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Repúblicas de Ouro Preto: uma análise do sistema enquanto instituição na perspectiva de Arnold Gehlen.

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Repúblicas de Ouro Preto: uma análise do sistema enquanto 
instituição na perspectiva de Arnold Gehlen. 
 
Fábio Junior Rocha Vianna1 
Universidade Federal de Ouro Preto 
rochaviannafj@gmail.com 
Resumo: 
Este artigo propõe-se fazer três coisas: i) descrever o sistema republicano; ii) 
apresentar a matriz teórica, isto é, a argumentação gehleniana, que nos permitirá analisar 
a realidade em causa; e iii) analisar, propriamente falando, a realidade que descrevemos 
no tópico, para, por fim concluir que o sistema republicano pode ser entendido, ou melhor 
dizendo, considerado, como uma intuição. Dessa feita, faz se necessário ainda em fase 
preliminar, dizer, que o tópico i) terá um subtópico, a saber, o subtópico (a) A República 
que Pronto Socorro e (b) um tópico digno de nota. 
 
Palavras-chaves: sistema-republicano, instituição, regras 
 
1. O sistema: 
O sistema republicano não é algo novo como pode se pensar, e nem é algo 
característico aqui do Brasil. A ideia de que o sistema republicano nasceu aqui e em Ouro 
Preto e que é único no mundo é falsa. Majoritariamente o sistema é único, no Brasil. Mas 
único enquanto ímpar, ter suas peculiaridades enquanto sistema organizado 
sistematicamente em contraste com outros sistemas no Brasil a fora, sobretudo nas 
cidades universitárias como Viçosa, São João del Rei, Vitória-ES, Juiz de Fora, etc. O 
que se tem afirmado mais e mais vezes, segundo alguns estudiosos da área é o que o 
sistema republicano de Ouro Preto é criado a partir do sistema republicando de Coimbra, 
 
1 Graduado em filosofia (licenciatura) pela Universidade Federal de Ouro Preto e graduando em ciências 
econômicas pela Universidade Federal de Ouro Preto. 
2 
 
da Universidade de Coimbra, cuja a data deste último se perpassam mais de séculos, isto 
é, desde o ano de 1309. (UNIVERSIDADE DE COIMBRA). Escreveu Malta, 
A dificuldade que se tem ao comparar as semelhanças e dessemelhanças 
da cultura universitária destas cidades é que são poucos os relatos e 
documentos, ou praticamente inexistem trabalhos acadêmicos que de 
modo geral sistematizem historicamente as articulações entre estas 
urbes. No entanto, já supõem que as repúblicas estudantis ouro-pretanas 
surgem, “a partir da ocupação de casas centenárias por estudantes das 
Escolas de Minas e de Farmácia, que dividiam as despesas e tinham 
sistema de funcionamento semelhante ao de Coimbra” (SAYEGH, 
2009). Os trabalhos dos autores aqui citados esforçam-se por elucidar 
as características de intercâmbio entre estas cidades. Embora possam 
esclarecer muitos detalhes ainda há a falta de documentos (textuais e 
iconográficos) que possam elucidar as lacunas, visto também não haver 
estudos específicos sobre esta temática. Por isso presumimos que em 
decorrência das práticas tradicionais, que conformam aspectos 
simbólicos e identitários da “cultura republicana” de Ouro Preto, estes 
são os principais indícios de que o sistema de repúblicas ouro-pretanas 
foi influenciado pelo modelo coimbrão. Tanto que a divisão de 
hierarquias das repúblicas e os rituais conferem fortes semelhanças, 
pois a constituição e as identidades das repúblicas de Ouro Preto giram 
em torno de suas tradições e formas de gerenciamento, o que levantou 
hipóteses de alguns autores sobre a organização e seu marco político. 
(MALTA, 2010. p. 49). 
Ora, posto essas considerações iniciais é razoável darmos prosseguimento nessa nossa 
digressão. 
Mas porque razão exatamente surge o sistema republicano aqui na cidade de Ouro 
Preto? O sistema surge como uma política pública de órgão institucionais, sendo eles a 
Escola de Minas (1876) e a Escola de Farmácia (1839)2 hoje ambas integradas a 
Universidade Federal de Ouro Preto3. Ele surge, exatamente em função da 
 
