos comparar esses compri-
mentos? Como exprimir a ideia, solidamente enraizada, de que 
qualquer curva tem um «conteúdo» quatro vezes superior ao 
de qualquer dos seus quartos? Uma vez que infinito é igual a 
quatro vezes infinito, é sempre possível dizer que qualquer 
costa tem um comprimento quatro vezes superior ao de qual-
quer dos seus quartos. Contudo, este resultado não tem qual-
quer interesse. Felizmente, pode substituir-se o comprimento 
por uma quantidade melhor adaptada, graças a um procedi-
mento que iremos examinar em seguida. 
A motivação intuitiva desse procedimento parte dos seguin-
tes pressupostos: um conteúdo linear calcula-se somando 
todos os passos 11 não transformados - isto é, elevados à 
potência 1, que é a dimensão da recta-, enquanto o conteúdo 
de uma área formada por pequenos quadrados se calcula 
somando todos os lados desses quadrados elevados à potên-
cia 2 - que é a dimensão do plano. Procedamos então dessa 
maneira no caso da forma aproximada de uma costa que está 
implícita no primeiro método de medição dos comprimentos. 
Trata-se de uma linha quebrada, formada por pequenos seg-
33 
rnentos de comprimento TI e inteiramente coberta pela união de 
círculos de raio TI, centrados nos pontos utilizados na medição. 
Se elevarmos estes passos à potência D, podemos dizer que se 
obtém um «conteúdo aproximado na dimensão D». Ora veri-
fica-se que esse conteúdo aproximado varia pouco com TI· Por 
outras palavras, verifica-se que a dimensão definida formal-
mente acima se comporta da forma habitual: o conteúdo calcu-
lado em qualquer dimensão d inferior a D é infinito, ao passo 
que, para d superior a D, o mesmo conteúdo se anula, compor-
tando-se razoavelmente para d = D. 
Urna definição precisa de «conteúdo» deve-se a Hausdorff 
1919, tendo depois sido desenvolvida por Besicovitch. Ela é 
necessariamente delicada, mas as suas complicações (esbo-
çadas no capítulo XIV) não têm qualquer interesse nesta obra. 
Duas noções intuitivas essenciais: 
homotetia interna e cascata 
Ternos vindo a insistir, até agora, no aspecto caótico das 
costas consideradas corno figuras geométricas. Examinemos 
agora urna ordem que lhes está subjacente, nomeadamente o 
facto de os graus de irregularidade que se nos deparam nas 
diversas escalas serem aproximadamente iguais. 
É, com efeito, surpreendente que,se considerarmos urna 
baía ou urna península representada numa carta de 1/100 000 
e depois a reexaminarmos numa carta de 1/10 000, nos aper-
cebamos da existência, ao longo do seu contorno, de inúmeras 
sub-baías e subpenínsulas. Sobre urna carta de 1/1000 pode-
mos ver ainda surgir diversas sub-sub-baías e sub-subpenínsu-
las, e assim por diante. Não é possível prosseguir indefinida-
mente, mas pode-se, ainda assim, ir bastante longe, verificando 
que, embora as cartas correspondentes aos níveis sucessivos de 
análise sejam bastante diferentes naquilo que têm de especí-
fico, possuem sempre o mesmo carácter global, ou os mesmos 
traços genéricos. Por outras palavras, somos levados a crer 
que, a urna escala ampliada, um mesmo mecanismo foi res-
ponsável tanto pelos pequenos corno pelos grandes pormeno-
res das costas. 
34 
Pode-se imaginar esse mecanismo como uma espec1e de 
cascata ou, ainda melhor, como um fogo de artifício em anda-
res, onde cada andar é responsável por pormenores mais 
pequenos que o anterior. Estatisticamente falando, cada bo-
cado de uma costa assim produzido é homotético do todo -
excepto no que respeita aos pormenores, os quais não quere-
mos considerar. Diz-se que uma tal costa possui uma homo-
tetia interna, ou que é auto-semelhante. 
Sendo esta última noção fundamental, mas delicada, come-
çaremos por a apurar através de uma figura mais regular, que 
foi criada pelos matemáticos, sem contudo terem qualquer no-
ção da sua possível utilidade. Veremos, em seguida, como ela 
nos conduz à medição do grau de irregularidade das curvas 
pela intensidade relativa dos pequenos e grandes pormenores, 
e - no fim de contas - por uma dimensão da homotetia. 
Modelo muito grosseiro da costa de uma ilha: 
a curva em floco de neve de von Koch 
A cascata geométrica de uma costa pode ser simplificada, 
como o indicam as figs. 44-45. Suponhamos que um bocado da 
costa, traçado de forma simplificada à escala de 1/1 000 000, 
é um simples triângulo equilátero. O novo pormenor visível 
numa carta que represente um dos lados numa escala de 
3/1 000 000 é equivalente a substituir o terço central desse lado 
por um promontório em forma de triângulo equilátero, dando 
origem a uma figura formada por quatro segmentos iguais. 
Ampliando de novo a escala para 9/1 000 000, surge um novo 
pormenor, que consiste na substituição de cada um desses qua-
tro segmentos por outros quatro segmentos com a mesma 
forma, mas três vezes mais pequenos, formando diversos sub-
promontórios. Repetindo este procedimento indefinidamente, 
chega-se a um limite a que se dá o nome de «curva de von 
Koch» (von Koch 1904). Uma figura que Cesàro 1905 descreveu 
extasiadamente da seguinte forma: 
É esta semelhança entre o todo e as suas partes, ainda que 
infinitesimais, que nos leva a considerar a curva de von 
35 
Koch como uma linha mais maravilhosa que todas as outras. 
Se fosse dotada de vida, não seria possível aniquilá-la sem 
a suprimir por completo, pois ela sempre renasceria das 
profundezas dos seus triângulos, tal como a vida no uni-
verso. 
Trata-se, sem dúvida, de uma curva e, em particular, a sua 
área é nula. No entanto, cada etapa da sua construção, segun-
do todas as evidências, faz aumentar 4/3 o comprimento total, 
pelo que a curva de von Koch tem um comprimento infinito -
tal como uma costa. Além disso - o que é importante -, ela 
é contínua, mas não tem tangente em quase nenhum dos seus 
pontos. É um ser geométrico próximo de uma função contínua 
sem derivada. 
Qualquer tratado matemático que se refira a esta curva 
realça logo que se trata necessariamente de um monstro sem 
qualquer interesse. E o físico que o leia não pode deixar 
de estar de acordo. Aqui, contudo, esta conclusão não é legí-
tima, pois acabamos precisamente de introduzir a curva de 
von Koch como um modelo simplificado de uma costa. Se este 
modelo não é aceitável na prática, não é por ser dema-
siado irregular, mas, pelo contrário, porque - em comparação 
com a de uma costa - a sua irregularidade é demasiado sis-
temática. A sua desordem não é excessiva, mas sim insufi-
ciente! 
Vale a pena, a este propósito, citar dois grandes matemáti-
cos que, embora não tendo contribuído pessoalmente para a 
ciência empírica, provaram neste caso possuir um grandes 
sentido do concreto. Lévy 1970 escrevia: 
36 
Sem dúvida que a nossa intuição antevia o facto de a 
ausência de tangente e o comprimento infinito da curva 
estarem associados a pormenores infinitamente pequenos, 
que nunca poderíamos esperar desenhar. (Insisto neste 
papel da intuição, pois sempre me surpreendeu ouvir dizer 
que a intuição geométrica leva fatalmente a pensar que toda 
a função contínua é derivável. Desde a primeira vez que 
encontrei a noção de derivada que a minha experiência 
pessoal me tem provado o contrário.) 
Ainda no mesmo espírito, resumindo um estudo apaixo-
nante (mas que nunca chegou à noção de dimensão), Steinhaus 
1954 escrevia: 
Aproximamo-nos da realidade ao considerar que a maio-
ria dos arcos que surgem na natureza não são rectificá-
veis. Esta afirmação é contrária à crença de que os arcos 
não rectificáveis são uma invenção dos matemáticos e que 
os arcos naturais são rectificáveis: o contrário é que é ver-
dade. 
Tentei procurar outras citações no mesmo estilo, mas não as 
encontrei. Fico muito surpreendido. 
Como é grande o contraste entre os meus argumentos e 
citações e a célebre invectiva de Charles Hermite (1822-1901) 
de que só o preocupava o rigor e uma certa ideia de rigor 
por ele inventada, declarando (escrevendo a Stieltjes) «afastar-
-se com pavor e horror dessa praga lamentável das funções 
sem derivada». (Gostaríamos de crer que esta frase fosse 
irónica, mas uma recordação de Henri Lebesgue sugere o 
contrário: «Havia enviado ao Sr. Picard uma nota relativa às 
superfícies aplicáveis no plano. Hermite opôs-se a certa altura 
à sua inserção nos Comptes Rendus de 1' Académie. Foi mais ou 
menos na altura em que escrevia [ ... ]», segue-se o texto acima 
citado.) 
O conceito de dimensão de homotetia D. 
Curvas fractais com D entre 1 e 2 
Os comprimentos das aproximações sucessivas da curva 
de von Koch podem ser medidos exactamente, sendo o resul-
tado muito curioso: tem precisamente a mesma forma analí-
tica que a lei empírica de Richardson relativa à costa da 
Bretanha, a saber: L(T\) oc 111- 0 • Uma diferença essencial é que, 
desta vez, D não é uma grandeza física a estimar empi-
ricamente, mas sim uma constante matemática que se vê facil-
mente ser igual a log 4/log 3::::: 1,2618. Este comportamento vai 
permitir definir a dimensão de homotetia, uma nova metamor-, 
37 
fose da dimensão fractal. Examinaremos ainda outras variantes 
da curva de von Koch, cujas dimensões estão todas com-
preendidas entre 1 e 2. 
O procedimento parte de uma propriedade elementar que 
caracteriza o conceito de dimensão euclidiana no caso de objec-
tos geométricos simples, possuidores de uma homotetia 
interna. Sabe-se que, se se transformar uma recta por meio de 
uma homotetia de razão arbitrária, com o centro situado na 
recta, obtemos, de novo, exactamente a mesma recta. O mesmo 
se passa com qualquer plano e até com todo o espaço eucli-
diano. Visto que uma recta tem a dimensão euclidiana E= 1, 
segue-se que, qualquer que seja o inteiro K, o «todo» consti-
tuído pelo segmento de recta semiaberto O :::;; x < X pode ser 
«pavimentado» exactamente (sendo cada ponto coberto uma e 
uma só vez) por N = K «partes» que são segmentos semiaber-
tos da forma (k-l)X/ K :::;; x < kX/ K, com k a variar entre 1 e K. 
Cada parte deduz-se do todo por uma homotetia de razão 
r(N) = 1/N. 
Da mesma maneira, uma vez que um plano tem a dimensão 
euclidiana E = 2, segue-se que, qualquer que seja o K, o todo 
constituído pelo rectângulo O :::;; x < X, O :::;; y < Y podeser pavi-
mentado exactamente por N = K?- partes, que são os rectângulos 
definidos por 
(k -1)X kX (h -1)Y hY 
---<x<-· :=;;y<-K K I K K 
onde k e h variam entre 1 e K. Cada parte obtém-se agora a par-
tir do todo através de uma homotetia de razão 
38 
1 1 
r(N) =-=-
K NJI2 
Para um paralelepípedo regular, o mesmo argumento dá 
1 
r(N)=-
NJI3 
Finalmente, sabe-se que não há nenhum problema grave que 
impeça a definição de paralelepípedos rectângulos cuja dimen-
são euclidiana seja D > 3; nestes casos, 
1 
r(N)=-
NJ.ID 
Tem-se, então, em todos os casos clássicos, a relação 
ou ainda 
log r(N) = log - = -( 1 ) log N 
NJ.ID D 
D=- log N = log N 
log r(N) log (1 I r) 
Bem entendido, a dimensão euclidiana é sempre um número 
inteiro. 
Generalizando, observemos que a expressão da dimensão 
enquanto expoente de homotetia continua a ter um sentido 
formal para toda a figura que -à semelhança da curva de 
von Koch- não é nem um segmento nem um quadrado, mas 
continua a ser tal que o todo é decomponível em N partes que 
podem ser deduzidas por uma homotetia de razão r (seguida 
de uma operação de translação ou de simetria). Isto demonstra 
que, pelo menos formalmente, o domínio de validade do con-
ceito de dimensão de homotetia ultrapassa o dos paralelepípe-
dos. Além disso, como novidade, o parâmetro D assim obtido 
não é necessariamente um inteiro. Por exemplo, no caso da 
curva de von Koch, N = 4 e r= 1/3, pelo que D = log 4/log 3. 
Pode-se igualmente modificar a construção de von Koch, alte-
rando a forma dos promontórios e acrescentando baías -
como, por exemplo, se vê nas figs. 46 e 47. Obtêm-se assim 
curvas aparentadas, de certa maneira, com a anterior, nas 
quais as dimensões são log 5/log 4, log 6/log 4, log 7 /log 4 e 
39 
log 8/log 4 = 1,5. A fig. 49 apresenta uma variante que é ime-
diatamente interpretada de uma nova forma concreta. 
O problema dos pontos duplos. 
A curva de Peano, que enche o plano 
É agradável verificar que nenhuma das nossas curvas à la 
von Koch possui qualquer ponto duplo. Já o mesmo não se 
passará necessariamente se se prolongar a mesma construção, 
na esperança de obter um valor de D bastante grande. Na 
fig. 51, por exemplo, mostra-se o que acontece no caso r= 1/3, 
N = 9. Verificamos formalmente que D = 2, mas a curva-limite 
correspondente, que é uma curva de Peano, tem inevitavel-
mente uma infinidade de pontos duplos. Segue-se que, para 
ela, o conceito de cobertura muda de significado, tomando-se 
discutível a noção de dimensão de homotetia. 
Dimensão de homotetia generalizada 
Suponhamos que uma figura pode ser dividida em N partes 
sem que estas, duas a duas, tenham qualquer ponto comum, 
mas em que cada uma delas pode ser derivada do todo através 
de uma homotetia de razão r,., seguida eventualmente por uma 
operação de rotação ou de simetria. No caso em que todos 
os r,. são idênticos, sabemos que a dimensão de homotetia é 
D = log N/log (1/r). Generalizando, consideremos 
N 
g(d) =L r~ 
n=l 
como função de d. Variando d de O a oo, esta função decresce 
continuamente de N até O, passando uma e uma só vez pelo 
valor 1. Portanto, a equação g(d) = 1 tem uma e uma só raiz 
positiva, que designaremos por D. Isto generaliza a dimensão 
de homotetia. 
40 
D continua a fazer sentido mesmo quando as partes pos-
suem pontos comuns, mas em número «suficientemente pe-
queno». Por outras palavras, é normalmente necessário tratar 
D com alguma precaução formal. Uma falta de atenção pode 
conduzir aos piores absurdos, conforme se pode ver na fig. 52. 
Significado físico das dimensões fractais 
quando não é possível a passagem ao limite. 
Cortes interno e externo 
Para obter a curva de von Koch, o mecanismo de adição de 
novos promontórios cada vez mais pequenos é levado até ao 
infinito. Isto é indispensável para que a propriedade de ho-
motetia interna seja verificada, de modo que uma ou outra das 
definições de dimensão fractal tenha significado. Verifica-se 
que, no caso das costas, a suposição segundo a qual os pro-
montórios se adicionam indefinidamente é razoável, mas que 
a homotetia interna só é válida dentro de certos limites. Com 
efeito, a escalas extremamente pequenas, o conceito de costa 
sai do âmbito da geografia. Para ser exacto, os pormenores de 
fronteira entre a água, o ar e a rocha entram no domínio da 
física molecular. É então necessário pôr a questão do que acon-
tece quando não é possível fazer a passagem para infinito. 
É razoável supor que a costa real está sujeita a dois «cortes». 
O seu corte externo A mede-se em dezenas ou em centenas de 
quilómetros. Para uma costa não fechada, A poderia ser a 
distância de uma extremidade à outra. Para uma ilha ou um 
lago, A poderia ser o diâmetro do círculo mais pequeno que 
englobasse toda a costa. Por outro lado, o «corte interno» 
mede-se em centímetros. 
Contudo, mesmo nesse caso, o número D mantém ainda o 
significado de uma «dimensão física efectiva», na forma em 
que este conceito foi descrito no capítulo I. Quer intuitiva quer 
pragmaticamente, tanto do ponto de vista da simplicidade 
como dos termos correctores naturalmente necessários, uma 
aproximação muito boa da curva de von Koch está mais 
próxima de uma curva de dimensão log 4/log 3 do que de uma 
41 
curva rectificável de dimensão 1. Em suma, uma costa é como 
um novelo de fio. É razoável dizer que, do ponto de vista 
geográfico (ou seja, na zona de escalas que vai desde 1 m até 
algumas centenas de quilómetros), a costa tem a dimensão D 
estimada por Richardson. Isto não impede que, do ponto de 
vista físico, ela tenha uma dimensão diferente, que estaria 
associada ao conceito de fronteira entre a água, o ar e a areia 
e que seria, por este facto, insensível a todas as influências 
variadas que dominam a geografia. 
Em resumo, o físico tem razão em tratar a passagem ao 
limite matemático com uma certa prudência. A dimensão frac-
tal implica uma tal passagem, sendo, portanto, suspeita. Já 
perdi a conta ao número de vezes em que físicos ou enge-
nheiros mo fizeram notar. Foi talvez devido a esta suspeição 
que o papel físico a desempenhar pela dimensão fractal não foi 
descoberto antes dos meus próprios trabalhos. Mas vemos que, 
no caso presente, a aplicação do infinitesimal a um objecto 
finito não deverá provocar quaisquer receios, desde que se 
proceda com prudência. 
42 
Fig. 43- COMPRIMENTOS APROXIMADOS DAS COSTAS, 
SEGUNDO LEWIS FRY RICHARDSON 
No caso da circunferência, que esta figura trata como se 
fosse uma curva empírica, vê-se perfeitamente que o compri-
mento aproximado L(ll) varia como deve ser: tende para um 
certo limite quando 11---? O. Em todos os outros casos, L(ll) 
aumenta sem dar a ideia de convergir para um limite. Esta 
figura está desenhada em coordenadas bilogarítmicas. Desig-
nando o declive das curvas por 1 - D, ela constitui um método 
para estimar a dimensão fractal D. 
I 
COST.• 
"" 0AAUs.,.,, 
•""LIA 
1.0 1. 5 2.0 2.5 3.0 
logaritmo decimal do passo de aproximação (em quilómetros) 
3.5 
43 
Figs. 44-45 - A CURVA DE VON KOCH 
E A ILHA QUIMÉRICA «EM FLOCO DE NEVE>> 
O exemplo clássico de curva contínua não rectificável, com 
uma homotetia interna, é constituído pelo caso-limite dos dia-
gramas apresentados em baixo. Chama-se «curva de von 
Koch» e o interior da curva é muitas vezes chamado «floco de 
neve», embora eu prefira a expressão «ilha de von Koch». 
A construção ao fundo desta página parte de uma ilha em 
forma de triângulo equilátero. Em seguida, o terço central de 
cada um dos lados de comprimento unitário é substituído por 
um cabo em forma de /1, cujos lados medem um terço. Obte-
mos assim um hexágono regular estrelado ou estrela de David, 
cujo perímetro tem um comprimento de 4 unidades. Repete-se 
o procedimento paracada um dos 12 lados, e assim sucessiva-
mente, até se atingir o diagrama do cimo da p. 45. 
Como pode ver-se, a ilha de von Koch inscreve-se natu-
ralmente dentro de um hexágono regular convexo. Daí que um 
método alternativo de construção, de certo modo inverso do 
anterior, consista em ir cortando baías, a partir de um hexá-
gono. Cesàro combinou os dois métodos e no fundo da p. 45 
pode ver-se o modo como o contorno da ilha de von Koch se 
obtém como o limite de uma superfície progressivamente mais 
recortada. 
44 
D ~ 1,26 
~~ .tllllf""-. .. . . ' .. ~ ...,~~ ~.tllllf""-. I .. '• I ~~ ... ... ~ ~ ~ ~ ' ~ -' I .. """' , I I .tllllf """- ; ~ .. '" ~ ~ ' ; : 
' ,..t"'~ ' ,, ,,~ f'' .. ' ' .. , .. : " -
' ,,. .. , •, ,t ... ,. 
45 
Figs. 46-47- MÉTODO DE VON KOCH GENERALIZADO 
Cada um dos gráficos apresentados em baixo fornece a 
receita para a construção de uma generalização da curva de 
von Koch. Em cada um dos casos, r = 1 I 4, pelo que a dimensão 
é uma fracção de denominador log (1 I r) = log 4. A construção 
parte do intervalo [0,1], que é substituído por um dos «gera-
dores» A, B, C ou D, dando origem a uma curva «pré-fractal». 
Seguidamente substitui-se cada um dos segmentos do pré-
-fractal pelo mesmo gerador, reduzido a 1 I 4 do seu tamanho, 
e assim por diante até ao infinito. As curvas-limite são «auto-
semelhantes» e não têm pontos duplos, ao contrário do que 
acontece com a curva de Peano da fig. 51. 
Quatro iterações efectuadas a partir dos geradores A e D 
deram origem às aproximações de curvas fractais exibidas na 
página seguinte. A curva F tem uma dimensão excessiva rela-
tivamente à maioria das costas naturais. Pelo contrário, a curva 
E possui uma dimensão demasiado pequena. 
Da mesma maneira, uma função y = fo<x), definida para 
O < x :5 1, permite a seguinte construção: 
A: D = log4 5....., 1,16 
o 
o o 
B: D = log46....., 1,29 D: D = log48 = 1,5 
46 
Define-se Nx) como a função periódica, de período 1/b, 
igual, para 1 ::; x < 1/b, a wf0 (bx). Da mesma maneira, f,,(x), 
de período b-", será igual, para O ::; x < b-", a w-"f0(b"x). Se 
w < 1/b, a série Ef,,(x) é sempre convergente e a sua soma G(x) 
é contínua. Contudo, não possui derivada. Weierstrass estu-
dou esta construção quando as «partes» f,,(x) são sinusóides. 
(P.-S. 1989. Os gráficos das funções G(x) não são auto-seme-
lhantes, mas «auto-afins». A noção de auto-afinidade é dis-
cutida em Mandelbr~t 1985s e 1986t e na contribuição de 
R. F. Voss em Peitgen e Saupe 1988.) 
47 
Fig. 49- ESQUEMA ARBORESCENTE DO PULMÃO 
Nesta figura, urna variante da construção de von Koch é 
interpretada corno o modelo de um corte do pulmão. Na 
realidade, trata-se de um modelo medíocre, mas é suficiente 
para pôr em evidência a ligação que existe entre, por um lado, 
as conexões que permitem a este orgão estabelecer um contacto 
íntimo entre o ar e o sangue e, por outro lado, o conceito de 
objecto fractal. 
Corno se pode ver no pequeno diagrama ao cimo à es-
querda, cada pulmão é um triângulo isósceles, ligeiramente 
obtuso (tem um ângulo de 90° + E). A traqueia é limitada por 
um diedro de ângulo 2E. À traqueia junta-se, de cada um dos 
lados, um brônquio, também limitado por um ângulo de 2E. 
Este divide o pulmão correspondente em dois lóbulos, supe-
rior e inferior, ambos circunscritos por triângulos isósceles 
semelhantes aos do contorno inicial, com urna razão de seme-
lhança de 1/[2 cos (7t/4-E/2)], isto é, um pouco menos 
de 0,707. Simultaneamente, de cada segmento do contorno 
externo parte um triângulo de carne, que divide o lóbulo cor-
respondente em dois sublóbulos. Acrescentamos assim suces-
sivamente, ora de um lado ora do outro, subsub-brônquios 
e subsubtriângulos de carne. Em baixo, à direita, podemos 
ver o resultado obtido ao fim de algumas iterações. Conti-
nuando indefinidamente a mesma construção, acabaríamos 
por obter uma secção de pulmão ideal, que seria uma curva 
de comprimento infinito e com dimensão D ligeiramente infe-
rior a 2. Extrapolando para três dimensões, obteríamos então 
uma superfície pulmonar com dimensão ligeiramente infe-
rior a 3. 
Retomando ao plano, a identidade dos lóbulos superior e 
inferior é muito pouco realista. O mesmo se passa com o facto 
de o modelo prever a mesma área para os cortes do conjunto 
dos brônquios e do tecido. Finalmente, os verdadeiros 
brônquios bifurcam-se em sub-brônquios de diâmetros com-
paráveis, sem que se observem pequenos bronquíolos laterais. 
Todos estes defeitos do modelo são fáceis de corrigir graças à 
generalização do conceito de homotetia interna descrito no 
final do capítulo II e ilustrado na fig. 52. 
48 
O limite caracterizado por E = O e D = 2 é qualitativamente 
diferente. Trata-se da curva de Peano representada na fig. 135, 
que é uma variante da curva da fig. 51. 
D'""' 1,9 
49 
Fig. 51 - A CURVA ORIGINAL DE PEANO 
A expressão «curva de Peano» aplica-se genericamente a 
toda uma família de curvas patológicas que, entre 1890 e 1925, 
desempenharam um papel decisivo na elaboração do conceito 
de dimensão topológica e que se verifica fornecerem uma ex-
celente ilustração das relações entre as dimensões topológica e 
fractal. Nesta figura, a curva original, criada por Peano, foi 
rodada 45°, de modo a pôr em evidência o seu estreito paren-
tesco com a curva de von Kock. A primeira aproximação 
(o «iniciador») é um intervalo de comprimento 1. A segunda 
aproximação é o gerador mostrado no diagrama A. Aos três 
terços do intervalo de comprimento 1 juntam-se no gerador 
seis intervalos de comprimento 1/3, que, combinados com o 
terço central do iniciador, formam um «oito» em dois quadra-
dos. Para indicar como o gerador é percorrido, estão indicados 
números de 1 a 9. O diagrama B mostra um quadrado e o 
diagrama C mostra o que acontece se o gerador for colocado 
sobre cada um dos quatro lados do quadrado. Tudo o que se 
encontra «à direita» das cópias do gerador (contornando o 
quadrado de cima no sentiddos ponteiros do relógio) fica a 
escuro. O diagrama D separa os pontos duplos do diagrama C, 
a fim de tornar a curva mais fácil de seguir. Nas terceira e 
quarta aproximações (diagramas E e F) substituem-se os terços 
centrais de cada um dos segmentos da aproximação anterior 
por um «oito» em dois quadrados, continuando a separar-se os 
pontos duplos, tal como no diagrama D. 
Nos estados finitos mais avançados da construção vemos 
surgir uma forma estranha a que se pode chamar «ilha de 
Peano». O seu invólucro é um quadrado de área duas vezes 
superior à do quadrado B. As baías penetram-na tão profunda 
e uniformemente que não há ponto da região que não acabe 
por se partilhar entre a terra firme e a água em proporções 
aproximadamente iguais! 
A curva de Peano estabelece uma correspondência contínua 
entre os pontos do perímetro do quadrado inicial e o interior 
do quadrado final, mas esta correspondênca não é unívoca. 
A curva, com efeito, tem um número infinito de pontos duplos, 
50 
sendo isso inevitável- ver, no capítulo XIV, a definição de 
«dimensão topológica». Sublinhemos que esses pontos duplos 
não puderam ser claramente indicados no gráfico, pois teriam 
impossibilitado o seguimento da continuidade da curva. Com 
efeito, sempre que se vêem dois pontos muito próximos, eles, 
de facto, confundem-se. Uma outra correspondência entre uma 
curva e o plano estabelece-se através do movimento browniano 
plano (fig. 59), o qual pode ser considerado uma versão esto-
cástica -o capítulo XIII chama-lhe «aleatorizada»- da curva 
de ·Peano. Se não nos causar transtorno contar os pontos 
duplos de forma repetida, a curva de Peano mostra uma 
homotetia interna e uma dimensão fractal igual a 2, em con-
formidade com o facto de cobrir o plano. 
A B 
3 
J 2Gl~9-~ 
7 
• 
• 
• 
•• 
D E 
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• 
•• 
•"' 
F 
11 
••• 
51 
Fig. 52- CILADAS A EVITAR NO ESTUDO 
DA HOMOTETIA INTERNA GENERALIZADA 
Uma outra forma de generalizar a curva de von Koch toma 
como gerador a linha em ziguezague desenhada em baixo. 
A curva fractal assim obtida consegue-se com quatro figuras, 
dedutíveis a partir do todo por homotetias de razões respecti-
vamente (1- r)/2, r, r e (1- r)/2, em que O< r< 1. Uma dimen-
são formal é então definida como sendo o número D que sa-
tisfaz r.r~ = 1. Quando r é suficientemente pequeno, incluindo 
o caso clássico em que se tem rn =r= 1/3, esta dimensão for-
mal identifica-se com a definição de homotetia. Mas a iden-
tificação sofre certas limitações. Em particular, é necessário 
que, no plano, D < 2. Ora, quando r> r2 = (1 + ...J6>/S::::: 0,6898, a 
dimensão formal é superior a 2. A chave do paradoxo é que 
a homotetia interna só faz sentido estrito na ausência de pontos 
duplos, o que aqui só acontece quando r é inferior a um dado 
valor crítico r,, o qual, segundo acabámos de verificar, não 
pode ultrapassar r2 = 0,6898. Quando r> r2, um grande número 
de pontos são contados uma enormidade de vezes, o que 
explica o facto de se ter um D formal superior à dimensão 
E = 2 do espaço envolvente. Para finalizar, o caso r = 1 parece 
dar D = oo, o que é impossível. Contudo, este caso tem de ser 
excluído, pois, para r = 1, a construção de von Koch não con-
verge para nenhum limite. 
r= 2/3 
52 
CAPÍTULO III 
O papel do acaso 
Este capítulo continua a discussão do problema concreto 
abordado no capítulo II e introduz a discussão da segunda 
palavra do subtítulo da presente obra. 
Utilização do acaso para melhorar o modelo 
de costa representado pela curva de von Koch 
Por muito que faça lembrar um verdadeiro mapa, a curva de 
von Koch apresenta dois sérios defeitos que iremos encontrar 
quase invariavelmente nos primeiros modelos de outros fenó-
menos de carácter fractal estudados neste ensaio: as suas par-
tes são idênticas e as suas razões de homotetia interna são 
dadas por uma escala estrita, nomeadamente: 1/3, (1/3)2, etc. 
Poder-se-ia tentar melhorar o modelo à custa de uma maior 
complicação do algoritmo, conservando entretanto um carácter 
inteiramente determinístico, mas este método seria não só fas-
tidioso, como de inspiração duvidosa. É claro, com efeito, que 
todas as costas foram modeladas, ao longo dos séculos, por 
influências múltiplas que não é possível seguir em pormenor. 
Quando a mecânica trata de sistemas constituídos por um 
grande número de moléculas, as leis que regem estas últimas 
ao nível local são conhecidas em todo o pormenor, mas o seu 
comportamento global não é tão bem conhecido. Na geomor-
53 
fologia, a situação agrava-se, pois o local e o global são igual-
mente incertos. A solução, então, mais ainda do que em mecâ-
nica, deverá ser de índole estatística. 
Um tal recurso ao acaso evoca, inevitavelmente, todo o 
género de inquietações quase metafísicas, mas isso não nos irá 
preocupar. Este ensaio apenas invoca o acaso, tal como o cál-
culo de probabilidades nos ensina a manipular, por ser o único 
modelo matemático à disposição de quem pretende apreender 
o desconhecido e o incontrolável. Este modelo, felizmente para 
nós, é extraordinariamente poderoso e cómodo. 
Acaso simplesmente invocado 
e acaso completamente descrito 
Convém, desde já, sublinhar que, para descrever urna va-
riante probabilística da curva de von Koch, não basta dizer: 
«É só escolher as partes ao acaso e ir mudando de escala.» Esta 
opinião surge frequentemente, mas desejar e invocar assim o 
acaso é mais fácil do que descrever as regras que o permitem 
realizar. Para ser exacto, a primeira questão que se põe é a 
seguinte: sabemos que o acaso pode originar a irregularidade, 
mas terá capacidade para originar urna irregularidade tão 
grande como a das costas, para as quais procuramos um 
modelo? Verifica-se que não só tem essa capacidade corno é até 
difícil, em muitos casos, impedir o acaso de ir além daquilo 
que se pretende. 
Por outras palavras, parecemos, por vezes, subestimar a 
capacidade do acaso para criar monstros. A culpa, ao que 
parece, pode ser atribuída ao facto de o conceito de acaso na 
física ter sido modelado pela mecânica quântica e pela termo-
dinâmica, duas teorias no seio das quais o acaso intervém ao 
nível microscópico, onde é essencial, ao passo que, ao nível 
macroscópico, ele é «benigno». Defino este último termo (edis-
cuto-o amplamente) num inédito intitulado Formes nouvelles du 
hasard dans les sciences1 (retornado em parte em Mandelbrot e 
1 Em português: Novas Formas do Acaso nas Ciências. (N. dos T.) 
54 
Wallis 1968 e em Mandelbrot 1973f). Pelo contrário, no caso 
dos objectos que nos interessam, a homotetia interna faz que 
o acaso deva ter exactamente a mesma importância em todas 
as escalas, o que implica que não faça sentido falar de níveis 
microscópico e macroscópico. Por conseguinte, o mesmo grau 
de irregularidade que, numa construção determinista (sem 
acaso) como a de von Koch, teve de ser introduzido artificial 
e patologicamente pode muito bem, no caso de uma constru-
ção aleatória, tornar-se quase inevitável. Lembramo-nos de que 
foi Jean Perrin quem chamou a atenção para a analogia quali-
tativa entre o movimento browniano de uma partícula (fig. 59) 
e a curva sem derivada de Weierstrass e Norbert Wiener quem 
transformou esta analogia numa teoria matemática. O precur-
sor tinha sido Louis Bachelier, cuja aventura é relatada no 
capítulo XV. 
Trajectória do movimento browniano. 
Este não é um modelo aceitável de uma costa 
Definamos então o movimento browniano P(t), em que P é 
um ponto do plano, para conseguir explicar em seguida 
porque é que a sua «trajectória» não serve para modelo de uma 
costa. O movimento browniano é, essencialmente, urna sequên-
cia de deslocamentos muito pequenos, mutuamente indepen-
dentes e isotrópicos (todas as direcções têm a mesma probabili-
dade). Do ponto de vista deste capítulo, o mais simples é 
caracterizar P(t) através das aproximações obtidas por inter-
médio de um compasso de abertura fixa 11: qualquer que seja 
11, os . passos sucessivos de um movimento browniano têm 
direcções mutuamente independentes e isotrópicas. 
A definição habitual é mais indirecta. Para qualquer par de 
instantes t e t', em que t' > t, define-se o vector deslocamento 
como um vector de P(t) a P(t'), formulando as seguintes hipó-
teses: 
a) A direcção e o comprimento deste vector são independen-
tes da posição inicial P(t) e das posições ocupadas em 
todos os instantes anteriores a t; 
55 
b) Este vector é isotrópico; 
c) O seu comprimento é tal que a sua projecção sobre qual-
quer dos eixos obedece à distribuição gaussiana de den-
sidade. 
--;:::::=1 = exp (- xz ) 
..J 27t I t'- t I 2 I t'- t I 
A «trajectória» descrita pelo movimento browniano figura, 
de agora em diante, entre os «acasos primários» que iremos 
descrever já a seguir. Infelizmente, ainda não é o que nos 
convém como imagem de uma costa, por ser exageradamente 
irregular. Em particular, ela inclui inúmeros pontos múltiplos, 
no sentido estrito matemático de não enumeráveis, o que, 
como é evidente, é inaceitável para uma costa. Trata-se mesmo 
de uma dessas curvas extraordinárias que - tal como a curva 
de Peano do capítulo II - enchem o plano. Pode-se forçar a 
ausência de anéis, mas só o faremos no capítulo VII. 
A noção de acaso primário 
Entretanto, creio ser útil -pelo menos para certos leito-
res- dizer duas palavras acerca das razões (profundas, varia-
das e, no fundo, ainda mal conhecidas) que fazem que frequen-
temente o resultado de operações deterministas se assemelhe à 
aleatoriedade descrita pelo cálculo das probabilidades. 
A questão coloca-se já de uma forma particularmente exem-
plar no contexto das entidadespseudo-aleatórias simuladas em 
computador, de uma forma deliberada e artificial. É assim que 
os desenhos pretensamente aleatórios que surgem neste livro 
foram quase todos construídos de uma forma perfeitamente 
determinística. O procedimento faz uso de uma série de núme-
ros, que se tratam como se tivessem sido o resultado do 
lançamento de um dado de dez faces (O a 9), mas que, na 
realidade, foram criados por um «pseudodado». Este último 
consiste num programa de computador, combinado com um 
número a que se dá o nome de «semente». Este número 
56 
pode ser escolhido arbitrariamente (digamos, o número de 
telefone do programador). Mas o programa está escrito de tal 
maneira que, de cada vez que se «planta» a mesma semente, 
o pseudodado «dá origem» à mesma sequência pseudo-«alea-
tória». 
Notemos que a imagem da «semente» é elucidativa (e hoje 
em dia é impossível mudá-la), embora exprima muito mal a 
intenção de alguém que pretenda simular o acaso. Com efeito, 
se um jardineiro espera que aquilo que vai recolher não de-
penda somente do solo, mas sobretudo do que é semeado, eu 
espero que a escolha da semente não tenha qualquer efeito 
marcante sobre as minhas simulações. 
O pseudodado de dez faces constitui então um sustentáculo 
obrigatório de qualquer simulação. A montante, o seu carácter 
é universal, sendo necessário, para o justificar, fazer intervir a 
fronteira entre a teoria dos números e o cálculo das probabili-
dades. Quanto ao jusante, ele é muito variável, dependendo do 
que está em jogo, exigindo àqueles que o estudam toda uma 
outra presença de espírito. Surge daí uma divisão muito natu-
ral do trabalho entre os especialistas de montante, que não é o 
meu caso, e os de jusante, entre os quais já me incluo. 
Tudo isto ajuda a compreender melhor como o cientista 
ataca o pseudo-aleatório que existe na natureza. Também aí se 
vêem, em geral, surgir dois estádios, cujo estudo exige espíri-
tos muito diferentes. No entanto, já não há aqui um susten-
táculo universal, independente do carácter do problema e da 
forma de o abordar. Tem de se tratar, segundo os casos, com 
um ou outro de um grande número de «acasos primários» pos-
síveis. O mais invocado continua ainda a ser o dado, interpre-
tado como um objecto físico ideal, mas existem muitos outros, 
como sejam os pontos que caem dentro de um círculo com 
uma distribuição uniforme de probabilidade, ou, estrelas dis-
tribuídas pelo céu de uma forma estatisticamente uniforme 
(relacionada com a lei de Poisson). Notemos que, em havendo 
não uma, mas duas ou mais variáveis, ou até mesmo uma 
infinidade delas, quando se trata de caracterizar uma curva, a 
hipótese primária consiste, tipicamente, em as supor indepen-
dentes. E esse o caso dos deslocamentos no movimento 
browniano. 
57 
Qualquer que ele seja, o que caracteriza um acaso primário 
é o facto de intervir como um ponto de separação entre duas 
fases de uma teoria: o montante, acerca do qual praticamente 
não falaremos ao longo deste livro, e o jusante, que irá tomar 
formas variadas e inesperadas. 
Fig. 59 -TIPOS DE MOVIMENTO BROWNIANO VERDADEIRO 
E CAOS HOMOGÉNEO 
Esta figura reproduz algumas porções do movimento brow-
niano plano (nomeadamente, três pormenores e um grande 
bocado) extraíaos deLes Atomes (Perrin 1913). Trata-se aqui de 
um processo físico, e não do seu modelo matemático: cada seg-
mento liga de uma maneira artificial as posições sucessivas, 
sobre o plano focal de um microscópio, de uma partícula 
submetida a choques moleculares. Se se observasse a posição 
da partícula em instantes duas vezes mais próximos, cada salto 
seria substituído por dois saltos cujo comprimento total seria 
superior. No modelo matemático, esse alongamento da trajec-
tória mantém-se indefinidamente e, por conseguinte, o compri-
mento total de cada trajectória é infinito. Já a sua superfície é 
nula. No entanto, a sua dimensão é D = 2 e (num certo sentido) 
a figura enche o plano de maneira uniforme. Este é um dos 
vários sentidos que permitiram a N. Wiener dizer que o «caos» 
browniano é homogéneo. [Segundo a perspectiva que vamos 
adquirir no capítulo IV, trata-se aqui, em primeira aproxima-
ção, de um voo de Rayleigh, no qual l.P seria uma variável 
aleatória exponencial, com U a variável aleatória que rege os 
saltos TI(k) ~ TI(k-1).] · 
58 
D = 2 
-
1-
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59 
CAPÍTIJLO IV 
As rajadas de erros 
Este capítulo introduz conjuntos, de dimensões compreendi-
das entre O e 1, formados por pontos sobre uma recta. Para 
quem tiver de aprofundar o estudo um pouco mais do que o 
que aqui fazemos, esses conjuntos apresentam a principal van-
tagem de a geometria ser sempre mais simples sobre uma recta 
do que sobre um plano ou no espaço. Têm, contudo e por 
outro lado, dois graves inconvenientes: trata-se de poeiras de 
tal forma «minúsculas» e pulverizadas que é muito difícil dese-
nhá-las e desenvolver uma ideia intuitiva. Este aspecto será 
notado em muitas das legendas. Além disso, o único problema 
concreto que nos pode servir de suporte é esotérico. O estilo 
deste capítulo e do capítulo v é um pouco seco e o leitor pode 
considerar a hipótese de saltar directamente para o capítulo VI, 
que (parafraseando Henri Poincaré) torna a falar de «problemas 
que se põem a si próprios», em vez de «problemas que nos 
pomos». Contudo, este capítulo introduz, no contexto da recta, 
raciocínios que os capítulos seguintes retomarão nos contextos, 
menos simples, mas mais importantes, do plano e do espaço. 
A teletransmissão de dados 
Toda a linha de transmissão é um objecto físico e toda a 
quantidade física está inevitavelmente submetida a numerosas 
flutuações espontâneas, a que se dá o nome de «ruído». 
61 
As flutuações que aqui nos interessam manisfestam-se par-
ticularmente nas linhas destinadas à transmissão de dados 
entre computadores, ou seja, à transmissão de sinais que 
podem apenas tomar dois valores: 1 ou O. Ainda que a energia 
relativa do «1» seja muito forte, acontece por vezes que o ruído 
é suficientemente intenso para transformar o «1» em «O» ou 
vice-versa. Por este facto, a distribuição dos erros reflecte a do 
ruído, simplificando-a - se me é permitido afirmá-lo - até à 
medula, uma vez que uma função com diversos valores possí-
veis (o ·ruído) é substituída por uma função com dois valores: 
é igual a O se não houver erro e igual a 1 se houver. Ao inter-
valo entre dois erros chamaremos «intermissão». 
O que torna este problema difícil é que se conhece muito 
mal a forma como o ruído depende da natureza física da linha 
de transmissão. Num dos casos que iremos discutir, contudo; 
o ruído apresenta características muito curiosas e muito impor-
tantes, não só do ponto de vista conceptual que aqui nos inte-
ressa, como também do ponto de vista prático. (Ver os P.-5. 
da p. 74.) 
Sem perder muito tempo com este último aspecto, é de 
assinalar que a raiz dos trabalhos descritos neste ensaio se 
encontra no estudo dos ruídos em causa. O meu interesse.pelo 
assunto, sem supor o seu impacte futuro, deve-se à existência 
de uma questão prática importante e que escapava às ferra-
mentas normais dos especialistas. 
Analisemos então os nossos erros de uma forma um pouco 
mais refinada. Antes de tudo, observemos os intervalos de 
uma hora durante os quais não ocorre nenhum erro. Desta 
forma, todo o intervalo de tempo limitado por duas inter-
missões de duração igual ou superior a uma hora se chamará 
uma «rajada de erros», a qual será considerada «rajada de 
ordem 0». Mas, observando-a mais em pormenor, encontramos 
diversas intermissões de6 minutos ou mais, que separam «ra-
jadas de ordem 1». Da mesma maneira, cada uma destas últi-
mas rajadas contém diversas intermissões de 36 segundos ou 
mais a separar as «rajadas de ordem 2». E assim por diante ... , 
cada etapa sendo definida por intermissões pelo menos dez 
vezes mais curtas que a precedente. Para se ficar com uma 
ideia desta hierarquia é conveniente examinar a fig. 71. 
62 
Empiricamente, o mais notável é que as distribuições de 
cada ordem de rajadas, quando comparadas com a ordem 
imediatamente superior, se revelaram idênticas do ponto de 
vista estatístico. Descobre-se assim um novo exemplo de 
homotetia interna. A dimensão fractal não anda longe, mas, 
antes de a precisar, vamos- como no capítulo II- inverter 
a ordem do desenvolvimento histórico das ideias e examinar 
antes, não o modelo que eu recomendo, mas uma variante não 
aleatória, muito grosseira, que é nitidamente mais simples, em-
bora muito importante em si mesma. 
