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RESUMÃO DE FILOSOFIA POLÍTICA

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RESUMÃO DE FILOSOFIA POLÍTICA
Texto 1
AINDA SOBRE A FORMAÇÃO DO CIDADÃO: É POSSÍVEL ENSINAR A ÉTICA
A questão da formação ética se apresenta, ao menos como um verdadeiro enigma. E creio ser exatamente esse o sentido com que muitos professores acolhem, atualmente, a injunção legal disposta nos parâmetros curriculares.
A ética só pode ser pensada a partir de uma coletividade instituída.
Derivado do grego ethos, que significa costume, uso, 
o termo ethike designa o caráter, a maneira habitual de um indivíduo se comportar. 
A ética se refere à conformação, ou não, dos hábitos e comportamentos individuais aos usos e costumes que cada sociedade institui para si.
Cada sociedade se cria, criando os valores, as normas, os costumes, as práticas e os ideais que a regem, cimento das sociedades. Por isso, a força dogmática, o caráter quase sagrado de que se revestem, ao serem transmitidos de geração em geração.
Foi, no mundo grego, que realizou a instituição consciente e explícita das leis e das normas da sociedade, instituindo, ainda, fóruns e procedimentos permanentes de questionamento das decisões tomadas pela assembléia dos cidadãos. Esta é a origem da democracia ateniense, como interrogação aberta. Anteriormente, os dogmas da tradição se impunham como verdade absoluta. 
A partir da democracia ateniense, a ética já não pode ser considerada como mera conformidade às leis estabelecidas, ou à ordem natural das coisas e dos seres, mas deve ser compreendida como a própria ciência que tem por objeto a distinção entre o bem e o mal». 
A interrogação sobre o que é a justiça, sobre o que devemos fazer, sobre o que pensamos que é justo fazer, passa a definir o terreno da reflexão ética – isso é, da deliberação coletiva e também individual sobre os valores e normas, sobre as leis que se acredita devem reger tanto a vida comum, quanto a existência pessoal.
Sócrates realiza duas interrogações:
Interroga a sociedade para saber se o que ela costuma considerar virtuoso e bom corresponde à virtude e ao bem; 
Interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole são virtuosos e bons realmente. 
Mas a indagação ética e educacional tem um objetivo: 
 A construção da sociedade em bases democráticas. De forma que é, finalmente, no espaço político que a associação entre educação e ética aparece em toda sua clareza: tratando-se aqui, pela primeira vez, de questionar os valores instituídos, e também de interrogar o sentido e os procedimentos da educação, outra não era a finalidade, senão a construção da polis democrática, pela formação de seus futuros cidadãos.
A partir daí, política e educação estão confundidas: escrevendo as leis, o conjunto dos cidadãos realiza uma obra educacional; mas, educando, o sofista perfaz a virtude dos cidadãos, exercitando-os nas habilidades de que a polis mais prescinde 14. Os atenienses vão, inclusive, mais longe: a bem da verdade, o grande educador é, antes de tudo, a própria polis, a comunidade dos cidadãos que a todos ensina a virtude, ao encarná-la cotidianamente, tornando-a um hábito. 
A virtude é pois práxis comum que não pode ser ensinada com palavras, mas que se aprende através do modelo e da repetição. Nisso consistem os ensinamentos de Protágoras. A tese de que a formação ética não resulta de ensinamentos elaborados e teóricos, mas da prática.
Platão recusa a tese da educação prática pois, para ele, a via real para a virtude só pode ser o conhecimento. Além disso, ele rejeita radicalmente o princípio democrático, pelo qual o poder deve ser exercido por todos os cidadãos, afirmando, ao contrário, que o governo ideal só poderia ser obra daqueles que se dedicassem inteiramente à busca da Verdade, na figura dos filósofos.
De forma que, em Platão, ética e educação permanecem explicitamente associadas, mas a política foi cuidadosamente afastada, para só reaparecer – sob forma, aliás, de atividade eminentemente educativa – em sua utopia de uma polis justa, onde a formação ética é inteiramente realizada pelos filósofos, que monopolizam, ademais, o poder político.
Opondo-se a Platão, Aristóteles retoma a tese de que a formação ética depende da prática. Aristóteles não acredita, como seu mestre, que o conhecimento seja suficiente para a formação ética. Aristóteles sabe perfeitamente que, mesmo conhecendo o bem, muitas vezes o homem escolhe praticar o mal: por isso, no que se refere à formação prática, …a verdadeira finalidade não é a busca dos princípios e o conhecimento das regras em geral, mas sua real aplicação.
Tal como Protágoras, o filósofo admite que, desempenhando uma função eminentemente política, a educação deve buscar o aperfeiçoamento dos cidadãos. Já que, numa democracia, «todos os cidadãos participam do governo», é da prática de cada um deles que dependerá toda a sociedade.
A principal tarefa da educação é, pois, a formação ética de seus cidadãos, que, numa democracia, supõe a construção, por parte de cada um, das condições a partir das quais ele poderá participar plenamente da vida comum, deliberando e refletindo sobre o que é a felicidade de todos.
Para Aristóteles, essa educação deve ser prerrogativa do Estado, pois «…é bom que as coisas que interessam à toda a comunidade sejam objeto de um exercício comum.».
Aristóteles antecipa, assim, uma exigência que, séculos mais tarde, levará à criação da Escola pública – esta forma de educação comum que, em nossas democracias sem participação política, torna-se um outro desafio.