2 No caso da Escola de Minas boa parte das moradias foram compradas com recursos da própria instituição. 
Outras casas foram invadidas no período histórico em que a capital mineira mudava para Belo Horizonte 
1897. Cf. A história da Escola de Minas organizado pelo editor Paulo Lemos da Editora Graphar - Ouro 
Preto. E Republicas Estudantis de Ouro Preto e Mariana: perspectivas e percursos. Enquanto que no caso 
da Escola de Farmácia as três únicas casas que foram adquiridas na verdade não foram adquiridas pela 
Escola, mas pelo Diretório Acadêmico do curso de farmácia que promovia festas com o objetivo de 
arrecadar fundos para comprar a casa, como consta em atas e o livro Republicas Estudantis de Ouro Preto 
e Mariana: perspectivas e percursos. 
3 Na verdade, foram integradas quando da fundação da Universidade em 21 de agosto 1969. 
3 
 
vulnerabilidade social-econômica em que os estudantes que na cidade de Ouro Preto 
chegavam tinham. Isso por volta dos anos 19194. 
Sinteticamente o sistema surge assim, como uma necessidade de dar moradia digna a 
estudantes das respectivas escolas universitárias que em Ouro Preto se instalaram no final 
do século XIX. 
Ora, tendo isso em mente havemos que pensar, em primeiro lugar, sobretudo com a 
lente teórica de um economista, que os recursos são escassos. E o que isso quer dizer? 
Quer dizer que existiam vagas limitadas para abrigar um número de estudantes maior do 
que a oferta. Assim sendo, precisava-se de um mecanismo que selecionassem os 
estudantes para as casas. 
Num primeiro momento, de acordo com os relatos de ex alunos no que tange as 
repúblicas federais (republicas da Escola de Minas e da Escola de Farmácia), existia um 
sorteio em que se selecionava os candidatos a vaga, e assim feito eles eram direcionados 
para as casas. Ainda nessa mesma linha, não se sabe precisar exatamente quando, mas ao 
que nos é relatado, houve um período em que se começou a, mesmo com os sorteios, 
portanto um suposto direito adquirido de permanência na casa, haver um processo de 
seleção mais rigoroso. Nascia nesse momento a Batalha de vaga. E qual que era o 
pressuposto por de traz? Simplesmente a ideia de que: “se há muita gente interessada 
pelas vagas, portanto interessadas em morar de graça nas moradias das Escolas, então 
vamos selecionar a dedos quem vai ficar nessas casas” E essa seleção era a o que hoje 
chamamos de batalha. Processo pelo qual as pessoas que moram nas repúblicas, os 
moradores, sejam elas federais ou particulares, avaliam habilidades, responsabilidades, 
amizades, desenvolvimento acadêmico, boa vizinhança e capacidades singulares dos 
candidatos às vagas. 
Passou-se algum tempo e esse sistema foi evoluindo5 em seus aspectos gerais. O 
sistema de batalha, de convivência, regras e normas foi se adequando em algumas 
repúblicas mais em outras menos, de acordo com o cenário social e de acordo com as 
tradições mais ou menos consistentes de cada república. A própria ideia de hierarquia foi 
se constituindo e enrobustecendo com o passar dos anos. Pois como relatam alguns ex 
 
4 Essa é uma suposição, pois no ano em que estamos algumas republicas contabilizam 100 anos de fundação. 
5 Não tenho o compromisso aqui em dizer se a evolução foi boa ou ruim. Digo evolução no sentido de dizer 
que o sistema desenvolveu. 
4 
 