Um modelo grosseiro das rajadas de erros. 
A poeira de Cantor, um fractal de dimensão 
compreendida entre O e 1 
Acaba de ser descrito o conjunto dos erros, ao retirar à recta 
intermissões cada vez mais pequenas. Observando esta estru-
tura, não posso deixar de pensar numa célebre construção 
matemática cujo resultado é geralmente conhecido por «con-
junto de Cantor», mas que neste livro receberá a nova desig-
nação de «poeira de Cantor». O nome de Georg Cantor domina 
a pré-história da geometria fractal. Atrasei deliberadamente a 
citação do seu nome neste ensaio, pois é bem sabido que 
esse nome nunca deixa de provocar uma certa repulsa entre 
os físicos. Vou tentar demonstrar que esta repulsa é injus-
tificada. 
A poeira triádica de Cantor constrói-se em duas etapas: pri-
meiro interpola-se, depois (etapa geralmente menos conhecida, 
mas essencial) extrapola-se. 
Para a interpolação procede-se da seguinte maneira. Parte-
-se do segmento [0,1] (a orientação dos parênteses indica que 
ambos os extremos estão incluídos) e retira-se o terço central, 
designado por ]1/3, 2/3[ (este já não inclui os extremos). Em 
seguida, a cada um dos terços restantes retira-se o seu próprio 
terço central, e assim por diante até ao infinito. O resultado 
final desta interpolação é de tal maneira ténue que é impossível 
representá-lo graficamente por si só. Felizmente que ele é idên-
63 
tico à intersecção da «barra de Cantor» (fig. 72), com o seu 
eixo, ou da curva de von Koch (um terço da costa da ilha 
ilustrada no cimo da fig. 45), com o segmento que constitui a 
«base». 
Quanto à extrapolação mais simples, ela duplica repetida-
mente o número de réplicas do conjunto interpolado. Antes de 
tudo, posiciona-se uma réplica sobre o segmento [2, 3], ob-
tendo-se assim o conjunto original aumentado de uma razão 
de 3. Em seguida colocam-se duas réplicas sobre [6, 7] e [8, 9], 
respectivamente, obtendo-se assim o conjunto original aumen-
tado uma razão de 9. O passo seguinte é colocar quatJo répli-
cas sobre [2 x 9, 2 x 9 + 1], [2 x 9 + 2, 2 x 9 + 3], [2 x 9 + 6, 
2 x 9 + 7] e [2 x 9 + 8, 3 x 9], para se obter o conjunto original 
aumentado 27 vezes, e assim por diante. 
Não é difícil ver que a poeira de Cantor interpolada e 
extrapolada possui uma homotetia interna e que a sua dimen-
são é 
log 2 
D =-- = log32 = 0,6309 log 3 
Além disso, variando a «regra de dissecção», pode-se igual-
mente chegar a dimensões diferentes, mas sempre compreendi-
das entre O e 1. 
Pode-se igualmente verificar que, sobre a porção [O, 1] da 
poeira de Cantor, o número de intermissões de comprimento 
superior a u é N(u) oc u-0 . Mais precisamente, N(u) é represen-
tado por uma curva em escada, passando constantemente para 
um lado e outro de u-0 . Nova intervenção da dimensão- e 
nova forma de a medir! 
Número médio de erros no modelo cantoriano 
Como já fizemos para uma costa, pode-se obter uma ideia 
grosseira da sequência de erros que nos interessa executando 
a iteração cantoriana um número finito de vezes. Pára-se a 
64 
interpolação no momento em que ela atinge segmentos iguais 
a uma pequena escala interna 11, correspondente à duração de 
um símbolo de comunicação. Pára-se a extrapolação quando se 
atinge uma grande escala externa A. Finalmente, para obter 
uma sequência de comprimento superior a A, repete-se esta 
construção de forma periódica. 
Qual vai ser então o número M(R) de erros numa amostra 
de comprimento R crescente? Quando a amostra começa na 
origem, é fácil ver que, se R é menor do que A, o número de 
erros duplica de cada vez que R triplica. Portanto, o número 
total de erros cresce como M(R) oc R0 e o número médio de 
erros decresce aproximadamente com RD-1• 
Paremos um pouco para notar um novo tema essencial. 
A geometria elementar ensina-nos o papel desempenhado por 
D nas expressões que dão o comprimento de um segmento, a 
área de um círculo e o volume de uma esfera. Pois bem, esse 
papel acabou de ser generalizado a valores de D que não têm 
de ser inteiros! 
Retomemos aos erros. Se A é finito (tendo terminado a 
extrapolação), o seu número médio decresce até um valor não 
nulo, oc AD-t, que é atingido quando R= A, mantendo-se depois 
constante. Se A é infinito, a média continua a baixar, até zero. 
Finalmente, se os dados sugerem um A finito e muito grande, 
mas sem permitir uma boa estimativa, o limite inferior da 
média é não nulo, ficando porém muito mal definido e, por-
tanto, sem qualquer utilidade prática. 
Com A finito pode-se igualmente fazer a amostra come-
çar no meio de uma intermissão. Neste caso, a média começa 
por ser nula e assim permanece tanto mais tempo quanto 
mais longa for a intermissão. Contudo, quando R = A, acaba 
por atingir o mesmo valor final oc A D-1• Quanto maior for o 
valor A, mais pequena é a média final e mais comprido é 
o período inicial sem erros, ou seja, maior é a probabilidade 
de a amostra que vai de t a t + R estar isenta de erros. Quando 
A ~ oo, esta última probabilidade tende para a certeza, colo-
cando assim problemas delicados que resolvi através da intro-
dução do conceito de processo esporádico em, Mandelbrot 
1967b. 
65 
Poeira de Cantor truncada e aleatorizada, 
condicionalmente estacionária 
As insuficiências da poeira de Cantor, do ponto de vista 
prático, prendem-se com a sua excessiva regularidade e com 
o facto de a origem desempenhar um papel privilegiado, o 
que não tem qualquer justificação. É, portanto, necessário pro-
curar um objecto análogo, que será irregular por ser aleatório 
e apenas sobreponível sobre si próprio do ponto de vista es-
tatístico. A terminologia probabilística qualifica-o de estacio-
nário. 
Berger e Mandelbrot 1963 propuseram um meio simples de 
atingir parcialmente esse objectivo. O ponto de partida é uma 
aproximação truncada da poeira de Cantor, cujas escalas in-
terna e externa satisfazem 11 >O e A< oo. Basta aleatorizar 
(lançar ao acaso) a ordem das suas intermissões, para as tornar 
estatisticamente independentes umas das outras. Além disso, a 
regra da p. 64, a respeito dos comprimentos das intermissões, 
comporta uma função em escada. Substituúno-la pela própria 
expressão u-D. 
Em resumo, formulamos as hipóteses de as sucessivas inter-
missões serem inteiros estatisticamente independentes e de a 
distribuição dos seus comprimentos satisfazer a «distribui.ção 
hiperbólica» Pr(U ~ u) = u-v, que se lê: «A probabilidade de 
igualar ou exceder u é u-D.» 
A hipótese da independência leva a que se diga que os erros 
constituem um «processo de renovação», também chamado 
«processo recorrente». Se a origem é um «ponto de recor-
rência», o futuro e o passado são estatisticamente indepen-
dentes, mas, se a origem é escolhida arbitrariamente, eles não 
o são. 
Encontraremos a distribuição hiperbólica por diversas ve-
zes, pois ela está ligada a tudo o que digarespeito à homotetia 
estatística. 
Vamos mostrar que os erros assim distribuídos podem, efec-
tivamente, ser vistos como formando rajadas hierarquizadas. 
Na ausência de um outro termo bem aceite (e para evitar o 
anglicismo habitual clustering), proponho uma palavra que se 
entende por si mesma e direi que os erros aparecem num 
66 
«amontoamento»1 muito nítido e cuja intensidade é medida 
pelo expoente D. 
Para definir quando é que há amontoamento estabeleçamos 
então um «limiar» u0• Definimos uma «rajada-u0» como uma 
sequência de erros contidos entre duas intermissões de com-
primento superior a u0• Separemos, em seguida, a sequência de 
erros em rajadas-u0 sucessivas. Distinguimos as intermissões 
«> u0» e «< u0» e consideramos as durações relativas dessas 
intermissões, ou seja, as durações divididas por u0• Para um D 
pequeno, as durações relativas das intermissões > u0 têm uma 
forte probabilidade de ser muito claramente superiores a 1 (o 
seu limite inferior): por exemplo, sabendo que U > u0, a proba-
bilidade condicional de que U > 5u0 é s-v. Tende, portanto, 
para 1 quando D tende para O. Pelo contrário, as durações rela-
tivas das intermissões < u0 tornam-se, na sua maioria, muito 
inferiores a 1. É, por isso, razoável concluir que as rajadas-u0 
são claramente separadas, o que justifica, precisamente, a 
designação de «rajada». 
Além disso, o mesmo resultado é válido para todo o u0, 
sendo, por consequência, as rajadas hierarquizadas. Todavia, à 
medida que D aumenta, a separação entre as rajadas torna-se 
menos acentuada. 
Um facto espantoso, descoberto por Berger e Mandelbrot 
1963, é o verificar-se que os conjuntos assim obtidos represen-
tam de forma extremamente conveniente os nossos dados 
empíricos sobre os erros de transmissão. Além disso, diversos 
cálculos relativos à poeira de Cantor são consideravelmente 
simplificados. Comecemos por supor que A < oo e calculemos o 
número médio de erros num intervalo de t a t + R, em que R 
é muito superior à escala interna 11 e muito inferior à escala 
externa A. É conveniente proceder em duas etapas. Em pri-
meiro lugar, supõe-se que se dá um erro no instante t ou, mais 
genericamente, que, entre os instantes te t +R; o número M(R) 
de erros é, pelo menos, igual a 1. Os valores assim calculados 
1 Como é evidente, a mesma dificuldade pode surgir em português~ Por 
também não haver tradução única em português de clustering, propôe-se a 
palavra «amontoamento». Cluster será <<amontoado» (N. dos T.) 
67 
não são absolutos, mas condicionais. Verifica-se que o valor 
médio condicional de M(R) é proporcional a R0 , pelo que é 
independente de A, e que a razão entre M(R) e o seu valor 
médio é independente de R e de A. No entanto, o essencial é 
a forma sob a qual a dimensão é introduzida na distribuição 
condicional de M(R). Numa poeira de Cantor tudo dependia 
da posição detem relação à origem. Aqui, pelo contrário, toda 
a distribuição condicional é invariante em relação à posição de 
t, de onde se extrai a conclusão de que a relação M(R) oc R0 é 
válida para todo o A> R, continuando a ser válida quando A 
se toma infinitamente grande. 
O que depende fortemente de A é a probabilidade de o 
número de erros ser não nulo. Em particular, consideremos a 
probabilidade de o intervalo de t a t + R cair todo dentro de 
uma intermissão de grande comprimento. Quando A aumenta 
indefinidamente, essa probabilidade avizinha-se de 1 e a pro-
babilidade de observar um erro toma-se infinitamente pe-
quena. Mas isto não afecta em nada a probabilidade condicio-
nal do número de erros, garantindo-se à partida ou que haja· 
um erro no instante preciso t, ou que haja pelo menos um erro 
algures no intervalo de t a t + R. Iremos retomar esta disdtssão 
no capítulo seguinte, a propósito daquilo que se chamará 
«princípio cosmográfico condicional». 
Poeira de Lévy, obtida a partir da recta 
aparando «tremas» ao -acaso 
Retomemos ao conjunto postulado por Berger e Mandelbrot 
1963. Enquanto modelo da distribuição de erros, os seus de-
feitos eram os factos de a representação permanecer imperfeita 
nos seus pormenores, de a restrição TJ > O ser esteticamente 
deselegante e de a própria construção ser tão arbitrária que 
não poderia ser considerada satisfatória. Além disso, o -seu 
espírito afasta-se demasiado do da construção de Cantor. Por 
isso, propus rapidamente uma alternativa, que se revelou 
superior sob todos os aspectos (ver Mandelbrot 1965c). Con-
siste em substituir a poeira de Cantor por uma variante alea-
68 
tória chamada «poeira de Lévy». A definição clássica reinter-
preta a distribuição hiperbólica Pr(U ~ u) = u-0 • Supusemos até 
agora que u é um inteiro ~ 1, enquanto Lévy supõe que u é um 
real positivo. Desta maneira, a «probabilidade» total deixa de 
ser igual a 1, para passar a ser infinita! Apesar das aparências, 
esta generalização tem um sentido preciso, embora implique 
diversas dificuldades técnicas que convém evitar. Fá-lo-emos 
adoptando uma outra construção, mais natural, proposta em 
Mandelbrot 1972z. 
Para a introduzir, será útil descrever a construção de Cantor 
por meio de «tremas virtuais». (É possível que este método seja 
inédito, pois não terá tido qualquer utilização até ao presente.) 
Parte-se, uma vez mais, de [0,1] e de novo se apara o terço 
central ]113, 213[, mas, depois disso, pretende-se aparar os 
terços centrais de cada terço de [0,1]. Tendo o terço central 
de [0,1] já sido aparado, apará-lo uma segunda vez não 
tem qualquer efeito real. Contudo, esses «tremas virtuais» 
revelam-se muito cómodos. Aparam-se, da mesma maneira, os 
terços centrais de cada nona parte de [0,1], de cada vigésima 
sétima parte, etc. Convém aqui notar que o número de tremas 
de comprimento superior a u vem a ser grosso modo igual· a 
(1 - D) I u, onde D é uma constante determinada pelas regras 
de dissecção. 
Dito isto, aleatorizemos então os comprimentos e as posi-
ções dos tremas acima referidos. Escolhemo-los independente-
mente uns dos outros, e de tal maneira que o número médio 
de tremas de comprimento superior a u seja (1 - D) I u. Ao 
escolhê-los de maneira independente, permitimos aos tre-
mas cruzarem-se ou serem virtuais no sentido definido no 
paráfrafo precedente. Os pormenores técnicos interessam 
pouco. O essencial é que o resultado da construção depende 
radicalmente do sinal de D. 
Quando D ~O e se pára nos tremas de comprimento 11 >O, 
é pouco provável que sobre alguma coisa. Se sobrar, será, sem 
dúvida, um intervalo muito pequeno. Seguidamente, quando 
11 ---7 O, torna-se quase certo (a probabilidade torna-se igual a 1) 
que os tremas não deixem a descoberto quase nenhuma ponto 
da recta. (Continua na p. 74) 
69 
Fig. 71- MOVIMENTO BROWNIANO ESCALAR: 
SEUS ZEROS E SUA CRÓNICA 
A primeira linha representa a sequência completa dos ga-
nhos acumulados do «Pedro» sobre o «Francisco» ao fim de 
SOO lançamentos sucessivos de uma moeda. Supõe-se que o 
jogo se mantém sempre justo (as probabilidades· de cara e 
coroa são iguais) e que o Pedro (ou o Francisco) ganha uma 
certa quantia quando a moeda sai. «cara» (ou «coroa»). Segue-
-se qu~ o ganho acumulado pelo Pedro efectua uma passeata 
(=passeio aleatório, ver capítulo XIII) sobre uma recta. Temos 
aqui uma aproximação discreta do movimento browniano es-
calar. A linha 1 é uma crónica (time series2) dos garihos acumu-
lados do Pedro ao longo de 550 lançamentos. _As linhas 2 e 3 
representam a mesma crónica se a partida se prolongar por 
10 000 lançamentos sucessivos. Para _maior clareza do desenho, 
os ganhos são marcados em intervalos de 20 lançamentos. Esta. 
figura de um manual conhecido, Feller 1950, foi reproduzida 
com o consentimento dos editores. 
O exame repetido destas curvas desempenhou um papel de-
cisivo na elaboração das teorias descritas neste ensaio. Antes 
de tudo,consideremos unicamente os zeros da nossa função. 
Ou seja, os instantes em que as fortunas do Pedro e do Fran-
cisco retornam ao ponto de partida. Embora os intervalos entre 
esses zeros sejam independentes, as suas posições parecem 
agrupar-se em rajadas hierarquizadas bem distintas. Por exem-
plo, cada zero da primeira linha é substituído, na segunda 
linha, por toda uma rajada de pontos. Se se estivesse a tratar 
do movimento browniano, ter-se-ia podido continuar a subdi-
vidir as rajadas até ao infinito. 
Muito a propósito, esta hierarquia veio-me à ideia quando 
abordei o problema da distribuição temporal dos erros de tele-
fone de que trata o capítulo IV. Sabia-se que esses erros se 
agrupavam em rajadas, mas quis verificar se os intervalos 
entre erros não seriam independentes. Um estudo empírico 
2 Sequência temporal>>. Em inglês, no original. (N. dos T.) 
70 
confirmou esta conjectura, conduzindo aos modelos discutidos 
no texto. 
Note-se que os zeros do movimento browniano - de que 
esta figura forma uma aproximação discreta- constituem a 
variante mais simples de uma poeira de Cantor aleatória de 
dimensão D = 0,5. Qualquer outro D que se deseje - caso 
esteja compreendido entre O e 1 - pode ser obtido através dos 
zeros de outras funções aleatórias. A dimensão fractal de uma 
sequência de erros de telefone define-se à custa deste modelo. 
O seu valor depende das características precisas do substrato 
físico. 
Examinemos de seguida não só os zeros da curva de cima, 
mas também o conjunto dos seus valores. Em Mandelbrot 
1963e notei que a sua forma faz lembrar a dos cortes verticais 
do relevo terrestre. Generalizada por diversas vezes, esta ob-
servação conduziu aos modelos do capítulo vn. 
Um processo de Poisson. Os instantes em que o Pedro e o 
Francisco jogam não têm necessariamente de estar distribuídos 
uniformemente no tempo. Podem ser escolhidos ao acaso, in-
dependentemente uns dos outros, com a mesma densidade. 
Formam então um processo de Poisson. Apesar de o resultado 
não diferir da passeata acima descrita senão de uma forma im-
perceptível, verifica-se que apresenta diversas vantagens. Em 
particular, a sua construção é generalizável ao caso multidi-
mensional, conforme se verá no capítulo VII. 
100 200 300 •oo soo -. 
D = 1.5 
6000 7000 8000 9000 10.000 
71 
Fig. 72 -A BARRA DE CANTOR 
A intersecção desta barra pulverizada com o seu eixo é uma 
poeira de Cantor, um conjunto de tal maneira ténue que é 
impossível ilustrá-lo directamente. 
D = log3 2 ,.., 0,63 
11 
11 
11 
11 
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Fig. 73 - A ESCADA DO DIABO 
= 
= 
O termo matemático oficial para designar a função y = f(x) 
ilustrada nesta figura é «função de Lebesgue da poeira de Can-
tor». Sobre cada uma das intermissões desta poeira, f(x) é cons-
tante. Na aplicação prática discutida no capítulo IV, L\x é um 
intervalo de tempo, sendo !ly a energia de um ruído durante 
este intervalo. É conveniente pensar nessa energia como es-_ 
tando uniformemente distribuída ao longo da vertical. Neste 
caso, a correspondência inversa x = fl(y) indica a maneira 
como esta regularidade se quebra; pode-se dizer que ela «se 
fractaliza», dando lugar a uma distribuição muito irregular. 
72 
Uma função que generaliza r ao caso do plano, ou do 
espaço a três dimensões, está implícita no estudo dos voos de 
Lévy, tal como eles aparecem ilustrados nas figs. 107 a 113. 
É preciso imaginar k como uma coordenada perpendicular ao 
plano de uma dessas figuras e o k-ésimo movimento da escada 
como sendo paralelo a um salto do desenho, localizado à altura 
k. Se se supõe que a repartição da massa galáctica é uniforme 
sobre o eixo dos k, a função r torna-a fractal, isto é, terrivel-
mente não uniforme no plano ou no espaço. 
73 
Pelo contrário, quando O < D < 1, os tremas·- deixam a 
descoberto um certo conjunto muito pequeno, que se verifica 
ser precisamente uma poeira de Lévy de dimensão igual a D. 
Para este conjunto, a homotetia interna estatística é uni-
forme, no sentido de que a razão r pode ser escoThida sem 
restrições, contrariamente ao conjunto de Cantor, para o qual 
r devia ser da forma 3-k, com k inteiro. 
É realmente uma pena (como foi dito no princípio deste 
capítulo) que não haja nenhum bom método directo para ilus-
trar os resultados que acabam de ser apresentados. No en-
tanto, da mesma maneira que a poeira de Cantor se pode 
imaginar muito bem de forma indirecta, através da intersecção 
da curva de von Koch com a sua base, pode-se imaginar a 
poeira de Lévy de forma indirecta, através da cidade de ruas 
aleatórias representada na fig. 75. A construção prolonga cada 
trema da recta numa direcção do plano escoThida ao acaso. Ao 
passo que as «casas» restantes têm uma dimensão D > 1, a sua 
intersecção com uma recta arbitrária é uma poeira de Lévy de 
dimensão D - 1. Pelo contrário, se D < 1, a intersecção será 
quase de certeza vazia. 
P.-S. Os físicos compreendem muito bem a natureza dos 
ruídos clássicos, os quais dominam a transmissão de sinais 
fracos. O mais importante e o mais bem conhecido é o ruído 
térmico. Mas o problema que aqui nos preocupa diz respeito 
a sinais de tal maneira intensos que os ruídos clássicos são 
desprezáveis e só ficam os outros. Estes últimos são difíceis e 
apaixonantes, uma vez que a sua compreensão é ainda muito 
precária. O argumento fractal esboçado neste capítulo con-
tribui para a sua compreensão. 
P.-S. 1989. Verifica-se que o parâmetro D de Berger e Man-
delbrot 1963 depende da intensidade do sinal transmitido. En-
contra-se aqui a origem da noção de medida multifractal; ver 
capítulo IX e Mandelbrot 1988c, 1989e, 1989g. 
74 
Fig. 75 -EFEITO DOS TREMAS EM FORMA DE BANDA. 
CIDADE DE RUAS ALEATÓRIAS 
O plano é percorrido por bandas de direcção isotrópica. As 
suas larguras são tais que a intersecção da vertical com a 
banda de ordem p tem comprimento Q/p = (2- D)/p (a ordem 
p de urna banda surge quando as bandas sáo classificadas por 
intersecções decrescentes). O diagrama corresponde a um 
valor de D próximo de 2. A sua intersecção com urna recta 
qualquer é urna poeira de Lévy de dimensão D- 1, próxima de 
1. Se o mesmo processo for levado até ao infinito, a área que 
«sobra» para as casas é ·nula. (Dever-se-ão construir arranha-
-céus de altura infinita?) Quando Q é superior a 2, têm-se 
apenas «ruas» e não existem «casas». 
D,.., 1,9 
75 
CAPÍTULO V 
As crateras da Lua 
A lógica do desenvolvimento do modelo dos tremas, com o 
qual terminou o capítulo anterior, leva-nos agora aos tremas 
do plano, em forma de discos. Embora o seu interesse seja 
incomparavelmente mais geral, iremos introduzi-los por meio 
de uma discussão, rápida e um pouco seca, do relevo lunar. 
A Lua servir-nos-á, assim, de etapa intermédia para os objectos 
celestes estudados no capítulo seguinte. 
O termo «cratera» implica uma origem vulcânica, embora, 
na realidade, as crateras lunares sejam atribuídas ao impacte 
de meteoritos. Quanto maior é um meteorito, maior e mais 
profundo é o buraco que ele provoca. Contudo, um novo 
impacte de grandes proporções pode apagar os vestígios de 
muitos outros anteriores e um novo impacte de um meteorito 
pequeno pode «quebrar» os rebordos de uma grande cratera 
mais antiga. Além disso, outras forças contribuem para modi-
ficar a superfície da Lua. No fim de contas, é necessário, no 
que diz respeito às origens e às áreas das crateras, distinguir 
duas distribuições diferentes: aquela que é observada e aquela 
que está subjacente. Supomos (isto é uma aproximação draco-
niana!) que os rebordos das crateras se apagam de repente ao 
fim de um certo tempo que não está relacionado com o seu 
tamanho. Quanto às áreas das crateras, Marcus 1964 e Arthur 
1954mostraram que seguem uma distribuição hiperbólica de 
expoente y próximo de 1. Admitimos que esta é a distribuição 
77 
subjacente. Finahnente, trabalhamos com base no plano, e não 
na superfície da esfera. Isto leva-nos a generalizar a duas 
dimensões a construção dos tremas aleatórios, tratada no 
capítulo IV. Ao substituir os intervalos por discos, faremos que 
tudo se mantenha isotrópico (isto é, invariante para a rotação 
do conjunto). 
Um primeiro problema consiste em determinar se existem 
partes da Lua que permaneçam eternamente sem uma cratera. 
Se a resposta for afirmativa, é necessário caracterizar a estru-
tura geométrica do conjunto não coberto por crateras. É pre-
ciso notar que a hipótese de desgaste brutal dos bordos signi-
fica que a duplicação do «tempo de vida» V antes do desgaste 
equivale à duplicação do número de crateras de cada área. 
Eis as respostas às questões acima colocadas. Antes de tudo, 
existem dois casos de reduzido interesse matemático, os quais 
- isso não era evidente a priori! - não se aplicam à realidade. 
Se o expoente y da lei das áreas das crateras for inferior a 1, 
é quase certo -qualquer que seja o tempo de vida de uma 
cratera- que o resultado do bombardeamento meteórico 
consistirá em cobrir todos os pontos da superfície lunar com, 
pelo menos, uma cratera. Se y > 1, qualquer quadrado da 
superfície lunar tem uma probabilidade não nula de ser exte-
rior a qualquer cratera. Essa superfície fica então com a 
aparência de uma fatia de queijo de Emmenthal: uma canção 
ensinava às crianças britânicas que a Lua era feita de queijo 
verde. Não estaria, portanto, enganada quanto à substância, 
mas sim quanto à cor e à proveniência. Quanto maior for o 
valor de y, menor será o número de pequenos buracos e mais 
maciço será o nosso queijo. 
Vejamos agora o caso interessante. Se y = 1 e o tempo de 
vida V das crateras for superior a uma certa constante V0, é 
quase certo, mais uma vez, que nenhum ponto será exterior a 
todas estas crateras. Se V > V O' pode-se simplesmente dizer que 
este conjunto não contém nenhum quadrado- por muito pe-
queno que seja esse qu~drado. Além disso, a sua área (definida 
como medida de Lebesgue) é igual a zero. Finahnente, a sua 
dimensão tende para O quando V aumenta. 
Quando V é menor do que V O' o conjunto não coberto é um 
fractal. Se V for muito pequeno, este fractal tem uma dimensão 
78 
próxima de 2, assemelhando-se a filamentos infinitamente bi-
furcados, que separam os buracos, muito pequenos e que não 
se sobrepõem muito uns aos outros. Talvez o amador aí reco-
nheça, comigo, uma extrapolação evanescente da estrutura do 
queijo suíço de Appenzell. Quando V cresce e D decresce, pas-
sa-se progressivamente para um Emmenthal, que também 
desaparece, mas desta vez por culpa de buracos grandes que 
frequentemente têm partes comuns. Entre outras coisas, inclui 
muitos bocados rodeados por coroas vazias muito irregulares. 
Depois, para um certo valor «crítico» D, a situação altera-se 
qualitativamente: os nossos «filamentos» de queijo decom-
põem-se e o conjunto não coberto por nenhuma cratera trans-
forma-se numa poeira. 
Estes últimos resultados são ilustrados nas figs. 80 a 83. Eles 
ultrapassam bastante em importância o problema relativo às 
crateras da Lua. 
79 
Figs. 80-81- FATIAS DE «QUEIJO FRACfAL DE APPENZELL», 
COM BURACOS REDONDOS ALEATÓRIOS 
Cortamos no plano uma série de tremas circulares, marca-
dos a branco, com os seus centros distribuídos ao acaso (dis-
tribuição de Poisson) e com os raios escolhidos de forma a 
assegurar a homotetia interna estatística. Estes raios deveriam 
ser aleatórios, mas na prática escolhemo-los na forma Q/-./p, 
onde p é a ordem de um trema na classificação por raios 
decrescentes e Q é uma constante. Permite-se a um trema 
pequeno intersectar um outro maior. 
Não é de espantar que, se a construção acima descrita fosse 
levada até ao infinito, a área do que restava fosse nula. Con-
tudo, a nossa intuição não nos diz se restaria o que quer que 
80 
fosse e, em caso afirmativo, se o resto seria constituído por fios 
conexos ou por uma poeira de pontos. 
A resposta às questões que acabam de ser colocadas de-
pende de Q. Em particular, D = 2 - 2xQ2. 
Quando Q é muito pequeno, por . um lado, os tremas só 
cobrem o plano muito lentamente e, por outro, o resto con-
serva uma interconexão muito forte, como se vê no diagrama 
da p. 80, no qual vejo uma semelhança com o queijo suíço de 
Appenzell. Este diagrama tem uma dimensão fractal de 1,99. 
No diagrama da p. 81, a dimensão torna-se D = 1,99, sem que 
tenha mudado a semente do gerador pseudo-aleatório. Multi-
plicaram-se, portanto, as áreas dos tremas precedentes por 
uma constante superior a 1. O efeito é evidente: a interconexão 
do que resta diminuiu de forma nítida. 
81 
Figs. 82-83- FATIAS DE <<QUEIJO FRACTAL DE EMMENTHAL», COM 
BURACOS REDONDOS ALEATÓRIOS 
Retornemos o procedimento da figura anterior, continuando 
a diminuir D, sem mudar de semente, e pintando os tremas 
de preto. O resultado, para D = 1,75, é ilustrado no diagrama 
da p. 82 (um queijo Ernrnenthal um pouco vazio). Da mesma 
maneira, o caso D = 1,5 é ilustrado no diagrama da p. 83, 
quase evanescente. Enquanto D >O, o «resto» tem medida 
nula, mas não é vazio. De qualquer das formas, toma-se vazio 
se Q ultrapassar 1/--Jn, significando que o D formal definido 
por 2 - 27tQ2 se toma negativo e deixa de ser urna dimensão. 
82 
83 
CAPÍTULO VI 
A distribuição das galáxias 
Neste capítulo retomamos ao estudo pormenorizado de um 
importante problema corrente. Proponho-me demonstrar que 
a teoria de Hoyle de formação das estrelas e das galáxias, 
o modelo descritivo de Foumier d' Albe e (mais importante 
ainda) os dados empíricos são unânimes em sugerir que a 
distribuição das galáxias no. espaço inclui uma grande zona 
de homotetia interna, no seio da qual a dimensão fractal é 
próxima de D = 1. Sem qualquer dúvida, esta zona não se 
estende às pequenas escalas, parando antes mesmo que se 
atinjam objectos de contornos precisos, como os planetas. Mas 
não é certo se, nas grandes escalas, esta zona se estende até ao 
infinito ou se, pelo contrário, se fica pelos amontoados de 
galáxias (ver o exemplo do novelo de fio, discutido no capí-
tulo I), seguindo-se uma zona onde a dimensão parece ser 
D = 3. Conforme a resposta a esta questão muito controversa, 
a zona em que D < 3 será mais ou menos vasta. 
O problema da distribuição das estrelas, das galáxias, etc., 
fascina tanto o amador como o especialista, mas permanece 
uma questão secundária em relação ao conjunto da astronomia 
e da astrofísica. Sem dúvida, isso deve-se à falta de uma boa 
teoria. 
Nenhum especialista tem a pretensão de ter conseguido 
explicar porque é que a distribuição da matéria celeste é irre-
gular e hierarquizada, como indica a observação a olho nu 
85 
e confirma o telescópio. Esta característica é assinalada em 
todas as obras, mas, quando se passa aos desenvolvimentos 
sérios, a quase unanimidade dos teóricos supõe imediatamente 
que a matéria estelar está distribuída de uma maneira uni-
forme. 
Uma outra explicação para esta hesitação em tratar o irregu-
lar é a inexistência de qualquer descrição geométrica para ele, 
tendo todas as tentativas efectuadas para a conseguir acabado 
por reconhecer as suas deficiências. Desta forma, tudo o que se 
poderia fazer era pedir à estatística que decidisse entre a hipó-
tese da uniformidade assimptótica, conhecida a fundo, e uma 
hipótese contrária, muito vaga. Será de espantar que os resul-
tados de verificações tão mal preparadas tenham sido tão 
pouco concludentes? 
Para sair deste impasse, não seria então mais útil tentar, uma 
vez mais, a descrição sem esperar a explicação? Não seria mais 
útil mostrar, por exemplo,que as propriedades que se deseja 
encontrar nesta distribuição são mutuamente compatíveis, e 
isto no seio de uma construção «natural», quer dizer, onde não 
se tenha de pôr t_udo o que se pretenda retirar, portanto, que 
não seja demasiado ad hoc, «à medida»? 
Este capítulo, fazendo uso de uma generalização do movi-
mento browniano, demonstra que uma tal construção é efecti-
vamente possível, que parece fácil (depois, tudo é fácil) e que 
inclui inevitavelmente os conceitos de objecto e de dimensão 
fractais. 
Examinaremos com que é que se assemelha, quando se exa-
mina radialmente a partir da Terra, uma distribuição subme-
tida (retomando o neologismo do capítulo IV) a um amontoa-
mento ilimitado. O resultado, que não é evidente, não pode 
deixar de afectar a interpretação dos dados experimentais. 
O capítulo IX irá tratar de objectos relativamente intermitentes 
e introduzir a matéria interestelar. Mas, por agora, supomos 
que o espaço entre as estrelas é vazio. 
P.-S. Em publicações mais técnicas (Mandelbrot 1975u, 
1979u, 1982f, 1988t) demonstro que o quadro aqui proposto 
conduz ao estudo estatístico preciso do problema da inter-
mitência galáctica. 
86 
A densidade global das galáxias 
Comecemos por examinar de perto o conceito de densidade 
global da matéria no universo. A priori, tal corno o compri-
mento de urna costa, essa densidade não parece colocar 
qualquer problema, mas, de facto, as coisas depressa se desen-
caminham e de urna forma muito interessante. Dentre os 
muitos processos possíveis para definir e medir a densidade, 
o mais directo consiste em medir a massa M(R) contida numa 
esfera de raio R, centrada na Terra, calcular depois a densidade 
média definida por M(R)/[(4/3)n:R3], fazendo, em seguida, R 
tender para infinito e, definindo, finalmente, a densidade glo-
bal p, corno o limite para o qual a densidade média não pode 
deixar de convergir. 
Infelizmente, a convergência em questão deixa muito a 
desejar: à medida que a profundidade do mundo perceptível 
pelos telescópios aumentou, a densidade média da matéria não 
deixou de diminuir. Variou mesmo de forma regular, man-
tendo-se aproximadamente proporcional a RD-3, com o ex-
poente D positivo, mas menor do que 3, mesmo muito menor, 
da ordem de grandeza de D = 1. A massa M(R), portanto, 
aumenta aproximadamente com R0 , fórmula que faz lembrar a 
obtida no capítulo IV para o número de erros estranhos no 
intervalo de tempo R e que constitui, assim, uma primeira 
indicação de que D talvez seja urna dimensão fractal. 
A desigualdade D < 3 exprime que, à medida que a Terra 
está mais longe, os objectos celestes se agrupam hierarqui-
camente, manifestando assim o intenso amontoamento de que 
falámos. Nos termos eloquentes de Vaucouleurs 1970 (expo-
sição que recomendo vivamente), «O amontoamento das galá-
xias e, sem dúvida, de todas as formas de matéria permanece, 
qualquer que seja o método de observação, a característica 
dominante da estrutura do universo, sem haver indicação de 
urna aproximação à uniformidade. A densidade média da 
matéria decresce continuamente quando se consideram volu-
mes cada vez maiores ... e as observações não nos dão qual-
quer motivo para supor que esta tendência não se mantenha 
para distâncias muito maiores e densidades muito menos ele-
vadas». 
87 
Caso a tese defendida por Gérard Vaucouleurs se confirme 
(não se pode esconder que ela suscitou algumas reservas, mas 
parece ser cada vez mais bem aceite), o mais simples será 
admitir que D é constante. Mas, de qualquer das maneiras, o 
universo comportar-se-ia como o novelo de fio discutido no 
capítulo II: numa zona intermédia, a sua dimensão seria infe-
rior a 3. A escalas muito grandes, dependendo do facto de 
Vaucouleurs ter razão ou não, seria inferior ou igual a 3, res-
pectivamente. A escalas muito pequenas, do ponto de vista 
da astronomia, estaríamos perante pontos e depois sólidos com 
os contornos bem delimitados, sendo D de novo igual a O e 
depois a 3. 
Pelo contrário, a ideia ingénua de que as galáxias se repar-
tem pelo universo de uma maneira praticamente uniforme (a 
tradução técnica desta ideia seria que elas seguem uma dis-
tribuição de Poisson) economizaria a zona em que a dimensão 
está compreendida entre O e 3, dando simplesmente (por esca-
las decrescentes) as dimensões 3, O e 3. Se o modelo fractal com 
O < D < 3 se aplica apenas numa zona truncada nos dois 
extremos, poder-se-á dizer que, globalmente, o universo tem 
dimensão 3, mas com perturbações locais de dimensão inferior 
a 3 (da mesma maneira que a teoria da relatividade geral 
afirma que o universo é globalmente euclidiano, mas que a 
presença de matéria o torna localmente riemaniano). 
Sumário do capítulo VI 
Qualquer que seja o valor das sugestões anteriores, vale a 
pena encontrar a forma como - evitando contradizer a física, 
mas sem esperar dela qualquer ajuda de momento - se pode 
formalizar a ideia, enunciada acima, de que a densidade apro-
ximada da matéria converge para zero, sendo nula a densidade 
global. 
Uma primeira construção que demonstra a compatibilidade 
destas condições depressa me ocorreu. Encontrei, porém, di-
versos predecessores. Ao que parece, a primeira forma explí-
cita foi dada em 1907 por Edmund Edward Fournier d' Albe, 
um autor de trabalhos de «ficção científica» disfarçados de 
88 
ciência. Tomei conhecimento do seu modelo através de uma 
citação sarcástica, mas acabei por achar bem transpô-lo para 
termos científicos. Fournier 1907 apenas sobreviveu por ter 
chamado a atenção de um astrónomo conceituado- C. V. L. 
Charlier. Este, por seu turno, propôs um modelo aparente-
mente mais geral, mas também menos útil, que iremos 
igualmente descrever a seguir. 
Em seguida, o princípio caiu no esquecimento, para ser 
reinventado em Lévy 1930, o que acho engraçado, e em Boyle 
1953, o que é importante. Tal como Fournier e Charlier, Lévy 
procurava evitar o paradoxo do «céu em fogo», também cha-
mado «paradoxo de Olbers», que justificadamente apaixona o 
amador e que nós iremos discutir. Quanto a Boyle, desenvol-
via o seu modelo de génese das galáxias, que iremos igual-
mente analisar. 
Penso que será bom centrar a exposição que se segue numa 
ressurreição do modelo bastante esquecido de Fournier-Char-
lier, mas não poderemos esperar mantê-lo, pois é totalmente 
inverosímil, pelas mesmas razões que o conjunto de Cantor o 
era para os erros do telefone: é excessivamente regular e a 
origem terrestre desempenha na sua construção um papel 
privilegiado, que choca com o princípio cosmológico. 
Este último princípio, que iremos igualmente discutir, coloca 
um problema muito sério, pois é incompatível não só com os 
pormenores do modelo de Fournier-Charlier, mas também 
com a possibilidade de a densidade aproximada de matéria 
numa esfera de raio R tender para O quando R tende para 
infinito. Demonstrei, entretanto, como a dita incompatibilidade 
matemática pode ser, por assim dizer, «exorcizada». É assim 
que, logo após ter descrito o modelo de Fournier, proporei a 
ideia de que o princípio cosmológico vai além do razoável e do 
desejável, devendo ser modificado, de forma natural, mas 
radical. Recomendarei que se adopte para ele urna nova forma, 
muito enfraquecida e que qualificarei de condicional, que 
postula que o dito princípio é apenas válido para «ver-
dadeiios» observadores. Esta nova forma enfraquecida pare-
cerá, sem dúvida, inofensiva, e não há dúvida de que a maioria 
dos astrónomos não só a achará aceitável, corno se interrogará 
sobre o que ela traz de novo. Já a teriam estudado há muito 
89 
tempo se lhe tivessem reconhecido o mínimo interesse. Vere-
mos que o interesse do meu princípio cosmográfico condi-
cional é que ele não implica qualquer hipótese quanto à den-
sidade global. Para demonstrar o facto de permitir à densidademédia crescer com R0 - 3 em tomo de qualquer verdadeiro 
observador, irei descrever uma construção explícita, que, num 
certo sentido técnico, equivale à substituição injustificada de 
um problema de N corpos, que é insolúvel, por uma combi-
nação de problemas de dois corpos, que é fácil de resolver. 
Este processo não aspira ter nenhuma realidade cosmográfica, 
mas resolve o paradoxo que nos interessa. De caminho encon-
traremos muitas razões para interpretar D como uma dimen-
são fractal. · 
O universo hierárquico estrito de Fournier 
Tal como na fig. 105, consideremos 5 pontos, formando os 
quatro cantos de um quadrado e o seu centro. Acrescentemos 
2 pontos, posicionados respectivamente por cima e por baixo 
da nossa folha de papel, na vertical do centro e à mesma 
distância deste que os quatro cantos do quadrado inicial: os 7 
pontos assim obtidos formam um octaedro regular centrado. 
Se se interpretar cada ponto como um objecto celeste de base, 
ou ainda como um «amontoado de ordem O», o octaedro será 
interpretado como um «amontoado de ordem 1». Continua-
-se a construção da maneira seguinte: um «amontoado de 
ordem 2» obtém-se aumentando um amontoado de ordem 1 na 
razão 1 I r = 7 e centrando sobre cada um dos 7 pontos assim 
obtidos uma réplica do amontoado de ordem 1. Da mesma 
maneira, obtém-se um «amontoado de ordem 3» aumentando 
um amontoado de ordem 2 na razão 1 I r = 7 e centrando sobre 
cada um dos 49 pontos assim obtidos uma réplica do amon-
toado de ordem 1. Assim, para passar de uma ordem qualquer 
à seguinte, aumenta-se o número de pontos e também o raio, 
na mesma razão 1lr = 7. 
Consequentemente, se cada ponto tiver a mesma massa, que 
tomaremos por unidade, a função que dá a massa M(R) con-
tida dentro de uma esfera de raio R oscila entre um e outro 
90 
lado da função representada pela recta M(R) =R. A densidade 
média dentro da esfera de raio R é aproximadamente propor-
cional a R-2, a densidade global anula-se e a dimensão D, defi-
nida por meio da expressão M(R) oc R0 , é igual a 1. 
Partindo dos amontoados de ordem O, pode-se igualmente 
interpolar até o infinito, por etapas sucessivas. A primeira 
etapa substitui cada ponto por um amontoado de ordem 1, 
reduzido na razão de 117, e assim sucessivamente. 
Note-se que as intersecções do resultado com cada um dos 
eixos de coordenadas, bem como as suas projecções sobre 
esses eixos, são poeiras de Cantor. Cada etapa da sua cons-
trução consiste em dividir o intervalo [0,1] em 7 partes iguais, 
cortando depois a segunda, terceira, quinta e sexta partes. 
Uma vez infinitamente interpolado e extrapolado, este uni-
verso possui uma homotetia interna, sendo possível definir a 
sua dimensão de homotetia, a saber D = log 7 llog 7 = 1. Inci-
dentalmente, fazemos notar este elemento novo: um objecto 
espacial pode ter uma dimensão fractal igual a 1 sem ser nem 
uma recta nem nenhuma outra curva rectificável, e mesmo sem 
ser todo ligado. A mesma dimensão de homotetia, portanto, é 
compatível com valores diferentes da dimensão topológica 
(noção descrita no capítulo XIV). De uma forma mais geral, a 
dimensão de homotetia de um objecto fractal pode tomar um 
valor inteiro, na condição de este valor ser «anormal», isto é, 
superior à dimensão topológica. (Na introdução chamei a 
atenção para o facto de o velho termo «dimensão fraccionária» 
nos obrigar a dizer que a «dimensão fraccionária de certos 
objectos é igual a 1 ou a 2»!) 
Como veremos mais à frente, diversas razões físicas foram 
avançadas, quer por Foumier quer por Boyle, para justificar 
D = 1, mas é preciso dizer desde já que este valor não tem nada 
de inevitável do ponto de vista geométrico. Ainda que se 
conserve a construção à base de octaedros e o valor N = 7, 
pode-se dar a 1 I r um valor diferente de 7, obtendo-se assim 
M(R) oc R0 com D = log 7 llog (llr). Qualquer valor entre 3 e o 
infinito é aceitável para 1 I r, pelo que D pode tomar qualquer 
valor entre O e log 7 llog 3"" 1,7712. Ainda um outro ponto: a 
escolha de N é discutível. Foumier diz ter considerado N = 7 
unicamente para tomar possível um desenho legível, sendo o 
91 
«verdadeiro» valor (não explica porquê) N = 1022• Pelo contrá-
rio, Boyle considera N = 5. Qualquer que seja N, sendo dado 
um D que satisfaça D < 3, é fácil construir variantes do modelo 
de Fournier tendo esse valor por dimensão. 