Tal como na Grécia, na França revolucionária o ideal democrático introduz a questão da justiça e de sua concretização. Diferentemente, porém, do que ocorrera na Antigüidade, trata-se agora de buscar tais condições concretas de participação e de igualdade, não apenas para uma parte da população, mas para a totalidade dos membros da sociedade.
A primeira dessas condições é, evidentemente, a criação de uma base ética comum: desafio do qual dependem os ideais democráticos que inspiram o sonho revolucionário. Essa convicção está claramente presente, por exemplo, nos argumentos desenvolvidos por Gabriel Bouquier, apresentando o que se tornará o primeiro decreto do novo governo sobre a educação.
Assim, nas origens do projeto de Escola pública moderno encontramos, a um só tempo, uma retomada da concepção platônica – expressa pela associação de toda a miséria moral da sociedade à ausência de conhecimento sobre a verdade – e uma crítica frontal a essa concepção – manifestada pela recusa em aceitar qualquer limite para a intervenção educativa.
Como vimos, a lei aparece, desde o início, como o instrumento educativo por excelência. Pois, muito mais do que a transformação, os revolucionários franceses visavam explicitamente, através da intensa atividade legislativa imediatamente iniciada, instituir um novo nómos: um novo código de valores e normas, que definisse o indivíduo e a sociedade, formando as consciências e regendo os comportamentos.
Assim, o entusiasmo pela educação se explica pelo fato de que ela amplia o poder de intervenção político-legislativa, através da formação de cidadãos segundo os novos valores e ideais que as leis difundem. E, como Bouquier, não são poucos os que consideram desnecessária a criação de novas instâncias especializadas para levar a cabo a educação comum.
Criticando essa posição Mona Ozouf, comenta que ela corresponde a acreditar em milagres: como, então, seria possível garantir a formação ética dos cidadãos dentro de um mesmo espírito comum e democrático, sem qualquer preocupação com os meios para fazê-lo? No entanto, não é difícil perceber, por trás do «desprezo pelos meios» que a autora condena, a mesma posição que Protágoras outrora sustentava contra Platão, sobre o potencial educativo de uma polis democrática.
Apoiando-se no modelo do passado, aqueles que reconheciam no simples exercício de participação política a verdadeira ação educativa pretendiam seguramente afirmar que a cidadania não é uma questão de especialistas
e, assim sendo, não deveria requerer qualquer formação especializada.
Outros, porém, consideravam que as profundas desigualdades construídas na sociedade francesa durante séculos de dominação só poderiam ser enfrentadas por uma ação específica, por um lento trabalho de destruição dos dogmas e das crenças obscurantistas profundamente enraizadas na sociedade. Ele só poderia ser realizado pelo espírito propriamente científico.
Ao invés, no entanto, de nos precipitarmos, assumindo uma dessas duas posições igualmente insatisfatórias, façamos melhor uso do passado, recorrendo a ele não para buscar soluções acabadas, mas para melhor perceber que é na tentativa de resposta a este impasse aparentemente insolúvel que reside, exatamente, o permanente desafio da educação democrática. Desafio que pode ser expresso como um enigma: na educação democrática, a igualdade é, ao mesmo tempo, o fim que se busca e também o princípio do qual se parte, aquilo que se pretende ajudar a construir e aquilo no que se apóia essa construção.
Vendo-se como os verdadeiros educadores da sociedade, os revolucionários acreditavam já saber no que consistia a verdade democrática. A razão que tanto cultuavam deixara de ser a capacidade de decidir autonomamente, para tornar-se uma verdade acabada que pretendiam impor aos demais. As bases éticas comuns já não se fazem objeto de discussão, ali onde se pretende que já foram postas, uma vez por todas, pela revolução; ou que já podem ser inferidas, antecipadamente, pelo pensamento científico – que, recusando os dogmas e crenças que dividem os homens, cria as bases do conhecimento verdadeiro e universal.
No mundo grego, a participação política dos cidadãos envolvia as deliberações sobre as leis e sobre os destinos da cidade. Na revolução francesa, essa participação foi restringida, pela instituição de «representantes» que, em nome do povo, passaram a deliberar. Assim, deve-se compreender que, também em nome do povo, esses representantes percebiam sua autoridade na realização da função educativa que acompanhava a criação das novas leis.
Se a criação do projeto de uma Escola pública, universal, laica e obrigatória resulta da exigência de formação dos cidadãos para a democracia, ela marca, a derrota da concepção espontaneísta dos primeiros momentos. Mas, significando a afirmação do caráter eminentemente educativo da esfera política que se constrói na nova nação francesa, ela concretiza, igualmente, a vitória de uma concepção muito particular de poder.
Alguns se deixam entusiasmar pelo modelo anglo-saxônico, que é a base da noção liberal de Estado. Outros tentam impor o conceito da unidade, da «vontade geral», como grande árbitro das decisões a serem tomadas. Nessa divergência, os posicionamentos acerca da educação podem se confundir, mas há como discerni-los: enquanto os primeiros pensam a educação pública como um dever do Estado e um direito das famílias, os segundos vêm, ao contrário, a ação pública como um direito do Estado que tem como contrapartida um dever das famílias em acatá-lo e torná-lo possível.
O liberalismo clássico proclama um papel extremamente reduzido para o Estado, confiando a dinâmica estruturante e estruturada da sociedade ao «livre jogo das iniciativas privadas». Ora, esse modelo, logo cede terreno a uma longa evolução histórica que culmina nas modernas manifestações daquele que foi, mais tarde, chamado o «Estado providência»: nele, o princípio da participação política é reduzido a algumas garantias sociais – educação, saúde, previdência – que acabam percebidas, não com direitos, mas como benesses de um Estado que intervém continuamente na vida da sociedade, através das ações assistenciais; na vida privada, através da imposição de normas morais e de higiene; na esfera da «livre associação», através da disposição de leis que regulam as relações de trabalho, etc.