alunos de época, no princípio da criação do sistema a hierarquia era algo mais secundário, 
não era algo muito determinante, em contraste com os dias de hoje. 
(a) A República Pronto Socorro 
Passo agora a dar uma descrição sucinta, mais ou menos precisa, de como funciona 
as atividades na República Pronto Socorro. 
Em primeiro lugar faz-se adequado deixar claro que o objetivo aqui não é de se fazer 
julgamentos sobretudo nessa segunda parte, mas descrever. Portanto o que se faz de agora 
até o final dessa seção é precisamente isso. E em segundo lugar é importante ter em mente 
que darei destaquea como como eu vejo a república que moro e não como ela realmente 
é. 
Notoriamente, como já frisei, a Republica Pronto Socorro é uma republica federal, 
portanto, espaço pertencente a universidade, logo suscetível de acatamento das regras da 
mesma, sendo tais regras estabelecida pela resolução CUNI 1540. Sabendo dessa 
relevante informação balizamos todas as decisões coletivamente discutidas, quais sejam, 
seleção de calouros, finalidades da republica, sanções, penalizações por má conduta fora 
e dentro da republica, recepção de ex alunos, organizações de eventos, pronunciamentos 
oficiais e solicitações de manutenções no prédio. 
Vejamos agora outro ponto que é comum a todas as repúblicas federais. As republicas 
federais em sua maioria são, primeiro, casarões velhos, por isso precisam de recorrentes 
manutenções de alto valor. E de onde advém os recursos que são utilizados nessas 
manutenções, poderia alguém perguntar. Intuitivamente se falamos que as republicas 
federais são casas da Universidade é de se supor que os custos com tais manutenções 
deveriam ser arcados pela mesma. Porém, isso não ocorre. A universidade ao conceder a 
moradia aos estudantes, ela os responsabiliza de prover os recursos necessários a tais bem 
feitorias. E ela o faz institucionalmente através do documento Termo de Cessão Onerosa, 
também disponível na Resolução CUNI 1540. Nele constam as responsabilidades que o 
estudante terá com a república. Ora, e como os estudante que são vulneráveis 
socioeconomicamente fazem para adquirir fundos para tais manutenções? Realizando 
festas nas repúblicas, sejam carnavais, entre outros. 
Por isso, nosso objetivo quando da batalha, processo pelo qual buscamos instruir e 
avaliar os candidatos a moradores é justamente o seu comprometimento com as 
5 
 
responsabilidades que lhe são atribuídas, seja pela universidade seja pela república. E 
aqui vão diversas habilidades que são desenvolvidas constantemente durante a batalha e 
durante a permanência enquanto morador, isto é, depois de ter sido aprovado na batalha: 
(1) gestão do tempo, (2) gestão de dinheiro, tanto o pessoal, quanto o da república, (3) 
organização de evento, (4) escuta, (5) decisão compartilhada, portanto responsabilidade 
dividida – república é literalmente um espaço democrático6, (6) empatia, (7) pluralismo 
(8) senso crítico pros mais diversos assuntos. 
Por fim falo agora das regras. As regras na República Pronto Socorro são 
estabelecidas por meio de um regimento interno7 e outras são mais intuitivas, como por 
exemplo, “sujou, lavou”, respeito entre todos independentemente da posição hierárquica. 
Há ainda aquelas que são estabelecidas através de uma apresentação de boas-vindas aos 
calouros, como por exemplo: calouros abrem a porta, atendem telefone, passam café pela 
manhã e à tarde, catam as fezes do cachorro e passeiam com ele. Já os moradores cabem 
a função administrativa da casa: Controle das finanças da casa; prestação de contas para 
Universidade no que tange a geração de renda dentro da casa que a ela pertence; respostas 
institucionais a órgãos da cidade; comunicação com ex aluno; solicitação de permissão 
para manutenções na república; planejamento e execução de carnaval pois é o que 
garantirá recurso para manutenções e aquisições de, por exemplo, forro e computadores 
respectivamente, para a república no ano seguinte. 
(b) Um tópico digno de nota 
É muito provável que a essas alturas deve-se já ter passado a questão: (1) Se a 
república é da universidade porque que são os moradores que decidem se o calouro que 
passa pela batalha fica na casa e não a universidade através de seleções mais justas talvez, 
utilizando, por exemplo, critério socioeconômico. (2) E mais, quem são esses moradores? 
(3) Eles têm esse poder? 
Nossas respostas são que (3) Podemos dizer que o poder que eles têm é proporcional 
a responsabilidade. Ao mesmo tempo que ele tem esse poder de veto da participação de 
um calouro ou mesmo morador na república ele tem a responsabilidade institucional de 
 
6 Em consonância com meu relato escreveu Otávio Luiz Machado em Republicas Estudantis de Ouro Preto 
e Mariana: perspectivas e percursos. “um ponto alto dessas moradias, em se tratando de seus aspectos 
políticos, é o de precisar saber e aprender a respeitar as opiniões das pessoas, a conviver com as diferenças 
e argumentar, porque esse é um ambiente realmente democrático.” 
7 Esse regimento foi redigido em função da fundação da Associação Cultural República Pronto Socorro. 
Ele baliza algumas decisões no que concerne ao funcionamento da casa na esfera estatutária. 
6 
 
