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A carrreira moral do doente mental

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A carreira moral do doente mental
Usualmente “carreira” tem sido um conceito atribuído ao percurso que se faz para ascender profissionalmente, entretanto Erving Goffman faz uso desse termo em sentido mais amplo, considerando que carreira pode ser “qualquer trajetória percorrida por uma pessoa durante sua vida” (p. 111), seja ela de sucesso ou de fracasso. E é sob esse olhar que o autor discorre sobre a carreira do doente mental.
Dentro do conceito de carreira o autor reconhece a importância de ambivalência que ele proporciona, pois de um lado está ligado a assuntos íntimos e preciosos, como a imagem do eu, do outro lado se liga à posição oficial, relações jurídicas e um estilo de vida, e é parte de um complexo institucional acessível ao público e vice-versa, (GOFFMAN, 1974, p. 111-112).
Goffman pretende neste artigo trata de aspectos da carreira moral “do doente mental” em um sentido sociológico, partindo do suposto saber psiquiátrico sobre doença mental e a influência que esse exercer sobre o destino do “doente mental” institucionalizado, enfatizando a fase que antecede o ingresso da pessoa no hospital, denominada essa de pré-paciente e o período de permanência na instituição psiquiátrica, que o autor chama de fase do internamento (p.114).
Pré-Paciente
Nessa fase inicial é marcada por uma imagem desintegradora que a pessoa faz de si mesma, muitas vezes baseadas em estereótipos culturais e sociais frente aos sintomas e comportamento, devido ao distanciamento social existente entre a quem lhe atribuiu a imagem de “louco” e a pessoa que é colocada em tal condição.
O pré-paciente é tomado por uma angústia ao se julgar “mentalmente desequilibrado”, essa angústia é gerada não apenas pelo novo olhar que passa a ter de si mesmo, mais também pelo medo de ser reconhecida como pelo outro agora como de tal.
O autor aponta que a internação pode ocorrer tanto de modo voluntário ou involuntário, sendo essa última à forma mais comum de internação, Goffman ressalta que não importa se o pré-paciente adentrou na instituição de forma voluntária, ou se foi “vítima” do circuito de agentes, sendo a entrada na instituição o marco inicial da carreira do doente mental.
O circuito ao qual o autor se reporta são agentes que cumprem determinados papeis no processo de degradação do “eu” da pessoa percebida como “transgressor”, dentre esses agentes costumam estar pessoas próximas como familiares, amigos, essas pessoas em geral são aquelas em quem o pré-paciente confia, muito comum tornar-se seu tutor na fase de internado; o denunciante é aquele que faz movimento que culminou na internação do “transgressor”; os mediadores por sua vez, tendem a ser especialistas como médicos, autoridades, entre outros que regularmente atuam de forma a articular a hospitalização. 
Quando o pré-paciente toma consciência da sua restrição de liberdade e retirada de seus direitos com a qual se depara na sua nova realidade, sentimentos de abandono, deslealdade, traição, injustiça emergem em relação àquele em quem confiava, por outro lado o agente próximo não é indiferente a esse “abandono”, há uma dualidade de sentimentos, uma vez que se percebe como traidora e, se julga culpada por abandonar o “doente” aos cuidados da instituição, todavia, esse sentimento é aliviado quando é convencida de que está fazendo o melhor e, cumprindo com seu dever moral. 
Goffman chama atenção para um aspecto bastante relevante na construção da carreira do “doente mental”, pois mesmo que a internação seja involuntária, é preciso de uma justificativa para sua permanência na instituição. Para tal justificativa, cria-se então, uma historia de caso, em que o passado do “doente” justifique sua estada na instituição. Nota-se aí, uma generalidade no status de “doente mental”, onde não importa os antecedentes que desencadeou a sua entrada, nem mesmo o tempo de permanência na instituição. 
A fase do internado 
Nesse ciclo o paciente já se percebe como interno, podendo ficar “maníaco” ou “fora de contato”, para evita qualquer interação com o ambiente e até mesmo daquele mais próximos na tentativa de evitar reconhecer à sua nova condição e manter o que sobrou do seu antigo eu. Visto que, seu esforço em quase nada adiantou, começa então, a integrar o espaço social daquele do ambiente que lhe foi imputado, passando a aceitar seu status de institucionalizado.
O interno ao constatar a violação de sua liberdade e direitos, bem como o despojamento de suas defesas, satisfações e afirmações dá início à experiência da “mortificação do eu”. Segundo Goffman, essa perda de identidade provocada pelo controle imposto pela instituição total, representada pela equipe dirigente, permite que após algum tempo de vivencia na instituição, seja temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária. Assim, o controle, privação existente no ambiente da instituição é sugerido como método terapêutico e para o bem-estar do paciente e da equipe dirigente do hospital. 
Conforme Goffman, as regras e o ambiente hospitalar leva o sujeito ao sofrimento, uma vez que, é constantemente lembrado como sendo um caso de doente mental e não uma pessoa integra. Esse sofrimento pode ser intensificado de acordo com a classe sócioeconômico, pois o indivíduo em melhores condições, não tendo a quem atribuir o seu “fracasso”, enquanto o menos favorecido pode dizer que é vitima de um sistema que lhe impôs a essa condição. No entanto, ambos buscam justificativas para sua permanência no hospital, sendo muito comum fazer relatos de histórias tristes na intenção de responsabilizar outra pessoa pele seu status de “doente”. Por vezes, a historia contada pelo paciente é desmentida com às transcrições feitas pela equipe dirigente em seu dossiê, isso ocorre na intenção de ignorar as queixas do paciente ao mesmo tempo em que expõe o que o paciente procurava esconder. 
Diante do que acontece ao logo da carreira moral do “doente mental” nota-se que tudo que acontece nesse percurso tem como consequência a “desestruturação do eu” Entretanto, conclui-se que mesmo ele sendo despido da sua identidade original, esse sujeito é capaz de organizar uma nova estrutura sobre si mesmo orientando-se a partir da nova comunidade que agora pertence.
 
Referencia:
BRITO, Monique Araújo de Medeiros; DIMENSTEIN, Magda. Contornando as grades do manicômio: histórias de resistências esculpidas na instituição total. Aletheia,  Canoas ,  n. 28, p. 188-203, dez.  2008 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942008000200015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  07  out.  2019.

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