É a partir da crise institucional do «Estado forte» jacobino que começa a se estruturar um sistema de ensino público que tem um olho na necessidade de formação de uma unidade nacional e outro nas exigências de preparação de elites e de mão-de-obra disciplinada e adestrada que o capitalismo emergente reclama.
O desencanto com as armas eminentemente políticas leva, assim, à noção de que a educação deve se dar através de uma ação específica. Aqui a educação se separa da ação política de convencimento, da manifestação cívica, da construção das organizações sociais, para ganhar os foros de ação pública especializada, estruturada e instituída. A ação do Estado já não é mais, eminentemente, educativa, mas assistencialista. A prática política já não se define por seu caráter educativo, a educação reduz-se a uma das «políticas públicas» que passa a caber ao governo.
À educação, cabe agora uma formação cívica redimensionada pelas exigências liberais, entendida como criação de condições básicas para que o equilíbrio social seja mantido em torno de certos valores de disciplina, de ordem e de confiança no progresso. Mas, realizada no seio da Escola pública, a educação passa, predominantemente, a ser entendia como formação profissional, isso é, habilitação necessária dos cidadãos em trabalhadores eficazes na nova ordem.
Assim, a questão da formação ética dos cidadãos continua, mais do que nunca, como uma interrogação aberta, da qual depende em grande parte o destino de valores como justiça e igualdade em nossas sociedades modernas. Ela estampa a face moderna do enigma da educação democrática – a impossibilidade que somos convidados a tentar superar: A impossibilidade (…) da pedagogia consiste em dever apoiar-se numa autonomia que ainda não existe, a fim de ajudar a criação da autonomia (…)
Texto 2
EDUCAÇÃO, CIDADANIA, EXCLUSÃO 
Como o título já indica, nós, educadores comprometidos com a formação de cidadãos, queremos colocar a exclusão social no cerne de nossas preocupações. 
Para tanto, a análise das condições necessárias para que a ação e a reflexão (como valor e como prática) educacionais possam contribuir para a prática da cidadania em nossa sociedade começa pela identificação das fronteiras em que seu sentido se desconstrói, se anula. Por isso, devemos pensar a cidadania brasileira considerando as exclusões que produz, e também a responsabilidade da Escola nesse quadro de exclusões.
Os limites e as sombras da cidadania brasileira não estão inscritos nas formulações legais e nos conceitos universais, que asseguram a igualdade sem reservas a todos os indivíduos; eles só se tornam visíveis quando contemplamos o caso concreto: os deficientes físicos, os portadores de necessidades especiais, os negros… A lei, para se aplicar a todos, deve ser genérica. Mas a lei, para se aplicar a cada um dos casos, deve ser permanentemente questionada pela prática.
Mas é claro que o que alimenta nossa reflexão, nossa crítica e nossa prática é ainda o ideal democrático. Por isso, o percurso que propomos a fazer aqui leva a interrogar as noções de cidadania, Escola, criança e adolescente – à luz do que historicamente significa a democracia.
Mas o que é, historicamente, a democracia? Um ilustre filósofo, Cornelius Castoriadis, dizia que a democracia era a invenção de uma sociedade que tomou consciência de seu poder instituinte e, pela primeira vez na história dos homens, resolveu atribuir-se, consciente e coletivamente, suas próprias leis. Isso é: pela primeira vez na história, os gregos dos séculos V e IV pararam de considerar que as leis que regiam sua existência comum eram criadas pelos deuses, ou pelos reis, ou pelos prelados e especialistas, ou pela tradição, ou pela natureza humana…
E mais: a partir daí, pode-se dizer que a política é a ação coletiva de construção da sociedade, e que é ela, e somente ela, que finalmente caracteriza, define, o que é ser cidadão. A política é a prática que designa a atividade do cidadão.
Todas as demais atividades, relacionadas à existência privada, diferenciam os cidadãos entre eles: somente a política, atividade aberta de reflexão e de deliberação comuns é que cria o espaço público, é
que une os cidadãos, e que os faz iguais, os caracteriza. Só a atividade política é reservada aos cidadãos, e somente a eles.
Assim, dizer democracia significa dizer a existência da política: de uma atividade comum de construção da polis, atividade essa que constrói, paralelamente, os cidadãos: os politai. É essa a cidadania que nos interessa, e é esse ideal que ainda interrogaremos, para pensar o estatuto que deva ser reservado às crianças e adolescentes. Aos futuros politai de nossa sociedade. E para pensar o papel da Escola nisso tudo.
A Escola pública é fruto de um movimento que, muitos séculos mais tarde, pretendeu estender essa plenitude de definição de cidadania, que a democracia grega instituiu, a todos os cidadãos, sem diferenças de raça, de origem, de sexo, de credo.
Se a cidadania é essa participação total na fixação do sentido da vida coletiva e na deliberação acerca do destino comum da sociedade, ela não aceita qualquer adjetivação. Só há cidadania onde há participação política total, como forma de definição do que é o cidadão. Foi o liberalismo que, desfigurando a realidade da democracia, impôs a necessidade de se adjetivar a cidadania: teríamos, assim, uma cidadania «plena» e uma cidadania «relativa», uma cidadania «ativa» e uma cidadania «passiva».