informar a universidade do porquê desse veto. É um processo cristalino, transparente e 
democrático, sobretudo porque o veto é decidido por todos e não apenas por um. E em 
segundo lugar, institucionalmente a universidade tem dado esse poder aos moradores das 
repúblicas em face de sua ausência deliberada no que tange a manutenção milionária que 
custaria ao orçamento anual da Universidade (PRACE). Estima-se que anualmente as 
repúblicas federais gastam em média vinte mil reais em manutenção. Multiplicando por 
60 repúblicas, que é a quantidade de repúblicas pertencentes a ela, teríamos um custo para 
a universidade de 1,2 milhões de reais por ano. Ou seja, a universidade confere às 
repúblicas a autonomia de autogestão, mas em contrapartida ela exige a boa conservação 
e preservação do patrimônio apresentando inclusive PDI (Projeto de desenvolvimento 
institucional), isto é, justificando o porquê a república está solicitando fazer evento para 
arrecadar fundos. (2) Esses moradores são pessoas que escolheram assumir essa 
responsabilidade em contrapartida com a universidade. Isto é, se por um lado se ganha 
essa moradia gratuita pelos anos de formação, em contrapartida assume-se a 
responsabilidade de zelar pelo patrimônio de modo que gerações futuras possam usufruir 
desse mesmo benefício. (1) Em grande parte das republicas o que se tem de fato é pessoas 
vulneráveis economicamente. Os custos mensais com energia, internet, telefone limpeza 
e comida (arroz, feijão, café, açúcar, etc.) não pode ultrapassar o valor de 300 reais por 
pessoa como determina a PRACE (Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis). 
Ou seja, para que as pessoas que precisam da moradia possam acessa-la a custos mensais 
baixos. Em contraste com isso temos que a Universidade tem outras moradias que são 
administradas por ela, mas que por consequência, se uma lâmpada queimar, ela é a que 
precisa prover recursos para a substituição ao invés dos residentes. Além disso ela é 
frequentemente convocada a resolver conflitos internos entre os residentes devido a 
algum desrespeito ou imprudência dos mesmos. 
Ou seja, as repúblicas federais tem funcionado sob a gestão dos próprios moradores 
(daí a Autogestão). Mas que fique claro que toda decisão que por nós tomada é 
inevitavelmente conectada a nossa responsabilidade. Tudo que ocorre dentro da esfera 
república é diretamente ligado à nossa responsabilidade institucional com a universidade 
e com o Estado na esfera jurídica. Nada está isento de responsabilidades. É um engano 
pensar que quem mora em república são pessoas que querem só festas e descompromissos 
institucionais. 
2. A matriz teórica de Gehlen 
7 
 
Esta segunda parte dedica-se a apresentar uma breve contribuição de Arnold Gehlen 
a respeito do que seja instituições. Para já, faz-se necessário considerar que pouco 
material teórico nesse empreendimento foi produzido pelo autor, deste modo sua 
composição teórica é bem simples e precisa. Começa-se, portanto, reproduzindo algumas 
passagens dignas de nota: 
Os instintos não determinam no homem, como acontece nos animais,o 
decurso de cada um dos comportamentos fixados. Em vez disso, cada 
cultura separa da multiplicidade dos comportamentos possíveis certas 
variantes e as erige em modelos de comportamento socialmente 
sancionados, que são compromissos para os membros do grupo. Esses 
modelos de comportamento, ou instituições, aliviam o individuo da 
sobrecarga de decisões e orientam-no através das impressões e 
estímulos que inundam seu ser aberto ao mundo. Esta é, pode se dizer, 
a lei da nossa vida: estreitamento das possibilidades, mas apoio mutuo; 
desencargo para ter mais liberdade de movimentação, mas dentro de 
uma estrutura limitada. (GEHLEN, 1984. p. 97) 
A grosso modo podemos dizer que a teoria de Gehlen no que tange ser instituições 
está implícita nessa passagem. Para isso esmiúça-se esta passagem em pequenos 
fragmentos nas linhas que se seguem 
(1) “Os instintos não determinam no homem, como acontece nos animais, o decurso 
de cada um dos comportamentos fixados.” 
Ora, o que essa passagem quer dizer é simplesmente um pressuposto que em geral é 
admito por toda a ciências humanas: liberdade de escolha. Ou seja, os homens8, para usar 
o seu termo, não são determinados exclusivamente pela natureza, como ocorre com os 
animais. 
(2) “Em vez disso, cada cultura separa da multiplicidade dos comportamentos 
possíveis, certas variantes e as erige em modelos de comportamento socialmente 
sancionados, que são compromissos para os membros do grupo.” 
O que se passa nessa passagem é uma ideia de denominador comum entre os diversos 
tipos de comportamentos dos diversos membros de cultura, seleciona-os e os elege como 
referência para os membros do grupo ter como norte de ação. 
 