(Assinalemos, sem aí nos determos, que a estrutura infini-
tamente hierarquizada do universo de Fournier só surge ple-
namente quando ela é examinada de um ponto infinitamente 
distante, utilizando um instrumento que permita, ao mesmo 
tempo, ver até ao infinito e ter uma percepção das distâncias. 
A um observador que faça, ele mesmo, parte do universo, e 
cujos instrumentos tenham um alcance limitado, permitindo-
-lhe ver apenas até à profundidade R< oo, o universo de 
Fournier aparecerá sob uma forma totalmente diferente.) 
Universo de Charlier, de dimensão efectiva 
indeterminada dentro de um intervalo 
O modelo de Fournier tem inúmeros inconvenientes, entre 
os quais este: é demasiado regular. Este é um dos aspectos que 
Charlier 1908-22 corrige, deixando N e r variar de um nível 
hierárquico para o outro, sendo os seus valores designados por 
Nm e rm. O objecto assim obtido, bem entendido, não possui 
homotetia interna e não tem uma verdadeira dimensão. 
Mais precisamente, a quantidade log N,/log (1/rn) pode 
variar com m. Pode-se imaginar que ela se mantém entre os 
limites a que chamaremos D . e D , o que conduz à intra-
mm max 
dução de mais um tópico. A dimensão física efectiva pode 
muito bem ter não um só valor preciso, mas apenas limites 
inferior e superior. Este novo tema, todavia, não pode ser 
desenvolvido aqui. 
Seja como for, a condição D max < 2 (satisfeita por Fournier ao 
considerar D = 1) evita o paradoxo de Olbers, o qual iremos 
discutir dentro de instantes. Notemos, de passagem, que 
Charlier evita precisar a relação geométrica existente entre os 
objectos de um mesmo nível. Invoca assim aquilo que o 
capítulo III qualifica sarcasticamente de acaso de invocação, 
ou acaso-anseio. Não se pode ficar satisfeito com essa forma 
de acaso. 
92 
Paradoxo do «céu em fogo», dito de Olbers 
Kepler parece ter sido o primeiro a reconhecer que a hipó-
tese de uniformidade na repartição dos corpos celestes não é 
sustentável. Com efeito, se assim fosse, o céu nocturno não 
seria escuro. De dia corno de noite, todo o céu teria a mesma 
luminosidade que o disco solar, ou seja, seria uniformemente 
da cor do fogo. A esta inferência chama-se normalmente o 
«paradoxo de Olbers», referindo-se a Olbers 1823. Para urna 
discussão histórica poder-se-á consultar Munitz 1957, North 
1965 ou Jaki 1969. Já aqui se disse que o paradoxo desapare-
ceria se nos conseguíssemos convencer de que os corpos 
celestes satisfazem M(R) ex: R0 , com D < 2. O primeiro objectivo 
de Fournier e Charlier foi construir um universo em que M(R) 
tornasse efectivamente essa forma. 
O argumento de Olbers é muito simples. Compara urna 
estrela situada à distância R do «observador» com urna estrela 
situada à distância R = 1. Embora a sua luminosidade relativa 
seja igual a 1 I R2, a sua superfície relativa aparente é também 
igual a 1/R2, pelo que a densidade de luminosidade aparente 
é a mesma para todas as estrelas. Além disso, se o universo é 
uniforme, qualquer que seja a recta que se trace no céu, esta 
acaba por intersectar o disco aparente de alguma estrela, pelo 
que a densidade de luminosidade aparente é a mesma ao longo 
de toda a extensão do céu. 
Se, pelo contrário, M(R) ex: R0 , com Daquém do limiar D < 2, 
urna proporção não nula das direcções perde-se no infinito, 
sem nunca encontrar nada. Essa é urna razão suficiente para 
que o fundo do céu nocturno seja escuro. 
Convém, contudo, dizer desde logo que D < 2 não é urnarazão necessária. O paradoxo do céu em fogo pode ser 
igualmente «esconjurado» de muitas outras maneiras, que não 
implicam o uso de fractais, pelo que o seu estudo viria aqui a 
despropósito. Coisa curiosa: a maioria dos «exorcistas» preten-
dem reduzir tudo a urna única explicação e os seus trabalhos 
parecem ter retardado o estudo do amontoamento estelar ou 
galáctico. 
É ainda de assinalar que, quando a zona onde D < 3 é 
seguida, a urna distância grande, mas finita, de urna zona 
93 
homogénea em que D = 3, o fundo do céu não será negro, mas 
iluminado muito tenuemente. 
Justificação de D = 1 por Fournier 
Retornemos a Fournier. Podemos ver que é mais preciso que 
Charlier, ao impor um certo valor de D, nomeadamente D = 1, 
valor mais do que suficiente para evitar o paradoxo de Olbers. 
Ele justifica-o (p. 103 do seu livro) com o seguinte argumento, 
que ainda hoje é notável e ainda o foi mais em 1907! 
Utilizando sem preocupações uma fórmula que, em princí-
pio, só é aplicável aos objectos de simetria esférica, suponha-
mos que, sobre a superfície de todo o universo visível (de 
ordem arbitrária) de massa M e de raio R, o potencial gravítico 
toma a forma CM/R (em que G é a constante de gravitação). 
Uma estrela que caísse sobre este universo teria, na altura do 
impacte, uma velocidade (2GM/R)112. Ora, afirma Fournier, 
a observação mostra que as ditas velocidades são limitadas. 
(É de perguntar em que baseava ele esta afirmação em 1907. 
Ela encontra-se enunciada em 1975 como sendo qualquer coisa 
de muito recente!). Se se pretende que, para objectos celestes 
de ordem elevada, esta velocidade não tenda nem para o infi-
nito nem para zero, é necessário que a massa M cresça com o 
raio R, e não (como acontece com uma distribuição de Poisson) 
com o volume (4/3)nR3• 
Cascata de Hoyle. Justificação de D = 1 
pelo critério de estabilidade de Jeans 
Vamos definir um universo pentádico e finito de Fournier 
como aquele que se obtém a partir da construção de Fournier 
fazendo N = 5 em lugar de N = 7, e não o extrapolamos nem 
para o infinitamente grande nem para o infinitamente pe-
queno. Iremos agora mostrar que o carácter hierárquico de um 
tal universo (sob a forma de «acaso-anseio» de Charlier) e o 
facto de a sua dimensão fractal ser igual a 1 surgem, quer um 
94 
quer outro, quando se admite que as galáxias e as estrelas se 
formaram a partir de uma cascata de fragmentações, partindo 
de urna massa gasosa uniforme. 
O argumento, atribuído a Hoyle 1953, é controverso, mas 
tem em conta urna certa realidade física. Em particular, associa 
D = 1 ao critério de equilíbrio das massas gasosas, devido a 
Jeans. 
Imaginemos urna nuvem gasosa de temperatura T e de 
massa M0, repartida com urna densidade uniforme pelo inte-
rior de uma esfera de raio R0• Jeans demonstrou o papel espe-
cial do caso crítico em que M/ R0 = JkT I G (onde J é um certo 
factor numérico, k a constante de Boltzmann e G a constante de 
gravitação universal). Neste caso, a nossa nuvem é instável, 
devendo inevitavelmente contrair-se e subdividir-se. Hoyle 
postula que M/ R0 toma efectivamente este valor crítico e 
que a contracção acaba com urna nuvem de raio R/5213, após 
o que a nuvem se subdivide em 5 nuvens iguais, de massa 
M = M /5 e de raio R =(R /5213)/5113 =R /5 A etapa termina 1 o 1 o o . 
(propositadamente) do modo corno começou, na instabilidade, 
seguindo-se urna segunda etapa de contracção e subdivisão. 
Hoyle não escolheu N = 5 simplesmente para facilitar a ilus-
tração, mas por razões físicas (nas quais não nos podemos 
demorar). 
Além disso, pode-se mostrar que as durações da contracção 
de ordem m e da primeira contracção estão na razão de 5-m. 
Portanto, ainda que o processo seja levado até ao infinito, a sua 
duração total permanece finita, não ultrapassando um quarto 
da da primeira etapa. 
Chega-se assim às seguintes conclusões. Em primeiro lugar, 
Hoyle encontra o princípio cantoriano já subjacente nos tra-
balhos de Fournier. Em segundo lugar, Hoyle apresenta razões 
físicas· para se acreditar em N = 5. Em terceiro lugar, o crité-
rio de estabilidade de J eans fornece urna segunda maneira 
de determinar o valor da dimensão D. Curiosamente, dá 
exactamente o mesmo resultado final: a dimensão deverá ser 
igual a 1. 
Por outro lado, acredito que os argumentos de Hoyle e de 
Fournier não são mais do que as duas faces de uma mesma 
ideia. Com efeito, observo que no bordo de urna nuvem ins-
95 
tável de Jeans, CMI R é, ao mesmo tempo, igual a V2 /2 (Four-
nier) e a JkT (Jeans). Portanto, V2/2 = JkT, significando que a 
velocidade de queda de um objecto macroscópico é propor-
cional à velocidade média das moléculas, que contribui para T. 
Este comentário mereceria ser seguido. 
Princípios cosmológico e cosmográfico 
Um dos inúmeros defeitos do modelo de Fournier é que a 
origem desempenha aí um papel extraordinariamente prepon-
derante. Trata-se de um modelo decididamente geocêntrico, 
portanto antropocêntrico. É contrário ao «princípio cosmoló-
gico», o qual postula que o nosso tempo e a nossa posição na 
Terra não têm nada de muito especial ou central, que as leis da 
natureza devem ser as mesmas em toda a parte, por todos os 
tempos. 
Esta afirmação é discutida em Bondi 1952. Mais preci-
samente, o que aqui nos interessa é a aplicação desse princípio 
geral à distribuição da matéria. Além disso, não nos ocupamos 
da teoria (Àroycoo), mas apenas da descrição (ypa'lfll). Vamos, 
por isso, esclarecer a afirmação seguinte: 
«Princípio cosmográfico forte». A distribuição da matéria 
segue as mesmas leis estatísticas, qualquer que seja o referen-
cial (origem e eixos) na qual é examinada. 
A ideia é bastante tentadora, mas difícil de conciliar com 
distribuições que estão muito longe de ser uniformes. Já dis-
semos qualquer coisa a respeito disto no contexto dos erros de 
transmissão estudados no capítulo III. As dificuldades que se 
nos deparam são de natureza diferente consoante o valor da 
densidade global de matéria p no universo: se p for nulo, 
defrontamo-nos com uma incompatibilidade de princípio, ao 
passo que, se p for pequeno, mas não nulo, as dificuldades são 
unicamente de ordem estética e de comodidade. Mas, qualquer 
que seja o valor de p, parece importante dispor de uma formu-
lação mais de acordo com urna visão do mundo que inclua os 
objectos fractais. Para o fazer, julgo ser útil separar o princípio 
cosmográfico habitual em duas partes, cada uma das quais vai 
ser agora objecto de urna secção. 
96 
Princípio cosmográfico condicional 
Referimos o universo a um referencial submetido à condição 
de a sua origem conter, ela própria, alguma massa. 
Postulado: A distribuição condicionada da matéria é iden-
ticamente a mesma para todos os referenciais. Em particular, 
a massa M(R), contida dentro de uma esfera de raio R, é uma 
variável aleatória independente do referencial. 
Postulado adicional: 
a densidade global da matéria é não nula 
Se necessário, poder-se-á igualmente postular que os limites, 
quando R~ oo, de R-3M(R) e de R-3 < M(R) > são, quase de 
certeza, iguais, sendo, além disso, positivos e finitos. 
Consequências destes diversos princípios 
Consideremos as leis de distribuição de matéria num refe-
rencial arbitrário e num referencial condicionado pela exi-
gência de que a sua origem, ela mesma, contenha alguma 
matéria. Se o postulado adicional for válido, esta última dis-
tribuição deduz-se da primeira pelas regras a que obedece o 
cálculo das probabilidades condicionais. E a primeira deduz-se 
da última tomando a média relativa a origens uniformemente 
distribuídas por todo o espaço. 
(Existe uma questão delicada, digna de ser sublinhada entre 
parênteses: quando a distribuição uniforme das origens é inte-
grada ao longo de todo o espaço, obtém-se uma massa infinita,não sendo, por conseguinte, evidente que se possa renorma-
lizar a distribuição não condicional de modo que a sua soma 
seja 1. Para tanto é condição necessária e suficiente que a den-
sidade global seja positiva.) 
Suponhamos agora que o postulado adicional é falso, já que 
o limR_R-3M(R) existe, mas é nulo. Neste caso, a distribuição 
não condicional de probabilidade diz simplesmente que, se 
uma esfera de raio R finito for escolhida livremente, é quase 
97 
certo que estará vazia. Essa afirmação seria uma pura verdade, 
mas sem qualquer interesse e, na prática, insuficiente: 
A partir do momento em que todos os casos interessantes 
tomados em conjunto têm assim uma probabilidade nula, a 
física matemática deverá encontrar um método que os dis-
tinga. É precisamente o que faz a distribuição condicional de 
probabilidade e é o que justifica o realce que proponho dar ao 
princípio cosmográfico condicional. 
Subdividir assim o princípio forte em duas partes tem a 
vantagem filosófica adicional de satisfazer o espírito da física 
contemporânea, separando o que é observável, pelo menos em 
princípio, daquilo que é impossível de se verificar e constitui 
quer um acto de fé, quer uma hipótese de trabalho. 
De facto - conforme já foi dito -, é muito provável que a 
maioria dos astrónomos não levante a priori qualquer objecção 
contra o condicionamento que proponho e que este já fosse 
banal há muito tempo se se lhe conhecessem algumas conse-
quências dignas de atenção. Ou seja, se se tivesse reconhecido 
que constitui não um refinamento formal, mas uma generali-
zação autêntica. Portanto, seja para fundamentar o acto de 
fé, seja para mostrar que a hipótese de trabalho é efectiva-
mente útil, por ser simplificadora, é necessário estudá-lo seria-
mente. 
Digressão a propósito dos locais de paragem 
do voo de Rayleigh e da dimensão D = 2 
A combinação de hipóteses segundo as quais a densidade 
global se anula, ao passo que o princípio cosmográfico condi-
cional permanece válido, exclui o velho modelo de Fournier-
Charlier. À primeira vista, ela parece mesmo conter uma 
contradição interna. Mas vou demonstrar que tal não acontece. 
A compatibilidade destas hipóteses será, antes de tudo, ilus-
trada de uma forma muito artificial, atribuindo um novo papel 
a um exemplo que tem a virtude de já ser familiar ao leitor 
(já foi evocado no capítulo III) e ser até muito antigo, visto re-
montar, pelo menos, até Rayleigh 1880. O seu defeito, que é 
fatal, é o de não ter nem a dimensão nem o grau de conec-
98 
tividade exigidos pelos factos. A este modelo seguir-se-ão 
outros, menos irrealistas. 
Suponhamos que uma nave parte de um ponto ll(O) do 
espaço e que a sua direcção se distribui de uma forma aleatória 
e isotrópica. A distância entre ll(O) e o ponto ll(l), definido 
como a primeira paragem após ll(O), será igualmente aleatória, 
com uma distribuição prescrita à partida. O essencial é que os 
saltos só raramente tomem valores muito altos, de modo que, 
para o quadrado do comprimento do salto, o valor expectável 
< [ll(l) - ll(0)]2 > seja finito. Em seguida, a nave parte de novo 
para ll(2), definido de tal maneira que os vectores ll(l)- ll(O) 
e ll(2)- ll(l) sejam independentes e identicamente distri-
buídos. Continua assim ad infinitum. 
Além disso, podem-se ainda determinar os seus pontos de 
paragem anteriores ll(-1), ll(- 2), etc., utilizando o mesmo 
mecanismo em sentido inverso. Visto que o mecanismo não faz 
intervir a direcção do tempo, basta, com efeito, fazer partir de 
ll(O) duas trajectórias independentes. Feito isto, apaguemos as 
trajectórias rectilíneas traçadas pelas naves e examinemos o 
conjunto dos seus pontos de paragem, sem ter em conta a 
ordem pela qual cada um apareceu. Por construção, a se-
quência dos pontos de paragem segue exactamente a mesma 
distribuição, qualquer que seja o ponto ll(m) a partir do qual 
é examinada. Este conjunto satisfaz, então, o princípio cos-
mográfico condicional. 
Vamos agora supor que um pedaço de matéria é «semeado» 
em cada ponto de paragem. Se (como no capítulo III) o voo se 
limita ao plano, o conjunto dos pontos reparte-se de uma 
maneira quase uniforme. De facto, se os saltos tiverem uma 
distribuição gaussiana, o conjunto dos pontos no plano satisfaz 
o princípio cosmográfico forte. De qualquer maneira, uma 
esfera de raio R e de centro em ll(k) contém uma quantidade 
de outros pontos cuja ordem de grandeza é M(R) oc R2• No 
espaço, pelo contrário, os ll(k) repartem-se de uma maneira tão 
irregular que se tem ainda M(R) oc R2, e não M(R) oc R3• 
O valor do expoente, D = 2, é independente da dimensão do 
espaço ambiente e da distribuição dos saltos ll(k)- ll(k ~ 1). 
Esta é uma consequência directa do teorema do limite central. 
Este afirma que, quando < [ll(k)- ll(k -1)]2 > < oo, a distância 
99 
IT(k) - IT(O) obedece assimptoticarnente à distribuição gaus-
siana, seja qual for a distribuição exacta dos saltos IT(k)- IT(k -1). 
No espaço segue-se que a densidade média dos pontos é 
proporcional a R-1 e tende para O quando R ~ oo. De facto, se 
a origem do referencial for escolhida com urna probabilidade 
uniforme no espaço, pode-se mostrar que urna esfera de raio 
R finito não conterá nenhum ponto IT(k). Portanto, vista de 
urna origem arbitrária, a distribuição dos pontos é d€generada, 
excepto nos casos de probabilidade total nula. Em resumo, o 
princípio cosmográfico aplica-se bem aos pontos de paragem, 
mas só num sentido simultaneamente estatístico e condicional. 
De um modo mais geral, a restrição do princípio cosmográfico 
na forma condicional é necessária a partir do momento em que 
M(R) cresce mais lentamente do que R3• 
O facto de M(R) crescer com R2 está de acordo com a ideia 
de, num dos múltiplos sentidos formais do termo «dimensão», 
a dimensão do conjunto de pontos IT(k) ser igual a 2. En-
tretanto, o voo acima descrito avança por saltos discretos. 
Portanto, estritamente falando, não pode possuir homotetia 
interna. A fim de se poder aplicar o conceito de dimensão de 
homotetia, tal como foi definido mais acima para a curva de 
von Koch e para a poeira de Cantor, é necessário tomar o k 
contínuo, interpolando, ao mesmo tempo, a nossa função IT(k). 
A partir do momento em que os saltos de um voo de 
Rayleigh são gaussianos, a interpolação é possível e conduz ao 
movimento browniano isotrópico. Isso pode ser feito por eta-
pas que lembram as da construção de von Koch, mas que estão 
submetidas ao acaso: em primeiro lugar, estabelecem-se as 
posições para k inteiro; depois interpola-se para k múltiplo de 
1/2, sendo a trajectória alongada, e assim sucessivamente até 
ao infinito. No limite, o «salto elementar» entre k e k + dk é urna 
variável gaussiana de média nula e de variância igual a dk. Sem 
entrar em pormenores, digamos que o movimento browniano 
possui efectivamente urna homotetia interna e urna dimensão 
fractal D = 2, tanto no plano corno no espaço. Daí resulta que 
ele preencha o plano de forma densa e, ao mesmo tempo, deixe 
o espaço praticamente vazio. 
Mas retomemos a uma questão já colocada no caso das 
aproximações estendidas, mas finitas, da costa da Bretanha: 
100 
visto que o conceito de dimensão implica uma passagem ao 
limite, será que ele ainda terá alguma utilidade quando k é 
discreto? A minha resposta, atendendo ainda a razões que se 
prendem com o carácter da dimensão física efectiva, é mais 
uma vez afirmativa. 
Um conceito generalizado de densidade. 
Comentário sobre a expansão do universo 
Voltemos ao facto de podermos, sem prejudicar a estaciona-
ridade condicional, ponderar cada paragem de um voo de 
Rayleigh com uma massa escolhida ao acaso, sendo as diversas 
massas estatisticamente independentes. Se se pretender uma 
«distribuição uniforme», escolher-se-ão massas iguais. Con-
tinua a ter-se uma distribuiçãobrowniana: se é verdade que a 
massa entre os pontos de parâmetros k' e k é igual a õ I k'- k I, 
é cómodo imaginar a trajectória como tendo uma densidade 
uniforme õ. 
Vejamos qual o resultado deste facto na perspectiva de uma 
expansão uniforme, a qual, como Edwin Hubble mostrou, rege 
o nosso universo. Normalmente, admite-se que a dita expansão 
parte de uma densidade uniforme õ. Se o universo está em 
expansão, õ modifica-se progressivamente, sem nunca destruir, 
contudo, a uniformidade. Pensa-se geralmente que qualquer· 
outra distribuição seria alterada pela· expansão, mas um único 
contra-exemplo basta para demonstrar que não é bem assim. 
Se se partir da distribuição browniana, a expansão tem exac-
tamente o mesmo efeito que no caso uniforme: õ altera-se, mas 
a uniformidade permanece. Portanto, os pontos de um voo de 
Rayleigh interpolado são eminentemente compatíveis com a 
expansão do universo. 
O universo semeado: um novo modelo 
de distribuição das galáxias 
O modelo browniano exibe ainda duas características ina-
ceitáveis em cosmografia: trata-se de uma curva contínua, 
101 
quando isso não acontece nas distribuições estelares e o valor 
da sua dimensão, D = 2, é maior do que o valor D "" 1,3 suge-
rido pelos factos. Daí que, para salvar as virtudes do movi-
mento browniano, nomeadamente a sua invariância sob a ex-
pansão do universo, seja necessário modificar um aspecto 
essencial. 
Pontos de paragem de um voo de Lévy. 
As galáxias como poeira_ fractal de dimensão D < 2 
A generalização que proponho virá substituir o voo de 
Rayleigh por aquilo a que chamo um voo de Lévy. Atribui aos 
valores muito grandes de distância U entre IT(k) e IT(k + 1) uma 
probabilidade não desprezável, de modo que o valor expec-
tável < lP > se tome infinito. Mais precisamente, a fim de asse-
gurar que os pontos de paragem tenham assinptoticamente 
uma homotetia interna, toma-se Pr(U > u) = u-0 . Esta é a distri-
buição hiperbólica, que nos é familiar do estudo da distribui-
ção dos tamanhos das intermissões, no capítulo IV. Não é difícil 
ver que, para satisfazer a nossa condição < lP > = oo, é neces-
sário que O < D < 2. 
O grau de amontoamento resultante é ilustrado pelas figs. 107 
a 113, nas quais se mostram quer os pormenores vistos em 
projecções horizontais, sem perspectiva, quer a carta da região 
«equatorial» celeste. A fig. 114 apresenta, a título de compa-
ração, uma porção do céu verdadeiro. Visualmente, o amon-
toamento correspondente a D = 1 é excessivo, mas D = 1,3 está 
de acordo com as estimativas de Gérard de Vaucouleurs. 
Quem saberá explicar o conflito entre o valor experimental 
D = 1,3 e o valor teórico D = 1? 
A maior consequência desta nova lei, Pr(U > u) = u-0 , é a 
seguinte: quer se esteja no plano quer se esteja no espaço 
(sendo D < 1, isto é mesmo válido na recta), a quantidade 
< M(R) > toma-se doravante proporcional a R0 , sendo a rela-
ção M(R) I< M(R) > uma variável aleatória independente de R. 
Em particular, contrariamente ao que se verifica no voo de 
Rayleigh, o expoente de um voo de Lévy depende explici-
tamente da distribuição dos saltos. Isso deve-se ao facto de o 
102 
teorema clássico do limite central deixar de ser válido quando 
< l.P> = oo, devendo ser substituído por um teorema do limite 
central especial, cuja forma depende da lei dos saltos. O limite 
neste teorema constitui a versão tridimensional de uma variá-
vel aleatória «estável», no sentido de Paul Lévy (capítulo XN). 
O caso escalar é tratado no volume 2 de Feller 1966. O caso 
tridimensional com D = 3/2 encontra-se em física no problema 
de Holtsmark, discutido por Feller 1966 e por Chandrasekhar 
1943. À lei estável correspondente a D = 1 dá-se o nome de lei 
de Cauchy, o que justifica a expressão «voo de Cauchy» utili-
zada nas figs. 107 e 109. 
Em resumo, graças à possibilidade de regular a lei dos 
saltos, a nossa escolha da dimensão tornou-se mais livre: pode-
-se obter o valor D = 1 ou qualquer outro valor sugerido pelos 
factos e pelas teorias. 
De qualquer das formas, o modelo cosmográfico que baseei 
no voo de Lévy não deverá ser levado muito a sério. A sua 
principal virtude reside no facto de fornecer uma demons-
tração, ao mesmo tempo simples e construtiva, do carácter não 
trivial da minha generalização condicional do princípio cosmo-
gráfico. 
P.-S. O meu modelo depressa revelou possuir uma segunda 
virtude. As correlações teóricas entre as densidades das galá-
xias, tomadas entre 2 e 3 direcções do céu, foram calculadas 
em Mandelbrot 1975u, tendo os resultados aparecido idênticos 
àqueles que Peebles 1980 obteve de forma empírica. Vertam-
bém o P.-S. da p. 114. 
Comparação com os erros de telefone 
Se um voo de Lévy com D < 1 é obrigado a manter-se sobre 
a recta, os seus pontos de paragem assemelham-se ao conjunto 
que foi obtido no capítulo IV, lançando ao acaso a ordem 
das intermissões de uma poeira de Cantor para a qual 11 > O. 
A diferença é que as intermissões do capítulo IV se seguem da 
esquerda para a direita, enquanto as do voo de Lévy são 
isotrópicas: vão ao acaso, com iguais probabilidades, numa e 
103 
noutra direcção. A razão por que a construção teve de ser tor-
nada isotrópica é, evidentemente, que a ideia de voar da 
esquerda para a direita não é generalizável nem ao plano nem 
ao espaço, visto estes não disporem de uma ordem natural. 
No caso da recta pode-se escolher entre dois métodos, sendo 
a construção isotrópica a mais difícil de manipular. Em pri-
meiro lugar, caso a origem seja um ponto do conjunto, os 
conjuntos de pontos de abcissa positiva ou negativa são inde-
pendentes no voo da esquerda para a direita, mas não o são no 
voo isotrópico. Em segundo lugar, cada salto de um voo da 
esquerda para a direita é idêntico a uma única intermissão. 
Pelo contrário, um voo isotrópico volta atrás uma vez em cada 
dois saltos, caindo quase sempre no meio de um salto anterior. 
Portanto, quase toda a intermissão é a intersecção de diversos 
saltos. Não obstante, devido à homotetia interna do todo, a 
distribuição do comprimento de uma intermissão mantém uma 
forma hiperbólica. 
Outra complicação com a mesma origem: recorde-se que, a 
fim de estabelecer a tendência para o «amontoamento hie-
rárquico», o capítulo IV introduziu intervalos denominados 
«rajadas-u0», que estão separàdos por saltos de comprimento 
superior a u0• Na construção da esquerda para a direita está 
excluída a hipótese de duas rajadas terem pontos comuns. Na 
construção isotrópica, esta possibilidade não é excluída, mas 
demonstra-se que a sua probabilidade se mantém suficiente-
mente fraca (sendo tanto mais fraca quanto menor for D) para 
que se possa ainda falar de rajadas hierarquizadas. 
Universos fractais obtidos 
por aglutinações sucessivas 
Voltemos agora a um ponto de vista mais físico, para assi-
nalar que diversos autores deram uma explicação da génese 
das estrelas e de outros objectos celestes diametralmente 
oposta à de Boyle. 
Não invocam uma cascata descendente, a saber, a fragmen-
tação de massas muito grandes e difusas em bocados progres-
(Continua na p. 112) 
104 
Fig. 105 - O UNIVERSO SEGUNDO FOURNIER D' ALBE 
Parafraseemos a legenda do original, em Foumier 1907: 
Este diagrama descreve um rnultiuniverso construído 
com base num princípio cruciforme ou octaedral. Ainda que 
não seja o mapa nem do infrarnundo nem do suprarnundo, 
o diagrama é muito útil, pois mostra que pode existir urna 
hierarquia infinita de universos hornotéticos sem que «o céu · 
esteja em fogo». Se os pontos representam os átomos do 
infrarnundo, a figura que rodeia o círculo a representará 
urna estrela do infrarnundo, ou seja, um átomo do nosso 
mundo. O círculo A corresponderá a urna estrela do nosso 
mundo e o todo representará urna «supra-estrela» . 
• ... 
. 
. . • ... .... .. 
. . . 
. 
... 
. 
D == 1 
.,.,..--, 
/ . ' I •:• ' 
I ' I .: •• : •• :. I 
• • • I 
\ A .:. I 
\ . / 
' / 
---
. 
... 
. 
. 
... 
. 
. . . 
. . . .. . . .. 
. . . 
... 
. 
• . .. 
. 
. • . . .. .. . . .. 
. . . 
. 
••• . 
105 
A D = 1 
8 
106 
Fig. 106- UM <<UNIVERSO SEMEADO>> DE MANDELBROT, 
DE AMONTOAMENTO MÉDIO, D = 1 
Os diagramas A e B da página seguinte ilu'!>tram a simulação 
em computador de um voo de Cauchy, bem como a utilização 
de um tal voo para originar um universo, «semeando» um 
ponto em cada paragem. 
A é uma sucessão de segmentos de recta, cujas direcções são 
isotrópicas - todos os ângulos têm a mesma probabilidade -
e cujos comprimentos seguem a densidade dt:. probabilidade 
u-2 correspondente a D = 1. À escala de reprodução da pre-
sente figura, a maioria dos segmentos são demasiado pequenos 
para poderem ser visíveis. Por outras palavras, onde dois seg-
mentos visíveis se parecem juntar, não se tem um só ponto, 
mas um pequeno amontoado de pontos. 
Em B, as linhas geratrizes foram apagadas, sendo cada 
ponto de paragem doravante representado por uma «galáxia». 
A distribuição geométrica das galáxias que se obtém por meio 
desta construção tem a propriedade de ser, do ponto de vista 
estatístico, exactamente a mesma para qualquer observador 
que se posicione sobre uma galáxia. Neste sentido, qualquer 
galáxia se pode legitimamente considerar situada no «centro 
do mundo». Isto é o essencial do «princípio cosmográfico con-
dicional» proposto neste ensaio. 
O presente diagrama, portanto, faz saltar à vista a validade 
de dois dos meus principais temas fractais: a) o meu princípio 
condicional é perfeitamente compatível com um amontoa-
mento de aspecto hierárquico e rico em níveis e b) este amon-
toamento e outras configurações de todos os tipos podem-se 
manifestar num objecto no qual nada parecido fora inserido 
«por medida». Pode ser útil considerar «médio» o grau de 
amontoamento correspondente à dimensão D = 1, sendo os 
correspondentes a D > 1 (fig. 111) e a D < 1, respectivamente, 
«inferior à média» e «superior à média». 
107 
FIG. 109- VISTA LATERAL DO MESMO «UNIVERSO SEMEADO>> 
MÉDIO, COM D = 1 
Precisemos a figura precedente, indicando que se trata de 
um diagrama espacial que foi projectado sobre o plano yOz, 
estando a origem O em baixo à direita e sendo Oz vertical e 
orientado para cima. (A ordem das figuras obriga-nos a utilizar 
eixos de coordenadas pouco habituais.) 
Os diagramas A' e B' da p. 109 constituem as projecções cor-
respondentes sobre o plano zOx, estando a origem em baixo à 
esquerda e sendo o eixo Oz de novo vertical. Este arranjo 
destina-se a ajudar o leitor a criar uma sensação do espaço, 
colocando, por exemplo, o livro sobre uma mesa, após tê-lo 
aberto a 90° e ignorando a presença desta folha de legendas 
(frente e verso). Servindo-se da comparação de A e A', o leitor 
examinará o enorme supersuperamontoado, muito particu-
larmente rico em níveis hierárquicos, constituído por B como 
um todo. Vê-se que ele, de facto, se deve em grande parte a um 
efeito de perspectiva, decompondo-se, em B', num objecto 
bastante difuso. O mesmo se passa com o seu «núcleo», o qual 
parece compacto em B, mas se desfia em B'. Outros amon-
toados, pelo contrário, aglutinam-se. 
108 
A' 
D = I 
8' 
109 
FIG. 111 - UM UNIVERSO SEMEADO, DE AMONTOAMENTO 
INFERIOR À MÉDIA, COM D = 1,5 
Estes dois diagramas representam respectivamente (corno nas 
figuras precedentes) os saltos e os pontos de paragem de um 
voo isotrópico cujos saltos têm a distribuição Pr(U > u) = u-1,s. 
Não tendo sido alterada a semente do simulador pseudo-alea-
tório, a modificação consiste em encurtar os segmentos galácti-
cos longos, elevando-os à potência 2/3. Esta operação encurta 
mais os maiores segmentos. Além disso, corno a escala da 
figura foi escolhida de modo a encher o espaço disponível, os 
segmentos pequenos foram automaticamente alongados. Esta 
operação diminui fortemente a intensidade do amontoamento, 
quer dizer, diminui não só o afastamento entre amontoados, 
corno também o número de níveis hierárquicos aparentes. Para 
as necessidades de aplicação à astrofísica, foi-se, sem dúvida, 
demasiado longe, no sentido de que tudo indica que a dimen-
são das distribuições estelares se encontra entre 1 e 1,5. 
(P.-S. A melhor estimativa é D = 1,23.) 
110 
D = 1,5 
111 
sivamente mais pequenos, mas sim uma cascata ascendente, a 
saber, a aglutinação de poeiras muito dispersas em pedaços 
cada vez maiores. O problema - voltaremos a falar dele em 
momento apropriado - assemelha-se muito ao colocado pelas 
cascatas na teoria da turbulência. Ora, neste último domínio, 
os resultados mais recentes sugerem que os dois tipos de 
cascata coexistem. Pode-se, por isso, esperar que a disputa 
confusa que opõe os partidários da fragmentação e da coagu-
lação será resolvida num futuro não muito distante. 
(P.-S. 1989. O estudo dos agregados fractais tornou-se muito 
activo após 1982, ainda que num contexto muito diferente. Ver 
Feder 1988, Viszek 1989 e Evertsz 1989. Ver também p. 252.) 
112 
FIG. 113- ZONA EQUATORIAL DE UM «UNIVERSO SEMEADO>> 
VISTO DA TERRA E DO <<CENTAURO» 
Esta figura foi criada usando o mesmo processo que os 
amontoados isolados representados nas figs. 107 a 111. Con-
tudo, a dimensão é D = 1,2. Ainda mais importante, observa-
-se aqui uma estrutura global, projectada sobre duas esferas 
celestes diferentes. A origem da primeira é (digamos) a Terra, 
enquanto a origem da segunda se pode chamar «Centauro», 
pois é a centésima galáxia por ordem de construção. Na prá-
tica, só puderam ser representadas as zonas equatoriais. 
113 
FIG. 114 - A DISTRIBUIÇÃO DAS VERDADEIRAS GALÁXIAS 
Esta figura refere-se aos principais grupos de galáxias cuja 
distância à Terra é inferior a 16 megaparsecs. Ela mostra que 
existe uma semelhança geral entre a realidade e o modelo 
descrito no texto. Vista de perto, a semelhança não é tão 
impressionante. (Ver P.-S., mais abaixo.) O gráfico é repro-
duzido com autorização do editor de Heidmann 1973. 
\ 
\ 
\ 
\ 
@ 
\ 
' 
' : 
', .' 
-......... ........... _ (...-!.I/ . 
-......:.~"':.~----·---
P.-S. A p. 113 revela que o meu modelo do universo se-
meado cria inevitavelmente grandes vazios separados por «tra-
jectórias». Depressa os astrónomos me informaram de que as 
trajectórias são efectivamente observadas, mas que os vazios 
da p. 113 têm um tamanho excessivo. Descrevo na p. 145 um 
processo de obter um modelo fractal menos «lacunar». 
114 
CAPÍTULO VII 
Modelos do relevo terrestre 
Agora que conhecemos o movimento browniano ordinário, 
vamos tratar as passeatas sem ciclos. São - por definição -
curvas às quais não é permitido passar mais de urna vez sobre 
um ponto. Servirão de transição para as curvas brownianas 
fraccionárias, para as quais a interdição é substituída por urna 
tendência para não voltar atrás. Por fim, examinaremos as 
superfícies brownianas, primeiro ordinárias, depois fraccioná-
rias, que fornecem um modelo de todo o relevo terrestre e que 
nos vão, enfim, permitir representar as costas. 
Preliminares: passeatas sem ciclos. 
Efeito de Noé e efeito de José 
Antes de tudo, sendo dada urna rede de pontos, no plano 
ou no espaço (aqueles, por exemplo, cujas coordenadas são 
números inteiros), consideremos a passeata que segue ao acaso 
de um desses pontos para os seus vizinhos, tendo aqueles que 
ainda não foram visitados urna igual probabilidade de o ser no 
instante seguinte e estando os outros excluídos (probabilidade 
nula). No caso da recta, urna tal passeata segue numa ou 
noutra direcção sem nunca voltar atrás, o que não tem qual-
quer interesse. Já no caso do plano e do espaço, o problemaé 
muito interessante, bem corno difícil. Entretanto, a sua impor-
115 
tância no estudo dos polímeros é tal que foi objecto de simu-
lações muito pormenorizadas. O resultado que nos interessa é 
o seguinte, devido a Dornb 1964-65 e descrito em Barber e 
Ninham 1970. Após n passos, a média quadrática do deslo-
camento Rn é da ordem de grandeza de n elevado a urna 
certa potência que designaremos por 2/D. Isto sugere desde 
logo que, num círculo ou numa esfera de raio R em tomo de 
um ponto, se deverá esperar encontrar cerca de R0 outros 
pontos. Corno é tentador concluir que o D acima mencio-
nado é urna dimensão! Os seus valores são os seguintes: so-
bre a recta, D = 1; no plano, D = 4/3; no espaço normal, 
D = 5/3. Finalmente, num hiperespaço cuja dimensão tende 
para o infinito, os riscos de se fechar um ciclo desvanecem-se 
e D~2. 
Parece ser urna coincidência que o D = 4/3 correspondente 
ao plano faça lembrar os dados de Richardson sobre as costas 
mais acidentadas. De qualquer modo, não há motivo para se 
insistir neste ponto, pois, no caso das passeatas sem ciclos, o 
princípio cosmográfico, sobre cuja importância ternos vindo a 
insistir, não se parece aplicar de urna forma útil. 
Comparemos, entretanto, o comportamento de M(R) para 
um voo de Lévy e para urna passeata sem ciclos. A forma 
analítica é a mesma, mas as razões de base são extremamente 
diferentes. Com efeito, o voo de Lévy procede por saltos 
independentes, devendo-se D < 2 à presença ocasional de gran-
des valores de separação entre amontoados distintos. Numa 
passeata sem ciclos, pelo contrário, os saltos têm um compri-
mento fixo, devendo-se D < 2 ao facto de a proibição de ocupar 
as posições anteriormente ocupadas dar ao movimento urna 
espécie de persistência. 
O meu inédito intitulado Formes nouvelles du hasard dans les 
sciences1 (em parte retornado em Mandelbrot e Wallis 1968 e 
Mandelbrot 1973f) baptiza essas causas, respectivamente, de 
«efeito de Noé» e «efeito de José», em honra de dois heróis 
bíblicos, respectivamente o do dilúvio e o do sonho das sete 
vacas gordas e das sete vacas magras. 
1 Em português: Novas Formas do Acaso nas Ciências. (N. dos T.) 
116 
Movimentos brownianos fraccionários 
A história bíblica de José merece ser considerada muito a 
sério. Refere-se, sem dúvida, a um acontecimento real, nomea-
damente uma série de altos e baixos do rúvel do Nilo. Com 
efeito, os níveis do Nilo são extraordinariamente persistentes e 
o mesmo se passa com muitos outros rios. O fenómeno merece 
ser assinalado, uma vez que vamos fazer grande uso da des-
crição matemática que foi dada em Mandelbrot 1965h e, com 
mais pormenores e ilustrações, em Mandelbrot e Wallis 1968. 
Ela consiste em representar as descargas anuais do Nilo pelos 
crescimentos de um certo processo estocástico, que se obtém 
modificando o movimento browniano escalar da fig. 71, a fim 
de o suavizar, de o tomar menos irregular a todas as escalas. 
A intensidade da suavização, e portanto a da persistência dos 
crescimentos, depende de um único parâmetro. Para o pro-
cesso correspondente ao valor H deste parâmetro propus a 
designação de movimento browniano fraccionário. Será designado 
por BH(t). Por convenção, o valor H= 0,5 recria o caso clássico, 
onde não existe qualquer dependência, enquanto a persistência 
aumenta progressivamente quando H cresce de 0,5 até 1. 
Assim, as descargas do Nilo, que estão muito longe de serem 
independentes, revelam-se muito bem representadas pelos 
crescimentos anuais de um movimento browniano fraccioná-
rio de parâmetro H= 0,9. No caso do Loire, H é mais próximo 
de 0,5. Para o Reno, H = 0,5, a menos de um certo erro. 
Tudo isto é apaixonante, mas não se trata aqui mais do que 
de uma preparação para estudar as curvas no plano. Aí tam-
bém é razoável procurar generalizar o movimento browniano, 
de maneira tal que a sua direcção tenda a persistir, conser-
vando-lhe simultaneamente o seu carácter de curva contínua. 
(O capítulo VI, pelo contrário, procura quebrar a continuidade, 
sem introduzir a persistência.) Isto equivale a procurar, não a 
obrigação, mas simplesmente uma tendência mais ou menos 
intensa para que a trajectória evite intersectar-se. 
Se, além disso, se puder preservar a homotetia interna 
-como é regra nesta obra-, o mais simples será que as duas 
coordenadas sejam movimentos brownianos fraccionários, es-
tatisticamente independentes e com o mesmo parâmetro H. 
117 
Três exemplos de curvas assim obtidas estão representados nas 
figs. 125 a 127. Se tivéssemos representado cada urna das coor-
denadas em função do tempo, o seu comportamento em pouco 
teria diferido do representado na fig. 71, enquanto, a duas 
dimensões, o efeito da escolha de H é incomparavelmente mais 
acentuado. Para o primeiro gráfico (fig. 125), H torna o valor 
de 0,9, o qual, segundo foi dito, descreve o efeito José para o 
Nilo. Tendo assim urna tendência muito forte para continuar 
em qualquer direcção para que seja orientado, o nosso ponto, 
corno facilmente se pode ver, difunde-se muito mais rapida-
mente do que no movimento browniano usual. Consegue, 
assim, evitar os ciclos demasiado vis.iveis. De tal maneira assim 
é que - voltando à questão discutida no capítulo II - a nossa 
curva seria a priori uma imagem muito razoável da forma das 
costas menos irregulares. 
Isso é aliás confirmado pelo valor da sua dimensão frac-
tal: o D do movimento browniano fraccionário plano é 1 I H. 
É, portanto, pelo menos igual a 1 - corno intuitivamente de-
verá acontecer para urna curva contínua. Além disso, o caso 
dito «persistente», em que H> 1/2, dá um D inferior a 2 - o 
que intuitivamente está de acordo com o facto de a dita curva 
encher o plano de forma menos densa do que o movimento 
browniano ordinário. Portanto, no caso específico da fig. 125 
tem-se D = 1/0,9 = 1,11. Para traçar as figs. 126 e 127, H foi 
alterado, mantendo-se ainda a semente do gerador pseudo-
-aleatório já utilizado na fig. 125. Este procedimento sublinha 
o modo corno a irregularidade e a dimensão fractal aumen-
tam quando H diminui. Vê-se igualmente que a tendência 
para evitar os ciclos diminui muito rapidamente à medida que 
D aumenta. Portanto, a nossa procura de um modelo das 
costas não chegou ainda ao fim. Iremos retorná-la dentro 
em pouco. 
É de assinalar que o movimento browniano fraccionário es-
calar pode igualmente ser definido para O< H< 0,5, mas urna 
curva cujas duas coordenadas sejam funções desse tipo difun-
de-se mais lentamente do que o movimento browniano usual, 
retrocedendo o caminho constantemente e cobrindo o plano de 
forma repetida. Tal corno para H= 0,5, a dimensão fractal torna 
o maior valor concebível no plano, ou seja, D = 2. 