Voltemos à origem da palavra: o termo cidadania tem sua raiz no latim civis, que designa o membro livre de uma coletividade autônoma. No entanto, como acabamos de ver, a noção a que se refere está intimamente relacionada, no grego, a um outro termo que conhecemos bem: a política. A noção de cidadania se inaugura com a invenção da polis: com a instituição, pela primeira vez na história, de um novo tipo de coletividade, marcada em suas finalidades, em suas atividades comuns, no lugar e na participação reservada para cada membro, pelo ideal democrático de participação total. Até o advento, na época moderna, do liberalismo, a democracia significava isso: o poder de deliberação comum de uma coletividade que se cria, criando seus valores, suas finalidades, seus procedimentos, suas exigências. Igualdade de participação, participação plena de cada um nas deliberações comuns.
Portanto, não poderemos falar de uma «cidadania operativa» a ser construída na Escola. Ainda que concordemos com o que essa expressão visa designar, é mais adequado falar somente em cidadania, sem qualificações, sem adjetivações. Mas o sentido está todo aí.
A cidadania é um status jurídico, mas é, antes de mais nada, uma prática. Ela é a prática específica dos indivíduos reunidos numa coletividade que escolheu instituir os valores democráticos – a igualdade, a justiça, a deliberação comum – como significações centrais de sua existência. A Escola que serve de instrumento da construção da cidadania – e só há uma instituição que historicamente serve para definir esse tipo de escola, que é a «Escola pública» – não é «cidadã». Ela é, sim, pública, democrática, universal, laica, na medida em que se faz instrumento de construção da cidadania, pela formação dos futuros cidadãos. Mas não é cidadã, ela não tem em si a cidadania, não pode fabricá-la, nem doála, nem pode garantir, por si só, sua existência. Em um sentido bastante estrito, a Escola não é lugar de exercício da cidadania, não se entendemos o que, essencialmente, implica esse exercício. Mas pode ser um lugar em que se prepara e se constrói esse exercício.
Aos professores cabe redefinir, a cada dia, em termos pedagógicos, curriculares, metodológicos, técnicos etc., as características da Escola comprometida com os ideais democráticos de participação. Mas, como a Escola não tem, e não pode ter, fim em si mesma, como seu sentido vem, exatamente, daquilo que significa para a sociedade, e para a construção da sociedade, essa definição cabe, em seus termos mais gerais, à sociedade como um todo. 
Isso porque, numa sociedade democrática, lembra-nos ainda Cornelius Castoriadis2, a política, sendo atividade instituinte que cria a sociedade, é, antes de mais nada, a decisão coletiva. Isso é: a política começa pela definição do que é o seu espaço próprio de construção – daquilo que é público – e daquilo que se aceita que faça a diferença entre os cidadãos. São públicos, e não podem ser partilhados, são «participáveis», por exemplo, a língua e os costumes, pois sua apropriação não só não exclui, mas implica a apropriação dos outros.
Mas é claro que a definição do que é partilhável e do que é participável envolve decisões mais polêmicas do que, a princípio, faz supor o exemplo da língua: como as relativas ao poder político, à posse da terra e dos meios de produção, ao acesso à informação e à cultura...
Não podemos partilhar a existência, atribuir a alguns a possibilidade de viver e a outros negar a sobrevivência; o direito de propriedade, que para os liberais é a lei maior, numa democracia deve se inclinar frente aos direitos do público, do que é comum a todos. É isso que nos cabe, pela política, definir.
E eis como a educação está historicamente associada aos ideais democráticos: se educar é socializar os indivíduos, isso significa, primeiramente, «…fazê-los participar do não-partilhável, do que não deve ser dividido, privativamente, entre os membros da comunidade»4 – significando, assim, fazê-los capazes de se tornar, cada um deles, um cidadão.
Uma das primeiras tarefas da democracia moderna é garantir que todos sejam socializados – exigência que dá origem ao projeto da Escola pública5.
A Escola pública não foi criada, na democracia moderna, como um direito individual das famílias. Ela se apresenta, assim, como uma das primeiras condições de construção democrática – de construção da própria polis, pela construção dos cidadãos que irão habitá-la. Os revolucionários modernos haviam aprendido a lição dos antigos: se a polis são seus cidadãos, não é bastante fabricar leis e estatutos, por melhores que sejam, é preciso poder formar homens capazes de habitar essas leis, de colocá-las em prática, indivíduos com disposição para fazer passar a letra da lei em prática concreta, e capazes de estar permanentemente deliberando, isto é, questionando exatamente essas leis. 
Não é por decreto que os homens se transformam em cidadãos: é preciso que tenham interiorizado o valor democrático, que tenham descoberto seu poder criador, a força instituinte do poder criador coletivo. É preciso que sejam capazes de considerar como sua tarefa mais essencial construir e reconstruir o que deve ser a sociedade, o que deve significar justiça, igualdade, democracia, cidadania para sua sociedade.
O homem se constrói como indivíduo se socializando. E se constrói como cidadão, numa democracia, aprendendo a renunciar à força bruta, ao egocentrismo, em nome do diálogo, da construção comum, da aceitação do outro.
Ser cidadão não é apenas conhecer seus direitos e deveres, como tolamente o liberalismo nos quer fazer acreditar. Ser cidadão é acreditar na deliberação comum, no poder criador da sociedade. Ser cidadão é, diria Hannah Arendt, abdicar da força em nome do diálogo.
É por isso que é grande a tarefa da Escola. A Escola pública, como dissemos, não foi invenção dos gregos. Ela foi a invenção de uma sociedade que pretendeu universalizar a cidadania e, assim, que teve que inventar uma forma para garantir que todos os homens, indistintamente, fossem socializados nos valores da democracia. Que todos fossem capazes de participar ativamente das deliberações comuns. Que todos fossem capazes de buscar com todas as suas forças fazer imperar os valores de justiça e de igualdade na sociedade.