8 Poder-se-ia usar uma palavra diferente para evitar uma linguagem sexista “homem”. Ao invés disso 
poderíamos usar “os seres humanos”. Mas, para evitar fugas conceituais usa-se o mesmo termo. 
8 
 
(3) “Esses modelos de comportamento, ou instituições, aliviam o indivíduo da 
sobrecarga de decisões e orientam-no através das impressões e estímulos que 
inundam seu ser aberto ao mundo.” 
Dessa feita, esses modelos que foram eleitos como referência para norte de ação, 
passam exigir menos atenção cognitiva dos indivíduos para tomada de decisão. Isto é, a 
instituição em grande medida, dita o que deve ser feito em diversos cenários de ação. 
(4) “Esta é, pode se dizer, a lei da nossa vida: estreitamento das possibilidades, mas 
apoio mutuo; desencargo para ter mais liberdade de movimentação, mas dentro 
de uma estrutura limitada.” 
Conclui, por fim, que esta é a lei da nossa vida. Redução de possibilidades de ação 
que exige demasiado grau de reflexão. E isso porque em consequência amplia, por outro 
lado, nossa liberdade de ação. Amplia porque torna previsível a ação dos membros do 
grupo, já que a ação é referenciada em um modelo. Sendo previsível a ação dos demais, 
torna-se possível planejar e prever comportamentos. 
Recapitulando: (1) os indivíduos são seres, dito de outro modo, livres, não 
determinado exclusivamente pela natureza, como os animais; (2) Por sua vez selecionam 
dos diversos comportamentos dos indivíduos aqueles que acreditam ser razoáveis de 
terem como modelo, como matriz de ação; (3) esses modelos por sua vez passam orientar 
a ação do grupo ao invés de cada indivíduo isoladamente refletir onerosamente por cada 
ação que efetivamente irá executar. Dessa feita, já que existe um “barema” de ação, os 
indivíduos ficam mais livres para ação de outras atividades e livres de ação já que agora 
é possível prever o comportamento dos demais do grupo tendo em vista que todos 
seguiram a referência. (4) “Esta é a lei da vida”, conclui o autor, “estreitamento de 
possibilidades, mas de apoio mutuo”. Ou seja, ao invés de refletirmos cuidadosamente 
cada ação, elege-se um conjunto de regras e normas que possibilitam uma organização da 
vida do grupo de modo mais efetivo e menos oneroso. O que implica, segundo seu 
raciocínio, maior liberdade de ação para todos. 
3. Apropriando-se da matriz teórica de Gehlen. 
Agora que já temos nossa realidade descrita, a saber o sistema republicano e a 
República Pronto Socorro, e estamos municiados com a argumentação de Gehlen, 
9 
 
passaremos olhar para nosso objeto de análise sob a perspectiva do autor que aqui 
debruçamos na segunda parte desse trabalho. 
 Ao olharmos para o sistema republicano como um todo observamos que a partir 
da descrição esboçada na parte primeira é possível detectar, pelo menos em alguns 
momentos, a presença forte de regras e normas presente nessa atmosfera republicana. 
Podemos eleger algumas delas para aqui desdobrarmos o raciocínio: a batalha e a 
hierarquia. A partir desses dois elementos podemos desdobrar todo o restante. 
Começamos, pois, pela batalha. 
 A batalha, como já dito, é o processo pelo qual o candidato a morador (o 
calouro/bixo), por livre consentimento, decide pleitear aquele espaço, a saber, a república. 
Nesse período, os moradores por sua vez, passam a o avaliar sob uma 
matriz/referencia/modelo muito clara para todos: o calouro precisa ser “responsável, pro-
ativo, flexível, honesto, resiliente, pontual, etc.” e desse modo os moradores lhes 
ministram atividades da casa para instruir num primeiro momento, e avaliar num segundo. 
Ou seja, é um processo de adestramento para que o candidato se enquadre no grupo. Ora, 
e se olharmos para o que Gehlen disse; 
“Esses modelos de comportamento, ou instituições, aliviam o indivíduo 
da sobrecarga de decisões e orientam-no através das impressões e 
estímulos que inundam seu ser aberto ao mundo. Esta é, pode se dizer, 
a lei da nossa vida: estreitamento das possibilidades, mas apoio mutuo; 
desencargo para ter mais liberdade de movimentação, mas dentro de 
uma estrutura limitada.” (GEHLEN, 1984. p. 97) 
a república tenta promover exatamente isso, “estreitamento de possibilidades, (...) apoio 
mutuo; desencargo para ter mais liberdade de movimentação dentro de uma estrutura 
limitada”. O processo de avaliação na batalha visa esses fins, em última análise. Treinar, 
ou podemos dizer, habituar o indivíduo com aquele conjunto de regras e normas de modo 
que seja previsível a ação dele quando de sua inserção definitiva no grupo, mas 
entendendo-o esse processo como um dispositivo que cultiva a liberdade do grupo. 
Liberdade, de novo, porque todos passam ter visão da ação dos demais, sendo possível 
planejamento de ações futuras dos indivíduos isoladamente e do grupo como um todo. 
 Por outro lado, temos a hierarquia, no qual um professor de história de Oxford 
parece teorizar com bastante facilidade o que venha ser tal fenômeno: 
10 
 