118 
Modelo browniano do relevo terrestre 
e estrutura das costas oceânicas 
Façamos o ponto da situação: já por duas vezes vimos malo-
gradas as nossas tentativas de conseguir um procedimento que 
permitisse representar uma costa sem haver preocupação com 
o relevo. É tempo de reconhecer que esta esperança não é 
razoável e de atacar o problema das costas através da repre-
sentação do relevo como um todo. Iremos, em breve, construir 
um modelo que dá origem a superfícies estatisticamente idên-
ticas àquela que está ilustrada na fig. 129, mas falta-nos ainda 
efectuar um último desvio. 
Conhecendo tão bem as dificuldades que os ciclos colocam, 
vamos abordar o relevo através de curvas características que 
não podem ter ciclos. Se se desprezarem as rochas pendentes, 
os cortes verticais bastarão. A legenda da fig. 71 observa que 
uma passeata escalar já dá uma ideia desses cortes, uma ideia 
grosseira, bem entendido, mas de maneira nenhuma desra-
zoável em primeira aproximação. Não teríamos nós, na nossa 
caixa de ferramentas de criadores profissionais de modelos, 
uma superfície aleatória cujos cortes verticaisfossem todos 
movimentos brownianos? Até ao momento não se dispunha de 
uma tal ferramenta, mas proponho que ela seja introduzida: 
trata-se da função browniana de um ponto, B(P), tal como é 
definida em Lévy 1948. O seu inventor soube descrever mara-
vilhosamente os seus principais aspectos, sem ter podido (tê-
-lo-ia mesmo querido?) desenhá-la, mas, para a aplicar concre-
tamente, é necessário adquirir uma ideia intuitiva. Creio bem 
que o desenho da fig. 131 deste ensaio constitui o primeiro 
esboço a ser desenhado e publicado. 
Primeira verificação: a sua semelhança geral com a super-
fície da Terra é real, embora aproximada. Encoraja-nos, con-
tudo, a ver mais de perto em que medida fizemos progressos 
no estudo das costas oceânicas definidas como as curvas for-
madas pelos pontos ao nível do mar. Um gráfico assim obtido 
está representado à parte nas figs. 132-133. A p. 133, ao alto, 
dá-nos finalmente o exemplo, há muito procurado, de uma 
curva praticamente desprovida de pontos duplos que, por um 
lado, tem uma dimensão fractal nitidamente superior a 1 e, ao 
119 
mesmo tempo, nos faz lembrar um qualquer canto do globo. 
Mais precisamente, a dita dimensão é D = 1,5, e o nosso gráfico 
faz lembrar o Norte do Canadá, as ilhas da Sunda (a seme-
lhança aumenta se o nível do mar baixar, ficando as ilhas 
maiores), ou mesmo (se o mar baixar ainda mais) o mar Egeu. 
O modelo é ainda aplicável a outros exemplos, mas os 
dados de Richardson sugerem em geral um D inferior a 1,5. 
É pena, pois o valor D = 1,5 teria sido fácil de explicar: com 
efeito, Mandelbrot 1975b mostra que a função B(P) constitui 
uma excelente aproximação a um relevo que teria sido criado 
por uma sobreposição de falhas rectilíneas independentes. 
O modelo gerador seria muito simplesmente o seguinte: um 
planalto horizontal inicial é partido ao longo de uma recta 
escolhida ao acaso, introduzindo-se uma espécie de falésia, 
uma diferença de nível aleatória entre os lábios da fractura. Em 
seguida recomeça-se, prosseguindo indefinidamente. Proce-
dendo desta maneira, generaliza-se ao plano a construção 
poissoniana assinalada no fim da fig. 71. Vê-se que este argu-
mento leva em conta, pelo menos, um aspecto da evolução 
tectónica, levando-nos a juntar B(P) à lista dos acasos primá-
rios discutida no capítulo m. 
Contudo, ao fazer isso, deveremos renunciar a um aspecto 
que até aqui caracterizava esses acasos, a saber, a indepen-
dência das suas partes. A discussão deste ponto é inevitavel-
mente técnica, devendo ser considerada uma digressão. Consi-
deremos dois pontos, um a este e outro a oeste de uma secção 
norte-sul do relevo. É claro que o conhecimento do relevo ao 
longo da secção reduz a indeterminação que existe quanto ao 
relevo no ponto este. Ora pode mostrar-se que esta indetermi-
nação se reduz ainda mais quando se conhece o relevo no 
ponto oeste. Se, pelo contrário, ela se mantivesse inalterada, o 
probabilista diria que o relevo era markoviano, o que teria 
exprimido um certo grau de independência entre os declives 
de um e de outro lado da linha norte-sul. (Para as superfícies 
irregulares que nos interessam, a ideia do declive é perigosa. 
Mas não há aqui qualquer inconveniente em deixar este ponto 
em suspenso.) A influência do relevo a oeste sobre o relevo a 
este exprime o facto de o processo gerador manifestar - inevi-
tavelmente- uma forte dependência global. 
120 
Modelo browniano fraccionário do relevo 
Infelizmente, repetimo-lo, a dimensão D que se observa para 
as costas difere, em geral, de D = 1,5, sendo por isso necessá-
rio prosseguir a nossa investigação, caso pretendamos obter 
um modelo com uma validade mais geral. Devemos mesmo 
procurar numa direcção pouco habitual, pois, se no capítulo II 
me esforçava por fazer D subir acima de 1, agora tenho de 
o fazer descer abaixo de 1,5! Assim, para ter costas menos 
irregulares, são necessários cortes verticais menos irregula-
res. Felizmente que as secções anteriores deste capítulo nos 
deixaram bem preparados, pois duas possibilidades saltam aos 
olhos. 
Antes de tudo, basta, como modelo dos cortes verticais, 
substituir a função browniana usual por um exemplo apro-
priado das variantes fraccionárias introduzidas mais acima. 
Efectivamente, existem superfícies aleatórias BH(P) cujos cortes 
verticais são funções BH(t). Além disso, aperfeiçoei algoritmos 
que permitem a sua simulação por computador. A superfície 
tem a dimensão 3 -H, tendo todas as suas secções planas 
-incluindo costas, as outras linhas de nível e ainda os cortes 
verticais- a dimensão 2 -H. Não resta, pois, nenhuma difi-
culdade em obter qualquer dimensão que os dados empíricos 
revelem exigir! Debrucemo-nos sobre o caso em que D = 1,3, 
portanto com H= 0,7, valor que justifica, finalmente, a nossa 
fig. 129. Mas conhecem-se também exemplos em que tanto H 
como D estão próximos de 1 (dando lugar a grandes maciços 
montanhosos) e acontece também H estar próximo de O e D 
próximo de 2 (dando lugar à ilusão de planícies aluviais inun-
dadas). Portanto, retomando à metáfora já usada da caixa de 
ferramentas do criador de modelos, vemos que todas as 
funções BH(P) deverão encontrar aí um lugar. 
Segunda possibilidade: partamos da construção de B(P) 
como sobreposição de falhas verticais rectilíneas e aplainemos 
cada falha de modo que o seu declive aumente e depois 
diminua de uma forma progressiva. É possível obter BH(P) 
desta maneira, mas só na condição de se impor ao perfil da 
falha uma certa forma muito específica, sendo por isso ne-
cessário dizer que ela não é, a priori, muito natural. Quer dizer, 
121 
a tectoruca Imaginária subjacente não é nem muito convincente 
nem muito explicativa. 
Vamos, pois, a título de digressão, esboçar diversas forças 
susceptíveis de efectuar a acção uniformizadora que está rela-
cionada com o aumento de H. Na esperança de explicar a 
persistência dos níveis dos rios («efeito de José»), os engen-
heiros começaFão por ter em conta a água que os reservatórios 
naturais podem armazenar de urna cheia anual à seguinte. 
Esperar-se-ia, portanto, ver as descargas anuais de um rio 
variar mais lentamente do que no quadro da hipótese da inde-
pendência. Entretanto demonstrei que o aplainamento das cró-
nicas, implicado por este modelo simples, é quase exclusiva-
mente local. Se se conserva a intenção de invocar essas forças 
uniformizadoras para explicar o modelo browniano fraccio-
nário, será necessário um grande número de aplainamentos 
sucessivos, a escalas diferentes. Poder-se-ia, por exemplo, 
representar o nível do Nilo como uma sobreposição aditiva de 
toda uma série de processos independentes. Primeiro, um 
acaso de ordem 1, que tem em conta os reservatórios naturais 
(já mencionados), implicando apenas interacções de ano a ano. 
Depois, um acaso de ordem 2, que se qualificaria de micro-
clima, variando ainda mais lentamente. Em seguida, um clima 
variável, e assim sucessivamente. 
De um ponto de vista inteiramente teórico, é necessário 
prolongar este procedimento até ao infinito. Mas o engenheiro 
hidráulico ficar-se-á pelas escalas de tempo da ordem de gran-
deza do horizonte (sempre finito) de um projecto de controlo 
das águas. 
Voltando agora ao relevo, é preciso começar por notar (já 
não era sem tempo) que é inconcebível que os modelos 
brownianos sejam, de uma forma global, convenientes, muito 
simplesmente porque a Terra é redonda. É verdade que Lévy 
definiu igualmente uma função browniana sobre a esfera, mas 
que também parece não convir. (P.-S. Veja-se, entretanto, 
Mandelbrot 1977f, 1982f.) O melhor é então debruçarmo-nos 
sobre as escalas intermédias, admitindo que os diversos 
aplainamentos sofridos pelo relevo ao longo da história geo-
lógica envolvem escalas espaciais que vão até à ordem de 
grandeza dos continentes. Se se pensar que toda a Terra cor-122 
responde a um valor único de H e de D, será necessário acres-
centar que as intensidades relativas dos diversos aplainamen-
tos têm um carácter universal. Mas, se se admitir (de uma 
forma mais realista) que H varia de um ponto para outro, 
essas intensidades relativas terão, também elas, um carácter 
local. 
Superfícies das ilhas 
Obtém-se ainda um outro teste da adequação do modelo 
browniano fraccionário comparando as distribuições teórica e 
empírica das superfícies projectadas das ilhas do oceano, ou 
seja, as superfícies medidas após projecção sobre uma esfera 
terrestre idealizada. Esta definição complicada é inevitável, 
pois não há qualquer dúvida de que, tal como o comprimento 
do perímetro de uma ilha, a sua verdadeira superfície é infinita 
(ou, se se preferir, depende do padrão de medida), enquanto 
a superfície projectada S não coloca qualquer problema con-
ceptual. Além disso, a distribuição das superfícies relativas 
salta aos olhos quando se olha um mapa. É mesmo mais evi-
dente (pensemos no mar Egeu) que a forma das costas. Não é, 
. por isso, muito surpreendente que se tenha efectuado um 
estudo estatístico. Verifica-se que a distribuição de S possui 
uma homotetia interna, por outras palavras, é a distribuição 
hiperbólica: Pr(S > s) = s-8• Korcak concluiu precipitadamente 
que B = 0,5, mas eu descobri a necessidade de um B mais geral. 
A simplicidade do resultado de Korcak atraiu a atenção de 
Fréchet. Escutando-o, veio-me à ideia que bastaria, para o 
explicar, que o relevo possuísse, também ele, uma homotetia 
interna, tendo esta ideia acabado por me levar ao meu modelo 
browniano fraccionário do relevo. 
O dito modelo prevê que 2B = D = 2- H. Se H for muito 
próximo de 1, as áreas são muito díspares, no sentido, por 
exemplo, de que a 10.• ilha tem uma área desprezável em 
comparação com a da ilha maior. A desigualdade diminui com 
H. Note-se que o B correspondente ao relevo fractal com 
H= 0,7 se situa próximo dos dados empíricos relativos ao 
conjunto da Terra. 
123 
O problema das superfícies dos lagos 
Os autores que verificaram as áreas das ilhas fizeram natu-
ralmente o mesmo para os lagos, sendo os seus resultados 
também dignos de serem examinados. Verifica-se que a lei 
hiperbólica oferece uma representação tão boa como para as 
ilhas. Uma análise superficial poderia, portanto, levar-nos a 
concluir que não há aí nada de novo. Entretanto, se se reflectir 
sobre o assunto, esta nova confirmação parece ser demasiado 
boa para ser credível, pois a definição de um lago não é de 
modo algum simétrica da de uma ilha oceânica. Enquanto 
pudemos definir estas últimas como existindo sempre que o 
relevo o exija, a presença de um lago depende de inúmeros 
outros factores: por exemplo, só é retido na sua bacia se esta 
for impermeável e a sua área (lembre-se o mar Morto e o lago 
Chade) varia com a chuva, o vento e a temperatura ambiente. 
Além disso, os sedimentos dos lagos afectam o terreno sua-
vizando-lhe as formas. O facto de a homotetia interna sobre-
viver a todas essas influências heteróclitas merece, portanto, 
uma explicação particular. 
O pessimista inquieta-se, perguntando a si mesmo se não 
seria melhor voltar atrás e pôr em dúvida os resultados ad-
quiridos, como aquele relativo às ilhas. Pelo contrário, o op-
timista (eu sou um deles) conclui simplesmente que todas as 
outras influências, além da do relevo, parecem ser inteiramente 
independentes da superfície. (Com efeito, verifica-se que o 
produto de um multiplicando aleatório hiperbólico por um 
multiplicador quase inteiramente arbitrário é, ele próprio, 
hiperbólico.) 
É de esperar, de qualquer maneira, que os matemáticos se 
interessem pela estrutura das bacias e que não o façam apenas 
no caso browniano H = 0,5. 
Modelo fractal das margens de uma bacia fluvial 
Muito do que o capítulo II diz a respeito das costas oceânicas 
se aplica também às margens de um rio. Contudo, a analogia 
(Continua na p. 136) 
124 
FIG. 125 - VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO MUITO PERSISTENTE 
Este desenho constitui um exemplo de uma curva fractal, de 
homotetia estatística interna, cuja dimensão é D = 1/0,9 = 1,1. 
Significa que a formação de ciclos - sem ser interdita - foi 
fortemente desencorajada, impondo à curva uma forte persis-
tência. Sobre esta figura e as seguintes, os diversos graus de 
persistência são muito mais aparentes do que seriam em 
gráficos que mostrassem o modo como as coordenadas esca-
lares variam em função do tempo. Se se pensar nestas curvas 
como resultado da sobreposição de grandes, médias e peque-
nas convoluções, poder-se-á dizer que, no caso presente, a 
intensidade dos ciclozinhos é tão pequena que eles são como 
que dominados pelos outros, mal sendo visíveis. 
D ~ 1,1 
125 
FIG. 126 -VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO MEDIANAMENTE 
PERSISTENTE 
Partindo da figura anterior, aumentámos, sem alterar a 
semente do simulador pseudo-aleatório, a dimensão para 
D = 1/0,7 = 1,43. Isso equivale a dizer que, sem alterar 
nenhuma das diversas convoluções, aumentámos a importân-
cia relativa das pequenas e (a um menor grau) médias. Deste 
modo, sendo muito menos desencorajada a formação dos ciclo-
zinhos, eles tomam-se bastante mais aparentes. Entretanto, a 
forma geral subjacente ainda se reconhece sem dificuldade. 
D- 1,43 
126 
FIG. 127- VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO POUCO PERSISTENTE 
(PRÓXIMO DE UM VOO BROWNIANO) 
Aqui, sempre com a mesma semente, a dimensão foi aumen-
tada para D = 1/0,53, portanto quase 1,9: sente-se a aproxi-
mação do limite D = 2, o qual, como sabemos, se refere ao 
movimento browniano normal. No limite D = 2 obter-se-ia um 
modelo matemático do processo físico da fig. 59, tornando-se 
as diferentes convoluções acrescentadas de igual importância 
(«espectro branco»), pelo menos em média, uma vez que os 
pormenores se alteram segundo a amostra considerada. Por 
exemplo, a «deriva» de baixa frequência, que dominava as 
figuras para valores de D próximos de 1, tem uma intensidade 
variável para valores de D próximos de 2. Com a semente aqui 
utilizada, a deriva é praticamente invisível. Para outras semen-
tes, já a situação é diferente. Mesmo para um D próximo de 1, 
certas sementes dão uma deriva mais forte que a da fig. 125, 
quer dizer, curvas menos confusas e emaranhadas. Para estas 
sementes, a deriva continua a ser aparente quando D se apro-
xima de 2. 
D- 1,9 
127 
FIG. 129- VISTAS DE UM CONTINENTE IMAGINÁRIO 
Procurava um modelo da forma das costas naturais, sendo 
de esperar que, simultaneamente, ele representasse o relevo 
terrestre, bem como a distribuição das superfícies das pro-
jecções das ilhas sobre a esfera terrestre. Para o fazer, propus 
uma família de processos estocásticos dando origem a super-
fícies aleatórias, família essa dependendo de um parâmetro 
que pode ser arbitrariamente fixado e que é precisamente uma 
dimensão fractal. · Esta figura apresenta diversos aspectos de 
uma amostra característica, realizada por computador, sendo o 
parâmetro escolhido de forma que a dimensão das costas, bem 
como a dos cortes verticais, seja D = 1,3. Segue-se que a dimen-
são da superfície como um todo é 2,3, de onde resulta (facto 
que não é discutido no texto) que a verdadeira superfície da 
ilha seja infinita e ainda que a sua superfície projectada seja 
positiva e finita. 
Para avaliar o grau de realismo do modelo em questão, 
efectuei diversos testes estatísticos «quantitativos». Todos eles 
deram resultados «positivos», mas isso, na minha opinião, não 
é o essencial, pois a qualidade de um modelo científico nunca 
é, em última análise, uma questão de estatística. Com efeito, 
qualquer teste estatístico se limita a um pequeno aspecto do 
fenómeno, ao passo que se pretende um modelo que repre-
sente uma multiplicidade de aspectos, dos quais teríamos difi-culdade em estabelecer antecipadamente uma lista que fosse 
sequer razoável. Para um geómetra, o melhor teste é ainda, em 
última análise, o juízo daquilo que o seu olho transmite ao seu 
cérebro. Um computador munido de capacidades gráficas é, 
por isso, um utensílio insuperável. 
Vêem-se aqui diversas vistas da «minha ilha», correspon-
dentes a diversos níveis do oceano (só desta forma o proce-
dimento gráfico utilizado era eficaz). Creio que todos têm 
um comportamento realista, começando mesmo a perguntar-
-me em que lugar ou em que filme de viagem já vi a última 
paisagem, com aquele arquipélago de ilhotas no final da 
bela península! Por um golpe de sorte, o procedimento grá-
fico utilizado faz que o oceano pareça resplandecer no hori-
zonte. 
128 
129 
Fig. 131 - VISTAS DE OUTROS CONTINENTES IMAGINÁRIOS 
Pretendemos ver se o olho é tão sensível como afirmo à 
dimensão fractal D das costas. Tornemos, então, a efectuar o 
teste visual da fig. 129 com «ilhas» fractais de dimensões va-
riadas, mas todas construídas a partir da mesma semente do 
gerador pseudo-aleatório. Comparando com a ilha da fig. 129, 
observam-se diferenças consideráveis na importância relativa 
das grandes, médias e pequenas convoluções. 
Ao cimo, à esquerda, ilustra-se o valor browniano D = 1,5. 
Quando D se aproxima demasiado de 1 (ao cimo, à direita), 
os contornos das ilhas são demasiado regulares, apresentando 
o relevo demasiados lados inclinados. Quando D se aproxima 
demasiado de 2 (em baixo - para dois níveis diferentes do 
oceano), os contornos das ilhas tornam-se demasiado tortuosos 
e o relevo enche-se de pequenos picos e abismos, embora per-
manecendo demasiado plano no seu conjunto. (Quando D ten-
de para 2, a costa tende a encher todo o plano.) 
Entretanto, mesmo as ilhas que correspondem a D > 1,3 e 
D < 1,3 fazem lambrar algo de real. É então evidente que a 
dimensão fractal não é uniforme por toda a Terra. Contudo, 
raramente parece descer abaixo de 1,1 ou subir acima do valor 
browniano 1,5. 
Tudo isto se confirma pelas figs. 132-133. 
P.-S. O valor D = 1,3 das figs. 129 a 133 foi escolhido com 
a ajuda de imagens sem grande pormenor, o que se deve à 
imperfeição dos meios gráficos disponíveis em 1974. Mais tar-
de, o aperfeiçoamento dos instrumentos conduziu a uma dimi-
nuição do valor de D preferido pelo olho. Foi uma cir-
cunstância feliz, pois a fig. 43 sugeria valores inferiores a 1,3. 
P.-S. Voss 1988 descreve e compara diversos métodos de 
síntese gráfica de paisagens fractais. 
130 
131 
FIGS. 132-133- COSTAS IMAGINÁRIAS 
As indicações dos relevos anteriores confirmam-se ao olhar 
estes mapas das costas (traçados por um outro programa de 
computador). Quando D tende para 2, a costa tende a encher 
todo o plano, à maneira da curva de Peano. Quando D tende 
para 1, a costa toma-se demasiado regular para ter qualquer 
utilidade em geografia. Pelo contrário, para D próximo de 1,3, 
é difícil examinar estas curvas artificiais sem aí encontrar uma 
reminescência dos atlas: vista de lado, a ilha superior faz lem-
brar a Gronelândia. Rodando o livro 90° no sentido dos pon-
teiros do relógio, a ilha da esquerda faz lembrar o continente 
africano. Ao fim de meia volta, o todo faz lembrar a Nova 
Zelândia, incluindo a ilha Bounty. O mesmo se passa com 
qualquer outra semente de gerador, sempre que D está 
próximo de 1,3. Se D sobe até 1,5, o jogo deixa de ser tão óbvio. 
Quando D aumenta ainda mais, ele toma-se muito mais difícil 
e até mesmo impossível. 
D = 1,1 D = 1,3 
\ • •• 
• 
132 
D = 1,5 
.~ 
......... 
.. .. 
D = 1,9 
~·, .•. " 
, 
• • 
• • 
133 
Fig. 135 - REDE DE DRENAGEM FLUVIAL SEPARADA POR QUASE 
TODOS OS LADOS. UMA CURVA DE PEANO 
É interessante retornar aqui o limite quando E~ O da fig. 49, 
dando-lhe urna interpretação de urna ordem inteiramente dife-
rente. Se um relevo terrestre for completamente impermeável, 
urna gota de água que o atinja acaba sempre por alcançar um 
ponto da dita fronteira. Em geral, existem pontos tais que, se 
duas gotas de água tombam por mero acaso na sua vizinhança, 
as suas trajectórias se podem afastar de imediato urna da 
outra, pelo menos temporariamente. Esses pontos dizem-se de 
separação. Por exemplo, um cone tem um único ponto de 
separação - o seu vértice -, enquanto urna pirâmide qua-
drangular tem urna infinidade de pontos de separação, for-
mando quatro segmentos. Tanto os cones corno as pirâmides 
são objectos geométricos clássicos, muito regulares, mas 
supõe-se que o relevo terrestre á fractal. O resultado, corno 
iremos demonstrar, é que os pontos de separação de um relevo 
natural podem ser densos por todo o lado, correspondendo, 
portanto, a urna rede de drenagem separada, também ela, por 
quase todo o lado. Sendo seu objectivo demonstrar urna pos-
sibilidade, e não tentar descrever o próprio relevo, a nossa 
ilustração permite-se ser esquemática. 
A bacia será o interior de um quadrado, de cantos orienta-
dos segundo os pontos cardeais. As diagonais formam um 
curso de água cruciforme, cujo ramo principal acaba no ponto 
S, partindo de perto do ponto N, e cujos ramos laterais partem 
de perto dos pontos E e O, atingindo o centro. Cada um dos 
três ramos e o tronco drenam um quarto da bacia. Numa 
segunda etapa substitui-se cada ramo por urna cruz. Neste 
estádio, a rede contém 16 secções de cursos de água, cada urna 
das quais com um comprimento igual a 1 I 4 do comprimento 
da diagonal da bacia e que escoa 1/16 da área da bacia. As 
fontes dos oito sub-rarnos coincidem duas a duas (é necessário 
excluí-las da rede, pois, de outro modo, esta conteria pontos 
duplos). Continuando indefinidamente a construção de cima, o 
comprimento total da margem de todos os ramos aumentará 
sem fim. O número total das fontes- que são pontos duplos 
(excluídos da rede) - terá, também ele, crescido até ao infi-
134 
nito, aproximando-se a nossa rede tao penu y_uctmu "c: '1'"''-U~ 
de qualquer ponto da bacia. Se se parar a construção ao fim de 
um número finito de etapas, os afluentes podem ser classifica-
dos por ordem crescente, verificando-se que a sua tendência 
para a ramificação obedece a urna regra, conhecida dos espe-
cialistas, devida a Horton. 
P.-S. As margens do rio e dos seus afluentes juntam-se numa 
curva que reúne dois pontos situados em frente um do outro, 
na embocadura do rio. É urna curva de Peano distinta da curva 
da fig. 51. Inversamente, verifiquei que toda a curva de Peano 
pode ser interpretada corno a margem acumulada de um rio. 
Um monstro concebido em 1890 acabou por ser domado em 
1975! 
135 
apenas pode ser aproximada. Com efeito, substituímos uma 
costa .instantânea, que varia com o vento e com as marés, pela 
curva de nível zero, que é inteiramente definida pelo relevo. 
Nada disso é possível para a margem de um rio. Esta é função 
não só do relevo, mas também da porosidade do solo e da 
chuva e do bom tempo, não apenas no momento da obser-
vação, mas também ao longo de um período de tempo dificil-
mente determinável. Todavia, apesar desta severa falta de per-
manência, verifica-se que os sistemas fluviais, tal como os 
lagos, possuem aspectos muito sistemáticos. Não poderia acon-
tecer que, tal como a distribuição das superfícies dos lagos 
segue a das bacias de relevo, o sistema fluvial seguisse os 
caminhos por onde a água flui por um terreno o mais aciden-
tado possível, logo a seguir a uma chuvada? Creio que é 
realmente assim que as coisas se passam, mas o meu argu-
mento não pode ser aqui desenvolvido. Contentemo-nos em 
esboçar, na fig. 135, o mais simples dos ditos escoamentos. 
136 
CAPÍTULO VIII 
A geometria da turbulência 
Foquemos agora a nossa atenção sobre um outro grande 
problema clássico, vasto e mal explorado, do qual abordare-
mos apenas aquelesaspectos que fazem intervir objectos frac-
tais e a noção de dimensão. Mesmo deste ponto de vista, o 
desenvolvimento não terá a amplitude que merece a sua 
importância prática e conceptual. Limitar-nos-emos a algumas 
questões que têm o mérito de introduzir temas novos de inte-
resse geral. P.-5. O tema concreto é tratado em Mandelbrot 
1967b, 19671<, 1972j, 1974d, 1974f, 1975f, 1976c, 1976o e 1977b. 
O estudo da turbulência não pode deixar de ter lugar num 
ensaio consagrado até agora à forma da superfície da Terra, à 
distribuição de erros estranhos e dos objectos celestes. Já desde 
1950 que von Weizsãcker e outros físicos discutiam a possibili-
dade de explicar a génese das galáxias por intermédio de um 
fenómeno turbulento a uma escala colossal. Contudo, a ideia 
não teve grande aceitação. Se ela agora merece ser repensada 
seriamente, é porque o estudo das galáXias progrediu, a teoria 
da turbulência está em vias de mudar e eu estou em vias de 
lhe dar as bases geométricas fractais que faltam. Os trabalhos 
de 1950, com efeito, referem-se à turbulência homogénea, tal 
como ela foi descrita entre 1940 e 1948 por Kolmogorov, 
Oboukhov, Onsager e von Weizsãcker. 
Foi necessária uma extrema audácia para pretender explicar 
um fenómeno altamente intermitente - as galáxias - por um 
137 
mecanismo de turbulência homogénea. O que se alterou desde 
então foi o facto de ter passado a ser universalmente aceite que 
a turbulência homogénea é um mito, uma aproximação cuja 
utilidade é mais reduzida do que antes se pensava. Reconhece-
-se hoje que uma característica da turbulência reside no seu ca-
rácter «intermitente». Não só, como toda a gente sabe, o vento 
vem em rajadas, como o mesmo se passa com a dissipação em 
outras escalas. Retomei então o esforço unificador de von Weiz-
sãcker, procurando uma ligação entre as duas intermitências. 
As ferramentas que proponho são, como é evidente, os fractais. 
A sua utilização para abordar a geometria da turbulência é 
inédita, mas historicamente natural, dadas as ligações entre as 
noções de fractal e de homotetia interna. Com efeito, uma 
variante um pouco vaga de homotetia foi precisamente conce-
bida, com vista a uma teoria da turbulência, pelo nosso Lewis 
Fry Richardson. Também uma forma analítica de homotetia 
teve os seus primeiros triunfos pela mão de Kolmogorov, Obou-
khov e Onsager, na sua aplicação à turbulência. Como todo o 
escoamento viscoso, o escoamento turbulento num fluido é 
caracterizado por uma medida intrínseca de escala, o número 
de Reynolds, e os problemas de intermitência fazem-se sentir 
com particular intensidade quando o dito número é muito 
grande, como é sobretudo o caso no oceano e na atmosfera. 
Todavia, o problema da estrutura geométrica do suporte da 
turbulência só se colocou recentemente. Com efeito, a imagem 
que se faz deste fenómeno permanece em geral «congelada» 
aproximadamente nos termos em que foi originalmente desen-
volvida, há cerca de cem anos, por Boussinesq e Reynolds. 
O modelo restringia-se ao escoamento num tubo: quando a 
pressão a montante se mantém suficientemente fraca, tudo é 
regular e «laminar», ao passo que, quando a pressão é suficien-
temente grande, tudo se toma, de repente, irregular e tur-
bulento. Neste caso protótipo, então, o suporte da turbulência 
está ou «vazio», no sentido de inexistente, ou «cheio», en-
chendo o tubo como um todo, não havendo, nem num nem 
no outro caso, razões para aí nos determos. 
Num segundo caso, por exemplo o da esteira por detrás de 
um barco, as coisas complicam-se: entre a esteira, que é tur-
bulenta, e o mar circundante, que se admite laminar, existe 
138 
uma fronteira. Mas, ainda que muito irregular, esta fronteira é 
de tal maneira clara, que não parecia ainda nem razoável 
estudá-la em separado, nem verdadeiramente necessário tentar 
definir a turbulência por um critério «objectivo». 
Num terceiro caso, o da turbulência plenamente desenvol-
vida, sob a forma de sopros, as coisas são ainda mais simples, 
parecendo todos os sopros turbulentos - um conceito sempre 
tão mal definido. Todavia, o modo como aí se chega é (a acre-
ditar em certas lendas persistentes) um tanto curioso. Conta-se 
(espero que se trate apenas de maledicência) que todos os 
sopros nascem impróprios para o estudo da turbulência: 
espontaneamente, longe de ocupar todo o espaço que lhe é 
oferecido, a turbulência parece, ela própria, «turbulenta», apa-
recendo em lufadas irregulares. Somente os esforços de rear-
ranjo gradual conseguem estabilizar tudo, a exemplo do tubo 
de Boussinesq-Reynolds. 
Deste modo, e sem pôr em causa a importância prática dos 
sopros, sou daqueles que se inquietam. Será a «turbulência» 
observada no laboratório típica da «turbulência» observada na 
natureza e será o fenómeno da «turbulência» único? Para res-
ponder a estas questões é necessário, antes de tudo, definir os 
termos, uma estopada que cada um parece querer evitar. 
Proponho que se aborde essa definição indirectamente, 
invertendo o processo habitual: partindo de um conceito mal 
especificado sobre o que é turbulento, vou primeiro tentar 
estabelecer que a turbulência natural bem desenvolvida, ou a 
sua dissipação, se «concentram sobre» ou são «suportadas por 
conjuntos espaciais cuja dimensão é uma fracção, da ordem de 
grandeza de D = 2,5. Em seguida, aventurar-me-ei a propor 
que se defina como turbulento todo o escoamento cujo suporte 
tenha uma dimensão compreendida entre 2 e 3. 
Como distinguir os fluxos turbulento 
e laminar na atmosfera? 
Os escoamentos nos fluidos são fenómenos multidimensio-
nais, sendo as três componentes da velocidade função das três 
coordenadas do espaço e ainda do tempo. Contudo, o estudo 
139 
empmco teve, até hoje, de passar através de um ou mais 
«cortes» a uma dimensão, cada um dos quais constitui a cró-
nica de uma das coordenadas de velocidade num ponto fixo. 
Para nos dar uma ideia intuitiva da estrutura do corte numa 
massa atmosférica que se desloca em frente do instrumento, 
invertamos os papéis e tomemos um avião como «instru-
mento». Um nível muito grosseiro de análise é ilustrado por 
um avião de grande porte. Certos pontos da atmosfera apre-
sentam fortes evidências de serem turbulentos, sendo o avião 
sacudido. O resto, pelo contrário, aparenta ser laminar. Mas 
refaçamos o teste com um avião mais pequeno: por um lado, 
«sente» lufadas muito turbulentas nos pontos em que ao 
grande não acontecia nada e, por outro lado decompõe cada 
uma das sacudidelas do grande numa rajada de sacudidelas 
mais fracas. Portanto, se uma porção turbulenta do corte é 
examinada em pormenor, ela revela inserções laminares, e 
assim sucessivamente à medida que a análise se torna mais 
apurada. 
Falando da configuração espacial, von Neumann 1949 nota 
que a turbulência se concentra sem dúvida «num número 
assimptoticamente crescente de choques enfraquecidos». Nos 
nossos cortes unidimensionais, cada choque aparecerá como 
um ponto. As distâncias entre os choques são limitadas por 
uma escala interna não nula, TJ, dependente da viscosidade. 
É porém útil, com o fim de auxiliar a conceptualização, imagi-
nar que 11 = O. A isso proponho que se acrescente a ideia iné-
dita de que esses choques são infinitamente folheados. Vê-se 
assim surgir, nos nossos cortes unidimensionais, o tipo de 
estrutura cantoriana que nos é familiar desde o capítulo IV, 
relativo aos erros estranhos. A diferença reside no facto 
seguinte: nos intervalos entre erros não havia nada, enquanto, 
nas intermissões laminares, o escoamento do fluido não se 
detém, tornando-se simplesmente muito mais regular do que 
nos outros pontos. Mas é evidente que mesmo essa diferença 
se desvanece se se observarem não só os erros, mas também o 
ruído físico que os causa. Isso sugere que um modelo da 
turbulência ou do ruído seja construídoem duas aproxima-
ções. A primeira suporá que o escoamento laminar é regular 
a ponto de ser uniforme, pelo que é desprezável, conduzindo-
140 
-nos assim ao esquema cantoriano de dimensão inferior a 3. 
A segunda aproximação admitirá que qualquer cubo do espaço 
contém, pelo menos, um pouco de turbulência. Nestas condi-
ções, se se desprezar a turbulência nos pontos em que a sua 
intensidade é muito fraca, espera-se encontrar, pouco mais ou 
menos, a primeira aproximação. Mas remetamos então o es-
tudo dessa segunda aproximação para o capítulo IX, para nos 
ocuparmos agora da primeira. 
Parece razoável exigir ao conjunto de turbulência que as 
suas intersecções com uma recta arbitrária tenham a estrutura 
cantoriana que possuía o conjunto criado para representar os 
erros estranhos. Temos então de conceber conjuntos que te-
nham esse tipo de intersecções. 
A cascata de Novikov-Stewart 
O estudo da intermitência do fluxo turbulento foi estimu-
lado por Kolmogorov 1962 e Oboukhov 1962, embora o pri-
meiro modelo explícito tenha sido o de Novikov e Stewart 
1964. Encontraram, independentemente, o princípio das cas-
catas de Fournier e de Hoyle, deparando-se-lhes pois- sem o 
saberem - o caminho traçado por Cantor. Caso o tivessem sa-
bido, os nossos autores teriam possivelmente ficado assombra-
dos! Eu reconheci-o, o que me conduziu a desenvolvirrlentos 
muito prometedores. 
A ideia é que o suporte da turbulência é originado por uma 
cascata, em que cada etapa parte de um turbilhão, terminando 
em N subturbilhões de tamanho r vezes menor, no seio dos 
quais se concentra a dissipação. 
Bem entendido, teremos D = log N/log (1/r). 
Apesar de esta dimensão D poder ser estimada empm-
camente, até ao presente ninguém afirmou seriamente que a 
deduziu a partir de considerações físicas fundamentais. No 
caso da astronomia, pelo contrário, Fournier e Hoyle forne-
ceram-nos razões para'esperar que D = 1. Sabe-se (pp. 102-103) 
que isto contradiz o valor empírico, que é D = 1,23, mas parece 
que mesmo uma teoria falsa pode ser psicologicamente recon-
fortante. 
141 
Segunda novidade: em astronomia, D < 2, mas, na turbu-
lência, N deverá ser considerado muito maior do que 1 I r, 
sendo a dimensão próxima de 2,5. De facto, um dos triunfos 
das visões fractais do universo e da turbulência terá sido a 
demonstração da necessidade de D < 2, no primeiro caso, e de 
D > 2, no segundo, a partir do mesmo facto geométrico. Com 
efeito, a fim de exorcizar o «céu em fogo», foi necessário, no 
capítulo VI, que a vista orientada ao acaso evitasse quase 
garantidamente qualquer fonte luminosa, o que exigia D < 2. 
Pelo contrário, a fim de explicar o facto de a turbulência ser 
muito espalhada, é aqui necessário que um corte efectuado ao 
acaso tenha uma probabilidade não nula de intersectar o 
suporte da turbulência, o que exige D > 2. 
Comportamento da dimensão fractal por intersecção. 
Construções de Cantor em várias dimensões 
A cascata de Novikov-Stewart é importante, mas vale a 
pena dar um passo atrás, como já o fizemos por diversas vezes, 
e estudar em pormenor certas construções não aleatórias, cuja 
regularidade é excessiva e no seio das quais um certo ponto 
central desempenha um papel muito especial. A generalização 
da construção de Cantor pode ser feita de diversas maneiras, 
conduzindo a resultados muito diferentes. Um exemplo é dado 
pela esponja fractal de Sierpiriski-Menger, ilustrada na fig. 147. 
Num segundo exemplo começa-se por aparar a fracção 1/27 
central de um cubo, definida como o pequeno cubo com o 
mesmo centro e com 1/3 de lado. Seguidamente, procede-se 
do mesmo modo com cada um dos 26 cubinhos que restam, 
depois com os subsubcubos que sobram, etc. O que fica, se se 
continuar até ao infinito, é uma espécie de bocado de queijo 
Emmenthal todo desfeito. A forma das suas fatias pode ser 
imaginada a partir das que foram vistas quando descrevemos 
o exterior das crateras da Lua, mas considerando o todo sob 
o prisma de um pintor cubista. Este objecto tem um volume 
igual a zero e buracos quadrados de todos os tamanhos sepa-
rados por paredes infinitamente folhadas. É fácil verificar 
que possui homotetia interna e que a sua dimensão é igual a 
142 
log 26/log 3. Podemos agora generalizar: em lugar da fracção 
1/27 central, retiremos de cada vez um cubo central de lado 
1-2r. A dimensão vem 
3 + log [1 - (1 - 2r)3] 
log(1/r) 
cujo valor ultrapassa sempre 2, mas tanto menos quanto maior 
for (1/r). 
A desigualdade D - 2 > O está de acordo com a intuição de 
que os nossos «produtos de pastelaria» são necessariamente 
«mais pesados» que qualquer superfície ordinária de dimen-
são 2. 
Segundo um terceiro método, e no caso triádico, os tremas 
são maiores. O primeiro trema deixa, nos cantos do cubo 
inicial, oito pequenos cubos de lado 1/3, prosseguindo a 
construção de forma natural. Fica-se, portanto, com uma 
poeira de pontos não ligados. Entretanto, a dimensão é igual a 
log 8/log 3, que é inferior a 2, mas superior a 1. Do ponto de 
vista geométrico, o conjunto assim obtidp é simplesmente o 
produto de três poeiras de Cantor triádicas unidimensionais 
(tal como o quadrado é o produto dos seus dois lados). Mude-
mos agora de método, passando os 8 cubos que se deixam em 
cada etapa a ter um lado de tamanho r arbitrário, com a sal-
vaguarda de r ter de ser inferior a 1/2. No final tem-se sempre 
uma poeira de pontos, de dimensão igual a log 8/log (1/r), 
quantidade ela mesma arbitrária, excepto no facto de ser 
sempre inferior a 3. Por outro lado, embora este conjunto seja 
«menos ligado» que uma linha, pode muito bem ter uma 
dimensão superior a 1. Este resultado, que poderia parecer 
estranho, confirma apenas aquilo que já sabemos desde o 
estudo dos objectos celestes (construção de Foumier-Charlier), 
ou seja, que não há qualquer ligação necessária entre conecti-
vidade e dimensão fraccionária. Note-se, todavia, que, para 
obter uma poeira de dimensão superior a 1, recorremos a 
tremas cuja forma é extremamente especial. Na ausência de um 
tal constrangimento geométrico, por exemplo no caso de cons-
truções regidas pelo acaso, é de esperar que se venham a 
143 
entrever relações entre a dimensão e a conexão. O problema 
está ainda por estudar. Recorde-se que o universo de Fournier-
Charlier pode, também ele, ser considerado como uma va-
riante espacial da construção de Cantor. 
Conjuntos espaciais estatísticos à la Cantor 
A primeira motivação para introduzir formas estatísticas da 
poeira de Cantor está, como nos capítulos precedentes, ligada 
à procura de um modelo mais irregular, na esperança de que 
as suas propriedades sejam mais realistas. Uma nova moti-
vação prende-se com o desejo de repensar a ligação entre 
dimensão e conectividade, da qual a secção anterior acaba de 
discutir um aspecto. Sem mais considerações intermédias, con-
sideremos tremas inteiramente aleatórios a três dimensões, 
generalizando assim o método que já encontrámos quando dis-
cutimos os erros estranhos e as crateras da Lua. O mais natural 
é escolher para tremas bolas abertas, ou. seja, interiores de 
esferas, sendo a esperança do número de tremas de volume 
superior a u igual a K(3- D)/u3. A notação K(3- D) escolhida 
para a constante do numerador faz que o critério procurado 
dependa de D: a partir do momento em que a constante é 
superior a 3K, o conjunto que fica está quase certamente vazio 
(e D, que é negativo, não tem o significado de uma dimensão), 
ao passo que, para D >O, o conjunto que fica tem uma proba-
bilidade não nula de não ser vazio, possuindo, neste caso, uma 
forma de homotetia interna de dimensão D. Em particular, o 
volume do conjunto restante é sempre nulo. Mais precisa-
mente, é quase certo que uma esfera de raio R, cujo centro foi 
escolhido ao acaso, não terá qualquer intersecção com o con-junto restante. Por consequência, é necessário tomar precau-
ções para evitar esta degenerescência (não esqueçamos a forma 
condicional do princípio cosmográfico!). Sabemos que uma boa 
maneira para que isso aconteça consiste em estudar a geome-
tria deste conjunto a partir de uma origem que faça, ela 
própria, parte do conjunto. 
Eis o resultado: à medida que D se aproxima de 3, os tremas 
deixam descoberto um conjunto formado por «véus infinita-
144 
mente folheados». As suas intersecções com planos ou super-
fícies esféricas têm a forma dos filamentos infinitamente bifur-
cados que se encontram na Lua, as nossas «fatias de Emmen-
thal». As suas intersecções com rectas, ou (pouca diferença faz) 
com circunferências, são «rajadas de erros estranhos». Para os 
D mais pequenos está-se perante «fios infinitamente ramifica-
dos», mas desta vez no espaço, e não no plano. As suas inter-
secções com planos ou superfícies esféricas são então poeiras 
de pontos e as intersecções com rectas ou circunferências são 
quase certamente vazias. 
P.-5. Tremas espaciais e modelos da distribuição das galáxiat>. 
A noção de «lacunaridade de um fractal». A discussão das figs. 113 
e 114 faz notar que o meu primeiro modelo da distribuição das 
galáxias dá origem a grandes vazios e trajectórias e ainda que 
esta aparência seria bastante desejável, mas só na condição de 
a intensidade desses traços poder ser atenuada. Para tal, bas-
tou-me, de início, recorrer às poeiras descritas na secção ante-
rior. Em seguida, escolhendo tremas cuja forma não era esfé-
rica, identifiquei uma nova característica dos fractais, a que 
dei o nome de «lacunaridade» e que é, de ora em diante, essen-
cial - por exemplo, em física. Ver os capítulos 34 e 35 de 
Fractal Geometry of Nature. 
Todavia, continua a ser verdade que não é possível haver 
fractais sem grandes vazios. Por este facto, todos os que 
acreditam nos fractais têm motivos para estar contentes com 
duas descobertas recentes. Descobriu-se, no final de 1982, que 
existem vazios intergalácticos de tamanho «absolutamente 
imprevisto» e descobriu-se em 1986 que as galáxias se colocam 
ao longo de «filamentos ramificados». 
As singularidades das equações de Navier-Stokes 
serão fractais? Esse facto irá, 
finalmente, permitir a sua resolução? 