Acontece, diz Hannah Arendt, que a família não é democrática. Nela impera uma ordem que é preestabelecida. Que não é igualitária, mas distingue os que têm força e os que não têm. Da mesma forma, a Escola não é lugar de igualdade democrática. Há na Escola uma diferenciação – os que aprendem e os que ensinam – que não pode ser ignorada. Por isso a Escola não pode ser lugar de exercício da igualdade democrática. Não se pode conferir ao aluno o direito de criar aquilo que deve
aprender – isso é, no mínimo, um contra-senso.
Mas a Escola pode ser um lugar em que se aprende e se interioriza valores e conhecimentos que tornam um ser capaz de contribuir para a construção democrática: é essa a aposta que levou à criação da Escola pública. Era um direito da sociedade formar cidadãos que pudessem, não importa quais fossem suas condições de nascimento, sua origem, a crença particular de suas famílias, estar aptos a exercer a prática democrática: prestar contas e exigir a prestação de contas, e portanto aceitar que as armas do diálogo, do debate público são mais eficazes do que a força: força da tradição, força da necessidade, força do poder econômico, força, até, do poder cultural.
Antes do advento da Revolução francesa – que criou a noção de Escola pública, a Monarquia se preocupava com a sorte das crianças e adolescentes que vagavam pelas ruas da cidade. A Monarquia respondeu a essa preocupação da única maneira que sabia e que podia: através do assistencialismo.
Foi a Revolução francesa que, pela primeira vez, entendeu que garantir a socialização da criança e do adolescente era garantir a própria sociedade, aquilo que seria no futuro. Foi a Revolução francesa que conferiu status político à criança e ao adolescente. A esses nãocidadãos que são, virtualmente, os cidadãos de amanhã. Que são, nos termos da época, «os filhos da Pátria».
Assim, pode-se dizer que foi a Revolução Francesa que, pela primeira vez, considerou a criança do ponto de vista político.
A sociedade monárquica, na França, olhava assustada para a violência e o vício que se multiplicavam nas ruas, e olhava assustada, também, para os menores deixados à mercê da sorte. Criam-se instituições asilares, de recuperação e de profissionalização – de preparação para «ofícios». Na verdade, tudo que a sociedade monárquica oferecia às crianças e adolescentes era sua própria virtude, ou o que julgavam ser sua própria virtude: suas obras caritativas.
Construir a sociedade, fazer política, tornou-se assim também sinônimo de tomar para si a tarefa pública de educar todas as crianças. Essa universalidade significou também que, para além dos órfãos e dos desamparados, a Escola visava o conjunto das crianças. E a polêmica sobre a instituição da obrigatoriedade, p. ex., revelou que seu alvo também era as diferenças de origem social, racial, diferenças que não podiam ser superadas pela educação familiar, pela educação religiosa.
Mas isso nos diz o que deve ser hoje a Escola pública, em seu compromisso com a cidadania futura? Sim, e não. Sim, porque entendemos que somente uma Escola pública pode garantir o acesso de cada criança, sua socialização, naquilo que é considerado como participável: naquilo a que todos devem ser iniciados, de forma a que se possa falar que há algo de comum entre cada um dos cidadãos; não, porque não somente isso, que consideramos ser o mínimo comum entre os cidadãos, mas também o que é meio, instrumento, condição para essa igualdade também resta a ser definido por nós.
Formalmente, a escola deve formar as crianças para o conhecimento dos valores – das leis – que regem nossa sociedade, mas é lastimável que nossas leis sejam tão enigmáticas, sejam assuntos especializados de especialistas. E deve preparar as crianças para o hábito da disciplina às regras comuns, para o hábito da escuta e do respeito do outro, mas também para a competência do diálogo, da interrogação, da afirmação de valores, da prestação de contas, através de argumentos, e do questionamento, da crítica, da criatividade.
Porém, como pode ser a Escola tudo isso, se a sociedade parece não mais entender tudo que, politicamente, a Escola representa?
O impoder da Escola resulta, hoje, primeiramente, de sua incapacidade de acreditar em seus ideais. Mas isso ainda é ainda uma questão a ser instituída por nossa sociedade. E não pela Escola, por si só.
TEXTO 3
A MODERNIDADE E A REDEFINIÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
Para tratar do espaço público e das relações entre as esferas pública e privada, a autora de uma das mais importantes obras de teoria política da modernidade, Hannah Arendt, parte de um princípio que poderia, à primeira vista, parecer: “Para nós, a aparência – aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos – constitui a realidade.”
Buscando justamente distanciar-se desta forma de pensar, Arendt defenderá que é «a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que ouvimos» que nos garante a realidade do mundo e de nós mesmos. 
Assim, o termo «aparência» é empregado por Arendt em um sentido bastante amplo, designando aquilo que a nós aparece – aquilo que, para nós, se faz presente.
H. Arendt chama a atenção para o fato de que, longe de ser enganosa, a «primazia da aparência é um fato da vida cotidiana do qual nem o cientista nem o filósofo podem escapar». Entendamos o que esta frase significa: o cientista, tanto quanto o filósofo, aprenderam a desconfiar das aparências, a questionar o que se apresenta como evidência, como verdade. Mas eles não podem negar a experiência dos sentidos, mas devem poder explicá-la. Nós dizemos: «é ver para crer». O cientista e o filósofo desconfiam desta afirmação, colocam em dúvida suas primeiras impressões.
Mas, ainda assim, a ciência, tanto quanto a filosofia, não podem simplesmente ignorar a experiência dos sentidos, que é colocada à prova, reconstruída, reformulada, redimensionada – mas jamais abandonada.