“As hierarquias tem uma função importante. Elas permitem que 
estranhos saibam como tratar uns aos outros sem desperdiçar o tempo e 
a energia necessários para se tornarem pessoalmente familiarizados. 
(HARARI, 2016. p.144) 
Ora, trata-se de nada mais nada menos que um dispositivo social que permite 
maior eficiência de organização dos indivíduos em grupo. E não é preciso ir longe para 
se constatar como que tal dispositivo funciona com tanta precisão; Salas de aula, sistema 
jurídico, forças armadas, empresas dos mais diversificados setores, etc. E porque não citar 
as republicas, outro meio social que se serve desse dispositivo – um lugar que chega 
estranhos todos os semestres. Tendo Harari e Gehlen como referencias teóricas de leitura 
dessa realidade, é possível afirmar que as hierarquias são dispositivos sociais que 
auxiliam o grupo atingir seus objetivos de forma menos onerosa possível. E se tratando 
de conjunto de regras fica claro que a própria ideia de hierarquia é mais uma regra que é 
prezada pelo grupo. O sistema entende a necessidadede uma representação, de um líder, 
uma pessoa de experiência – pelo tempo que reside na república – possa ser o guardião 
institucional – como é o caso de um ministro do Supremo Tribunal Federal que protege a 
Constituição do país – para que se preze pelas regras e faça-se as cumprir. 
Resta por fim, concluirmos se nossa digressão permite-nos afirmar se o sistema 
republicano pode ser visto – sob a matriz teórica de Gehlen – como uma instituição. 
Considerando a descrição mais ou menos aproximada do sistema republicano; 
considerando a descrição da Republica Pronto Socorro – república que foi aqui descrita 
com maior propriedade – e considerando a matriz teórica gehleniana – a saber, que se 
instituições são conjunto de regras e normas somado ao apoio mutuo, sobrecarga de 
decisão reduzida dentro de um delimitado espaço, e que em ultima analise é escolhida 
pelos indivíduos – nos parece razoável concluir que o sistema republicano pode, sim, ser 
entendido e considerado uma instituição. 
Referencias: 
• GEHLEN, Arnold: Moral e Hipermoral, uma ética pluralista. Rio de Janeiro, 
78ª Edição. Editora Tempo Brasileiro, 1984. 
• HARARI, Yuval Noah Sapiens – Uma Breve História da Humanidade. Trad. 
Janaína Marcoantonio - 15ª Edição. – Por Alegre, RS: Editora L&PM, 2016. 464 
p. 
11 
 
• MACHADO, Otávio Luiz. Repúblicas Estudantis de Ouro Preto e Mariana: 
Percursos e Perspectivas (Edição Especial) – Frutal: Prospectiva; 2014. 
• MALTA, Eder. Identidades e práticas culturais juvenis: as repúblicas 
estudantis de Ouro Preto – São Cristóvão, 2010.155 f.: il. Dissertação (Mestrado 
em Ciências Sociais) – Núcleo de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pró-
Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2010. 
• https://www.uc.pt/rualarga/anteriores/19/16 Acesso em 20 de setembro de 2019 
• https://prace.ufop.br/sites/default/files/termo_cessao_onerosa__ouro_preto_clau
dia_aparecida_marliere_de_lima.pdf Acesso em 22 de setembro de 2019 
• http://www.soc.ufop.br/public/files/RESOLUCAO_CUNI_1540.pdf Acesso em 
23 de setembro de 2019 
• http://www.prace.ufop.br/assistencia-estudantil/moradia-estudantil/modalidade-
de-gestao-compartilhada Acesso em 23 de setembro de 2019

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