Nenhuma ligação lógica pôde ainda ser estabelecida entre a 
teoria da turbulência homogénea, de Kolmogorov, e as equa-
ções de Navier-Stokes, as quais, tudo indica, regem o escoa-
145 
mento dos fluidos, mesmo em caso de turbulência. É, sem 
dúvida, isso que - na perspectiva dos especialistas em hidro-
dinâmica - explica que a validação das previsões de Kolmo-
gorov tenha sido mais fonte de inquietação do que de júbilo. 
Seria de temer que a introdução da minha noção de homo-
geneidade fractal acentuasse esse divórcio, mas espero mesmo 
que se passe exactamente o contrário. Eis as minhas razões: é , 
sabido que a física matemática consegue frequentemente resol-
ver um problema substituindo as suas soluções pelo esqueleto 
formado pelas suas singularidades. Esse, contudo, não é o caso 
para as soluções turbulentas das equações de Navier-Stokes, 
mesrri.o após Kolmogorov, e é esse, na minha opinião, o motivo 
que mais tem retardado o respectivo estudo. Penso que - gra-
ças a características específicas dos objectos fractais que não é 
possível aqui descrever- essa lacuna quanto à natureza das 
ditas singularidades está prestes a ser colmatada. 
(P.-S. 1989. Precisei estas ideias em Mandelbrot 1976c, for-
mulando a conjectura de que as singularidades das equações . 
de Navier-Stokes e de Euler são fractais. Essas conjecturas 
parecem estar no bom caminho de serem confirmadas, mesmo 
para além do que é dito no capítulo 11 de Fractal Geometry of 
Nature.) 
146 
FIG.147- UM QUEIJO NO ESPAÇO A TRÊS DIMENSÕES: 
. A ESPONJA DE SIERPINSKI-MENGER 
O princípio da construção é evidente. Se se continuar a 
construção indefinidamente, obtém-se um objecto geométrico, 
dito «esponja de Sierpiriski-Menger», no qual cada face exte-
rior, dita «tapete de Sierpiriski-Menger», é uma figura tal que 
a sua área é nula e o perímetro total dos seus buracos é infinito. 
Note-se que as intersecções da figura-limite com as medianas 
ou as diagonais do cubo inicial são todas conjuntos triádicos de 
Cantor. (Figura reproduzida com autorização de Blumenthal e 
Menger 1970.) 
D ~ 2,72 
147 
CAPÍTULO IX 
Intermitência relativa 
O presente capítulo exibe em título um conceito fractal em 
vez de um domínio de aplicação. Voltamos, com efeito, a urna 
aproximação feita em diversas aplicações. Ao discutir os erros 
em rajadas, aprofundámos a nossa certeza de que, entre os 
erros, o ruído subjacente enfraquece, embora sem nunca ces-
sar. Ao discutir as distribuições estelares, aprofundámos o 
nosso conhecimento da existência de uma matéria interestelar, 
que pode, também ela, distribuir-se irregularmente. E, ao dis-
cutir as folhas de turbulência, acabámos também por cair na 
armadilha de admitir uma imagem do fluxo laminar num sítio 
onde não se passava nada. Teríamos podido igualmente, sem 
introduzir nenhuma ideia essencialmente nova, examinar adis-
tribuição dos minerais: entre as regiões onde a concentração de 
cobre ou de ouro é tão forte que justifica a exploração mineira, 
o teor desses metais diminui consideravelmente, mas nenhuma 
região está absolutamente desprovida desses minérios. 
É necessário preencher todos esses vazios, tendo o cuidado 
de não afectar demasiado as imagens já estabelecidas. Vou 
agora esboçar uma forma de tratar o assunto, que é con-
veniente para o caso em que objecto e intermissões são da 
mesma natureza, diferindo apenas de grau. Para o fazer, 
deixar-me-ei, uma vez mais, inspirar por velhas matemáticas 
puras reputadas de «inaplicáveis». Este capítulo será relativa-
mente técnico e seco. 
149 
Definições dos dois graus de intermitência 
Por necessidade de contraste, é preciso dizer, a respeito dos 
fenómenos até agora estudados, que são «absolutamente inter-
mitentes». O epíteto explica-se pelo facto de, durante as inter-
mitências, não se passar absolutamente nada: nem energia de 
ruído, nem matéria, nem dissipação turbulenta. Além disso, 
tudo o que «se passa» num intervalo, num quadrado e num 
cubo se concentra inteiramente numa pequena porção, ela 
própria contida num subconjunto que diremos «simples» - ou 
seja, um conjunto formado por um número finito de subinter-
valos, subquadrados ou subcubos, cujo comprimento, área ou 
volume total são arbitrariamente próximos de zero. Indo ainda 
mais longe, a intermitência dir-se-á degenerada se tudo se 
passar num único ponto. Pelo contrário, a intermitência dir-
-se-á «relativa» se não existir nenhum conjunto simples no qual 
não se passe nada, enquanto existe um conjunto simples que 
contém quase tudo o que se passa. 
Medida fractal multinomial 
Mantenhamos o contexto triádico original de Cantor, em 
que se divide [0,1] em terços, dividindo-se estes, por sua vez, 
também em terços e assim sucessivamente, e partamos de urna 
massa distribuída sobre [0,1], com urna densidade uniforme 
igual a 1. Apagar o terço central equivale a dividir esta massa 
em partes iguais a 1/2, O e 1/2, de densidades respectivamente 
3/2, O e 3/2. 
Isto facilmente se generaliza, supondo-se que em cada etapa 
se divide a massa inicial em partes iguais, respectivamente, a 
p1, p2 e p3' repartidas com densidades 3p1, 3p2 e 3p3, em que, 
corno é evidente, O~ Pm < 1 e p1 + p2 + p3 = 1. Depois de se repe-
tir este procedimento até ao infinito, dir-se-á que a massa 
forma urna medida rnultinornial. Que é que se poderá dizer 
então? 
É claro, para começar, que nenhum intervalo abertoconstitui 
urna intermissão absoluta. Com efeito, urna tal intermissão de-
veria incluir, pelo menos, um intervalo de comprimento 3-k,150 
cujas extremidades são múltiplos de 3-k. Ora sabemos que 
qualquer intervalo dessa forma contém uma massa não nula. 
Contudo, quando k é muito grande, a dita massa toma-se 
extraordinariamente pequena, pois Besicovitch e Eggleston de-
monstraram (simplificamos o seu resultado!) que quase toda a 
massa se concentra em 3w intervalos de comprimento 3-k, com 
D = -}:; Pm log:J?m < 1 
m 
Quando k aumenta, a percentagem de intervalos não vazios 
tende para zero, enquanto o comprimento total desses inter-
valos permanece aproximadamente igual a 3k(D-1l, pelo que 
também tende para zero. 
Quando p1 ~ 1/2, p2 ~ 1/2, p3 ~ 1/2, a medida multino-
mial tende para uma medida uniforme sobre a poeira de 
Cantor. Verifica-se que D tende para a dimensão log 2/log 3 
deste último conjunto. 
Se, em vez de terços, se dividir [0,1] em décimos, obtém-se 
o conjunto dos números reais entre O e 1 para os quais os 
diversos algarismos têm as probabilidades Pm· Note-se que, 
formalmente, D é uma «entropia», no sentido termodinâmico, 
ou ainda uma «informação», no sentido de Shannon (ver 
Billingsley 1965). E o que é mais importante: D é uma dimen-
são de Hausdorff-Besicovitch. Todavia, o conjunto de Besi-
covitch é aberto, enquanto todos os conjuntos estudados acima 
eram fechados (a distinção está ligada ao contraste entre inter-
mitências absoluta e relativa). Ao generalizar a noção de 
dimensão a conjuntos abertos, perdem-se muitas das suas 
propriedades, incluindo certas propriedades de interesse prá-
tico directo, às quais começávamos a estar habituados! Por 
exemplo, o expoente de homotetia do conjunto de Besicovitch-
Eggleston não é D, mas sim 1. Todavia, o conjunto dos 3k0 
segmentos, no seio dos quais a massa se concentra, é, com toda 
a certeza, homotético de expoente D. 
Examinemos agora o problema do condicionamento depois 
de a construção de Besicovitch ter sido levada a cabo num 
número K de etapas, finito, mas muito grande. Para isso esco-
lhamos ao acaso um «intervalo de teste» de comprimento 3-k, 
com k menor do que K; em quase todos os casos, este intervalo 
151 
.:airá fora do conjunto onde se concentra quase toda a massa. 
Relativamente à densidade média em [0,1], que sabemos ser 1, 
a densidade sobre quase todo o intervalo de teste será des-
prezável. A sua distribuição será independente do intervalo, 
pois é degenerada. Mas dividamos então a densidade no inter-
valo de teste pela sua própria densidade média. V erificarernos 
que a distribuição de probabilidade deste quociente será ainda 
a mesma em todos os pontos e que, além disso, será não 
degenerada. Tudo isto está ilustrado na fig. 139. 
Caos multiplicativo: generalizações alatórias 
da medida multinomial 
Por muito sugestiva que seja a construção apresentada no 
parágrtafo anterior, é necessário ainda e sempre aleatorizá-la. 
Diversas maneiras de o fazer foram-me sugeridas pelos tra-
balhos de Kolmogorov, Oboukhov e Yaglorn, que conservam a 
sua importância histórica, ainda que estejam, estritamente fa-
larrdo, incorrectos. Para esboçar esses métodos trabalhemos a 
duas dimensões e aceitemos urna divisão triádica. Cada nível 
parte de urna célula formada por nove subcélulas, com urna 
densidade inicial uniforme. Depois, as densidades correspon-
dentes às 9 subcélulas são multiplicadas por factores aleató-
rios, seguindo todos a mesma distribuição. A construção varia 
segundo o grau de aleatoriedade que se pretenda. O mí-
nimo consiste em fixar os val<;lfes desses factores, submetendo 
ao acaso apenas a sua distribuição entre as células. No caso do 
caos multiplicativo de Mandelbrot 1974d, 1974f, escolhem-se 
os factores multiplicadores ao acaso e independentemente uns 
dos outros. 
O caos multiplicativo de Mandelbrot 1972j vai mais longe. 
É o próprio processo que dá origem à cascata. 
P.-S. Os caos multiplicativos e as medidas fractais intro-
duzidas em Mandelbrot 1972j, 1974d, 1974f estão prestes a 
tornar-se de grande importância em diversos domínios. O ter-
mo que prevaleceu para os designar é «medidas rnultifractais». 
Ver p. 207. 
152 
FIG. 153- ESCADAS DIABÓLICAS DE BESICOVITCH 
Sob urna escada do Diabo (ver fig. 63), esta figura empilha 
três escadas de Besicovitch, cuja construção está descrita na 
p. 150; aqui, p1 = p3• O aspecto que mais salta à vista, em com-
paração com a escada do Diabo, observa-se dividindo a abcissa 
num grande número de pequenos segmentos. Nenhum corres-
ponde a um movimento horizontal. Todavia, urna grande pro-
porção do deslocamento vertical total opera-se sobre um deslo-
camento horizontal muito pequeno, de dimensão fractal menor 
do que 1, aumentando quando nos afastamos da escada de 
Cantor. 
153 
CAPÍTULO X 
Sabões e os expoentes 
críticos como dimensões 
Vamos agora descrever, em traços gerais, o papel que a di-
mensão fractal desempenha na descrição de urna categoria de 
«cristais líquidos», que constituem um modelo de certos 
sabões. A sua geometria é muito antiga, pois remonta a um 
grego de Alexandria, Apolónio de Perge, o que faz que os 
problemas sejam fáceis de enunciar. Mas é também actual, pois 
o problema matemático por ela posto mantém-se em aberto. 
Além disso, faz-nos entrever perspectivas interessantes muito 
gerais, relativas a um dos domínios mais activos da física. 
Trata-se da teoria dos «pontos críticos», cujo exemplo mais 
conhecido é aquele em que coexistem as fases sólida, líquida e 
gasosa de um mesmo corpo. Os físicos estabeleceram recente-
mente que, na proximidade de um tal ponto, o comportamento 
de qualquer sistema físico se rege por «expoentes críticos». 
O motivo é que esses sistemas são «escalantes»: obedecem a 
regras analíticas que foram desenvolvidas com total inde-
pendência da noção geométrica de homotetia interna, mas que 
apresentam analogias estreitas com ela. (Será isto urna nova 
perspectiva sobre o facto de a variedade de fenómenos natu-
rais ser infinita, enquanto as técnicas matemáticas para os 
tratar são bem pouco numerosas?) Combinando soluçõ~s ana-
líticas, medidas empíricas e soluções computacionais, obtive-
ram-se os valores numéricos de urna vasta gama de expoentes 
críticos, embora a sua natureza conceptual permaneça obscura. 
155 
No exemplo do sabão interpreta-se um expoente como dimen-
são fractal, o que sugere que o mesmo poderá acontecer em 
todos os outros casos. 
Preliminar: enchimento dos triângulos 
A título preliminar, comecemos por uma construção que 
está inteiramente no espírito de todas as outras que encon-
trámos mais acima. Partindo de um triângulo equilátero 
fechado (a fronteira está incluída), cuja ponta está voltada para 
cima e cuja base, horizontal, tem comprimento 1, tenta-se 
cobri-lo, «o melhor possível», por meio de triângulos equilá-
teros abertos, invertidos, cujas bases são ainda horizontais, 
mas que apontam para baixo. Verifica-se que a cobertura 
óptima se obtém enchendo o quarto central do triângulo inicial 
com um triângulo de lado 0,5 e procedendo da mesma maneira 
com todos os quartos restantes. Chamo peneira ao conjunto 
dos pontos que nunca serão cobertos, que se deve a Sierpiriski. 
É fácil de ver que possui uma homotetia interna, com dimen-
são de homotetia D = log23. 
Um modelo do sabão baseado 
no enchimento apoloniano de círculos 
Um dos modelos actualmente aceites do sabão -numa 
nomenclatura mais precisa e especializada, uma «fase esmética 
A» - tem a seguinte estrutura: existem camadas capazes de 
deslizar umas sobre as outras, cada uma das quais consti-
tuindo um líquido a duas dimensões, e que estão dobradas no 
interior de cones muito pontiagudos, todos com o mesmo 
tamanho e aproximadamente perpendiculares a um plano. 
Daqui resulta que as suas circunferências de base tenham um 
raio superior a um certo limite relacionado com a espessura 
das camadas líquidas. Partamos de um volume simplesque 
não seja, ele próprio, um cone, como, por exemplo, uma pirâ-
mide quadrangular, e experimentemos «enchê-lo» de cones. 
Qualquer configuração corresponde a uma repartição dos cír-
156 
culos que constituem a base dos cones, sobre o quadrado que 
constitui a base da pirâmide. Pode-se mostrar que a solução 
correspondente ao equilíbrio se descreve da seguinte forma: 
coloca-se sobre o quadrado um círculo de raio máximo. 
Depois, sobre cada um dos bocados restantes coloca-se ainda 
um círculo de raio máximo - à semelhança do que se vê na 
fig. 158 -, e assim sucessivamente. Se fosse possível operar 
desta forma indefinidamente, efectuar-se-ia aquilo a que os 
geómetras chamam o enchimento (packing) apoloniano. Se, 
além disso, se postular que os círculos em questão são abertos 
- não incluindo as circunferências que formam as frontei-
ras -, o enchimento deixa um certo resto de superfície nula, 
a «peneira apoloniana». 
A nossa construção assemelha-se ao problema preliminar 
relativo aos triângulos, mas infelizmente mostra um grau de 
dificuldade superior, pois esta peneira não possui qualquer 
homotetia interna. Todavia, a definição de D, de Hausdorff e 
Besicovitch (capítulo XIV), como expoente que serve para de-
finir a extensão de um conjunto, continua a aplicar-se neste 
caso. Este é um novo tópico que era necessário assinalar (a sua 
importância teria bastado para justificar o presente capítulo), 
mas no qual não nos podemos deter. Existe então uma dimen-
são, mas ainda não conseguimos determinar matematicamente 
o seu valor. De diversos pontos de vista, ela comporta-se como 
uma dimensão de homotetia. Quando, por exemplo, o enchi-
mento apoloniano é «truncado», impedindo o uso de círculos 
com raio inferior a 11, os interstícios que restam têm um 
perímetro proporcional a 111-D e uma superfície proporcional a 
112- 0 . Numericamente, o D apoloniano é igual a cerca de 1,3058. 
Retornemos à física: Bidaux et al. 1973 mostraram que as 
propriedades do sabão assim modelado dependem precisa-
mente da superfície e do perímetro da soma desses interstícios, 
operando-se a ligação através de D. Acabo, então, de exprimir 
as propriedades do esmético em questão através das pro-
priedades fractais de uma espécie de «negativo» fotográfico, 
ou seja a figura que fica de fora das moléculas. 
157 
FIG. 158- ENCHIMENTO APOLONIANO DOS CÍRCULOS 
Apolónio de Perge soube construir as circunferências tan-
gentes a três circunferêncais dadas. Consideremos três círcun-
ferências tangentes duas a duas, formando um «triângulo», e 
iteremos a construção de Apolónio até ao infinito. A união dos 
interiores dessas circunferências «enche» o nosso triângulo, no 
sentido de cobrir quase todos os pontos. O conjunto dos 
pontos não cobertos - chamado «peneira de Apolónio» - tem 
uma superfície nula. Mas a sua medida linear, definida como 
a soma dos perímetros das circunferências de enchimento, é 
infinita. A sua dimensão de Hausdorff-Besicovitch é muito útil 
em física, conforme se vê no capítulo X. 
158 
CAPÍTULO XI 
Arranjos dos componentes 
de um computador 
Ao longo de todo este ensaio temos realçado que a descrição 
fractal não tem de ir até ao fundo das estruturas físicas subja-
centes, podendo deter-se a examinar o arranjo mútuo das 
diversas partes deste ou daquele objecto natural. Pode-se, por 
isso, esperar encontrar também considerações fractais no do-
mínio do artificial, em todos os casos em que este é de tal 
modo complexo que temos de renunciar a seguir os pormeno-
res dos arranjos, contentando-nos em examinar algumas carac-
terísticas muito globais. Este capítulo mostra que é mesmo isso 
que se passa no caso dos computadores. 
A ideia é a seguinte: a fim de poder realizar um grande 
circuito complexo, é necessário subdividi-lo em diversos mó-
dulos. Suponhamos que cada módulo comporta cerca de C 
«elementos» e que o número de «terminais» necessários para 
ligar o módulo ao exterior é da ordem de T. Na IBM atribui-
-se a E. Rent (que nunca publicou nada sobre esta matéria; 
baseio-me aqui em Landrnan e Russo 1971) a observação de 
que C e T estão ligados pela relação T = ACHID, devendo a 
utilização da letra D ser justificada dentro de alguns instantes. 
Esta fórmula dá urna aproximação muito boa, sendo o erro 
médio em T de poucos por cento, à excepção de um ou outro 
caso em que um dos módulos contém uma grande proporção 
dos elementos do circuito total. Os primeiros dados grosseiros 
sugeriam que D"' 3; hoje, contudo, sabe-se que D aumenta com 
159 
o desempenho do circuito, que, por sua vez, reflecte o grau de 
paralelismo presente na lógica do computador. 
O caso D = 3 foi rapidamente explicado, associando-o à 
ideia de que os circuitos em questão são dispostos no volume 
dos módulos e que estes se tocam pelas suas superfícies. 
Exprimamos, pois, a regra de Rent sob a forma yti<D-1>"" C11°. 
Por um lado, todos os elementos têm aproximadamente o 
mesmo volume v, e, por conseguinte, C é a razão «volume total 
do módulo sobre V». Então, C11D = C113 é aproximadamente 
proporcional ao raio do módulo. Em conclusão: para D = 3, a 
proporcionalidade entre C11° e yti<D-1> não é de forma alguma 
de estranhar. 
Note-se que o conceito de módulo é ambíguo e quase inde-
terminado. A organização dos computadores é altamente hie-
rarquizada, mas a interpretação que aqui se deixou é compa-
tível com essa característica, na medida em que, em qualquer 
módulo de um nível dado, os submódulos se interligam pelas 
suas superfícies. 
É também muito fácil, no contexto de cima, verificar que 
D = 2 corresponde a circuitos dispostos no plano, e não no 
espaço. Da mesma maneira, num shift registert, os módulos, tal 
como os elementos, formam urna cadeia, tendo-se T = 2, inde-
pendentemente de C, de modo que D = 1. Finalmente, no caso 
em que se tem um paralelismo integral, cada elemento exige o 
seu próprio terminal. Teremos, portanto, T =C, podendo-se 
dizer que D = oo. 
Se, pelo contrário, o valor de D é diferente de 1, 2, 3 ou oo, 
a ideia de interpretar C corno efeito de volume e T como efeito 
de superfície toma-se insustentável, enquanto se permanecer 
escravo da geometria usual. Contudo, essas interpretações são 
muito úteis e seria conveniente preservá-las. 
O leitor já por certo adivinhou o que se poderá fazer neste 
ponto: proponho que se imagine que a estrutura dos circuitos 
aparece num espaço de dimensão fraccionária. Para visualizar 
a passagem de D = 2 para D = 3, pensemos num subcomplexo 
de dimensão D = 2 com base em circuitos metálicos impressos 
1 Em inglês no original. Em português, <<registo de deslocamento». (N. dos T.) 
160 
sobre urna placa isoladora: para lhe aumentar o desempenho é 
preciso estabelecer novas ligações. Frequentemente, para evitar 
intersectar ligações já impressas, é necessário efectuar as liga-
ções por meio de fios que saem da placa, devendo estes, por 
isso, ser soldados separadamente. Instaurou-se o hábito de uti-
lizar fios de cor amarela. A presença de fios amarelos pode 
querer simplesmente dizer que o circuito foi mal concebido, 
mas, mesmo com um circuito bem desenhado, o número mí-
nimo de fios necessário aumenta com o desempenho. Sem 
entrar nos pormenores do argumento, pode-se dizer que are-
gra de Rent é válida em todos os casos em que o aumento do 
desempenho, mesmo obrigando o projectista a sair do plano, 
não exige que ele trabalhe em todo o espaço. Se, além disso, 
o sistema total incorporar urna hierarquia com homotetia in-
terna, tudo se passa «corno se» o projectista trabalhasse num 
espaço com um número fraccionário de dimensões. 
161 
CAPÍTULO XII 
" Arvores de hierarquia 
ou de classificação e a dimensão 
A maior parte deste ensaio é consagrada a objectos concre-
tos que se podem tocar e ver, quer sejam de origem natural 
(capítulos II a X) querartificial (capítulo XI). Este último 
capítulo, pelo contrário, trata de algo mais abstracto, a saber, 
estruturas matemáticas de árvore ponderada e regular. Diver-
sos motivos poderão ser apontados para um tal afastamento 
dos objectos «reais». Para começar, o raciocínio desenvolvido 
continua a ser simples, contribuindo, segundo penso, para 
esclarecer um novo aspecto do conceito de dimensão de 
homotetia, um conceito que terá sido empobrecido ao perder 
toda a base geométrica, tornando-se, portanto, de alguma 
forma «irredutível». O segundo motivo para estudar as ditas 
árvores é que não tardarão a aparecer em diversas aplicações 
curiosas. 
Árvores lexicográficas e a lei das frequências 
das palavras (Zipf-Mandelbrot) 
Vamos, para começar, examinar árvores susceptíveis de per-
mitir classificar as palavras do léxico. Das suas propriedades 
deduziremos urna lei teórica «Óptima» para as frequências das 
palavras, a qual se verificará, por um lado, representar a reali-
dade de urna maneira excelente e, por outro, invocar uma 
163 
dimensão fractal. O léxico será definido como o conjunto das 
sequências de letras admissíveis como palavras, sendo estas úl-
timas separadas por «espaços», que é cómodo imaginar como 
estando colocados no início de cada palavra. Construamos, 
para o representar, a seguinte árvore. O tronco representa o 
espaço. Este subdivide-se em N ramos de nível 1, cada um dos 
quais corresponde a uma letra do alfabeto. Cada ramo de nível 
1 subdivide-se, por sua vez, em N ramos de nível 2, e assim 
sucessivamente. É desde já evidente que cada palavra pode ser 
representada por uma das ramificações da árvore e que cada 
ramificação pode receber um peso, a saber, a probabilidade de 
emprego da palavra em questão. Esse peso anula-se para as 
sequências de letras que não são admissíveis como palavras. 
Antes de examinar as árvores lexicográficas reais, vamos ver 
o que acontece quando a codificação das palavras por meio de 
letras e de espaços é óptima, no sentido de o número médio de 
letras ser tão pequeno quanto possível. Esse seria o caso se, 
num sentido que seria fastidioso explicar aqui em pormenor, 
as frequências das palavras estivessem «adaptadas» à codifi-
cação por meio de letras e de espaços. Demonstrei (nos tra-
balhos que tiveram início em 1951 e que são resumidos, entre 
outros sítios, em Mandelbrot 1965z, 1968p) que, para isso, seria 
necessário que a árvore lexicográfica fosse regular, signifi-
cando que cada ramificação (até um nível máximo finito) 
correspondia a uma palavra, e que os pesos-probabilidades do 
nível k tomassem todos o valor U = U/', com r uma constante 
que satisfaz O< r< 1. A presença do factor U0 -que não ire-
mos explicitar- assegura que a soma de todos os pesos de 
probabilidade seja igual a 1. 
A fim de deduzir a distribuição das frequências das pala-
vras a partir da regularidade desta árvore, ordenemos as 
palavras por ordem decrescente de frequência (se houver 
diversas frequências idênticas, a respectiva classificação será 
arbitrária). Seja p a ordem que ocupa nesta classificação uma 
palavra de probabilidade U. Iremos ver, dentro de instantes, 
que, sendo a árvore lexicográfica regular, se tem, aproximada-
mente, 
U = P(p + V)-110 
164 
Inversamente, 
p =-V+ u-DpD 
onde P, V e D são constantes. Verifica-se que esta fórmula, que 
eu obtive por um argumento analítico, generaliza uma fórmula 
empírica popularizada por Zipf 1949 (ver capítulo XV). Repre'-
senta de uma forma excelente os dados empíricos sobre as 
frequências das palavras nos idiomas mais diversos. Após 
deduzirmos esta fórmula da hipótese de regularidade da 
árvore lexicográfica, discutiremos brevemente o seu signifi-
cado. Note-se, contudo e de imediato, que D, o parâmetro mais 
importante nesta fórmula, será definido por 
D = log N/log (1/r) 
pelo que, formalmente, D é uma dimensão. Dito isto, meça-
mos, então, a riqueza do vocabulário pela frequência relativa 
de utilização de palavras raras, digamos pela relação entre a 
frequência da palavra de ordem 100 e da palavra de ordem 10. 
Para N constante, essa riqueza aumenta com r. Ou seja, quanto 
maior for a dimensão D, maior é o r, isto é, maior é a riqueza 
do vocabulário. 
Uma vez admitida a regularidade da árvore de classificação, 
foi-me fácil demonstrar a lei de Zipf generalizada. Basta notar 
o seguinte: ao nível k, p varia entre 1 + N + N2 + ... + Nk-l = 
= (Nk- l)(N- 1) (excluído) e (Nk+l- 1)(N -1) (incluído). Seja 
V= 1/(N -1). Inserindo k = log (U/U0)/log r nestes dois ramos, 
encontra-se 
Obtém-se o resultado anunciado e define-se a nova cons-
tante P, aproximando p pela média dos seus dois limites. 
Ainda que seja pouco realista conjecturar que a árvore lexi-
cográfica é regular, o argumento que acabou de ser dado basta 
para estabelecer que a lei de Zipf generalizada era «aquilo que 
seria de esperar». Esta conclusão é confirmada por um argu-
165 
menta mais subtil (não nos iremos deter nele), que supõe que 
a irregularidade da árvore é de alguma maneira uniforme. 
Parênteses: esperava-se que a lei de Zipf trouxesse um 
grande contributo à linguística, para já não falar da psicologia. 
Na verdade- após eu a ter explicado-, o interesse por ela 
diminuiu, tendo-se concentrado no estudo dos desvios em 
relação a esta lei. 
Outro parêntese: uma outra interpretação do cálculo de 
cima leva a considerar D como a «temperatura do discurso». 
Em muitos sentidos, D = 1 desempenha um papel muito 
especial, que se deve ao facto de p-1 = 1:(p + V) 1- 0 • Antes de 
tudo, quando D;::: 1 e 1/D ~ 1, a série 1:(p + V)1- 0 diverge. 
É então necessário que p seja limitado, querendo isso significar 
que o léxico terá de ter um número finito de palavras. 
Quando, pelo contrário, D < 1, o léxico pode muito bem ser 
infinito. Se assim for, U0 toma a forma 1 - Nr e satisfaz a 
U0 < 1. Pode-se então interpretar U0 como a probabilidade do 
espaço e r como a probabilidade de uma das letras propria-
mente ditas: a probabilidade U/' lê-se então como o produto 
das probabilidades do espaço e das letras que compõem a 
palavra de que se está a tratar. Dito de outra maneira, o caso 
em que D < 1 e em que o léxico é infinito reinterpreta-se do 
seguinte modo: considera-se uma sequência infinita de letras e 
de espaços estatisticamente independentes e utilizam-se os 
espaços para cortar esta sequência em palavras. As probabili-
dades das palavras assim obtidas seguirão a lei de Zipf genera-
lizada. 
Segundo papel de D = 1: no caso em que D < 1, e apenas 
nesse caso, a árvore lexicográfica pode ser reinterpretada geo-
metricamente sobre o segmento [0,1]. Para isso tracemos N seg-
mentos abertos de comprimento r, ou seja, ]O, r[, ]r, 2r[, ... e 
](N -l)r, Nr[, que serão associados às N letras do alfabeto, e o 
intervalo aberto ]Nr, 1 [ de comprimento U0 = 1 - Nr, que será 
associado ao espaço. Cada segmento «letra» será também sub-
dividido em N segmentos «letra-letra» e um segmento «letra-
-espaço». O segmento «espaço» não será subdividido. E assim 
sucessivamente. Vê-se que cada segmento «espaço» define 
uma sequência de letras terminada por um espaço. Define, por 
isso, uma palavra. (É necessário incluir a palavra que se reduz 
166 
a um espaço!) Além disso, o comprimento do espaço é a proba-
bilidade dessa palavra. Vê-se também que, identificando o 
espaço com o trema, o complemento de todos os tremas assim 
definidos é uma poeira fractal de Cantor, cuja dimensão se 
verifica ser igual a D. Desta forma, a dimensão pode ser inter-
pretada geometricamente. 
Quando, pelo contrário, D > 1, é impossível uma tal inter-
pretação, pois o léxico deverá ser finito, enquanto um conjunto 
fractal apenas pode ser obtido por uma construção infinita. 
Árvores de hierarquia e a distribuição 
dos rendimentos salariais (lei de Pareto) 
Um outro exemplode árvore, talvez ainda mais simples do 
que o primeiro, pode ser encontrado nos grupos humanos hie-
rarquizados. Dizemos que uma hierarquia é regular se os seus 
membros estiverem repartidos por níveis de maneira tal que, 
à excepção do nível mais baixo, cada membro tiver o mesmo 
número N de subordinados, tendo todos estes últimos um 
«peso» U, igual a r vezes o peso do seu superior imediato. 
O mais fácil é imaginar o peso como sendo um salário. (Note-
-se que os rendimentos não salariais não comportam qualquer 
hierarquia susceptível de ser representada por uma árvore, não 
podendo por isso entrar como peso no presente argumento.) 
Mais uma vez, se for necessário comparar diversas hierarquias 
do ponto de vista dos graus de desigualdades que elas impli-
cam na distribuição dos rendimentos, parece razoável ordenar 
os seus elementos por ordem decrescente de rendimentos (no 
interior de cada nível, a classificação faz-se sempre de maneira 
arbitrária), designar cada indivíduo pela sua ordem p, e atri-
buir o rendimento em função da ordem. Quanto mais depressa 
decrescer o rendimento quando a ordem aumenta, maior é ~ 
grau de desigualdade. O argumento já utilizado para as fre-
quências das palavras aplica-se plenamente, mostrando que a 
ordem p do indivíduo com um rendimento U é aproximada-
mente dada pela fórmula hiperbólica p =- v+ u-0P0 . 
Esta relação mostra que o grau de desigualdade é prin-
cipalmente determinado pelo parâmetro D de homotetia, 
167 
D = log N/log (1/r): quanto maior for a dimensão, maior é o 
r, pelo que menor é o grau de desigualdade. 
Pode-se generalizar ligeiramente, supondo que U varia entre 
os diversos indivíduos de um mesmo nível k, sendo igual ao 
produto de rk por um factor aleatório, o mesmo para toda a 
gente, e tendo em conta, por exemplo, efeitos como a antigui-
dade. Esta generalização modifica as expressões que dão V e 
P, mas deixa D inalterado. 
Empiricamente, a distribuição dos rendimentos é nitida-
mente hiperbólica, facto conhecido por «lei de Pareto», e a 
explicação de cima, avançada por Lydall 1959, é perfeitamente 
possível. 
Chamemos a atenção, todavia, para o facto de a mesma lei 
de Pareto se aplicar igualmente, mas com um D diferente, aos 
rendimentos especulativos. Esta observação levanta um pro-
blema inteiramente distinto, que abordei em Mandelbrot 
1959p, 1960i, 1961e, 1962e, 1963p e 1963e. 
Note-se que o D empírico está normalmente próximo de 2. 
Quando é exactamente igual a 2, o rendimento de um superior 
é igual à média geométrica do rendimento do conjunto dos 
seus subordinados e do rendimento de cada subordinado con-
siderado separadamente. Se se tivesse D = 1, o dito rendimento 
seria igual à soma dos rendimentos dos seus N subordinados. 
Terminemos com uma divagação. Qualquer que seja D, o 
número de níveis hierárquicos cresce com o logaritmo do 
número total de membros da hierarquia. Se se pretender di-
vidir estes últimos em duas classes, uma forma intrínseca de 
proceder consistiria em fixar o ponto de separação no nível 
hierárquico médio. Neste caso, o número de membros da 
classe superior seria proporcional à raiz quadrada do número 
total. Existem muitas outras formas de deduzir esta «regra da 
raiz quadrada». Foi, por exemplo, associada ao número ideal 
de representantes que diversas comunidades deveriam enviar 
a um parlamento no qual participarem. 
168 
CAPÍTULO XIII 
Léxico] 
É por necessidade que os meus trabalhos parecem trans-
bordar de neologismos. Muitas das ideias de base, embora bas-
tante antigas, tinham tido tão pouca utilidade que nunca fora 
sentida a necessidade de lhes atribuir um nome, contentando-
-se os autores, quando muito, com a utilização de anglicismos 
ou de termos prematuros ou pesados, que não se prestam à 
larga utilização que proponho. Aproveito a ocasião para incluir 
alguns dos meus outros neologismos, dos quais pouco me 
sirvo neste livro. Este capítulo não figurava na 1.• edição 
(francesa). Contudo, após 1976, várias versões incompletas 
surgiram em diversas recolhas. 
ALEATÓRIO, s. m. Elemento onde entra o acaso. Note-se que 
esta palavra já existia em português como adjectivo. O termo 
usado em francês (randon, que significa «bátega» ou «ra-
jada») não é um anglicismo. Não é suficientemente conhe-
cido o facto de a palavra inglesa random, que significa 
«aleatório», derivar do termo francês antigo randon, que 
significa «rapidez», «impetuosidade». 
1 Dado que este capítulo apresenta alguns aspectos linguísticos muito espe-
áficos, houve algumas partes que foram alteradas na tradução, por não fazerem 
sentido em língua portuguesa. (N. dos T.) 
169 
ALEATORIAMENTE, adv. Pode-se utilizar como sinónimo de «ao 
acaso». 
ALEATÓRIO BROWNIANO. Superfície, função ou campo brow-
niano. Comentário: sempre que a variável é unidimensional, 
e que se pretende sugerir a dinâmica subjacente, preferir-
-se-á o termo passeata browniana (ver mais abaixo). 
ALEATÓRIO DE LÉVY. Fecho do conjunto dos valores de uma 
passeata estável de Paul Lévy. 
ALEATÓRIO DE ZEROS BROWNIANO. Conjunto de pontos em que 
um aleatório browniano se anula. 
ALEATÓRIO DE ZEROS DE LÉVY. Conjunto onde um aleatório 
estável de Paul Lévy se anula. 
ALEATORIZAR, v. t. Introduzir um elemento de acaso. Alea-
torizar uma lista de objectos é substituir a sua ordem de 
origem (a ordem alfabética, por exemplo) por uma ordem 
escolhida ao acaso. É frequentemente atribuída igual proba-
bilidade a todas as ordens. 
AMONTOAMENTO, s. m. 1.° Capacidade para formar amon-
toados hierarquizados. 2.° Colecção de objectos formando 
amontoados distintos, agrupados em superamontoados, de-
pois em supersuperamontoados, etc., de forma (pelo menos 
aparentemente) hierarquizada. Justificação da necessidade: 
o par «amontoado-amontoamento» (em francês: amas-amas-
sement) é concebido para corresponder ao inglês clus-
ter-clustering, o qual não tem um equivalente exacto em 
francês. 
CRÓNICA, s. f. ver TRAJECTÓRIA. 
ESCALANTE, adj. Caracteriza, ao mesmo tempo, os objectos 
fractais, as fórmulas analíticas invariantes por transfor-
mações de escala e as interacções físicas que seguem as 
mesmas regras a todas as escalas. Comentário: a palavra 
inglesa scaling está tão enraizada que não vale a pena intro-
duzir uma palavra muito afastada. 
ESCALONADO, adj. Diz-se de uma figura geométrica ou de 
um objecto natural cuja estrutura é dominada por um 
número muito pequeno de escalas intrínsecas bem distintas. 
Escalonado será um neologismo absoluto, quer dizer, nunca 
utilizado até agora. Contrasta com escalante e é a tradução 
do meu neologismo inglês scalebound (Mandelbrot 1981s). 
170 
FRACTAL, adj. O seu significado é intuitivo. Diz-se de uma 
figura geométrica ou de um objecto natural que combine as 
seguintes características: a) As suas partes têm a mesma 
forma ou estrutura que o todo, estando porém a uma escala 
diferente e podendo estar um pouco deformadas. b) A sua 
forma é ou extremamente irregular ou extremamente inter-
rompida ou fragmentada, assim como todo o resto, qual-
quer que seja a escala de observação. c) Contém «elemen-
tos distintos» cujas escalas são muito variadas e cobrem uma 
vasta gama. Nota: o plural de fractal é fractais. Justificação da 
necessidade: Desde há cem anos que os matemáticos se ocu-
pam de alguns dos conjuntos em questão, sem, contudo, 
terem construído qualquer teoria em tomo deles. Não sen-
tiram, por isso, a necessidade de um termo para os designar. 
Depois de o autor mostrar que na natureza abundam objec-
tos cujas melhores representações matemáticas são objectos 
fractais, passou a haver necessidade de um termo que os 
designasse e que não tivesse qualquer outro significado 
paralelo. Todavia, esse termo ainda não possui uma defi-
nição matemática bem aceite. Além disso, é preciso notar 
que a utilização que lhedou não faz qualquer distinção 
entre conjuntos matemáticos (a teoria) e objectos naturais 
(a realidade): emprega-se em todos os casos em que a sua 
generalidade, e a ambiguidade que daí resulta, ou são dese-
jadas, ou não trazem qualquer inconveniente, ou não apre-
sentam qualquer perigo, dado o contexto. 
FRACTAL, s. m. Configuração fractal. Conjunto ou objecto 
fractal. Comentário: há, em língua francesa, uma certa con-
trovérsia sobre se este termo deverá ser usado no feminino 
ou no masculino. Pretendo que seja feminino, escrevendo-o 
como fractale, pois considero que se trata de um termo origi-
nal francês que depois se transmitiu ao inglês. Outros auto-
res, por seu turno, acham que a palavra fractal teve origem 
na língua inglesa e, como termo adaptado, deverá seguir a 
regra do masculino. É ainda curioso notar que, também em 
língua russa, há uma confrontação amigável entre os «parti-
dários do masculino» e os «partidários do feminino». Há 
ainda uma disputa entre os «adeptos do 1 duro» e os 
«adeptos do 1 mudo». 
171 
CONJUNTO FRACTAL. Substitui o termo fractal (substantivo) 
sempre que é necessário precisar que se trata de um con-
junto matemático. Comentário: é necessário, de ora em 
diante, evitar a «definição provisória», que chamava fractal a 
todo o conjunto cuja dimensão de Hausdorff e Besicovitch é 
superior à sua dimensão topológica. À medida que foi sendo 
utilizada, essa definição revelou-se inadequada. 
DIMENSÃO FRACTAL. Significado genérico: número que quantifica 
o grau de irregularidade e de fragmentação de um conjunto 
geométrico ou de um objecto natural e que se reduz, no caso 
dos objectos da geometria normal de Euclides, às suas 
dimensões usuais. Significado específico: «dimensão fractal» 
foi frequentemente aplicada à dimensão de Hausdorff e 
Besicovitch, mas essa utilização é hoje fortemente desaconselhada. 
OBJECTO (FRACTAL). Substitui o termo fractal (substantivo) sem-
pre que é necessário precisar que se trata de um objecto 
natural. Objecto natural que é razoável e útil representar 
matematicamente por intermédio de um fractal. 
PASSEAR, v. intr. Deslocar-se ao acaso, sem um fim preciso. 
PASSEATA, s. f. Função que dá a posição de um ponto do 
espaço, cuja evolução no tempo é regida pelo acaso. Sinó-
nimo de «função aleatória». Justificação semântica: a expres-
são normalmente utilizada com este significado é «passeio 
aleatório». Contudo, «passeata» está mais próximo do termo 
francês randonnée e do respectivo espírito (viagem sem fim 
preciso, cujo desenrolar é imprevisto)2• Se se considera o 
aleatório matemático como um modelo do imprevisível, o 
comportamento psicológico subjacente ao uso comum de 
randonnée é bem modelizado pelo conceito matemático aqui 
proposto. O termo é especialmente recomendado nos con-
textos de que nos ocupamos aqui. 
PASSEATA BROWNIANA. Movimento browniano. 
PASSEATA DE BERNOULLI. Incrementos da fortuna do «Pedro» (e 
decréscimos consecutivos da do «Francisco») ao longo de 
2 Além disso, trata-se de uma palavra única, como em francês. Note-se, 
porém, que, no Brasil, a palavra <<passeata» é usada no sentido de <<manifes-
tação». (N. dos T.) 
172 
um jogo de cara ou coroa. Há em França uma história 
envolvendo duas personagens - Pierre e Francis - asso-
ciadas simbolicamente por este jogo desde 1713, quando 
Jakob Bernoulli publicou o seu Ars Conjectandi. 
PENEIRA, s. f. P. de Sierpinski: curva fractal introduzida por 
W. Sierpirí.ski, cujo complemento é formado por triângulos 
(p. 156). Esta curva adquiriu uma grande importância em 
física. P. apoloniana: curva fractal cujo complemento é for-
mado por círculos (p. 158). Significado genérico: curva topo-
logicamente idêntica às peneiras apoloniana e de Sierpirí.ski. 
História etimológica: é engraçada e instrutiva. Consideremos 
o triângulo circular formado por duas rectas concorrentes 
que encerram uma circunferência. O seu enchimento apolo-
niano dá uma gama infinita de circunferências tangentes às 
mesmas rectas, mais os enchimentos dos triângulos restan-
tes. Ao ver o todo, não posso deixar de me lembrar do que 
seria uma junta de motor de automóvel caso o motor não 
tivesse 4 ou 6 cilindros, mas ums infinidade deles. Nos EUA, 
junta de motor diz-se gasket, que adoptei de novo. Uma vez 
que o termo se tornou corrente, houve um dicionário que o 
pretendeu traduzir para francês. Atribuindo a gasket o seu 
significado anterior, que dizia respeito às cordas náuticas, os 
editores pensaram ver nas circunferências do meu gasket os 
cortes dessas cordas e propuseram badernl?. Discutiu-se o 
assunto e observou-se que certos dicionários remontam gas-
ket ao francês garcette 4 • Mas garcette não «entra muito bem». 
Tentou-se trémie 5 (que, erradamente, se pensa ter a ver com 
trema) e finalmente chegou-se a tamis 6• 
POEIRA, s. f. Colecção inteiramente descontínua de pontos, ou 
seja, um objecto de dimensão topológica igual a O. Justifi-
cação da necessidade: para designar os conjuntos de dimensão 
topológica igual a 1 ou 2 dispomos de termos familiares 
3 A palavra também existe em português como «baderna>> e significa reforço 
de corda. (N. dos T.) 
4 Em português, «gacheta>>. (N. dos T.) 
5 Em português, «tremonha>> ou <<crivo afunilado>>. (N. dos T.) 
6 Em português, <<peneira>>. (N. dos T.) 
173 
«curva» e «superfície». Fazia falta também um termo fami-
liar para referir objectos de dimensão topológica igual a O. 
TRAJECTÓRIA E CRÓNICA No estudo do movimento brow-
niano e de numerosas outras «passeatas», certos termos 
matemáticos, tais corno «grafo», originam alguma confusão. 