A reflexão nasce, assim, da decisão mesma de não se contentar com a realidade aparente, mas questionar-se sempre acerca do que ela oculta e que deve ser desvelado, daquilos que se constitui em seu fundamento.
A esfera pública
Para Arendt, o conceito de «público» identifica dois fenômenos intimamente correlatos, mas não perfeitamente idênticos. Por um lado, o público refere-se a tudo o que …pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível.
Dizer que algo é público significa, nesta acepção, afirmar que é caracterizado por sua visibilidade, que a ninguém escapa sua existência; que, no contexto da sociedade em que se insere, ele desfruta da «maior divulgação possível».
Não nos enganemos: não é a divulgação que determina o caráter público de algo, mas, ao contrário, é este seu caráter que determina sua visibilidade: uma prova contundente do caráter público da escola é o fato de que a pouquíssimos em nossa sociedade passa despercebida sua existência e sua função.
É neste espaço, que podemos chamar de «comum», que vivemos todos. O mundo humano não existe fora da natureza, nem sem ela, mas distingue-se nitidamente do mundo natural, por ser criado pela ação humana. H. Arendt coloca em relevo o caráter artificial e construído da sociedade:
Nas condições de um mundo comum, a realidade não é garantida pela «natureza comum» de todos os homens que o constituem, mas sobretudo pelo fato de que, a despeito de diferenças de posição e da resultante variedade de perspectivas, todos estão sempre interessados no mesmo objeto.
Mas isto não significa que o mundo humano seja apenas, ou principalmente, um mundo de «coisas» – de objetos materiais produzidos pelo fazer humano, tanto quanto de instituições e de bens culturais, de linguagem, de costumes. O «interesse» de que nos fala a autora é o comprometimento com a criação e a manutenção de uma realidade em torno da qual todos estão juntos.
Disto extraem-se duas conclusões importantes. A primeira delas é a de que o mundo comum é objeto de investimento por parte de todos e de cada um: e sem este comprometimento não há, realmente, uma esfera pública.
A segunda conclusão é de que, unindo os indivíduos, o mundo comum não não pressupõe a homogeneidade mas, ao contrário, o fato de que cada humano é singular. O espaço público, afirma Arendt, é o único em que pode emergir a auitêntica pluralidade humana: ele é criado e mantido pela diversidade de pontos de vista e ações.
Neste sentido, pode-se dizer que é apenas na democracia que se constrói, de fato, o espaço verdadeiramente público: ali, a unificação imposta pela cultura já não extingue as
diferenças individuais, e o princípio político (democrático) da igualdade dos cidadãos permite, pelo contrário, o aparecimento das singularidades.
A esfera privada
No espaço que podemos designar, segundo Arendt, de público, cada um ocupa um lugar que lhe é próprio, que não se confunde, nem com a totalidade deste espaço, nem com o lugar que ocupa o outro. Mas não há espaço público sem um mundo privado – ou, para empregar um termo ao qual já recorremos em capítulos anteriores, a identificação do que, em uma sociedade, deve ser objeto de participação de todos – o participável – não vem sem a designação daquilo que pode ser atribuído de forma exclusiva a um indivíduo ou grupo – o partilhável.
Nas sociedades ocidentais, a propriedade da terra e a riqueza se apresentam como exemplos máximos da apropriação privada, mas o espaço privado não é apenas composto de valores materiais. Ele é também o lugar em que se realiza o cuidado com a vida e com a sobrevivência, onde se cultivam os laços afetivos e a identidade baseada em uma história comum e em valores próprios. É neste sentido que Arendt insiste que o espaço privado tem por função proteger os indivíduos, resguardando, para cada um, seu lugar próprio no mundo, oferecendo proteção contra a exposição que a esfera pública não deixa também de representar.
Todo indivíduo e, especialmente, as crianças precisam deste âmbito de intimidade, à sombra do que pode ser exposto e vir imediatamente ao julgamento e à deliberação públicos. E, para seu próprio bem , a sociedade deve traçar a distinção entre o que deve ser posto em comum e o que não pode sê-lo, e deve permanecer oculto.
Esta distinção varia, é claro, de sociedade para sociedade, mas uma vida irrestrita e constantemente exposta aos olhares dos outros seria intolerável. Mas, da mesma forma, uma vida inteiramente passada em um ambiente privado aparece como inumana.
A autora demonstra, portanto, não apenas a interdependência entre esfera pública e privada, mas a importância crucial da existência de ambas as esferas para a vida humana.
Ascensão do social
Este tênue equilíbrio entre as esferas pública e privada, que existiu na Antiguidade clássica, começou a desaparecer com seu declínio, e foi definitivamente abalado com o advento da modernidade, e pelo que Arendt denomina de «ascensão do social». Como veremos a seguir, para a autora, longe de servir como designação genérica para as comunidades humanas, o termo «social» aplica-se somente àquelas sociedades em que a preocupação com as funções de reprodução e sobrevivência, antes reservadas ao espaço privado, se expandiu a tal ponto que engoliu todo o campo de atividade humana. A emergência da esfera social implica na dissolução da antiga distinção entre as esferas pública e privada e, assim sendo, em sua extinção17 das esferas, e transformando toda ação em mero comportamento.