Utilizo «trajectória» para o conjunto dos pontos ocupados 
pelo movimento, independentemente dos instantes, e 
mesmo da ordem de ocupação. Utilizo «crónica» para 
o diagrama cuja abcissa é o tempo te cuja ordenada (escalar 
ou vectorial) é a posição no instante t. 
TREMA, s. m. Diversos fractais são construídos a partir de um 
espaço euclidiano ao qual é subtraído um conjunto enu-
merável de conjuntos abertos, a que dou o nome de tremas. 
Etimologia: do grego 'tpru.ta =«buraco», «pontos sobre um 
dado», próximo do latim termes =«térmita». A palavra 
«trema» (sinal ortográfico) tem a mesma origem. Impunha-
-se pôr fim ao subemprego de urna raiz bem nascida, breve 
e que soa bem. 
174 
CAPÍTULO XIV 
Apêndice matemático 
Ao longo de todo este ensaio foi feito um esforço deliberado 
para banir todas as fórmulas «complicadas». Espero, contudo, 
que muitos leitores desejem saber mais. Com o fim de lhes 
facilitar a transição para obras mais especializadas, este apên-
dice reúne algumas pequenas discussões, combinando as prin-
cipais definições com algumas referências. Por uma questão de 
comodidade, a ordem aqui apresentada difere da ordem das 
primeiras menções ao longo do texto. 
Será necessária uma definição 
matemática de fractais? 
É necessário justificar a opção, tomada no texto, de caracte-
rizar os objectos fractais de uma forma intuitiva e laboriosa, 
evitando sempre defini-los matematicamente de forma com-
pacta, através de figuras ou conjuntos a que chamei «fractais». 
Se assim procedi, foi por receio de me envolver nos pormeno-
res sem obter contrapartida concreta. Já muitas vezes mostrei 
estar pronto a contradizer quase todos os meus antepassados 
científicos, declarando que uma parte daquilo que eles ganha-
ram o hábito de considerar patologia matemática deverá, de 
ora em diante, ser reclassificado como a expressão da robusta 
complexic!_ade do real. Contudo, não caio, de modo algum, em 
175 
contradição sistemática. Continua a ser bem verdade que a 
maioria dos aperfeiçoamentos analíticos não têm contrapartida 
concreta, não fazendo mais do que complicar inutilmente a 
vida daqueles que os encontram no decurso de uma teoria 
científica. 
Mais especificamente, uma vez definido umqualquer con-
ceito fractal de dimensão, chegando ao valor D, pode-se tentar 
definir um conjunto fractal como sendo, ou um conjunto para 
o qual D é um real não inteiro, ou um conjunto para o qual D 
é um inteiro, mas o todo é «irregular». Por exemplo, chamar-
-se-ia fractal a um conjunto com D = 1 mas diferente de uma 
curva contínua rectificável. Tal facto seria desagradável, pois 
a teoria da rectificabilidade é demasiado confusa para que 
alguém queira depender dela. Além disso, é muitas vezes pos-
sível, perturbando um conjunto muito clássico na proximidade 
de um único ponto, fazer que a sua dimensão se tome uma 
fracção. Do ponto de vista concreto, tais· exemplos seriam insu-
portáveis. É para os evitar que prescindo de definir o conceito 
de conjunto fractal. 
Medida de Hausdorff. 
Dimensão de Hausdorff-Besicovitch 
(uma dimensão fractal de conteúdo) 
De entre as numerosas definições de dimensão fractal, his-
toricamente, a primeira a ser proposta foi a de Hausdorff 
(Hausdorff 1919). Aplica-se a figuras muito gerais, que não têm 
necessariamente homotetia interna. Para a clarificar convém 
decompô-la em etapas. 
Antes de tudo, suponha-se dado um espaço métrico .Q de 
pontos ffi, isto é, um espaço no qual se definiu, de forma 
conveniente, a distância entre dois pontos e, por c;onseguinte, 
a bola de centro ffi e de raio p. Por exemplo, Q pode se~ um 
espaço euclidiano. Considere-se em .Q um conjunto .9' cujo 
suporte é limitado, isto é, contido dentro de uma bola finita. 
É possível aproximar 9' por excesso, por meio de um conjunto 
finito de bolas de Q tais que um qualquer ponto de .9' se situa 
dentro de, pelo menos, uma delas. Sejam p111 os seus raios. Num 
176 
espaço euclidiano de dimensão d = 1, o conteúdo de urna 
esfera de raio p é 2p; para a dimensão euclidiana d = 2, já é 7tp2 
e, de forma geral, tem-se y(d)pd, com 
[r0/2)]d 
y(d) = 
r(l + d/2) 
(r é a função gama de Euler). Esta expressão, y(d)pd, interpola-
-se naturalmente para dar o «conteúdo» formal de urna bola 
numa dimensão d não inteira. Por extensão, a sorna "" d)L.pd l' 11J 
constitui urna aproximação natural do conteúdo de ~do ponto 
de vista da dimensão formal d. 
Todavia, essa aproximação é muito arbitrária. Para a tomar 
intrínseca é razoável, numa primeira etapa, fixar um raio 
máximo p e considerar todas as coberturas tais que Pm < p. 
A aproximação é tanto mais «económica» quanto mais a soma 
Y(d)L.pd se aproximar do limite inferior infp < P y(d)L.pd. m m m 
A segunda etapa consiste em fazer p tender para O. Ao fazê-
-lo, a restrição imposta aos Pm torna-se progressivamente mais 
estrita, tendo então o nosso infpm < P forçosamente que aumen-
tar. A expressão 
'" d) lirn ,0infp < pLpd l\ P"" m m 
é bem determinada. Esta expressão, muito importante, chama-
-se «medida de Hausdorff de~ na dimensão d». 
Demonstra-se, finalmente, que existe um valor D de d, tal 
que, para 
d < D, lirnp.J.o infp111 <p = oo 
e, para 
d > D, lirn ,0 infp < P = O P-J. m 
(Na verdade, neste último caso tem-se infp111 < P = O para todo o 
p, pois a melhor cobertura, qualquer que seja o p, é feita por 
177 
bolas de raio muito inferior a p). Ao D assim definido chama-
-se «dimensão de Hausdorff-Besicovitch». 
Quando Q é um espaço euclidiano de dimensão E, a expres-
são inf y(E)Lp!; relativa afl'é finita, sendo, no máximo, igual à 
mesma expressão relativa à bola finita que contém 9: Portanto, 
D:::; E. Para os pormenores poder-se-á consultar Kahane e Sa-
lem 1963, Federer 1969 ou Rogers 1970. 
Medida de Hausdorff-Besicovitch 
num espaço de dimensão D 
Façamos d = D na expressão '" d) lim ,0 infp < P Lpd da medida f\ p+ m m 
de Hausdorff. O valor que se obtém, tanto pode ser dege-
nerado (nulo ou infinito), como não degenerado. Só este último 
caso, que cobre nomeadamente o conjunto de Cantor, a curva 
de von Koch e o universo de Fournier, tem algum interesse. 
Quando a medida de Hausdorff é degenerada, a expressão p0 
mede o «conteúdo intrínseco» de fi' de forma imperfeita. Tal é 
tipicamente o caso quando fi' é um conjunto aleatório, como, 
por exemplo, a trajectória do movimento browniano ou do de 
Cauchy ou do de Lévy. Em todos esses casos, o conceito de 
dimensão já é conhecido, sendo porém conveniente aprofundar 
um pouco mais o de «conteúdo». 
Besicovitch teve a ideia, para levar em conta as medidas de-
generadas, de substituir y(o)p0 por uma função h(p) mais geral, 
satisfazendo h(O) =O. Pode existir uma função-calibre h(p) tal 
que a quantidade limp!o infp, < P Lh(p,) é positiva e finita. Nesse 
caso, essa quantidade chama-se «medida de Hausdorff-Besi-
covitch segundo o calibre h(p)», e diz-se que h(p) mede o con-
teúdo do conjunto fi' de forma exacta. Ver, por exemplo, 
Kahane e Salem 1963 ou Rogers 1970. 
Dimensões (fractais) de cobertura 
Seja ainda um conjunto fi' num espaço métrico Q e um raio 
máximo p > O. Pontrjagin e Schnirelman · 1932 cobrem fi' por 
meio de bolas de raio igual a p, segundo o método que exige 
178 
o menor número possível de bolas, N(p). Pode-se, sem 
modificar N(p), substituir a condição «raio igual a p» por «raio, 
no máximo, igual a p». Em seguida, fazendo p tender para O, 
define-se a dimensão de cobertura por 
log N(p) 
lim infpJ.o log (1/p) 
Kolmogorov e Tihomirov 1959 estudaram log N(p) em 
pormenor, designando-o por «entropia p de .9' ». Isso leva a 
designar a dimensão de cobertura como a dimensão de entro-
pia. Kolmogorov definiu igualmente outras quantidades capa-
zes de servir para definir dimensões fractais. Por exemplo, seja 
M(p) o maior número de pontos de.9'tais que as suas dist~ncias 
dois a dois ultrapassem p. Por definição, a capacidade de.9'será 
log M(p) e a expressão 
lim infpJ.o log M(p)/log (1/p) 
será uma dimensão fractal. É preciso não se deixar levar pela 
palavra «capacidade», confundindo-a com a dimensão capaci-
tiva de Frostman. 
Conteúdo de Minkowski 
Tomemos como espaço W o espaço euclidiano a E dimen-
sões. Para estudar os conceitos de comprimento e de área de 
um conjunto .9' de W, Minkowski 1901 sugeriu que se 
começasse por o regularizar e engrossar, substituindo-o pelo 
conjunto .9' (p) de todos os pontos cuja distância a .9' é, no 
máximo, p. Pode-se obter .9' (p) como uma união de todas as 
bolas de raio p, centradas em todos os pontos de.9: Por exem-
plo, uma linha é substituída por um «fio», cujo volume, 
dividido por 2np2, possibilita uma nova estimativa do compri-
mento aproximado da linha. Da mesma maneira, uma super-
fície é substituída por um «véu», sendo o volume do véu, 
dividido por 2p, uma estimativa da área aproximada da super-
179 
fície. Minkowski generalizou a densidade para todo o d inteiro 
como sendo igual à razão: 
volume na dimensão E de9'(p) 
y(E - d)pE-d 
Os conteúdos superior e inferior de 9' são definidos, respecti-
vamente, como os limites superior e inferior da densidade, 
quando p ~ O. A ideia é discutida em pormenor em Federer 
1969. Caso os conteúdos superior e inferior coincidam, o seu 
valor comum define o conteúdo (tout court). 
A extensão de todas estas definições aos valores não inteiros 
de d é absolutamente natural, devendo-se a Georges Bouli-
gand. Por outras palavras, se existir um valor D de d tal que 
o conteúdo superior de 9 se anula para d > D e o conteúdo 
inferior diverge para d < D, a esse valor D pode-se chamar 
«dimensão de Minkowski-Bouligand de9'». 
Dimensões fractais de caixas. As dimensões definidas nesta 
secção e na anterior, bem como diversas suas variantes infor-
mais, são frequentemente chamadas «dimensões de caixas» 
(subentende-se: «de caixas de tamanhos iguais»). 
Dimensões (fractais) de concentração 
para uma medida (Mandelbrot) 
Seja ainda um espaço métrico Q e suponhamos, além disso, 
que, sobre conjuntos apropriados de n, esteja definida uma 
medida Jl~ satisfazendoJl(Q) = 1, «densa em toda a parte», no 
sentido de que Jl(A) > O para qualquer bola A. Visto que 
«o conjunto em que Jl > O» é idêntico a Q, a dimensão de 
homotetia (se se aplicar) e a dimensão de cobertura são ambas 
idênticas à dimensão de Q, não trazendo, por conseguinte, 
nada de novo ao conhecimento de Jl. Pode ser possível afirmar 
que Jl se concentra num conjunto aberto, de dimensão de 
Hausdorff-Besicovitch mais pequena do que a de Q. Infeliz-
mente, no caso de conjuntos abertos, a dita dimensão deixa de 
poder ser interpretada concretamente de forma natural, sendo 
180 
então necessária urna nova definição mais directa. Não encon-
trando nada a esse respeito na literatura, introduzi (para meu 
uso pessoal) as seguintes definições, ainda pouco exploradas, 
mas que poderão ter um interesse mais geral. 
Sendo dado p >O e O< À< 1, consideren:tos todas as cober-
turas de Q que utilizam bolas de raio no máximo igual a p, 
deixando a descoberto um conjunto de medida 11 no máximo 
igual a À. Seja N(p, À) o ínfimo do número dessas bolas. As 
expressões 
lirn inf:~.!o lim infp!o log N(p, À) I log (1 I p) 
lirn infp!o log N(p, p) I log (1 I p) 
definem, cada urna, urna dimensão. Para a primeira, o caso 
mais interessante é aquele em que o factor lim infp!o é indepen-
dente de À, o que significa que a operação lirn inf:~.!o pode ser 
eliminada. 
Dimensão topológica 
As dimensões de homotetia, de cobertura e de medida são 
todas relativas a espaços métricos. São todas muito diferentes 
de um conceito muito mais usual, que é a dimensão no sentido 
topológico. Esta última está absolutamente fora das nossas preo-
cupações. Contudo, é necessário assinalá-la,· pois, de outro 
modo, o papel quase exclusivo que representa nos tratados 
correria o risco de causar a confusão. 
Diz-se que dois espaços topológicos têm a mesma dimensão 
se entre os pontos de um e de outro existir urna corres-
pondência contínua e unívoca. A legenda da fig. 51, 1-epresen-
tando a curva de Peano, fornece alguns pormenores a e:;se 
respeito. Encontra-se um grande número de informações em 
Gelbaurn e Olrnsted 1964 (um livro curioso, muito útil, mas 
totalmente desorganizado). Finalmente, de entre os tratados, 
pode citar-se Hurewicz e Wallrnan 1941. 
Vemos então que o conceito intuitivo de dimensão é multi-
forme: a dimensão de Hausdorff-Besicovitch, a dimensão de 
181 
homotetia e a dimensão topológica representam, cada uma 
delas, apenas um aspecto particular. Além disso, elas podem 
muito bem tomar valores diferentes. Sabemos, por exemplo, do 
estudo da curva de von Koch e das suas variantes, que as 
dimensões de Hausdorff-Besicovitch são idênticas às dimen-
sões de homotetia interna, satisfazendo 1 < D < 2; no entanto, 
essas curvas contínuas sem pontos duplos têm todas uma 
dimensão topológica igual a 1. Mas o conjunto que suporta a 
medida multinomial de Besicovitch do capítulo IX tem uma 
dimensão de Hausdorff-Besicovitch que satisfaz O < D < 1, 
enquanto a sua dimensão de homotetia é 1. 
Variáveis· aleatórias estáveis de Lévy 
Será cómodo aqui definir a variável aleatória gaussiana 
reduzida X de forma inusual, como tendo a densidade 
Isto assegura que exp (- Ç,2) seja uma sua função característica 
(transformada de Fourier). A média de X é nula e a sua va-
riância é cr2 = 2. Chamemos a atenção para a seguinte proprie-
dade. Sejam G' e G" duas variáveis gaussianas independentes, 
que satisfazem < G' > = < G" > = O, < G'2 > = cr"2 e < G"2 > = cr"2; 
então, a soma G = G' + G" é igualmente gaussiana, com 
< G > = O e < G2 > = cr'2 + cr"2• A variável gaussiana reduzida X 
é solução da equação funcional seguinte: 
(S): s'X' + s"X" = sX 
à qual se junta a relação auxiliar 
(A2): s'2 + s"2 = s2 
A equação (S) define a estabilidade no sentido de Lévy. Do 
ponto de vista de (S) e de (A2), s' e s" são simplesmente facto-
res de escala. Aqui verifica-se que são proporcionais a cr' e cr", 
mas há casos em que não é assim. 
182 
Quanto à distribuição de Cauchy, é 
Pr(X > x) = Pr(X < -x) = 1/2- (1/n) arctg x 
A sua densidade, sendo n-1(1 + x2)-1, é a transformada de 
Fourier da função característica exp(-1 Ç I). Tem a particulari-
dade de < I X I h> = oo para h ~ 1, pela simples razão de que 
todos os seus momentos de ordem inteira são infinitos. · 
A equação funcional (S) é ainda aplicável, mas o expoente 
que aparece na condição auxiliár é agora igual a 1 
(A1): s' + s" = s 
Aqui, o factor de escala já não pode ser definido por in-
termédio de momentos, mas verifica-se ser igual à distância 
entre a mediana de X e as suas quartilhas. 
Finalmente, preservando sempre a condição de estabilidade 
(S), é poss~vel generalizar (A2) e (A1) sob a forma: 
(AD): 
Cauchy pensava que D poderia ser um qualquer real positivo. 
Mas Lévy - que retornou este estudo e o levou até ao fim, de 
onde a denominação de «distribuições estáveis de Lévy» -
demonstrou que é condição necessária e suficiente que 
O< D::; 2. Ver Lévy 1937-54, Larnperti 1966, Lukacs 1960-70, 
Zolotarev 1980. 
No caso simétrico (portanto isotrópico), a densidade de 
probabilidade estável de Lévy toma a forma 
- exp(-u0 )cos(ux)du 1100 1t o 
Esta é a transformada de Fourier da função característica 
exp(-1 Ç I D). Excepto nos casos D = 2 (Gauss) e D = 1 (Cauchy), 
a densidade anterior não pode ser escrita sob uma forma 
analítica fechada. Se D < 2, o momento < I X I h> só é finito 
quando h< D. 
183 
Vectores aleatórios estáveis de Lévy 
Limitemo-nos ao caso isotrópico. Lévy mostrou que, se o 
vector aleatório isotrópico X satisfaz a 
(5): s'X' + s"X" = sX 
dever-se-á ter 
(AD): s'0 + s"0 , com O < D ~ 2 
A função característica é ainda exp(-1 Ç, I 0 ). Pode-se definir esse 
vector X explicitamente, como integral de contribuições vecto-
riais, cujas direcções cobrem uniformemente toda a esfera uni-
tária e cujos comprimentos são escalares aleatórios infinitesi-
mais, independentes e seguindo a mesma distribuição estável 
(Lévy 1937-54). 
Ainda outro método: representa-se X como o integral, 
estendido a todos os volumes elementares dxdydz do espaço, 
de vectores definidos da seguinte forma: são nulos com a 
probabilidade 1 - dxdydz; caso contrário, têm um comprimento 
igual a I OP 1-31°, onde P é o centro do volume elementar e O 
é a origem. Finalmente, todos esses vectores são orientados de 
P para O. Há diversos problemas de convergência, mas que 
não são difíceis de resolver, como se vê se se interpretar cada 
vector elementar como uma força de gravitaçáo. A sua lei 
torna-se newtoniana para D = 3/2, obtendo-se, nesse caso, a 
distribuição de Holtsmark. Uma discussão particularmente 
simples, dirigida aos físicos, é a de Chandrasekhar 1943. As 
dificuldades de convergência resolvem-se por anulação recí-
proca das atracções pequenas de estrelas muito afastadas e 
orientadas em direcções opostas. 
Diversas funções brownianas 
Se o movimento browniano foi o primeiro objecto fractal a 
ser estudado, é porque se trata do mais simples, do ponto de 
vista não só da física, mas também da matemática (Wiener, 
184 
Lévy). Além disso, um grande número de outros objectos 
fractais obtêm-se modificando a definição do movimento 
browniano de uma forma inteiramente natural. Iremos aqui 
fazer uma lista dessas generalizações mais importantes. 
O protótipo irredutível é o movimento browniano esca-
lar de Wiener. Uma vez normalizado, é uma função escalar 
B, aleatória e gaussiana, da variável escalar t, tal que 
<[B(t) - B(0)]2> = t2H, com H= 0,5. 
A primeira generalização incide sobre B, substituindo o es-
calar por um vector, ou, ainda - o que vai dar ao mesmo-, 
considera um ponto cujas coordenadas são todas movimentos 
brownianos independentes. 
Uma segunda generalização diz respeito a um B escalar, mas 
substitui H= 0,5 por um outro valor,compreendido entre O e 1. 
Isso conduz ao movimento browniano fraccionário, cujas prin-
cipais propriedades - incluindo uma construção efectiva -
são discutidas em Mandelbrot e Van Ness 1968. 
As primeira e segunda generalizações podem ser combina-
das, conforme foi dito no capítulo VII. 
Uma terceira forma de generalizar B(t), devida a Paul Lévy, 
incide sobre t, substituindo este escalar por um ponto P. Uma 
construção efectiva de B(P), a partir do ruído branco gaus-
siano, foi dada por Tchentsov. A combinação das segunda e 
terceira generalizações deve-se a R. Gangolli, sendo urna cons-
trução efectiva devida a Mandelbrot 1975b. 
Urna quarta generalização substitui a distribuição gaussiana 
por uma outra distribuição estável de Lévy; essa generalização 
é muito útil no capítulo VI. 
185 
CAPÍTULO XV 
Esboços biográficos 
Este livro cita diversos autores, alguns dos quais foram, com 
toda a justiça, coroados com todos os louros (é o caso de Jean 
Perrin e John William Strutt, Third Baron Rayleigh), enquanto 
outros ficaram um pouco à margem, muitas vezes até ao mo-
mento da sua morte. O tempo, para esses últimos, parece ter 
corrido lentamente, deixando-lhes a oportunidade (a menos 
que seja necessário dizer que lhes impôs a necessidade) de 
polir ao longo dos anos ideias que ninguém lhes disputava. De 
entre eles distinguem-se três sábios a quem dedico uma 
admiração particular. Esperando poder partilhá-la, desejando 
saber um pouco mais sobre um deles - bem como sobre um 
quarto autor, acerca do qual não sei praticamente nada - e, 
por fim, desejando (como disse na introdução) que este ensaio 
contribua para a história das ideias, irei terminar com alguns 
esboços biográficos. 
Louis Bachelier: 11/3/1870-28/4/1946 
O trabalho de Roger Brown remonta a 1827, à pré-história, 
tendo a teoria física do movimento browniano sido criada de 
1905 a 1910, por Perrin, Einstein, Langevin, Fokker e Planck. 
Quanto à teoria matemática, ela veio depois da física, com 
Wiener, que a fundou a partir de 1920, seguido por Paul Lévy. 
187 
É inútil determo-nos aqui nos pormenores, que são facilmente 
acessíveis. 
Mas a história poderia ter decorrido de maneira diferente. 
Com efeito, a matemática e as ciências económicas (para estas 
últimas teria, certamente, sido caso único!) poderiam ter pre-
cedido a física, se a aventura de um precursor extraordinário 
tivesse tornado um rumo diferente. Com efeito, urna porção 
verdadeiramente inacreditável dos resultados da teoria tinha já 
sido descrita nos trabalhos de Louis Bachelier, a começar por 
urna tese de doutoramento de estado defendida em Paris em 
29 de Março de 1900. Sessenta anos após a sua publicação 
nos Annales de l'École normale supérieure, esta tese teve a rara 
honra de ser reimpressa (em tradução inglesa), mas a sua 
influência directa foi claramente nula. Bachelier manteve-se 
activo e publicou, nas melhores editoras, diversas obras e 
dissertações. Além disso, o seu popular livro Le Jeu, la Chance 
e le Hasard1 (Bachelier 1914) conheceu diversas edições, po-
dendo ser lido, ainda hoje, de urna forma mais do que honrosa. 
Não será um livro para todos, pois o assunto se alterou muito 
e está escrito corno urna sequência de aforismos: não é claro se 
estes resumem conhecimentos já adquiridos ou esboçam pro-
blemas a explorar. O efeito cumulativo dessa ambiguidade é 
perturbador. 
Apesar desses trabalhos, Bachelier sofreria diversos reveses 
na sua carreira, contando 57 anos quando conseguiu ser 
nomeado professor na Universidade de Besançon. Dada a 
lentidão da sua carreira e a escassez de traços pessoais que 
deixou (as minhas pesquisas, ainda que diligentes, puderam 
apenas encontrar restos de recordações de alunos e colegas 
e não descobriram sequer urna única fotografia), a sua vida 
parece medíocre e a celebridade atingida a título póstumo pela 
sua tese faz dele urna personagem quase romântica. A que se 
deve esse contraste? Urna das razões (além do facto de nunca 
ter integrado urna «grande escola», de a sua tese ter ape-
nas tido direito a urna «menção honrosa» e de não dever ser 
urna pessoa muito desenrascada) prende-se com um certo 
1 Em português, O Jogo, a Sorte e o Azar. (N. dos T.) 
188 
erro matemático, cuja história me foi contada por Paul Lévy, 
numa carta de 25 de Janeiro de 1964. Eis alguns largos extrac-
tos, que completam aquilo que pode ser lido em Lévy 1970, 
pp. 97-98: 
Ouvi pela primeira vez falar dele poucos anos após a 
publicação do meu cálculo das probabilidades. Portanto, em 
1928, mais ou menos um ou dois anos. Era candidato a um 
lugar de professor na Universidade de Dijon. Gevrey, que 
era lá professor, veio-me perguntar a opinião sobre um tra-
balho de Bachelier surgido em 1913 (Ann. Ec. Norm.). Aí 
definia a função de Wiener (antes de Wiener) da seguinte 
forma: em cada um dos intervalos [m, (n + Ht], uma função 
X(t I 't) tem uma derivada constante +ou - u, sendo os dois 
valores igualmente prováveis, e uma passagem ao limite 
(u constante e 't --7 O) dava X(t)! Gevrey estava escandalizado 
com este erro e veio-me pedir a opinião. Disse-lhe que es-
tava de acordo e, a seu pedido, confirmei-o por escrito numa 
carta que facultou aos seus colegas de Dijon. Bachelier foi 
chumbado e, ao saber do meu papel, veio-me pedir expli-
cações, as quais lhe dei, sem, contudo, o conseguir conven-
cer do seu erro... Passo por cima da sequência imediata 
deste incidente. 
Já tinha esquecido a questão, quando em 1931, na disser-
tação fundamental de Kolmogorov, encontro «der Bacheliers 
Fall»2• Estudo então os trabalhos de Bachelier, verificando 
que este erro, que era uma presença constante, não o impe-
diu de chegar a resultados que teriam sido correctos se, 
em lugar de u constante, tivesse escrito u = c-r112, e de 
descobrir, antes de. Einstein e de Wiener, algumas pro-
priedades importantes da função dita de Wiener ou de 
Wiener-Lévy, salientando-se: a equação da difusão e a lei de 
que depende max0!>t91 X('t). Está por realizar um trabalho 
que nunca efectuei: procurar nos resultados da minha 
memória de 1939 (Compositio math.) quais aqueles que 
Bachelier já conhecia. 
2 Em alemão no original. <<Ü caso Bachelier>>. (N. dos T.) 
189 
Reconciliei-me com ele. Escrevi-lhe a dizer que lamentava 
o facto de a impressão produzida por um erro no início me 
ter impedido de continuar a leitura de trabalhos em que 
havia um tão grande número de ideias interessantes. Res-
pondeu-me com uma carta em que testemunhava um 
grande entusiasmo pela investigação. 
É trágico que tenha sido Lévy a desempenhar este papel, 
pois veremos em breve que também ele falhou por falta de 
rigor (seria desnecessário falar aqui do grau de rigor matemá-
tico das melhores teorias físicas do seu tempo ... ou do nosso). 
Um outro motivo para as dificuldades de Bachelier revela-
-se no título da sua tese, da qual me demorei a falar e que era 
Théorie mathématique de la speculation3, não se tratando de uma 
especulação (filosófica) sobre a natureza do acaso, mas sim de 
especulação (bolsista) sobre a alta e a baixa dos juros. Segundo 
as palavras do relator, Henri Poincaré, «Ü assunto [ ... ] afasta-
-se um pouco daqueles que são habitualmente tratados pelos 
nossos candidatos». Não há nenhuma indicação sobre a forma 
como este assunto foi escolhido. Se bem que o autor utilizasse 
com à-vontade o vocabulário da bolsa, sabia que «nunca se fica 
rico só por se ser hábil». É pouco concebível que tenha reco-
nhecido a importância do seu modelo para os economistas (de 
que falo em Mandelbrot 1973j, 1973v), importância que teve de 
aguardar sessenta anos antes de ser geralmente reconhecida. 
Sem dúvida, seguia simplesmente a tradição, vendo no jogo 
-nas suas próprias palavras - «a imagem mais clara dos 
efeitos do acaso». 
Qualquer que tenha sido a semente, vema considerar, na 
sua Notice de 1921, que a sua principal contribuição tinha sido 
fornecer «imagens tiradas dos fenómenos naturais, como a 
teoria da radiação das probabilidades, em que se assimila uma 
abstracção a uma energia, abordagem imprevista e ponto de 
partida para numerosos progressos. Foi a propósito dessas 
assimilações que Henri Poincaré escreveu: 'O Sr. Bachelier 
demonstrou um espírito original e preciso'». Esta última frase 
3 <<Teoria Matemática da Especulação>>. (N. dos T.) 
190 
vem no relatório de tese, que merece ser citado em mais 
pormenor: 
A forma como [o candidato] obtém a lei de Gauss é muito 
original e tanto mais interessante quanto o raciocínio pode-
ria estender-se, com algumas modificações, à própria teoria 
dos erros. Desenvolve-o num capítulo cujo título pode, de 
início, parecer um pouco estranho, pois o intitula «Rayonne-
ment de la Probabilité»4• O autor recorreu, com efeito, a uma 
comparação com a teoria analítica da propagação de calor. 
Um pouco [sic!] de reflexão mostra que a analogia é real e 
a comparação legítima. Os raciocínios de Fourier aplicam-se, 
quase sem alteração, a este problema tão diferente daquele 
para o qual foram desenvolvidos. Poder-se-á lamentar que 
[o autor] não tenha desenvolvido um pouco mais esta parte 
da sua tese. 
Poincaré vira, portanto, que Bachelier tinha chegado ao pró-
prio limiar de uma teoria geral da difusão. 
Valerá a pena reproduzir dois outros extractos da Notice: 
1906: Teoria das probabilidades contínuas. Esta teoria não 
tem qualquer relação com a teoria das probabilidades geo-
métricas, cujo alcance é muito limitado. Trata-se de uma 
ciência com um grau de dificuldade e de generalidade dife-
rente do do cálculo clássico das probabilidades. Concepção, 
análise, método, tudo aí é novo. 1913: As probabilidades cine-
máticas e dinâmicas. Estas aplicações do cálculo de probabili-
dades à mecânica são absolutamente pessoais do autor, não 
tendo este ido buscar a ideia primitiva a ninguém. Nunca foi 
realizado nenhum trabalho do mesmo género. Concepção, 
método, resultados, tudo aí é novo. 
Não se recomenda aos autores de uma Notice que façam 
prova de modéstia. Mas, aqui, Louis Bachelier não estava de 
maneira nenhuma a exagerar, contrariamente à opinião dos 
seus contemporâneos. 
4 <<Radiação da Probabilidade». (N. dos T.) 
191 
Quem saberá algo mais acerca da sua vida ou da sua perso-
nalidade? 
Digressão: será necessário completar as «CEuvres» de Poincaré? 
Os extractos de relatório acima reproduzidos foram copia-
dos dos Arquivos da Universidade de Paris VI -herdeiros 
dos da antiga Faculdade de Ciências de Paris - com a amável 
autorização das autoridades competentes. O documento está 
redigido no estilo admirável e lúcido que se conhece dos 
escritos «populares» do autor. É apaixonante. 
Este caso sugere-nos que o segredo académico que protege 
tais documentos na sua origem obedece expressamente às mes-
mas regras que o segredo diplomático e o das correspondên-
cias privadas. Hoje todo um aspecto da personalidade de Poin-
caré está ausente nas suas CEuvres, reputadamente completas. 
Edmund Edward Fournier d' Albe: 1868-1933 
Um parágrafo no Who is Who?5, depois outro no Who was 
Who? 6, os seus livros nas bibliotecas, alguns raros comentários 
sobre o seu modelo - em geral sarcásticos, excepto o comen-
tário de Charlier, que, de resto, não parece de forma alguma 
ter pretendido apoderar-se do que admirava. Eis todos os ves-
tígios deixados por este estranho autor. Foi um inventor activo 
(o primeiro a transmitir uma imagem de televisão a partir de 
Londres). Foi um místico religioso. Apesar da sua ascendência, 
da educação parcialmente alemã e da residência em Londres, 
foi um patriota irlandês, militante de um movimento pan-celta. 
A sua obra é daquelas em que se fica surpreendido por não se 
encontrar nada de razoável e à qual se tem medo de devotar 
demasiada atenção, receando tomar o resto a sério. Mas deve-
se-lhe algo de durável, a primeira formalização de uma intui-
ção muito importante, já conhecida antes dele, é certo, mas 
5 Livro inglês de grande popularidade que retrata as figuras de destaque da 
sociedade inglesa. A tradução literal do seu título é Quem É Quem? (N. dos T.) 
6 Livro semelhante, mas cujo título significa Quem Era Quem? e que, obvia-
mente, se refere a personagens já falecidas. (N. dos T.) 
192 
apenas de forma muito vaga. Gostaríamos de conhecer um 
pouco melhor sobre que terreno ela se terá podido formar. 
Paul Lévy: 15/9/1886-5/12/1971 
Paul Lévy - que eu considero meu mestre, ainda que ele 
não tenha reconhecido nenhum aluno no sentido usual- rea-
lizou aquilo que Bachelier apenas aflorara. A sua vida foi sufi-
cientemente longa para que se tenha visto reconhecido como 
um dos maiores probabilistas de todos os tempos, e mesmo 
para o levar (com perto de 80 anos) a ocupar o lugar de Poin-
caré e de Hadamard na Academia das Ciências. Contudo, ao 
longo de toda a sua vida activa, sofreu o ostracismo da Univer-
sidade, o que não deixava de o mortifi<;ar, sem, contudo, o 
surpreender, pois, conforme escreveu na sua autobiografia 
(Lévy 1970), embora receando «não ser mais do que um sobre-
vivente do século passado», tinha a «sensação nítida de não ser 
um matemático 'como os outros'». Trabalhando isoladamente, 
disperso por poucas obrigações além do seu professorado na 
Escola Politécnica, transformou um pequeno conjunto de resul-
tados heteróclitos numa disciplina em que resultados ricos e 
variados são obtidos por métodos que envolvem uma econo-
mia de meios verdadeiramente clássica. 
Prossigo com alguns comentários, parafraseando aqueles 
que proferi numa cerimónia em sua memória: 
Falemos, antes de tudo, do seu ensino na Politécnica. Das 
suas aulas orais, tendo-me o acaso colocado num lugar ao 
fundo do anfiteatro, sendo a voz de Lévy muito fraca e não 
existindo amplificação, a imagem que me ficou é muito 
ténue. A recordação mais viva que tenho é a da semelhança, . 
de que alguns de nós nos apercebíamos, entre a sua silhueta 
comprida, forte e acinzentada e a forma um pouco especial 
corno traçava o símbolo de integração no quadro. 
Já nas aulas escritas as coisas não eram tão rotineiras. Não 
era o desfile tradicional, bem ordenado, começando por 
urna descarga de definições e lemas, seguida de teoremas 
193 
cujas hipóteses todas se repetem claramente, intercalados 
por alguns resultados não demonstrados, mas claramente 
sublinhados como tais. Guardei, em vez disso, a recordação 
de uma vaga tumultuosa de comentários e observações. Na 
sua autobiografia, Lévy sugere que, para interessar as crian-
ças pela geometria, é necessário chegar rapidamente àqueles 
teoremas que elas não se sentem tentadas a considerar como 
evidentes. Na Politécnica, o seu método não era muito dife-
rente. Para descrever o seu estilo, uma pessoa sente-se irre-
sistivelmente atraída por imagens de alpinismo, tal como 
aconteceu, há já muito tempo, com Henri Lebesgue, numa 
descrição de um outro curso de Análise na Politécnica, o de 
Camile Jordan. Com efeito, tal como Camile Jordan, Lévy 
não era parecido com «aquela pessoa que tentaria aguar-
dar o ponto culminante de uma região desconhecida, não 
olhando em volta antes de atingir o cume. Se essa pessoa for 
levada para lá, ela verá possivelmente que do topo domina 
muitas coisas, não sabendo, contudo, muito bem quais. Con-
vém ainda lembrar que dos cumes mais elevados não se vê 
geralmente nada. Os alpinistas sobem-nos apenas pelo pra-
zer do esforço a realizar». 
É inútil dizer que as «folhas» policopiadas do curso 
escrito de Lévy não eram universalmente populares. Para 
muitos «escavadores de minas»7, elas eram - na expectativa 
do exame geral - fonte de inquietude. Aquando da última 
reforma (que conheci em 1957-58, sendo seu «mestre deconferências»), todos os seus traços se acentuaram ainda 
mais. A exposição da teoria da integração, por exemplo, era 
claramente aproximativa. Não se realiza um bom trabalho 
tentando forçar-se o talento, escreveu ele. Parecia que, no 
último ano em que deu a cadeira, o seu talento havia sido 
forçado. Mas desse curso de 1944, que eu frequentava, 
guardei uma recordação extraordinariamente positiva. Se é 
verdade que a intuição não pode ser ensinada, não o é 
menos que é bem fácil ser enganada. Penso que era sobre-
tudo isso que Lévy tentava evitar e julgo que o conseguiu. 
7 Expressão por que são conhecidos os candidatos à Escola Politécnica. 
(N. dos T.) 
194 
Ainda na escola, ouvi diversas alusões à sua obra criativa. 
Ela era, dizia-se, muito importante, mas acrescentava-se que 
o mais urgente era torná-la rigorosa. Isso foi feito e os 
rebentos intelectuais de Lévy regozijam-se de serem, desde 
então, aceites como matemáticos de parte inteira. Vêem-se a 
si próprios, conforme acaba de dizer um deles, como «pro-
babilistas aburguesados». Esta aceitação custou muito caro: 
o cálculo das probabilidades não se «apurou». Deliberada-
mente, desmembrou-se e dispersou-se por diversos ramos 
da matemática. Urna teoria do acaso, da qual o cálculo das 
probabilidades teria sido o pólo central, ainda está por cons-
truir. Parece haver, em todos os ramos do saber, níveis de 
precisão e de generalidade insuficientes, incapazes de atacar 
algo mais do que problemas simples. Existem também, cada 
vez mais, ramos do saber cujos níveis de precisão e genera-
lidade estão para além do que seria razoável pedir. Por 
exemplo, pode-se ter necessidade de cem páginas de pre-
liminares para conseguir (sem abrir novos horizontes) de-
monstrar um único teorema sob uma forma um tudo-nada 
mais geral. Finalmente, em certos ramos do saber há níveis 
de precisão e generalidade que se podem qualificar de clás-
sicos. A grandeza quase única de Paul Lévy foi a de ter sido 
um precursor, mantendo-se um clássico. 
Para terminar, falemos das aplicações científicas. Rara-
mente se ocupou delas e aqueles que têm de resolver proble-
mas já bem assentes raramente encontram na sua obra fór-
mulas que lhes possam servir directamente. Portanto, rara-
mente o citam. Mas o mesmo já não se passa na exploração 
de problemas verdadeiramente novos, a acreditar na minha 
experiência pessoal. Quer se trate dos modelos aos quais 
este ensaio é consagrado, quer dos modelos (por exemplo, 
económicos) que abordo noutras obras, a boa formalização 
parece não tardar a exigir quer o Lévy de origem quer urna 
ferramenta com o mesmo espírito e grau de generalidade. 
Criou-se assim entre os seus teoremas e as minhas teorias 
um paralelismo cada vez mais acentuado, tanto mais ines-
perado quanto os meus trabalhos, que tive a oportunidade 
de lhe apresentar pessoalmente, o surpreenderam do mesmo 
modo que surpreenderam os seus contemporâneos. Cada 
195 
vez mais, o mundo interior, de que Lévy se tornou geógrafo, 
revela ter tido, com o mundo que nos rodeia (e que eu 
exploro), uma espécie de acordo premonitório, o qual, não 
haja qualquer dúvida nesse ponto, é uma marca de génio. 
Lewis Fry Richardson: 11/10/1881-30/9/1953 
Segundo as palavras de G. I. Taylor, Richardson «era uma 
personagem muito interessante e original, que raramente 
pensava da mesma maneira que os seus contemporâneos, que 
frequentemente não o compreendiam». Obteve o seu diploma 
de B. A. de Cambridge em Física, Matemática, Química, Biolo-
gia e Zoologia, pois hesitava sobre qual a carreira a seguir. 
Tendo sabido que Helmholtz fora médico antes de se tornar 
físico, Richardson escreveu: 
[ ... ] pareceu-me a mim que participou no festim da vida 
em ordem inversa e que gostaria de passar a primeira 
metade sob a estrita disciplina da física, aplicando em 
seguida esta formação ao estudo dos seres vivos. Este pro-
grama mantive-o em segredo [ ... ] 
Mais tarde, com a idade de 47 anos, obtém um diploma de 
Psicologia em Londres. A sua carreira começou no Instituto 
Meteorológico, consistindo uma das suas primeiras experiên-
cias na medida da velocidade do vento, mesmo nas nuvens, 
disparando esferas de aço (os tamanhos variavam entre os de 
uma ervilha e os de uma cereja). Sendo quaker, foi objector de 
consciência em 1914-18, tendo-se demitido quando o Instituto 
Meteorológico foi integrado no recém-criado Ministério do Ar. 
A sua obra de 1922 Weather Prediction by Numerical Process8 
(cuja reimpressão de 1965 contém uma biografia) foi a obra de 
um visionário prático. Foi, contudo, manchada por um erro 
fundamental. Com efeito, ao aproximar as equações diferen-
ciais da evolução da atmosfera por equações de diferenças 
finitas, escolheu, para os intervalos de tempo e de espaço, 
8 Previsão Meteorológica por Métodos Numéricos. (N. dos T.) 
196 
valores que estão muito longe de satisfazer um certo critério de 
segurança nos cálculos. Não tendo ainda sido sentida a neces-
sidade de um tal critério, o erro não podia ter sido evitado, 
mas - por esse facto - só vinte anos mais tarde foi reconhe-
cida a validade das bases do método de Richardson. 
Houve, no entanto, um aspecto do seu livro que não teve 
dificuldade em sobreviver, tomando-se um clássico, ainda que 
anónimo: é o conceito de cascata, tal como o exprimiu numa 
paródia a Swift, texto que se tomou célebre e ainda hoje se 
mantém fecundo, pois que cada progresso no estudo da tur-
bulência parece vir trazer-lhe uma nova variante. O original e 
a paródia são intraduzíveis (mas será que não existe um 
equivalente francês da mesma época?): 
SWIFf 
So, naturalists observe, a flea 
Hath smaller fleas that on him prey; And 
these have smaller fleas to bite 'em; 
And so proceed ad infinitum. 
RICHARDSON 
Big whorls have little whorls, 
Which feed on their velocity; 
And little whorls have lesser whorls, 
And so on to viscosity 
(in the molecular sense)9. 
• Apesar de os textos serem intraduzíveis, fornece-se uma versão portuguesa 
aproximada : 
SWIFf 
Assim, os naturalistas vêem que urna pulga 
Tem pequenas pulgas a atacá-la; e 
Estas têm a morder-lhes pulgas mais pequenas; 
E assim por diante ad infinitum. 
RICHARDSON 
Grandes remoinhos têm pequenos remoinhos, 
Que se alimentam da sua veloádade, 
E pequenos remoinhos têm remoinhos ainda mais pequenos, 
E assim por diante até à viscosidade 
(num sentido molecular). (N. dos T.) 
197 
Naturalmente, prosseguiu o estudo da turbulência, tendo-
-lhe os seus trabalhos valido a eleição para a Royal Society. 
A primeira secção de um dos seus trabalhos intitula-se 
«O vento possuirá uma velocidade?» e começa assim: 
«A questão, aparentemente estúpida, não o é tanto se se reflec-
tir um pou~o.» Demonstra, em seguida, como se pode estudar 
a difusão pelo vento sem nunca mencionar a respectiva velo-
cidade. É feita uma alusão - mas (não ocorreu qualquer mi-
lagre) para se livrar dela logo a seguir! - à função contínua 
sem derivada de Weierstrass. É, portanto, evidente que faltou 
a Richardson o golpe fractal, mas o seu argumento é facilmente 
traduzível para a linguagem «fractal» da turbulência, que este 
ensaio introduz e defende. 
Uma das suas últimas experiências sobre a difusão num 
meio turbulento requeria a utilização de bóias bem visíveis, de 
preferência esbranquiçadas, além de que quase submersas, 
para não apanharem vento, e ainda em grande número, pelo 
que de preferência não muito caras. A solução que encon-
trou consistiu em encontrar um grande saco de pastinagas 
(parsnips), que mandou atirar do cimo de uma ponte, enquanto 
as observava do cimo de uma outra ponte, a jusante. 
Após 1939, uma herança permitiu-lhe pedir uma reforma 
antecipada do posto administrativo humilhante que ocupava, 
à falta de um posto à sua altura, consagrando-se, a partir de 
então, ao estudo da psicologiados conflitos armados entre 
estados. Dois volumes sobre este problema surgiram após a 
sua morte, bem como alguns artigos, um dos quais salvou do 
esquecimento os seus trabalhos sobre o comprimento das costas. 