Diferentemente do que propõe a autora, nossa época não só não vê qualquer problema em se almejar sempre mais riqueza, como considera esta pretensão bastante justa, identificando sua realização como uma virtude. Em nossos dias, não se mostrar capaz de «empreendedorismo», não ambicionar riquezas materiais passou a ser considerado um equívoco e, mesmo, uma falha. Mais uma vez, Hannah Arendt recorre à
Antigüidade para nos mostrar que nem sempre foi assim: para os antigos, a participação na política, isto é, o ingresso na esfera pública, era o mais importante – muito mais que o acúmulo de riquezas – pois «ser político significava atingir a mais alta possibilidade da existência humana»19. Mas a riqueza era importante, na medida em que fornecia as condições para o exercício da vida política: ela garantia ao indivíduo a possibilidade de prover seu próprio sustento, sem ter de se submeter a outrem, tanto quanto o tempo livre necessário para ocupar-se das questões públicas. A riqueza existia em função da política, e não o contrário.
Adentrar o mundo por meio da participação na esfera pública significava, pois, transcender sua existência individual, tornar-se parte de algo maior que si mesmo e deixar um legado para as gerações futuras. A acumulação de riquezas jamais poderia alcançar esta dignidade, ser «comum» no sentido que atribuímos ao mundo. O mundo humano perdeu sua durabilidade, quando a riqueza se tornou a única preocupação de todos na sociedade.
Mas estamos, desde a Modernidade, acostumados a viver numa sociedade erguida em torno da esfera social, que tem por valor e preocupação máximos a produtividade e o lucro. Sob esta influência, a educação passa a estar inteiramente voltada para a formação de mão-de-obra, e toda arte é transformada em uma espécie de mercadoria.
As conseqüências deste estado de coisas são a solidão coletiva em que nos mergulha a sociedade de massas e a rejeição da política, que parece perder todo o sentido. E, de fato, nada nos une, senão o amor pelo consumo e pelo gozo; mas a fruição e o gozo são sempre passageiros e não substituem o sentido mais amplo que somente a construção comum pode oferecer para a existência humana.
texto 4
ESCOLA PÚBLICA E ILUMINISMO
o clima intelectual engendrou a Revolução Francesa – e, através dela, a concepção de Escola pública.
Mais do que isto, à luz da reflexão sobre a
Educação, a própria análise das contribuições do movimento das Luzes para a história
intelectual, política e social das sociedades modernas ganha delineamentos que, ainda que não
acrescentem nada de novo aos exaustivos estudos sobre o período, permitem ao educador – ou
ao menos se supõe que possam fazê-lo – novas formas de apropriá-lo. Evitamos, por isto, tanto quanto possível, as concessões a uma espécie de retrato falado através
do qual o Iluminismo é correntemente apresentado e que é composto, basicamente, de um
conjunto de características já fixadas e de tal forma interligadas que parecem falar por si,
esgotando de saída todo o entendimento da questão.
Razão do otimismo e consciência da excepcionalidade
D’Alembert contabiliza as dívidas do movimento das Luzes para com o
passado próximo: o século XV introduziu o movimento literário e intelectual da Renascença,
instalando o ideal de luta contra a autoridade da hierarquia e das tradições; o século XVI
promoveu a Reforma religiosa, ampliando o horizonte de liberdade do pensamento; o século
XVII produziu a filosofia cartesiana da dúvida metódica e do sistema de análise racional. Mas
todo este reconhecimento não faz senão colocar ainda mais em relevo a profunda admiração
que o filósofo, assim como seus contemporâneos, reserva, antes de tudo e acima de qualquer
outra coisa, para sua própria época.
O Iluminismo é, antes de mais nada, uma aguda consciência da excepcionalidade do
momento que se está vivendo. Todas as esperanças são permitidas, nenhum investimento é
vão, o homem do século XVIII não cansa de maravilhar-se com suas próprias obras. tornando a ação humana capaz de intervir sobre domínios que antes lhe pareciam definitivamente vedados. O homem se descobre capaz de
intervir positivamente em seu destino, sua vida, vencendo os obstáculos que impediam o livre
exercício de sua vontade e os limites naturais que entravavam seu entendimento; descobre-se
também capaz de intervir sobre a natureza; de agir sobre a sociedade e sobre o mundo político,
dominando-os por força de sua habilidade analítica e em função de sua vontade. A certeza de poder realizar os dispõe a ousar muito, os
predispõe a tudo sonhar.
Uma razão sem limites
Se os sonhos são ilimitados é porque a razão se mostra como um instrumento ilimitado
para uma ação ilimitada. Ou quase. Mas, para tanto, foi preciso superar as restrições que a
reflexão, de um Pascal por exemplo, impunha a este poder da razão. Mas, não: a análise pura, acredita o século, dando razão a
Fontenelle, serve para o estudo de todos os objetos, inclusive os do mundo psíquico e social. 
Condillac se esforça por demonstrar
que as diferentes classes de atividades psíquicas – a atenção, a comparação, o discernimento e
a combinação, o desejo e a volição,
a abstração – que Locke definia como originais e
irredutíveis, autônomas, são, na verdade, conquistas do espírito humano, com as quais ele
opera sobre os dados da sensação. De forma que a atividade psíquica está igualmente regida
por leis, tal qual a realidade material. E, como a realidade psíquica, também a realidade social
está submetida à lei e à razão: o Esprit des Lois de Montesquieu, cuja importância para a
filosofia política da época não pode ser desconsiderada, testemunha a aplicação deste «método
da composição» que se presta ao estudo da natureza e do conhecimento psicológico aos
fenômenos sociais.
A razão humana é a força que produz e unifica todo conhecimento, através do cálculo,
na inteligência de leis que são gerais. Por isto, investigar o «Espírito das Leis» é postular a
inteligibilidade da natureza, da sociedade, da política, até da estética, expressa pela descoberta
das leis que regem estes diferentes domínios.