George Kingsley Zipf: 7/1/1902-25/9/1950 
Filólogo americano, tornado pouco a pouco «ecologista esta-
tístico», Zipf é conhecido por um livro publicado por conta do 
autor, intitulado Human Behavior and the Principie of Least Effort, 
An Introducion to Human Ecology10, Addison Wesley, 1949. 
10 Comportamento Humano e a Lei do Menor Esforço, Uma Introdução à Ecologia 
Humana. (N. dos T.) 
198 
Conheço poucas obras (a de Fournier d' Albe é outra) em 
que tantos rasgos de génio, projectados em tantas direcções, se 
percam numa ganga tão espessa de locubrações. Por um lado, 
encontra-se aí um capítulo que trata a forma dos órgão sexuais 
e um outro em que se justifica o Anschluss11 por meio de uma 
fórmula matemática. Por outro, contudo, oferece-nos um 
manancial de figuras e tabelas, em que se martela sem cessar 
a prova empírica da validade de uma lei estatística, da qual o 
capítulo xn desta obra referiu duas aplicações, havendo outras 
em incontáveis domínios das ciências sociais. Se teve difi-
culdade em se impor, foi por atacar de frente o dogma que 
então dominava sem contestação os estatísticos profissionais: o 
dogma de que tudo na natureza é gaussiano. A sua obra 
conserva por isso uma importância histórica considerável. Dito 
isto, Zipf não foi verdadeiramente original: de entre as leis que 
disseminou, as melhores não eram suas, e aquelas de que foi 
o primeiro autor são a::5 menos numerosas e as mais con-
testáveis. 
As pessoas gostam de imaginar fins felizes para histórias 
tristes, sobretudo quando elas são subitamente interrompidas, 
mas, no caso de Zipf, isso é difícil. No seu combate contra um 
dogma estatístico forjou um outro dogma, inteiramente verbal 
e vazio. Encontram-se nele, da maneira mais clara - e mesmo 
caricatural- as dificuldades extraordinárias que se deparam 
a qualquer abordagem interdisciplinar. 
11 Anexação da Áustria pela Alemanha nazi. (N. dos T.) 
199 
CAPÍTULO XVI 
Agradecimentos e coda 
Esta obra jamais teria visto a luz do dia se não fossem os 
convites, o apoio e a assistência de inúmeros organismos e 
individ ualiades. 
O College de France concedeu-me a honra de me convidar 
para expor o estado das minhas ideias em Janeiro de 1973 e em 
Janeiro de 1974. Ao convidarem-me, os Srs. A. Lichnerowicz e 
J. C. Parker encorajaram-me a organizar o que na altura pode-
ria não parecer mais do que uma grande embrulhada, podendo 
este texto ser considerado uma redacção mais elaborada das 
minhas palestras no College. 
Este livro serve-se de trabalhos desenvolvidos no Thomas 
J. Watson Research Center of the International Business Machi-
nes Corporation, Yorktown Heights, Nova Iorque. Através da 
pessoa do Sr. R. E. Gomory, anteriormente chefe de uma 
pequena equipa em que me incluía e hoje Senior Vice-President 
for Science and Technology, a IBM apostou em me dar os 
meios para que pudesse empreender estes trabalhos, conti-
nuando ainda hoje a apoiá-los. 
A maioria das ilustrações foi realizada por meio de compu-
tadores, fazendo uso de programas criados por H. Lewitan, 
J. L. Oneto e sobretudo S. W. Handelman e de técnicas aper-
feiçoadas por P. G. Capek e A. Appel. 
A. Mandelbrot, L. Mandelbrot, C. Vannimenus e J. S. Lourie 
combateram a obscuridade e os anglicismos nos textos. 
201 
F. Mer, F. Legrand, A. M. Benilan, M. Roulé e, para finalizar, 
C. A. McMullin decifraram os difíceis manuscritos de 1975, 
tendo-os introduzido num sistema experimental de tratamento 
de texto. Em 1984 fui auxiliado por J. T. Riznychok e em 1989 
por F. Guder e L. R. Vasta. 
* 
Deliberadamente, deixei o final dos capítulos precedentes 
«em suspenso», o mesmo acontecendo ao ensaio como um 
todo. Se, como o espero, a «geometria elementar» integrar em 
breve considerações fractais, será graças a uma certa combi-
nação imprevisível de capricho, porque se trata de algo de 
novo e bonito, e necessidade, porque ela será útil e talvez até 
mesmo necessária. Não gostaria de ajuizar da primeira razão, 
e foi para ajudar o leitor a julgar a segunda que concatenei uma 
miscelânea neste livro. 
Se o leitor chegou até aqui, foi porque a minha miscelânea 
lhe agradou, ainda está com fome e pretende saber mais. 
A edição de 1975 mais não foi do que um esboço, e hoje vejo 
os meus esforços recompensados pela adopção dos fractais 
num número crescente de disciplinas, cuja diversidade é abso-
lutamente inesperada, e pela explosão do número de trabalhos, 
que já nem sequer tento seguir em pormenor. O segundo 
ensaio deste livro (que começa na p. 205) tenta dar uma pano-
râmica geral. 
Encontra-se na primeira das bibliografias uma lista de livros 
sobre fractais, manuais, monografias ou actas de congressos ... 
É por aí que se deverá começar o estudo aprofundado dos 
fractais. Todos esses livros têm, eles próprios, bibliografias 
abundantes, que seria inútil reproduzir aqui. 
202 
FRONTISPíCIO DO <<PANORAMA>>: UM PEDAÇO DE ÂMBAR 
Esta fotografia, a única que figura neste livro, é da autoria 
de Paul A. Zahle, Ph. D. Surgiu na revista mensal National 
Geographic Magazine de Setembro de 1977, pp. 434-435. © 1977 
da National Geographic Society. 
Parafraseando a legenda, da autoria de T. J. O'Neil: «Apa-
rentemente, num bloco de resina já solidificado, desenvolveu-
-se urna fissura fina que começou a encher-se com resina 
fresca. Foi a injecção de ar que em seguida formou estes pseu-
dofósseis ramificados. Foi preciso esperar a Historia Naturalis, 
do romano Plínio-o-Velho, para que o âmbar fosse descrito 
como um produto do mundo vegetal.» 
Foi preciso esperar a geometria fractal para que a forma 
desses pseudofósseis pudesse ser identificada como uma den-
drite fractal análoga aos agregados discutidos na p. 257 e na 
fig. 266. 
203 
PANORAMA GERAL 
DA LINGUAGEM FRACTAL 
O terna deste Panorama, como aliás de todo o livro, é a 
geometria fractal da natureza e do caos, ou -para ser mais 
curto- a geometria fractal. É o estudo de diversos objectos, 
tanto matemáticos corno naturais, que não são regulares, mas 
rugosos, porosos, ou fragmentados, sendo-o no mesmo grau em todas 
as escalas. Já ultrapassou a idade dos 15 anos, quer se conte a 
partir do marco que foram os meus trabalhos de 1974 sobre os 
multifractais, quer a partir da publicação, em 1975, do primeiro 
dos ensaios que constituem este livro. A 3.• edição destes 
Objectos Fractais dá-nos, por isso, urna oportunidade de fazer 
um balanço. 
O milagre é que a geometria fractal tenha sobrevivido aos 
males de infância que devastam as iniciativas intelectuais, par-
ticularmente aquelas que assumem um tom de síntese. Não só 
sobreviveu, corno ensinou muitos sábios, engenheiros e artistas 
- entre outros - a verem o mundo de urna maneira diferente. 
Mais precisamente, fez sair o verbo ver do sentido figurativo 
e abstracto a que havia sido remetido, para voltar a encontrar 
o seu sentido concreto, do qual o instrumento é o olho 
humano. 
De urna forma mais geral, a geometria fractal é largamente 
aceite, tendo já entrado na idade dos congressos, dos cursos e 
dos manuais, corno o demonstram, por exemplo, os livros para 
onde remete a primeira página da bibliografia. Não obstante, 
207 
ainda não se tomou «académica», mantendo uma diversidade 
que é intrínseca, rara, divertida e importante. Não só levanta 
ainda questões fundamentais, como continua a desencadear 
polémicas. Não há aí nada de surpreendente, pois uma síntese 
intelectual ambiciosa, qualquer que seja a sua idade, não 
poderia ficar a dormir sobre os seus louros. 
O objectivo deste ensaio consiste então em examinar breve-
mente, um apóso outro, diversos papéis desempenhados pela 
geometria fractal neste momento da sua vida, respondendo, 
sem procurar evitar a polémica, às questões de facto ou de 
interpretação que se parecem colocar mais frequentemente a 
seu respeito. 
Este Panorama repete, em alguns pontos, o que já foi dito 
nos Objectos Fractais. Aliás, não é de forma nenhuma sis-
temático, sobretudo porque, no meu espírito, nenhum dos 
papéis dos fractais domina ou implica os outros. Não é, por-
tanto, necessário prestar demasiada atenção nem aos pesos 
relativos que atribuí aos diversos aspectos dos fractais, nem à 
ordem pela qual são discutidos. Além disso, tendo certas 
partes um carácter mais especializado, encoraja-se o leitor a 
não se deter naquilo que não lhe interessar; frequentemente, 
poderá saltar directamente para as secções que mais lhe digam 
alguma coisa. 
As ilustrações foram agrupadas no final do texto. 
A natureza e as duas formas de caos 
À partida, a geometria fractal era uma geometria da natu-
reza, que fazia um apelo constante ao caos estatístico. Mas, 
com a sua utilização, o seu papel alargou-se enormemente. 
É uma geometria da natureza e é uma geometria do caos, sob duas 
formas: estatística e determinista. 
Para ser mais preciso, os Objectos Fractais, de 1975, propu-
nham-se não só descrever as montanhas, as nuvens, as árvores 
e os amontoados de galáxias, mas também descrevê-los de 
uma forma suficientemente perfeita para permitir imitar ima-
gens do real por meio de fórmulas. Essas imitações baseavam-
-se em modelos estatísticos. Pouco depois, no entanto, no meu 
208 
livro inglês, Mandelbrot 1977f, pp. 255-259, verificava (lendo 
Poincaré) que as mesmas técnicas podiam também ser aplica-
das em dinâmica. 
Ora estava então em vias de se constituir uma teoria do caos 
determinista. A ideia fundamental dessa teoria reside no facto 
de um sistema dinâmico absolutamente determinista poder dar 
origem a comportamentos que temos grande dificuldade em 
não considerar aleatórios. Esta perspectiva era conhecida na 
década de 30, quando Norbert Wiener, para só o citar a ele, 
pensava (sem, contudo, o ter demonstrado) que a turbulência, 
ainda que criada por um processo determinista, deveria ser 
estudada pelos mesmos métodos utilizados na análise de 
processos aleatórios. Mas a ideia só tomou forma em meados 
da década de 70, na sequência, sobretudo, dos célebres tra-
balhos de David Ruelle sobre os «atractores estranhos». Os 
trabalhos de Ruelle foram seguidos, não parando de se acumu-
larem os exemplos de «caos determinista». 
A geometria fractal e o estudo do caos estiveram na origem 
de movimentos independentes, ainda que ambos se colocas-
sem na herança intelectual de Henri Poincaré. Os dois 
movimentos, contudo, mantiveram-se, em grande parte, uni-
dos. Para começar, foi desde logo evidente que os «atractores 
estranhos» de Ruelle eram fractais. De uma forma mais geral, 
o estudo do caos determinista deu origem a inúmeras formas 
geométricas muito complicadas. A geometria habitual é abso-
lutamente incapaz de as tratar, enquanto a geometria fractal 
constituía, à partida, uma ferramenta perfeitamente apro-
priada para o seu estudo. Assim, por exemplo, os meus tra-
balhos de 1974-76 desenvolveram a técnica dos multifractais 
(sem usar esse nome), com vista ao estudo das formas geo-
métricas criadas pela turbulência no espaço real. Mas a mesma 
técnica estendeu-se, sem esforço particular, às frequências de 
retorno de um sistema dinâmico considerado num «espaço de 
fase», encontrando assim um novo campo de aplicação muito 
vasto. 
Devido a isso, o papel dos fractais no seio da dinâmica 
tornou-se absolutamente central. Daí resulta, em particular, 
que a ideia, por vezes expressa, de que a geometria fractal é 
unicamente estatística não tem qualquer fundamento. 
209 
fractal já explica muito bem, alguns fazem unicamente inter-
vir o acaso, outros fazem igualmente intervir as grandes 
equações clássicas da física matemática. 
O fractal não pretende ser uma panaceia 
Antes de prosseguir, precisemos que os métodos fractais e 
multifractais foram largamente confrontados com problemas 
difíceis, tendo recebido a sua quota-parte de desaires parciais 
evidentes. Quer .isto dizer que o fractal não pretende ser uma 
panaceia. O leitor familiarizado com certas discussões filosófi-
cas dirá que o fractal responde a uma exigência expressa em 
Popper 1935: sabemos que é «falsificável», pois em certos 
contextos já foi definitivamente «falsificado». 
Há também casos em que um modelo fractal está correcto, 
embora ele não simplifique de maneira útil a complicação do real. 
Por fim, há ainda casos em que os dados são tão escassos 
que não permitem a nenhum modelo ser verificado ou falsifi-
cado, merecendo então todos os modelos que sobre eles se 
diga «não serem sequer falsos». 
Como reagir então aos casos em que o modelo fractal é 
posto à prova, mas falha ou não é sequer falso? Essa conclusão 
deverá, quase sempre, ser tida como uma notícia muito má. 
Com efeito, seria excepcional que se recorresse aos métodos 
fractais em casos onde os objectos fossem geometricamente 
muito simples. Portanto, renunciar à geometria fractal não traz, 
regra geral, a consolação de se poder sempre retornar à geome-
tria euclidiana. Ainda por outras palavras, verificar o desaire 
do fractal nesta ou naquela «frente» elimina uma esperança 
acabada de surgir, fazendo-o sem devolver vida a qualquer 
esperança antiga. 
Uma lista de papéis que surpreende 
A experiência demonstra que a lista de «múltiplos e diver-
sos papéis» dada pela antepenúltipla secção é por vezes mal 
recebida. Pode ser vista como improvável e consegue irritar, 
212 
surpreender ou mesmo inquietar. Para a irritação não há qual-
quer resposta possível. Mas compreendo perfeitamente a sur-
presa, pois, corno se vai ver, eu próprio a sinto muito intensa-
mente e, ao descrever o caminho percorrido pelos fractais, 
sinto-me transbordar de humildade, tanto corno de alegria. 
Que dizer da inquietude e da incredulidade? Apesar dos 
protestos da secção anterior, é legítimo o direito de perguntar 
se é concebível que urna lista tão variada seja séria. Anterior-
mente ter-se-ia, sem dúvida, concluído que a probabilidade de 
o ser seria desprezável. Hoje, contudo, trata-se de julgar, não 
as hipóteses de um projecto, mas o valor de realizações que 
pertencem já ao passado. A sequência deste Panorama tenta 
eliminar ou, pelo menos, atenuar as dúvidas quanto à sua 
solidez. 
Mas corno julgar a ambição que teria levado a imaginar uma 
tal variedade de utilizações: não seria ela desmesurada? De 
facto, nunca houve qualquer sentimento de desmesura, pois 
não houve até ontem qualquer projecto organizado. 
Pelo contrário, tratava-se antes de urna fuga para a frente! 
Ao reler recentemente algumas pastas antigas (ao preparar as 
minhas Selecta), recordei-me, com um aperto no coração 
sempre renovado, corno me fora difícil durante tanto tempo 
apresentar o conjunto dos meus trabalhos de forma suficien-
temente coerente e prometedora para que fossem apoiados. 
A única ligação que via entre eles passava pela termodinâmica 
e era recusada, pelo menos até ontem. 
De qualquer maneira, quem poderia, na década de 50, 
prever o computador corno urna máquina de desenho? Mas 
um acaso que não sei analisar fez-me formular urna versão 
pessoal do que viria a ser o terna do caos. O meu projecto 
estendeu-se e organizou-se, aliás na solidão mais completa. 
Senti-o a avançar gradualmente, ao ritmo das circunstâncias 
exteriores que se impunham à minha atenção. 
Cada passo trazia a sua surpresa e os «projectos de inves-
tigação», que todo o cientista é forçado a compor de tempos a 
tempos, reduziam-se, no meu caso, a glosar sobre o passado 
recente, em lugar de encaminhar o futuro. Entretanto, colocavatodo o meu ardor e persistência a farejar, passo a passo, com 
o nariz no chão, urna pista vaga, mas que parecia digna de ser 
213 
seguida, que se verificava, aliás, ficar mais nítida a cada 
momento e que conseguiu chamar companheiros de estrada 
cada vez mais numerosos. O ponto de partida (a distribuição 
das frequências de palavras!) surge apenas, no universo fractal 
de hoje, como um lugarejo raramente visitado, mal digno de 
ser assinalado. 
Ainda uma outra questão. Como pode um único indivíduo 
reivindicar, de forma razoável, uma tal diversidade de «priori-
dades»? Algumas respostas foram já dadas implicitamente, 
mas precisemo-las. Ao lado de uma infinidade de inconvenien-
tes, estar sozinho traz a vantagem de não se ter concorrência. 
Para se ser o melhor basta então estar-se presente e, como é 
evidente, ultrapassar um certo nível mínimo de competência e 
de entusiasmo. Ao longo da pista, na qual o meu nariz perma-
necia colado, as novidades em questão não eram vistas como 
sendo «diversas». Pelo contrário, muitas delas foram vistas, de 
início, como o retomar inesperado de um sucesso antigo, que 
estaria a ser apresentado com a cara lavada. Cada retomada 
ir-se-ia aclimatizar e desenvolver, modificando-se assim de 
maneira profunda. O projecto fractal foi apenas formulado 
como a coroação de trabalhos já realizados (ver Mandelbrot 
1987r). Como projecto, nunca parou de evoluir, e eu continuo 
a vê-lo como progredindo de «baixo para cima», «subindo» 
diversas planícies, em direcção a uma montanha que se arrisca 
permanentemente a ser substituída por outra, que será sempre 
mais alta. 
Reconhece-se nesta maneira de proceder a ideia-mestra de 
uma das duas grandes formas de interdisciplinaridade, da qual 
o estudo do caos nos fornece muitos outros exemplos. Uma 
forma extremamente diferente de interdisciplinaridade pro-
cede em sentido perfeitamente contrário, «de cima para baixo». 
Parte do enunciado de um grande princípio, considerado into-
cável, pondo-se depois a «descer» esta montanha, em direcção 
a planícies progressivamente mais baixas. Esta forma é-me 
totalmente estranha e confesso mesmo sentir a seu respeito 
alguns dos sentimentos de incredulidade de que a minha 
forma se sente, por vezes, objecto. 
Felizmente, tudo o que acaba de ser dito pouco importa para 
a evolução do tema e, se me detive um pouco nesta história, 
214 
foi na esperança de impedir que a surpresa legítima eventual-
mente provocada pela penúltima secção impedisse o leitor de 
prosseguir. 
Poesias, história e prosas 
É divertido classificar os diversos papéis enumerados numa 
secção anterior. Dir-se-á que os aspectos estéticos e matemáti-
cos resultam de duas formas de poesia, que o aspecto de 
novidade resulta da história, que o aspecto prático resulta 
de uma prosa utilitária e que o aspecto teórico resulta tanto da 
grande prosa como da poesia. Encontram-se já, portanto, mui-
tos dos principais papéis que se poderão esperar de uma lin-
guagem. 
Entre essas poesias e essas prosas não encontro qualquer 
diferença de nobreza, nem nenhuma «ordem natural», à ma-
neira de Auguste Comte, que «desceria» (aqui também!) da-
quilo que é abstracto e fundamental para aquilo que é «unica-
mente aplicado». Proponho-me então começar por dar um 
panorama das poesias, pois são mais simples, acabando por 
me deter nas grandes equações, pois são mais complicadas. 
Importância dos «novos» instrumentos 
que são o olho e o computador 
Como último preliminar, observemos que todos os temas 
de que iremos tratar têm em comum uma forte componente 
visual. «Visual» é aqui uma palavra-chave, pois a expressão 
«geometria fractal» utiliza o termo «geometria» num sentido 
arcaico, que implica imagens concretas e reais. Frequentemente 
(mas infelizmente não neste livro, à excepção da capa), a utili-
zação de cores vivas é um precioso auxílio. 
A partir de que momento este sentido arcaico se começou a 
desvanecer? Antes de tentar responder, comecemos por citar 
dois versos de Goethe (1749-1832). No início de Faust I, Me-
fistófeles disfarça-se com as vestes de um lente e impressiona 
um estudante que passava naquele momento, dirigindo-lhe um 
215 
lindo discurso. Conclui (linhas 2938-2939) com esta descrição 
de «duas culturas»: 
Grau, teurer Freund, ist alle Theorie, 
Und grün des Lebens goldner Baum. 
(Cinzenta, caro amigo, é toda a teoria e verde a árvore dourada 
da vida.) Está visto que, para Goethe, o cinzento era uma fonte 
de orgulho do lente. 
Não será, pois, surpreendente que dois contemporâneos 
quase exactos de Goethe, os grandes matemáticos Lagrange e 
Laplace, se vangloriassem da ausência de imagens nas suas 
obras, dando assim um novo sentido (e que mereceria, aliás, 
um exame pormenorizado por parte dos historiadores da ciên-
cia e das religiões) ao termo «iconoclasta», o destruidor das 
imagens. De início, a sua tarefa foi difícil; por exemplo, o 
tradutor americano do Systeme du monde1, de Laplace, respon-
deu ao autor acrescentando ao texto os mais variados diagra-
mas (poder-se-á pensar que o autor os terá traçado nas suas 
notas, tendo-os depois deliberadamente omitido do texto 
publicado). Por esse facto, o comprimento do texto quase 
duplicou na tradução em causa (feita por Nathaniel Bowditch. 
Mas os iconoclastas persistiram, até ao ponto de dominarem 
a matemática e mesmo muitas das ciências. Por exemplo, a 
mecânica quântica foi um triunfo dos algebristas. Ontem, os 
iconoclastas pareciam ter triunfado ein todas as frentes, 
mesmo nas escolas e nos liceus. Hoje, a geometria fractal é um 
dos motores de uma reacção viva contra essa corrente. 
Se «a ferramenta faz o homem», não é menos verdade que 
«o instrumento faz a ciência». A nova tendência geométrica 
resulta da eclosão de um novo instrumento, que é, evidente-
mente, o computador, e do regresso em força de um instru-
mento muito antigo que se encontrava subaproveitado, que é 
o olho humano. 
Tanto para engenheiros como para cientistas, é quase banal 
ver os seus domínios revirados com a introdução de um novo 
1 Em português: Sistema do Mundo. (N. dos T.) 
216 
instrumento. Quanto aos artistas, a nenhum pintor poderá ter 
passado despercebida a revolução que foi a fotografia. Os pin-
tores de mais longa memória pensarão também na perspectiva 
e os historiadores da escultura em metal sabem até que ponto, 
desde os Gregos até Rodin, essa arte interagiu com os progres-
sos na metalurgia. 
Mas havia já muito tempo, talvez um século, que a situação 
do matemático se tornara muito diferente. A ideia de «instru-
mento novo e essencial» serviu apenas para evocar alguns bens 
irnateriais, técnicas corno o integral de Lebesgue ou as famílias 
normais de Montei. 
Houve excepções. Por exemplo, a regra de que bastam 
quatro cores para colorir qualquer mapa geográfico, a qual se 
sabe ter sido descoberta empiricamente pelo desenho. Recorde-
-se também que Gauss (1777-1855) não temia submeter as suas 
conjecturas aritméticas à prova do cálculo explícito de certos 
casos particulares. 
Mas esse aspecto do método de Gauss não fez escola. Pelo 
contrário, os matemáticos profissionais depressa adquiriram o 
hábito de não se aventurar longe do centro de gravidade da 
sua disciplina. É essa, sem nenhuma dúvida, urna das raízes 
principais de urna ideia que ainda ontem se mantinha, e 
da qual em breve voltaremos a falar, de que poderá existir 
urna matemática pura, que se desenvolveria num recipiente 
fechado, sem nunca fazer apelo a qualquer tipo de contributo 
exterior. Vista de fora, essa ideia sempre parecera inadequada, 
mas foi necessário um grande golpe para a demolir. Esse golpe 
foi desferido pelo advento do computador, através de diversos 
desenvolvimentos, dos quais um dos primeiros foi a geometria 
fractal. Foi assim que a sabedoria diabólica, mas aceite, do 
Mefistófelesde Goethe (que descrevemos atrás) pôde ser con-
tradita graças a um instrumento que pareceria, de início, esta-
belecer um recorde de aridez e cinzentez teórica. 
A arte fractal, do realismo ao fantástico 
O resto deste Panorama repassa em pormenor os cinco 
papéis que acabam de ser atribuídos à linguagem fractal. 
217 
O aspecto que mais salta à vista, e o mais inesperado, não 
é de carácter científico, mas puramente estético. Aqueles que 
encontraram alguma elegância em certas ilustrações dos Objec-
tos Fractais de 1975 podem considerar-se profetas. Com efeito, 
continuando neste via, deparou-se-me um número cada vez 
maior de objectos geométricos de beleza crescente, incon-
testável, surpreendente e ambígua. Alguns são de um realismo 
desconcertante. Outros parecem, à primeira vista, fantásticos 
e completamente estranhos, mas depressa lhes encontramos 
ressonâncias muito antigas, tornando-se quase familiares 
(figs. 259, 261 e 263). 
Basta que um assistente ou um colega introduza no compu-
tador equações de aspecto inofensivo para que se veja surgir 
no écran toda urna fauna e toda urna flora, tão depressa quase 
realista corno um sonho ou pesadelo! A cada passo se tem um 
choque estético inesquecível. 
Graças aos progressos contínuos do grafismo informático 
- e muito particularmente graças à disponbilidade crescente 
da cor -, assiste-se ao alargamento da gama de fractais que é 
razoável pretender desenhar, não mostrando a riqueza estética 
em questão quaisquer sinais de enfraquecimento. 
Por outro lado, as imitações fractais do relevo tornam-se, de 
dia para dia, mais realistas, sem recorrer a qualquer fór-
mula verdadeiramente complicada e sem «truques» de ilusio-
nista. No seio dos meus associados, o desenvolvimento dessa 
arte passou por três etapas. A etapa «heróica» ou «arcaica» 
foi constituída pelas figuras dos Objectos Fractais, que datam 
de 1974. A etapa «clássica» foi constituída pelas figuras que 
Richard F. Voss preparou para os meus livros de 1977 e 1982; 
o seu Nascer do Planeta Fractal foi reproduzido na capa da 
2.• edição francesa dos Objectos Fractais. A etapa «român-
tica» foi responsável pela capa da 3." edição francesa; data 
de 1989. 
Em 1975 fazia-se o que se podia em face dos constrangimen-
tos de lentidão de urna ferramenta que estava em vias de 
nascer. 
Em 1977, R. F. Voss havia dominado o instrumento na ponta 
da unha! Em 1981 efectuara novos progressos técnicos, mas 
urna disciplina implacável ainda se impunha, pois o principal 
218 
objectivo destas imagens não era o de agradar, mas sim o de 
ajudar à aceitação da geometria fractal. 
Em 1989, o instrumento estava perfeitamente dominado e o 
modelo fractal tinha sido aceite corno linguagem de descrição 
da natureza. É, portanto, possível ao artista dar livre curso à 
sua fantasia. 
Os primeiros trabalhos inspirados nos nossos foram 
Fournier, Fussell e Carpenter 1982, e dois filmes, Carpenter 
1980 e Carpenter et ai. 1982; este último é urna longa metragem 
que foi vista por milhões de espectadores. Os constrangimen-
tos específicos do cinema levaram estes autores a «cortar a 
direito», utilizando um processo baseado no «método do des-
locamento do centro» (ver Mandelbrot 1982c e a contribuição 
de D. Saupe em Peitgen e Saupe 1988). Um modelo melhorado, 
chamado «deslocamento assimétrico do centro», é propostos 
em Mandelbrot 1988p. 
É urna pena ter de limitar o leitor deste Panorama a um 
pequeno número de exemplos de urna iconografia já familiar a 
qualquer leitor de revistas de microinforrnática. A fim de com-
pensar a austeridade relativa das nossas velhas ilustrações, e 
mesmo das ilustrações deste Panorama, é necessário remeter o 
leitor para os dois livros seguintes. 
Peitgen e Richter 1986 (de que Dewdney 1985 faz uma apre-
ciação) apresenta urna amostra das possibilidades deslumbran-
tes da síntese moderna de imagens, actividade de que os 
Objectos Fractais foram precisamente um dos estimulantes. 
Além disso, o leitor de 1975 nunca podia imaginar refazer ele 
próprio as imagens dos Objectos Fractais, enquanto alguns lei-
tores de hoje anseiam por o fazer, chegando até bem mais 
longe. Para os ajudar, Peitgen e Saupe 1988 dão alguns 
pormenores técnicos e descrevem alguns dos algoritmos mais 
importantes. 
É espantoso, e digno de ser mais urna vez sublinhado, que 
este aspecto gráfico não tenha surgido por o termos sabido 
procurar, mas sim corno um «bónus» inesperado, que acom-
panhou sucessos da investigação científica. 
Retornando a ideia da linguagem, vemos que a geometria 
fractal vem acrescentar novos «caracteres» ao «alfabeto» que 
Galileu herdara de Euclides. 
219 
Desde os tempos longínquos da «descoberta» da perspectiva 
que o «homem da rua» não via nada de semelhante sair da 
matemática e nem o próprio matemático alguma vez imaginara 
que o seu domínio poderia interagir desta forma com a arte. 
É conhecida a citação de Arthur Cayley de que a beleza de 
uma teoria matemática pode ser apreendida, mas não expli-
cada. Parece, contudo, que, de agora em diante, há uma 
maneira de fazer partilhar essa percepção, sem uma aprendi-
zagem interminável. Essa maneira baseia-se na revelação de 
que, em muitos casos, a matemática é como uma medalha de 
duas faces: além da face austera que sempre se lhe conheceu, 
possui também uma face plástica que não deixou de fazer 
aumentar o número dos que apreciam o todo. 
Ninguém voltará a repetir (excepto em tom de provocação!) 
que a geometria fractal «Se reduz a algumas imagens bonitas». 
Mas, mesmo àquele que se esforça por desprezar tudo o resto, 
a arte fractal traz-lhe um tópico novo e muito forte. Dar-
-me-á a oportunidade de revelar um paralelo inesperado com 
a citação clássica de Wigner da p. 23, revelando a eficácia 
«para além do que seria razoável» e que nós «nem merecemos» 
da matemática, não como instrumento da física, mas como 
fonte de beleza plástica. 
Os fractais nas matemáticas puras 
Para o profano, a arte fractal coloca poucos problemas. 
É simplesmente algo de mágico, de que se tira proveito sem se 
tentar compreender. 
Para os matemáticos, já a situação é completamente dife-
rente. Se lhes fosse dada a ocasião, um bom número deles 
seria, sem dúvida, tentado (por lealdade a Lagrange e Laplace) 
a recusar e desencorajar esta face há tanto tempo escondida do 
seu domínio. Alguns persistem nessa tentativa, mas tal é 
doravante impossível. A arte fractal é um novo Evereste: «Está 
ali.» Não só é impossível negá-la, como é quase inconcebível 
deixar de nos sentirmos possuídos pelo desejo de compreender 
a sua estrutura e significado. Assim, o papel da arte fractal em 
matemática passou por duas fases distintas, que a partir de 
220 
agora se fundem numa só: visualização e fonte viva de inspi-
ração. 
Com efeito, é preciso sublinhar que as minhas primeiras 
imagens fractais foram simplesmente motivadas pelo desejo de 
«visualizar» resultados que já haviam sido obtidos pelos méto-
dos matemáticos usuais, puros e abstractos. «Visualizar» é 
uma actividade em moda; é, de facto, útil, mesmo muito útil, 
mas creio profundamente que é absolutamente preciso não se 
ficar por aí. Há muitos anos que venho perseguindo um ideal 
bem mais exigente, que consiste em fazer da imagem um 
agente activo do processo do pensamento e da descoberta. 
O exemplo mais conhecido, e o que teve mais influência, não 
foi cronologicamente o primeiro. Foi o das imagens, que se 
encontram por toda a parte, a que se chama «conjuntos de 
Julia» e «domínios de Fatou». Para os obter, «itera-se» inde-
finidamente uma função f(x), quer dizer, calcula-se em pri-
meiro lugar x1 = f(x0), depois x2 = f(x1), e assim sucessivamente 
até infinito. Ao examinar estas imagens é-se possuído por um 
sentimento de humildade e de admiração pelo ímpeto criativo 
de que Pierre Fatou e GastonJulia deram prova nos seus 
escritos de 1917 a 1919. Os seus trabalhos ilustram bem o modo 
como os matemáticos conseguem, por vezes, estudar seres cuja 
natureza é fundamentalmente geométrica, mesmo quando eles 
são, na prática, inacessíveis à vista. Poder espantoso e ina-
creditável e que, pelo menos no caso de Julia, parece ter-se 
baseado em fortes «imagens mentais». Poder cujos limites se 
iriam revelar quando a teoria de Fatou-Julia se esbaforiu, por 
falta de questões novas. Ir-se-ia manter essencialmente imóvel, 
até que a visualização, o «beijo do computador», a veio des-
pertar. 
Vimos já que Lagrange e Laplace baniram a imagem como 
fonte de erros. Pode-se pensar que o fizeram igualmente por 
brincadeira de intelectuais. Procurar a parcimónia é um objec-
tivo louvável, mas é muito fácil levá-lo a extremos, como o 
fizeram, por exemplo, os geómetras que se dedicaram exclusi-
vamente a estudar tudo o que pode ser explorado com a régua 
e o compasso. 
Seja como for, o «beijo do computador» permite à ima-
gem proclamar o seu extraordinário e surpreendente poder de 
221 
inspiração. É assim que, para um grande número de mate-
máticos, a recente possibilidade de transformar as suas ima-
gens mentais em «verdadeiras imagens», interagindo com elas, 
se revelou urna mina inacreditável de questões novas 
de matemáticas puras: de conjecturas, de problemas e de 
teorias. 
A título de exemplo, Mandelbrot 1980n teve o privilégio de 
enriquecer a teoria de Fatou-Julia com urna nova janela, pro-
pondo aquilo a que Douady e Hubbard 1982 chamaram «con-
junto de Mandelbrot». A capa deste livro reproduz este con-
junto. Outras ilustrações e algumas explicações figuram no 
final deste Panorama, assim corno a definição de M. 
Esta definição será original? De maneira nenhuma! Era a 
extensão natural ao plano complexo de numerosas investi-
gações consagradas durante os anos 70 à iteração f(x) = x2 + c 
sobre a linha recta dos reais. Demais, o caso real apenas foi 
abordado por J. Myrberg (nos anos 50 e 60) em virtude da 
dificuldade apresentada pelo caso complexo. Recentemente, in-
vestigadores diligentes, que encontraram motivação suficiente 
para reler Fatou linha a linha, acabaram por identificar urna 
sugestão feita de passagem, da qual se pode dizer que reco-
menda (entre outros) o estudo de M. É inútil dizer que não foi 
para mim necessário conhecer essa sugestão. E que, durante 60 
anos, ela não foi suficiente para motivar um leitor de Fatou, 
sendo - na minha opinião - a razão disso o facto de a explo-
ração de M ter sido impossível de fazer usando os métodos 
normais das matemáticas. 
O sucesso da minha tentativa foi devido ao facto de eu ter 
procedido de urna maneira totalmente diferente, renovando 
com recursos que eram reputadarnente adequados. Foi assim 
que começando a descrever M, procedi de urna forma afastada 
da do teórico, mais próxima da do explorador e do naturalista, 
inebriados pela visão de um mundo prestes a ser descoberto. 
Percorri-o, contemplei-o e dissequei-o, graças ao espantoso 
equivalente do «microscópio», que é um computador pro-
gramado para se observar um domínio cada vez mais pequeno 
de urna forma cada vez mais pormenorizada. 
Imagens inesquecíveis, mesmo quando os instrumentos 
primitivos de 1980 as forneciam corno cinzentos-pálidos inter-
222 
rompidos por zonas de um cinzento um pouco mais escuro. 
A intuição forma-se pouco a pouco, a imaginação inspira-se, o 
olho torna-se um guia cada vez mais seguro. Realizei esse 
trabalho em 1979-80, quando já usufruía de dez anos de prática 
quotidiana da interacção entre o pensamento e o instrumento 
através do olho. Se eu não tivesse lá estado, quem mais então 
teria experimentado a alegria de abrir este domínio? Sem 
dúvida um físico que teria seguido aproximadamente o mesmo 
caminho que eu. Talvez um amador. 
Talvez mesmo um matemático «profissional». Se, contudo, 
se tivesse formado na tradição das décadas de 50 e 60, teria de 
infringir as regras da sua tribo. Veja-se, por exemplo, os casos 
de Brooks e Matelski 1981, um trabalho que é aproximada-
mente contemporâneo de Mandelbrot 1980n. Um amigo dos 
autores ajudou-os a executar um traçado gracioso do conjunto 
Me eles publicaram-no. A legenda descrevia-o como um outro 
conjunto, a que se chama agora M 0, mas não é necessário fazer 
disso um drama. O que chama hoje a atenção é que eles publi-
caram o esboço com essa legenda, mas sem acrescentar uma 
palavra de comentário. Nem uma única! (Aliás, R. Brooks con-
firmou que está muito satisfeito. Explicou mesmo que ter-se 
detido «nessa simples curiosidade» - em inglês diz-se curio -
teria sido «prova de uma sensibilidade bastante infantil e um 
tanto ou quanto obtusa».) Que contraste entre os estados 
de espírito de 1981 e de 1991! Tomemos apenas como exemplos 
o credo da nova revista Journal of Experimental Mathematics, 
que não teme comparar as matemáticas às outras ciências 
experimentais, e a existência de um Geometry Center inter-
disciplinar, cujo foyer é um laboratório infográfico em Mi-
neápolis. 
Retornemos à linha de pensamento do penúltimo parágrafo. 
Integrando o olho e o pensamento, o estudo do conjunto de 
Mandelbrot deu, e continua a dar, lugar a diversos tipos de 
conjecturas. Todas pareciam, após um relance, fáceis de enun-
ciar. Muitas foram rapidamente demonstradas. O facto de 
algumas outras - pelo contrário - se terem revelado extre-
mamente difíceis de demonstrar (ou desmentir), progredindo 
o seu estudo, desde então, muito lentamente, não as torna 
menos fascinantes aos olhos dos matemáticos, pois a ma-
223 
temática tem o sentido da longa duração e, além disso, um 
grande número de «resultados secundários», de interesse in-
trínseco, resultou já do estudo de conjecturas inspiradas pela 
imagem. Sem poder realizar urna lista exaustiva, devemos aqui 
mencionar, por ordem alfabética, os nomes de A. Douady e 
J. H. Hubbard, J. Milnor, D. Sullivan e W. Thurston e- em 
domínios muito próximos- os de R. L. Devaney, P. Blanchard 
e B. Branner. 
Muito antes da renovação do interesse pela teoria da 
iteração, a minha imersão «prefractal» no estudo de certas 
medidas aleatórias conduzira, por volta de 1968-76, àquilo a 
que se chama agora a teoria das medidas rnultifractais, de que 
iremos em breve falar mais prolongadamente. Estas vieram 
integrar os fractais num segundo capítulo muito diferente da 
matemática, a análise harmónica. 
Sobre o ideal de uma matemática pura 
Regressemos então agora à questão de saber se existe, se 
poderá existir, ou se deverá existir urna matemática pura, no 
sentido de urna matemática que se desenvolve ad vitam aeter-
nam, referindo-se somente a ela própria e recusando todo o 
contacto ou influência exteriores. 
Não hesitamos em dizer que se deve recusar o que alguns 
gostariam de fazer: considerar sinónimos «pureza» e «rigor». 
Trata-se de noções ambíguas, mas bem distintas, e eu sou 
daqueles para quem o rigor (sobretudo quando está no seu 
devido lugar, e é isento de dogmatismo) é admirável. Contudo, 
a procura da pureza é frequentemente pura afectação, levando 
em muitos casos a urna amputação. 
Antes de tudo, o termo puro possui urna definição que é 
bom rejeitarmos de imediato, pois carece de qualquer subs-
tância. Para alguns, a pureza não se refere aos antecedentes de 
um texto matemático, nem ao seu conteúdo, mas ao seu estilo: 
a sua escrita deve ser seca e esotérica. Esta perspectiva não 
merece sequer discussão. Quanto ao rigor, é certo que a 
matemática, cuja origem é pura, deve ser rigorosa. No entanto, 
convém não esquecer que urna personagem corno Henri Lebes-
224 
gue foi um monstro sagrado da matemática pura, apesar das 
deficiências em algumas das suas demonstrações. 
Voltemos à pureza entendida no sentido do início desta sec-
ção. Trata-se de uma questão de «origemsocial», talvez mesmo 
de «casta» fixada de uma vez por todas. Por sua vez, o rigor 
será uma questão de posição profissional. É possível mudar de 
profissão, mas nunca de casta. No quadro desta imagem, a his-
tória estabeleceu um milhar de vezes um facto que considero 
muito significativo, nomeadamente que o nascimento é irrele-
vante quando se trata do interesse intrínseco de um problema 
matemático. Insistindo de uma outra forma, direi que esse 
interesse não tem qualquer ligação necessária com as circuns-
tâncias que levaram o problema a ser colocado. O seu nasci-
mento pode muito bem ter sido imaculado, estritamente no 
seio da matemática já existente, mas pode também ter ocorrido 
a partir de um facto empírico. 
Em suma, uma preferência pessoal pela pureza, interpretada 
como sinónimo de isolamento, é simplesmente uma questão de 
gosto. É por esse motivo que esta preferência tem uma longa 
história e foi objecto de controvérsia que não data nem de hoje 
nem de ontem. O grande coleccionador de histórias pitorescas 
que foi Plutarco já lhe fazia alusão ao escrever isto na sua Vida 
de Marcelo: 
Estas máquinas foram concebidas por Arquimedes, não 
como obra de alguma importância, mas como meros diver-
timentos de geometria; de acordo com os desejos e pedidos 
do rei Híeron, algum tempo antes, de que deveria levar à 
prática uma parte da sua admirável especulação científica e, 
acomodando a verdade teórica à sensação e ao uso corrente, 
levá-la mais à apreciação do povo em geral. 
Eudoxo e Arquitas tinham sido os pioneiros desta 
afamada a apreciada arte da mecânica, a qual utilizavam 
como uma ilustração elegante de verdades geométricas e 
como um modo de sustentar experimentalmente, para satis-
fação dos sentidos, conclusões demasiado intrincadas para 
serem demonstradas por palavras ou diagramas. Como, por 
exemplo, para resolver o problema, que tantas vezes surge 
na construção de figuras geométricas, de, dados os dois 
225 
extremos, descobrir as duas linhas médias de urna pro-
porção, ambos estes matemáticos recorriam à utilização de 
instrumentos, adaptando aos seus objectivos certas curvas e 
segmentos de recta. 
Mas, devido à indignação de Platão e às suas invectivas 
contra urna mera corrupção e aniquilação daquilo que a 
geometria tinha de melhor, urna vez que esta estava vergo-
nhosamente a virar as costas aos objectos irnateriais da inte-
ligência pura, para recorrer à sensação e pedir auxílio (que 
não seria obtido sem visões de base e depravação) à matéria, 
aconteceu que a mecânica se veio a separar da geometria, 
vindo a ser repudiada e negligenciada pelos filósofos. 
Mas já chega destes excessos de erudição! Evitando as sus-
ceptibilidades parisienses, regressemos então à nossa contro-
vérsia, tal corno a viu um contemporâneo que não era um 
erudito e que não teve receio de deixar a sua opinião por 
escrito. Em 1961, num belo manifesto em favor das matemáti-
cas ditas modernas (de quem todos hoje parecem recusar a 
paternidade), o grande matemático Marshall Stone anunciava-
-nos o seguinte: 
Embora diversas mudanças importantes tenham ocorrido 
desde 1900 na nossa concepção da matemática, ou na nossa 
perspectiva a seu respeito, aquela que verdadeiramente 
implica uma revolução das ideias é a descoberta de que 
a matemática é totalmente independente do mundo físico ... 
O divórcio da matemática relativamente às suas aplicações 
tem sido a verdadeira fonte desta tremenda vitalidade e 
crescimento durante o presente século. 
Estas palavras puderam ser escritas há trinta anos, mas 
há cem anos teriam parecido insensatas e hoje parecem provir 
de um mundo revolucionado. Ninguém nega que fazer mate-
mática seja uma das actividades mais específicas do homem. 
A matemática difere, de forma fundamental, da arte de criar 
imagens usando manipulações numéricas e a história demons-
tra que, durante um certo tempo, ela se consegue desenvolver 
magnificamente, mantendo-se afastadas das outras disciplinas. 
226 
No entanto, partindo desta última verificação, Georg Cantor 
concluiu daí que «a essência da matemática reside na sua liber-
dade». Esta ideia, que está em oposição frontal com as citações 
da p. 210, iria criar raiz e caracterizar urna boa parte da mate-
mática neste século, de 1925 a 1975. Mas conto-me entre aque-
les que nunca acreditaram nela (e mesmo entre aqueles, mais 
raros, que continuaram a dizê-lo e a agir de acordo com as 
suas ideias). Mais precisamente, sempre acreditei que a «pu-
reza», que não era o estado original das matemáticas, também 
não era um estado natural, nem sequer um estado estável. Não 
poderia sobreviver senão depurando-se por urna amputação 
maciça, devendo, sem dúvida, seguir-se outras amputações. 
O resultado seria um estado empobrecido, e a unidade que a 
substituição «das» matemáticas, no plural, por «uma» matemá-
tica, no singular, pretendia simbolizar parecia-me urna carica-
tura dessa velha forma da geometria «pura» que se reduzia 
deliberadamente às operações permitidas pela técnica mais 
arcaica: a régua e o compasso. 
Quando todas as teorias matemáticas ligadas aos fractais se 
tiverem estabilizado, poderá tomar-se concebível apresentá-las 
no estilo habitual, ou seja, fugindo a mencionar qualquer mo-
tivação corno quem foge da peste. Mas pode-se apostar que a 
imagem continuará a parecer inevitável. Os comentários que 
fiz a respeito das relações entre a arte, a matemática e os frac-
tais sugerem que as matemáticas têm a ganhar, a longo prazo, 
em não sacudirem demasiado a unidade «orgânica» que parece 
existir entre dois tipos de actividades, díspares, mas igual-
mente válidas, do homem, aquelas que fazem apelo ao espírito 
abstracto e as que recorrem ao espírito intuitivo. 
É inútil esconder que o que foi dito atrás levanta con-
trovérsia no seio dos matemáticos. Alguns matemáticos profis-
sionais aceitaram rapidamente e adoptaram a lição do compu-
tador e dos fractais, enquanto outros reagiram muito mal. Tal 
só poderá surpreender aqueles que consideravam os matemáti-
cos corno urna tribo muito plácida. Mas esta reputação era 
unicamente fruto do isolamento. De resto, para juntar aos 
abanões que sacodem o mundo matemático de hoje, acresce o 
facto de a física matemática se estar a manifestar de urna forma 
muito activa. O Congresso Internacional de Quioto (1990) 
227 
conferiu-lhe um papel muito belo, suficientemente belo para 
abafar os protestos mais virulentos. 
É normal uma linguagem nova 
incorporar caracteres antigos 
Antes de deixar a matemática, coloquemos urna questão de 
carácter histórico. O termo fractal não existia antes de eu o 
ter criado em 1975. Mas poder-se-á dizer que a geometria 
fractal é tão recente como o termo que a designa? Esse tipo 
de questões é geralmente colocado num contexto estrito, que 
torna a resposta fácil. Por exemplo, pergunta-se se a utiliza-
ção desta ou daquela técnica é nova para os leitores de um 
dado hebdornadário científico, por exemplo a Physical Review 
Letters. 
Mas a geometria fractal é mais ambiciosa, e nunca escondi 
as suas numerosas raízes: na matemática de 1900 e também na 
termodinâmica. É, talvez, por isso que há quem questione, de 
forma inabitualrnente intransigente, se esta geometria é ver-
dadeiramente nova. E é também por isso que as respostas são 
mais contraditórias do que é costume. 
Para descrever o meu ponto de vista, comecemos por urnas 
palavras de Arthur North Whitehead: 
Chegar muito próximo de uma teoria verdadeira e com-
preender a sua aplicação precisa são duas coisas completa-
mente diferentes, como nos ensina a história da ciência. 
Tudo o que é importante já foi dito anteriormente por al-
guém que não o descobriu. 
Há muito tempo, muito antes de conhecer esta citação, que 
me parecia interessante procurar precursores que tivessem 
«chegado muito próximo» da geometriafractal... sob um nome 
que seria certamente diferente. Estava pronto a negar que a 
tivessem «descoberto», mas esperava encontrar muitos. Para 
minha surpresa, não havia nenhum, além de alguns parágrafos 
de Perrin e Denjoy. Houve uma época em que essas frases 
pareciam reconfortantes, dignas de sair da obscuridade, e citei-
228 
-as. Mas não surtiram qualquer efeito, nem no seu tempo, nem 
no meu pensamento; Whitehead tem razão quando nos diz que 
a sua obscuridade era merecida. 
Quer isto dizer que aceito o título de «pai da geometria 
fractal»? Se não se tratar dos fractais em si mesmos, mas do 
seu impacte organizado sobre a nossa percepção do mundo, é 
natural que aceite. Fazia-o antes com surpresa e faço-o sempre 
com prazer, podendo mesmo acontecer que faça disso eco na 
p. 13, ao escrever que «concebi, aperfeiçoei e utilizei lar-
gamente uma nova geometria». 
Mas é preciso sublinhar que esta afirmação não nega de 
maneira nenhuma o facto de alguns dos caracteres mais úteis 
da geometria fractal terem sido anteriormente utilizados nou-
tras linguagens. Sem eles, nunca um só homem teria bastado 
para uma tal tarefa! Em particular, soube procurar as poeiras 
de Cantor (figurativamente, a «letra C») em Georg Cantor 
(1845-1924), as curvas de Peano e de Koch (as «letras P e K») 
em Giuseppe Peano (1858-1932) e Helge von Koch (1870-1924) 
e a dimensão de Hausdorff («letra H») em Felix Hausdorf 
(1868-1942). Estas datas são elucidativas. De forma mais geral, 
dou para essas «letras» antigas referências numerosas e preci-
sas, muitas das quais de autores relativamente desconhecidos, 
como Waclaw Sierpiiíski (1882-1969), ou mesmo totalmente 
obscuros. 
Apesar disso, as utilizações antigas dessas letras não têm 
quase nada a ver com a geometria fractal. Não só o meu ensaio 
Objectos Fractais, de 1975, não era um texto de simples divul-
gação, mas também, como F. J. Dyson escreveu numa sua 
apreciação, o uso que esse trabalho fazia de coisas conhecidas 
era de tal maneira surpreendente que implicava «ter a natureza 
pregado uma partida aos matemáticos». 
De qualquer maneira, tudo isso são coisas do passado. Os 
trabalhos recentes sobre geometria fractal utilizam sobretudo 
ferramentas especificamente concebidas para a servir. Por 
exemplo, a experiência demonstrou muitas vezes que a dimen-
são de Hausdorff é ou demasiado refinada ou demasiado 
grosseira para as utilizações que a física pretenderia efectuar. 
Quando tal é o caso, deverá ser substituída por outras dimen-
sões fractais. Algumas foram primeiro compreendidas por 
229 
matemáticos, outras foram inteiramente sugeridas pela física. 
Em muitos casos, não se sabe já muito bem qual foi o papel de 
urna e de outra fonte, e está muito bem assim. 
Os mal-entendidos de que tenho vindo a falar têm antece-
dentes: remontam a urna velha querela entre os especialistas e 
aqueles - entre os quais me incluo - que se arriscam a agir 
corno «generalistas». Se o processo normal de investigação 
científica tivesse sido seguido, pode-se pensar que cada urna 
das teorias de que os Objectos Fractais apresentam os elementos 
teria, mais cedo ou mais tarde, sido formulada por um espe-
cialista cuja formação intelectual teria excluído as matemáticas 
de Cantor, Peano, von Koch e Hausdorff, ou talvez (vamos em 
breve falar disso) a termodinâmica de Gibbs. 
Por exemplo, os parâmetros que identifico de improviso 
corno dimensões fractais -ou talvez os seus quadrados ou 
inversos - teriam, sem dúvida, visto a luz do dia sob os 
nomes de «constante de Y» e «constante de Z». Alguns tra-
balhos de síntese teriam em seguida verificado a semelhança 
dessas teorias. (Para desenvolvimentos dentro desse quadro 
ver Stent 1972.) Finalmente, alguém teria efectuado a aproxi-
mação às matemáticas existentes, clássicas certamente, mas 
obscuras e distantes de qualquer aplicação. 
Não se pense que exagero. Os físicos perderam o hábito de 
urna obra original surgir de improviso sob a forma de livro, 
corno é o caso de Objectos Fractais e (sob urna forma mais téc-
nica) das suas edições inglesas posteriores, Mandelbrot 1977f, 
1982f. Acontece então constantemente que a leitura do meu 
capítulo A inspira algum especialista a reconstituir (sem o ler) 
o conteúdo do meu capítulo B. Acontece também constante-
mente um resultado obscuro, mas que longos estudos me fize-
ram conhecer, apreciar e utilizar, digamos, um resultado de-
vido a A. S. Besicovitch, ser encontrado (em geral sob urna 
forma mais aproximada) por um físico ou um outro especia-
lista. Para me desculpar da impertinência, eis urna questão de 
retórica: dir-se-á que o especialista que redescobre um pouco 
de Besicovitch realiza trabalho original, enquanto o generalista 
que me esforço por ser não consegue melhor, realizando exac-
tamente o mesmo trabalho, do que «divulgar matemáticas já 
conhecidas»? 
230 
Em resumo: enquanto linguagem necessária para os fins a 
que se propõe e que este ensaio comenta, a geometria fractal 
não é uma nova etiqueta colocada sobre algo já existente. Era 
inteiramente nova em 1975. 
A inspiração termodinâmica. 
As medidas multifractais 
Uma vez que estamos em maré de empréstimos metamor-
foseados, duas outras grandes fontes de inspiração dos fractais 
merecem ser mencionadas e discutidas. Quando estudante, 
sentia uma grande atracção pela termodinâmica estatística. 
Pela bibliografia pode ver-se que continuei a sentir essa 
atracção e que escrevi bastantes coisas a propósito dos funda-
mentos desta disciplina; cheguei mesmo a aflorar o tema nos 
títulos de alguns trabalhos bastante afastados da física, Man-
delbrot 1956w, 1957p, 1957t, 1970p. Para evitar quaisquer dú-
vidas, traduzamos os seus títulos: Teoria Termostatística dos 
Sistemas de Categorias; Linguística Estatística Macroscópica; Apli-
cações dos Métodos da Termodinâmica em Teoria das Comunicações 
e em Economia; Sobre a Temperatura Negativa no Estudo do Dis-
curso. Infelizmente, a pressão dos avaliadores científicos obri-
gou-me, pouco a pouco, a esconder esse «vício». 
É, por isso, um prazer poder agora confessar publicamente 
esta velha paixão. Foi uma das constantes da minha vida de 
sábio que tudo o que fazia me parecia uma variação sobre o 
tema da termodinâmica. Era, como é evidente, necessário que 
esse tema fosse primeiro generalizado muito para além da 
teoria dos gases perfeitos, o que foi feito, mas muitos dos 
argumentos clássicos puderam ser reutilizados quase sem alte-
ração. 
As afinidades entre os fractais e a termodinâmica saltam 
logo à vista quando se vê, na p. 151, uma fórmula fundamental 
e clássica na qual uma dimensão fractal é formalmente uma 
entropia. Essa fórmula diz respeito às medidas multifractais 
que resultam do caos multiplicativo. Este assunto é difícil de 
colocar neste Panorama, mas verifica-se que constitui uma 
231 
sequência ao tema da secção precedente; pode-se então falar 
dele aqui. 
Para começar, lembremos que um conjunto E é um objecto 
geométrico definido por uma alternativa simples para qual-
quer ponto P: P ou pertence ou não pertence a E. Medida é um 
conceito mais complicado, ilustrado pelas distribuições de pro-
babilidade ou de massa: dois conjP-ntos podem muito bem ser 
idênticos, a menos que haja uma translação, possuindo massas 
diferentes. Por outras palavras, a passagem dos conjuntos frac-
tais às medidas multifractais implica a necessidade de especi-
ficar a função de distribuição da medida, enquanto um con-
junto fractal exigia apenas uma medida fractal. Passa-se assim 
de um número a uma função. Nos casos mais simples, tais 
como os do capítulo IX, Frisch e Parisi 1985 mostraram que se 
pode igualmente dizer que se passa de uma dimensão fractal 
única a um número infinito de dimensões' fractais. Para verifi-
car esse facto, utiliza-se um argumento termodinâmico, com a 
particularidadede o papel da energia ser desempenhado por 
uma quantidade logarítmica (tal como nos meus trabalhos anti-
gos da década de 50!) 
Nesse contexto, as medidas multinomiais discutidas no 
capítulo IX desempenharam precisamente o papel que é dis-
cutido na secção anterior: o de «caracteres» matemáticos já 
existentes, que a geometria fractal pôde adaptar às suas neces-
sidades, novas e muito específicas. 
Acrescentemos que, para que os multifractais assumissem o 
seu papel na linguagem dos fractais, foi primeiro necessário 
torná-los aleatórios. Essa tarefa, que realizei entre 1968 e 1976, 
mostrou-se repleta de novidades e, consequentemente, de cila-
das. O facto essencial faz eco do que é dito na p. 98. Não só 
o conjunto interessante tem medida nula, como o desafio 
consiste em decompô-lo em conjuntos ainda mais ténues. Sabe-
-se que, pelo contrário, a termodinâmica corrente (aí incluindo 
a teoria ergódica) apaga todo o conjunto de medida nula e toda 
a sequência de conjuntos cujas medidas tendam para zero. Da 
mesma maneira, a lei forte dos grandes números e o teorema 
do limite central consistem em desprezar tais conjuntos. No 
caso dos multifractais, esses resultados permanecem exactos, 
como é evidente, mas perdem quase todo o seu interesse. 
232 
A ideia de acreditar que nos poderíamos contentar com isso 
está, contudo, muito difundida; pode mesmo ser encontrada 
em Kolmogorov 1962, um trabalho sem dúvida precoce, que é 
ainda hoje fundamental. De facto, os multifractais devem fazer 
apelo a teoremas sobre os grandes desvios (Cramer, Chernoff), 
como se mostra em Mandelbrot 1989g. (Verifica-se, aliás, que 
já havia utilizado esses teoremas desde Mandelbrot 1957t.) 
A literatura sobre multifractais foi muito enriquecida. Para-
doxalmente, um papel muito importante nesse florescimento 
foi desempenhado por trabalhos como Hentschel e Procaccia 
1983 e Halsey et al. 1986, que não procuraram trazer nada 
de novo às ideias subjacentes. Acrescentemos, por fim, que 
uma outra expressão, «formalismo termodinâmico sobre os 
conjuntos estranhos», é simplesmente um sinónimo de «multi-
fractais». 
A dimensão negativa 
Na sequência da digressão apresentada na secção anterior, 
assinalemos que o estudo dos multifractais forneceu todo um 
peso a uma nova noção, com a qual eu já trabalhava em Man-
delbrot, 1974c: a de dimensão fractal negativa. 
Portanto, mal a dimensão não inteira se tinha desemba-
raçado da reputação que lhe tinha sido atribuída de ser ficção 
geométrica, assistiu-se ao aparecimento de um outro alvo para 
a crítica e a decisão. Ainda por cima, ao passo que a dimensão 
positiva não inteira tinha um pedigree matemático para se de-
fender, a dimensão negativa era um conceito nascido na física. 
A dimensão negativa é uma medida quantitativa da «vacuida-
de»: faz notar as diferenças de pesos onde a dimensão de 
Hausdorff-Besicovitch não via mais do que um magma 
indiferenciado de conjuntos de dimensão nula. Tratei esse 
assunto em Mandelbrot 1990r, 1990e e 1991k. 
Elogio do regresso a problemas muito antigos 
O terna das duas últimas secções merece mais algumas 
palavras. Com efeito, verifica-se que, em muitíssimos carac-
233 
teres antigos, a linguagem fractal se apropriou de diversas 
observações, algumas das quais milenárias. Isto não é uma 
«confissão», mas sim uma expressão de profunda satisfação. 
Há já cem anos, o grande Henri Poincaré notara o contraste 
entre os «problemas que nos colocamos e os problemas que se 
colocam». Essas palavras encontram-se num texto em que 
felicitava Paul Painlevé por ter evitado criar para si próprio 
problemas que teria depois tido facilidade em resolver. Uma 
das características da geometria fractal é que ataca um grande 
número de problemas muito antigos, alguns dos quais tinham 
já sido implicitamente colocados há milénios. Do ponto de 
vista quantitativo, tudo o que pude identificar a seu respeito se 
reduz a alguns resultados empíricos, isolados uns dos outros 
e sem sequência. 
Comecemos pela forma das montanhas, das nuvens, dos 
turbilhões e das árvores. Ao nível mais elevado, o seu estudo 
refere-se a problemas «que se colocam a eles mesmos». Além 
disso -isto é um eco de uma secção anterior-, o artista 
tinha-se sempre ocupado deles. Não só o meu livro Fractal 
Geometry of Nature mostra como é fácil identificar fractais 
em numerosas obras de arte, como há também alguns textos 
mesmo de artistas sobre o assunto: Eis um desses textos, 
publicado por Eugene Delacroix, em 1850, na Revue britannique. 
Swedenborg [citado por Emerson] pretende, na sua teoria 
da natureza, [ ... ] que os pulmões se decompõem num certo 
número de pequenos pulmões, o fígado em pequenos fíga-
dos, o baço em pequenos baços, etc. 
Sem ser um tão grande observador, apercebi-me, há já 
muito tempo, dessa verdade: afirmei frequentemente que os 
ramos de uma árvore eram eles próprios arvorezinhas 
completas; os fragmentos de rochedo assemelham-se a 
massas de rochedos, as partículas de terra a enormes montes 
de terra. Estou convencido de que se encontraria um grande 
número dessas analogias. Uma pena é composta por um 
milhão de penas. [Delacroix 1981.] 
Mas não nos detenhamos no artista e naqueles que ele cita. 
O que surpreende é que, quer o sábio quer o artista, não 
234 
parecem ter tido quase nada para dizer a propósito destes 
assuntos! Em tempos pareceu-me haver uma grande excepção, 
razoável e reconfortante, pois esses problemas pareciam ser o 
objecto inicial da geo-metria, de )'êmJ.Le'tpta. Se esse termo terá 
realmente significado «medida da Terra», o seu objecto pode-
ria ter incluído a tarefa de representar a forma das montanhas. 
Na verdade, será mais de esperar que )'êmJ.Le'tpta significasse 
simplesmente «medida das terras», limitando-se, portanto, 
modestamente, à .forma dos campos nos terrenos mais ou 
menos planos do vale do Nilo. Euclides não se teria, por isso, 
enganado no tema! 
Em compensação, que sabíamos nós a respeito da «medida 
da Terra»? É certo que existiam muitos mapas e números em 
quantidade suficiente para saciar o contabilista mais ávido. 
Mas de que discussões teóricas dispúnhamos a respeito do 
grau de representatividade dessas curvas e desses números? 
E de que leis quantitativas, no sentido que o físico atribui a 
essa expressão? Os Objectos Fractais demonstram até que ponto 
havia poucas, e é preciso repetir que se encontravam isola-
das umas das outras e esquecidas; de qualquer maneira, não 
tinham sequência. 
Passando agora da Grécia para Israel, citemos dois extractos 
de uma Bíblia traduzida por Jean Calvin e impressa em Gene-
bra (MDLIII)2: 
[ ... ] Toutes les fontaines des grans gouffres furent rom-
pues, et les ventailles du ciel furent ouvertes, et la pluye fut 
sur la Terre quarante jours et quarante nuicts. (Genese, VII.) 
[ ... ]Jorraram todas as fontes do grande abismo e abriram-
-se as comportas do céu. A chuva caiu sobre a Terra durante 
quarenta dias e quarenta noites. (Génesis, VII.) 
[ ... ] Voicy sept ans de grande fertilité adviendront en 
toute la terre d'Egypte: puis apres surviendront sept ans de 
famine. (Genese, XLI.) 
2 Devido ao carácter específico da tradução de Jean Calvin, optou-se por 
deixar a versão original em francês arcaico, acompanhada da tradução portu-
guesa. Biblia"de Jerusalém (1980). (N. dos T.) 
235 
L···J 1.:.1::. yue vem sete anos em que haverá grande abun-
dância em toda a terra do Egipto; depois lhes sucederão sete 
anos de fome. (Génesis, XLI.) 
Quando um fenómeno faz lembrar uma destas histórias, diz-
se agora que obedece ao efeito Noé ou ao efeito José. Em breve 
voltaremos a esse ponto. 
O nosso terceiro exemplo de problema antigo é ilustrado na 
fig. 203 deste Panorama. Encontram-se destas dendrites por 
toda a parte; como as compreender? Mais uma vez, vamos 
voltar a esse ponto.A prosa fractal perante o confronto 
entre o homem de acção e o filósofo 
Qualquer que seja o impacte da linguagem fractal junto dos 
poetas (artistas ou matemáticos) e o interesse das suas raízes 
históricas, o teste mais árduo e, sem dúvida, mais importante 
desta linguagem encontra-se noutro lado. Esta linguagem será 
utilizável e flexível ao nível da prosa mais utilitária? Será uti-
lizável e flexível, não amanhã, mas hoje, ao nível da prosa mais 
refinada? 
Iremos ver que há, para estas duas questões e toda urna 
gama de questões intermédias, respostas afirmativas. Será 
então necessário começar por falar da prosa, que é «a mais 
nobre» por ser a mais abstracta? Isso viria na tradição de 
Auguste Cornte, portanto conforme a uma certa utilização já 
estabelecida, o que traria outras vantagens já discutidas neste 
Panorama. 
Contudo, o leitor que nos tem vindo a seguir não se sur-
preenderá que este texto prefira tratar em prirnero lugar, e 
mais em pormenor, aquilo que exige defesa. Esta escolha não 
é nem arbitrária nem caprichosa e não implica qualquer frouxi-
dão culpabilizável. 
A minha fé nas virtudes da explicação é de tal modo ina-
balável que, sem qualquer esforço, dispensa os actos de de-
voção; é tão exigente que não gosta de invocar os grandes 
princípios senão quando é altura de o fazer. O leitor que 
236 
prefira a ordem inversa não deixa de poder exercer o seu 
direito de ler este ensaio em sentido contrário. 
Sobre o lugar do «puramente descritivo»: 
aprender a ver melhor e a medir melhor. 
A distribuição das galáxias 
Descrever quantitativamente a natureza é um dos muitos 
objectivos da ciência; é também uma necessidade para o enge-
nheiro, que, de outra forma, não poderia exercer o seu ofício. 
Para o sábio, o objectivo último é a explicação. Para o enge-
nheiro, o acesso a uma explicação dos factos é muitas vezes 
fonte de inspiração e pode mesmo (nem sempre) ser muito útil 
concretamente. Mas é preciso afastar a ideia de que uma 
«simples descrição» é necessariamente desprovida de conse-
quências merecedoras de reflexão e acção. Na perspectiva do 
engenheiro, tudo o que o ajude a ver e medir é indispensável. 
Ora, como é sabido por todos que já o tentaram, ver não é 
um dom inato, mas um talento que também exige uma apren-
dizagem. Ver é normalmente reconhecer, isto é, identificar o 
que se vê com qualquer coisa já registada numa memória feita 
de «sintomas» isolados e de «síndromes», cada um dos quais 
é um conjunto de sintomas. Nada nos impede de regressar, a 
esse propósito, ao texto de Galileu da p. 210. Digamos então 
que um dos papéis da geometria fractal, papel prosaico e 
utilitário, mas essencial, foi o de enriquecer o alfabeto geo-
métrico de cientistas e engenheiros. 
Do mesmo modo, é preciso saber identificar aquilo que é 
possível e útil medir. Também aí, a geometria fractal começou 
por oferecer o seu alfabeto em pleno crescimento, as suas 
diversas noções de dimensão (em número finito ou infinito), as 
suas noções de lacunaridade e as suas combinações dos aspec-
tos topológicos e fractais. Neste espírito, muitos trabalhos 
bastante concretos e mesmo práticos fazem uso dos fractais, ou 
prometem vir a fazê-lo em breve. A compilação de uma lista 
seria, contudo, fastidiosa. Examinemos antes, então, alguns 
casos típicos em que as novas adições fractais ao alfabeto 
237 
geométrico de Galileu se revelaram bastante úteis nos nossos 
esforços de ver e medir. 
Comecemos por um problema sem consequências práticas, 
concretamente, o amontoamento das galáxias. Quando, em 
1971, fiz urna primeira redacção do capítulo VI dos Objectos 
Fractais, parecia que nenhum astrónomo se ocupava desse 
assunto. Hoje, contudo, o estudo da estrutura global do 
universo está na ordem do dia. No centro da discussão encon-
tra-se um défice de matéria: descobriu-se que a matéria visível 
é apenas urna fracção da matéria postulada pelas teorias. Num 
universo fractal extrapolado até ao infinito, a situação seria 
pior; essa falta seria reduzida se, pelo contrário, a transição 
para a homogeneidade, à escala astronómica, ocorresse «pró-
ximo de nós». 
Daí a necessidade que os astrónomos têm de conferir aos 
procedimentos estatísticos, aos testes de hipóteses e às estima-
tivas de parâmetros urna importância da qual as ciências físi-
cas fornecem poucos outros exemplos. Ora esses procedimen-
tos levantaram um problema inesperado: aqueles que os 
haviam preparado não tinham sequer imaginado o fractal. 
Devido a isso, quaisquer que sejam os factos, esses procedi-
mentos concluem inevitavelmente que a profundidade da zona 
fractal ê relativamente pequena. Nunca podem concluir que a 
zona fractal se estenda «até ao infinito», quer dizer, pelo menos 
até ao limite das observações. Para retornar um termo de 
Popper, já utilizado na p. 212, a hipótese tentadora de a zona 
fractal ser truncada não pode ser falsificada por meio desses 
procedimentos. . 
Nestes últimos anos, o problema da truncatura foi final-
mente colocado, de urna forma que não faz juízos antecipados 
sobre a conclusão, em Pietronero 1988 e Colernan, Pietronero 
e Sanders 1988. Ver também Mandelbrot 1989t. 
A turbulência e mais ainda 
Continuemos com a turbulência. É um assunto apaixonante 
e, ao qu~ parece, basta anunciar que se conseguiu finalmente 
238 
«explicá-la» para se ter um público assegurado. De facto, ainda 
que nestes últimos tempos tenham sido obtidos progressos 
parciais importantes, não se dispõe ainda de qualquer expli-
cação. Por outro lado, não se esperou por urna explicação para 
experimentar e desenvolver uma «fenomenologia» abundante. 
Um dos seus pilares é aquilo a que se chama «análise dimen-
sional», cujo triunfo, aos olhos dos teóricos, foi o espectro 
em Jc-513, devido a Kolrnogorov, Obukhov, Onsager, von 
Weiszãcker e Heisenberg. 
A partir do momento em que se procura passar da análise 
à geometria dimensional, vê-se que a turbulência pode e deve 
ser vista corno o próprio protótipo de fenómeno fractal. É tal-
vez até o mais interessante de todos, ainda que seja também o. 
que mais resiste à análise. Não é, por isso, surpreendente que 
tenha sido a turbulência a inspirar muitas das primeiras etapas 
decisivas no percurso que conduziu à geometria fractal, urna 
vez que (conforme foi dito) introduzi os rnultifractais, em 1968-
76, corno modelos da intermitência na distribuição espacial da 
difusão. Recentemente, esse modelo atingiu um estádio experi-
mental satisfatório, graças sobretudo aos meus colegas de Yale: 
ver Prasad, Meneveau e Sreenivasan 1988. 
O mesmo grupo de investigadores já se tinha anteriormente 
debruçado sobre questões colocadas no meu livro The Fractal 
Geometry of Nature, de 1982: qual a forma que tornam as fron-
teiras das esteiras turbulentas por detrás dos barcos ou das 
camadas-limite? Como era previsto, verificou-se que essas for-
mas eram fractais. Poderia mesmo acontecer que muitas delas 
tivessem a mesma dimensão fractal, o que teria a virtude de 
colocar um problema muito preciso. Se se confirmasse que 
equações muito diferentes urnas das outras davam origem a 
formas com a mesma dimensão, qual seria o traço comum a 
todas essas equações? 
Assinale-se agora urna abordagem fractal do estudo da 
turbulência totalmente diferente, um estudo· que não se efectua 
no espaço real, mas num espaço em que a evolução de uma 
quantidade ou de um sistema é representada pela trajectó-
ria de um ponto. Três nomes que vêm de imediato à ideia 
neste contexto são os de Albert Libchaber (École Normale e 
239 
agora em Chicago), Harry Swinney (Texas) e Jerry Gollub 
(Haverford). Mas este é um assunto em que não nos podemos 
deter. 
Passemos agora da turbulência a um problema concreto e 
imediato. Mostrou-se recentemente que o escoamento de um 
fluido viscoso num meio poroso, por exemplo,o escoamento 
da água que se injecta num poço para tentar «empurrar» o 
petróleo, obedece a um de dois regimes possíveis. O regime 
desejável é «frontal», o regime indesejável é «uma configuração 
ramificada», urna «dendrite fractal». A fotografia da p. 203 dá 
urna ideia. 
Num momento em que essas diversas possbilidades haviam 
já sido reconhecidas, um colega levou para urna reunião um 
artigo antigo sobre o escoamento viscoso. Ao lado de urna 
fotografia que podia ter sido tirada ontem, o autor traçara 
um diagrama que pretendia ser um resumo do que tinha 
«visto» no seu trabalho. Infelizmente, veio a concluir-se que 
o que ele havia visto não conduzia a nada, ao passo que o 
que ele considerara insignificante, tendo portanto apagado, 
comportava os aspectos fractais que se encontram agora na 
ribalta. 
Chegamos a um comentário de carácter mais geral, que 
desenvolve o que já foi dito, na p. 212, a propósito das 
panaceias. Um grande número de disciplinas esperam tornar-
-se quantitativas, mas não sabem por onde hão-de começar. 
Têm então tendência a cair num método universal, que con-
siste (parafraseando Charles de Gaulle, segundo Jean Effel) em 
colocar novas questões para respostas já conhecidas. Gostamos 
de nos rir daqueles que se agarram fixamente a qualquer ideia 
nova, ainda que ela se negue explicitamente o papel de 
panaceia. Mas não há nenhum mal em adoptar essas ideias, na 
condição de se reterem apenas as que se revelem eficazes. 
Depressa nos apercebemos de que os métodos que se podem 
considerar para adopção não são muito numerosos. Embora a 
diversidade da natureza seja infinita, o surgimento de uma 
nova técnica confirmada é um acontecimento raro. É muito 
compreensível, e justifica-se plenamente, que a geometria frac-
tal tenha criado o desejo de a pôr à prova. 
240 
A bolsa e o Nilo 
Vale a pena repetir, porque é importante: ainda que o ofício 
do engenheiro e a ciência tenham muitos pontos comuns, 
existe também entre eles uma profunda diferença que não deve 
ser desprezada. Nos pontos em que a ciência subjacente é 
unicamente fenomenológica poder-se-á esperar que no futuro 
se tornarão disponíveis explicações. Entretanto, o engenheiro 
não pode esperar e tem de se esforçar por realizar o melhor 
trabalho possível, baseado na ciência hoje disponível. Seria 
absurdo que a ausência de explicação o impedisse de trabalhar. 
Como primeiro exemplo, consideremos a hidrologia. Como 
explicar o «efeito de José», de que já falámos, ou seja, a varia-
bilidade dita «secular» dos débitos de água no Nilo e na 
maior parte dos outros rios? Ainda que se tivesse uma expli-
cação completa da influência do clima sobre essa variabilidade, 
quem ousaria acreditar que poderíamos alguma vez utilizar 
essa explicação para controlar os débitos nos reservatórios, ou 
para calcular o seu tamanho óptimo? As responsabi.lj.dades que 
a sociedade atribui aos hidrólogos são de uma ordem total-
mente diferente. Por outras palavras, a disponibilidade, ou a 
sua ausência, de uma explicação climatológica não tem 
qualquer impacte previsível sobre os recursos hidrológicos da 
comunidade. 
Contudo, quando Mandelbrot 1965h apresentou um modelo 
estatístico dos «ciclos lentos» dos débitos dos rios, muitas 
pessoas reagiram mal. O modelo postula uma memória infi-
nita, não pretendendo explicar nada. Essas duas características 
foram vistas como carências muito graves. Nos meus trabalhos 
com J. R. Wallis, ao longo dos quais esse modelo foi elaborado 
em pormenor, não se punha a hipótese de «ceder um pouco», 
construindo o pára-vento com uma memória muito grande, em 
vez de infinita, ou de adoptar uma qualquer pseudo-expli-
cação. Infelizmente, em cada reunião onde se falou desse 
modelo, as questões mais frequentes foram as seguintes: 
«Porquê escolher um modelo tão bizarro?» «Esse modelo já 
prestou as suas provas da forma habitual, sendo aplicado à 
física?» «Que explicação climatológica é fornecida por esse 
modelo?» 
241 
Quer isto dizer que até os hidrólogos práticos mais inclina-
dos ao estudo quantitativo pareciam inquietos ao ouvirem 
alguém gritar: «Mas onde está a ciência por detrás do que 
vocês fazem?» Essa inquietação fazia esquecer que mais vale 
tratar de cada coisa por sua vez e criar hoje protecções contra 
a persistência devida aos ciclos lentos, sem esperar que estes 
sejam explicados. É assim que uma parte demasiado grande 
das energias consagradas ao modelo fractal da hidrologia 
parece até agora ter-se dissipado a digerir as alternativas. Estas 
não apresentam qualquer diferença visível, evitando sempre 
levantar as questões precedentes, bem como as emoções que 
elas libertam. 
A ironia, como é evidente, é que - no espaço de alguns 
anos - o meu velho modelo deixou completamente de ser 
visto como «bizarro», pois que modelos próximos foram des-
cobertos e adoptados (sem drama!) em muitos capítulos mais 
«clássicos» da física. Em conjunto com o meu, constituem 
alguns dos pilares da geometria fractal. 
Ainda na mesma problemática, vamos agora passar das 
«ciências físicas» a uma das «ciências morais e políticas». 
Verifica-se que diversas técnicas fractais foram pela primeira 
vez postas à prova nos meus trabalhos sobre a bolsa. Estes 
progrediram rapidamente de 1960 a 1965, tendo Mandelbrot 
1963b sido um ponto forte, e mais lentamente desde então. 
Hoje estão de novo activos e, de qualquer maneira, merecem 
ser aqui mencionados. 
O economista nunca se sentiu muito incomodado em adop-
tar da física o hábito da diferenciabilidade das funções, por-
tanto, a fortiori, da sua continuidade. Essa hipótese estava 
de tal maneira bem estabelecida que mal parecia digna de 
ser mencionada, e muito menos de ser confrontada com os 
factos. 
Ao abordar o problema da variação dos preços com o 
tempo, expressei a opinião contrária: não só a continuidade 
não é evidente, como é contrária à própria observação. Além 
disso, fiz notar que a reflexão económica quase impõe que seja 
de esperar a observação de grandes descontinuidades, sem que 
estas mereçam ser consideradas como excepções que vêm 
interromper um estado normal que seria contínuo. 
242 
Com efeito, um preço competitivo está submetido a dois 
tipos de influências. Deve, antes de tudo, responder às altera-
ções das quantidades «exógenas», que se podem supor varia-
rem de forma contínua, pelo menos se forem regidas pela inér-
cia física. Mas deve igualmente responder às mudanças das 
«antecipações>>. Ora estas mudanças podem ser instantâneas. 
Surge daí a minha ideia mestra, que é a seguinte: na ausência 
de regulação institucional, os preços podem muito bem sofrer 
descontinuidades de tamanho arbitrariamente grande. Nesse 
contexto, a grande queda na Bolsa de 19 de Outubro de 1987 
vem imediatamente hoje à ideia, mas, no início da década 
de 60, tais exemplos eram considerados coisas do passado. 
A aceitação da descontinuidade, sem a tentar sufocar, e a 
sua combinação com uma «auto-afinidade» apropriada con-
duziram ao modelo dos preços oferecido em Mandelbrot 
1963b. Hoje pode-se dizer que esse modelo consiste em estudar 
as propriedades fractais das curvas traçadas nos jornais para 
mostrar como os preços variaram ao longo do tempo. 
Ora verifica-se que uma das características que este modelo 
incorpora é que o crescimento dos preços é uma variável 
aleatória cuja variância é infinita. Que se passou? Este traba-
lho não deixou de provocar comentários a priori muito pare-
cidos com aqueles já mencionados no contexto da hidrologia. 
O terceiro comentário foi muitas vezes enunciado da seguinte 
maneira: 
Os modelos que o senhor criou parecem descrever os 
dados de forma aceitável, mas - fora da sua tese res-
peitante às antecipações - qual é a relação deles com a 
teoria económica existente? 
Disseram-me que, pelo menos uma vez e num momento de 
irritação, euteria replicado: 
Não há nenhuma boa explicação para estes resultados; 
mas não é razoável estar à espera que surja uma boa expli-
cação vinda da teoria económica existente. Ao fim e ao cabo, 
essa teoria já teve mais de um século para se desenvolver 
e ainda estamos à espera que prediga o que quer que seja. 
243 
O estudo dos preços dá assim lugar aos multifractais, nas 
mãos dos economistas que pretendem extrair do caos esta-
tístico da economia um elemento de caos determinístico. 
Os exemplos anteriores bastam para concluir: ainda que 
o papel da geometria fractal em domínios concretos esti-
vesse reduzido a uma nova «astúcia» para a fenomenologia 
(o que não é o caso!), ela teria trazido algo de extremamente 
útil. 
Percolação, fractais e «acaso puro» 
A secção anterior mostra como é difícil e impopular pro-
clamar o mérito de investigações científicas que não são «ele-
vadas acima» da fenomenologia. Essa dificuldade não é nova; 
é até muito familiar no quotidiano, que pode e deve hones-
tamente obedecer a duas exigências contrárias: viver com o 
que é imperfeito, preservando ao mesmo tempo o sonho de um 
paraíso terrestre. No contexto da geometria fractal, o paraíso 
terrestre da explicação já foi atingido em muitos casos 
notáveis, dos quais a sequência deste texto dá alguns exem-
plos. Todos ficam contentes. 
Os exemplos mais bem compreendidos do papel dos fractais 
nas ciências dividem-se de forma natural entre aqueles que não 
fazem intervir o acaso e aqueles que o fazem. Estes últimos 
podem ser encontrados em duas disciplinas que têm tendência 
para se ignorar, que são a física estatística e a teoria das 
probabilidades. 
Foi num capítulo moderno da física estatística, chamado 
teoria da percolação, que os fractais conheceram o seu primeiro 
grande sucesso num domínio recente, mas «tradicional», da 
física. Em latim, percolare significa «fluir [colare) através [per)». 
O significado técnico deve-se a um modelo estudado por 
Broadbent e Hammersley 1957, a partir de uma ideia de Florey. 
Entre os sítios onde esse modelo vem melhor exposto, refiram-
-se Aharony 1984, 1986, Aharony e Stauffer 1987, Deutsher 
et al. 1983. 
Eis do que se trata. Imaginemos um quadrado plano coberto 
de pequenos mosaicos pretos ou brancos, em que a cor de cada 
244 
mosaico é escolhida mdepenaentemente ua~ uuua~, Luut 1-'~v­
babilidades preestabelecidas p e 1-p para o branco e o preto, 
respectivamente. Os mosaicos pretos são condutores e os 
brancos isoladores. Por exemplo, os pretos podem ser feitos de 
cobre condutor de electricidade, enquanto os brancos podem 
ser feitos de vinil isolador, ou os pretos podem ser vazios, 
enquanto os brancos são pedras completamente impermeáveis 
à água. 
Supondo-se que o quadrado é muito grande, estabelecemos 
entre duas margens opostas uma diferença de potencial eléc-
trico (ou hidrostática). Pergunta: existirá um caminho através 
do qual a corrente (ou a água) possa ir de um extremo ao 
outro? Se p for muito pequeno, é evidente que isso é quase de 
certeza impossível; se p for muito grande, é táir1bén:t!vidente 
que tal é quase de certeza possível. Pergunta: que se poderá 
dizer dos p intermédios? Resposta A: existe um valor de p, dito 
valor crítico e designado por p c' para o qual é quase certo que 
a corrente passa à justa. Resposta B: suponhamos que p é 
crítico; então, os mosaicos pretos em contacto com as margens 
formam aquilo a que se chama um «amontoado crítico de 
percolação», tal como na fig. 265. Assimptoticamente, tem-se 
uma curva fractal de dimensão 91 I 48, um valor ligeiramente 
inferior a 1,89. Eliminando os becos sem saída, os pavimentos 
condutores formam um «esqueleto» que - também ele - é 
assimptoticamente uma curva fractal. As bocas de estrangula-
mento, em que toda a torrente passa por um único mosaico 
pequeno, formam assimptoticamente uma poeira fractal de 
dimensão 3/4. No espaço pavimentado por cubos obtêm-se 
resultados análogos, mas com dimensões diferentes (como é 
evidente). 
Se o estudo da percolação continua a atrair a atenção de 
numerosos físicos, é porque, por um lado, esse fenómeno 
é muito importante em si mesmo e, por outro, dá uma ima-
gem útil de diversos aspectos dos estados da matéria a 
que chamamos «mal condensados». Além disso, a percolação 
é tratável: as suas dificuldades puderam ser superadas, 
urna após a outra, o que faz dela um dos capítulos mais 
bem explorados da física estatística. Por exemplo, a difusão 
em amontoados de percolação é «anormal», ou «não fickiana». 
245 
Foi estudada por Gefen, Aharony e Alexander 1983. Teve 
ainda o interesse de levar Alexander e Orbach 1982 ·a intro-
duzir urna nova noção, atraente e prometedora, que é a de 
«fractão». 
A descrição fractal da percolação demonstra que, neste caso, 
a física é inteiramente regida pela geometria e que a geometria 
é fundamentalmente fractal. É governada por um pequeno 
número de quantidades, cada urna das quais é a dimensão 
fractal de urna certa porção do amontoado crítico de perco-
lação. Além disso, as dimensões fractais fundamentais foram 
explicitamente deduzidas da física clássica, e sabemos já que se 
trata de números racionais! Sendo um dos objectivos essenciais 
da física a sua redução à geometria, vemos que o papel dos 
fractais na teoria da percolação toca as raias da perfeição. 
É claro que o matemático fará notar que muitos dos resultados 
que parecem verdadeiros para o físico não foram ainda de-
monstrados de forma suficientemente rigorosa. Há, portanto, 
ainda muito trabalho a fazer! 
Ao falar de física estatística, não se pode também deixar de 
pensar nos trabalhos notáveis que giram em torno da noção de 
«tempo fractal». Um tempo fractal intervém já nos regressos ao 
ponto de partida de um processo de difusão (normal ou anor-
mal). Mas o tempo fractal intervém, de urna forma parti-
cularmente essencial e explícita, nos trabalhos de E. W. Mon-
troll e M. F. Shlesinger, cujas múltiplas ramificações começa-
ram a surgir com a teoria da xerografia. Shlesinger 1988 dá um 
panorama recente do tempo fractal. 
Uma segunda grande classe de exemplos de acasos fractais 
muito bem entendidos pode ser encontrada na teoria das pro-
babilidades, ou seja, no estudo dos conjuntos ou das medidas 
que ilustram os teoremas sobre as somas ou os produtos de 
variáveis aleatórias. O movimento browniano é o exemplo 
mais típico, e todos nós sabemos (ver capítulo III dos Objectos 
Fractais) que ele não esteve à espera que a geometria fractal se 
organizasse. As superfícies de Brown, que utilizo como pri-
meiros modelos do relevo (capítulo VII), constituem um outro 
exemplo. As passeatas ao acaso, sem ciclos, apresentam tam-
bém todos os critérios dos fractais, ainda que esse facto 
(também ele) não esteja rigorosamente provado. Analoga-
246 
mente, as medidas multifractais de base obtêm-se como limi-
tes de produtos de factores aleatórios. 
Fractais e dinâmica: caos determinístico, 
atractores e repulsares 
Entre os fractais não aleatórios de interesse imediato para a 
física, os mais bem compreendidos são aqueles que dizem 
respeito à dinâmica e ao caos. Contudo, é conveniente começar 
esta secção acrescentando um exemplo aos que foram esbo-
çados mais acima a propósito do «puramente descritivo». 
Numa conferência sobre caos determinístico, realizada em 
1983, foi organizada uma tarde para discutir o seguinte tema: 
«Porque devem as pessoas que estudam o caos preocupar-se 
em medir dimensões fractais?» Fiz notar que era necessário 
precisar a questão: 
Pensam que a vossa experiência, ou mesmo qualquer 
outra teoria, com a qual não estou familiarizado, sugere 
outras novas quantidades a medir que não sejam fractais? 
Ou não é verdade que a dimensão fractal é a única quan-
tidade nova a medir de que dispomos? Isso bastaria para 
que fosse desejável tirar

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