Poder
dizer alguma coisa de válido em relação à natureza, à natureza humana, às relações entre os
homens, à organização da sociedade, às produções humanas e sociais, é poder atribuir sentido
para a vida individual e coletiva, para a prática humana e social, e poder organizar estes
sentidos em um projeto, em uma identidade comunicável. No entanto, resta ainda saber o que
dá a este dizer sua validade, isto é, qual é o fundamento de autoridade deste dizer.
Ao afirmar que os gregos inventaram o político, os historiadores pretenderam chamar a
atenção para este momento muito especial na história dos homens em que estes podem, enfim,
atribuir à inteligibilidade um caráter mais universal, isto é, menos subjetivo, menos pessoal. Não
que os gregos desconhecessem formas de autoridade religiosa, mágica, militar, patriarcal,
tradicional: mas, na pólis, eles passam a reconhecer também um outro tipo de autoridade: a de
um dizer que era inteligível a todos os cidadãos. O político é, portanto, e ao menos
formalmente, este espaço de decisão sobre o que dizer (sobre o que ser, sobre o que fazer,
sobre como se comportar) aberto a todos os cidadãos, que desfrutam, nas assembléias, de
iségoria – igualdade, justamente, do dizer. E o político é também este espaço de inteligibilidade
transparente, acessível a todos, pela Lei (escrita, isto é, comunicada a todos), diante da qual
todos os cidadãos desfrutam de isonomia. O político é, enfim, o próprio espaço construído e
inteiramente regido por este dizer que não mais é restrito e que, portanto, dá lugar ao conflito,
à divergência, à decisão pública.
Ora, o que se constituiu, no século XVII, um esforço individual de alguns pensadores que,
tal Galileu, reivindicavam a liberdade de pensamento contra toda forma de autoridade
instituída, tornou-se durante o século XVIII um movimento coletivo. Busca-se escapar à
dependência do saber tradicional e aos limites dogmáticos que este traçava para a atividade
investigadora.
Esta ânsia por liberdade era reforçada pela entusiástica expectativa nos progressos de uma razão desembaraçada das coerções de ordem moral e política. «Progresso» seria aqui a palavra chave, para designar um saber em contínua evolução, que repugna o dogma, para proclamar uma verdade conquistada e provisória, e não revelada e absoluta. O ideal de sabedoria já não descreve mais aquele que detém todos os conhecimentos passados, mas aquele que procura, que investiga.
a amplificação do poder da razão a todas as esferas do conhecimento e da prática humanas levou, como sabemos, a muitos engodos. Ela é responsável pela própria ampliação do espaço político e, com isto, sem dúvida, pelo retorno da idéia de democracia. Mas nem sempre os dizeres que autorizou foram democráticos: a autoridade da razão também pode ser invocada despoticamente, na medida em que as regras estabelecidas para o pensar restringem um acesso, que deveria ser irrestrito, a esta autoridade.
De qualquer forma, dizer que a razão não tem limites significa, para o iluminista, proclamar que ela se estende a todos os homens e a todos os domínios. Significa, portanto, entrar em guerra contra as antigas autoridades, contra os dogmas religiosos, contra as tradições, contra as formas de poder até então em vigor – isto é, questionar a própria legitimidade de certos discursos. eis porque o movimento das Luzes é também, de forma quase indissociável, um movimento de acentuada valorização da Educação. De fato, a confiança nos poderes da razão se fez naturalmente acompanhar de uma nova sensibilidade no que respeita à reflexão educacional – que, mais e mais, atrai a preocupação dos filósofos e dos homens de ação.
Identificada ao próprio poder transformador no qual o movimento iluminista depositava todas as suas esperanças, a prática pedagógica é investida, pela primeira vez, de um caráter explicitamente político e inicia, assim, uma temporada de inegável prestígio social, no seio da qual se engendram muitas das disposições e dos ideais que marcam o surgimento das instituições educativas modernas.
Universalidade da razão, objetividade do consenso
Para os iluministas, dizer que a razão é sem limites significa, também, acreditar que, sob suas bases, pode-se construir um consenso durável entre os homens. Pode-se dizer que, mais do que adquirir, os homens se convertem às luzes. E, se há conversão, o instrumento que a promove não é outro senão a educação. Pela educação, combatem-se os dogmas que engendram as injustiças (as ideologias, diríamos hoje) e cria-se um novo homem que, liberto dos erros e das mistificações, pode-se afirmar plenamente na liberdade e na perfectibilidade que o caracterizam.
Porém, o século XVIII está por demais impregnado de fé na unidade e imutabilidade da razão para problematizar a possibilidade do consenso: «A razão é una e idêntica para todo indivíduo pensante, para toda a nação, toda a época, toda a cultura»7.Ora, para o século XVIII, esta razão não se desenvolve com base em idéias inatas (anteriores a toda experiência, reveladora da essência das coisas), como acreditava o século XVII: ela é, na verdade, poder original de que todo homem é dotado, e o próprio motor de seu conhecimento. Não se trata, portanto, de possessão, mas de aquisição, como afirmava Lessing. Por isto, como dissemos, o desafio iluminista toma a forma de um combate pedagógico: mas o objetivo aí não é a mera transmissão de conhecimentos. O homem a ser formado não é alguém que sabe mais, é alguém que se relaciona diferentemente consigo e com os demais. O conhecimento não é um patrimônio, é uma força que transforma por dentro os indivíduos e as sociedades. Eis por que a Enciclopédia não foi, como habitualmente se crê, concebida por Diderot como mero acervo de conhecimentos, mas como instrumento «para transformar a forma comum de pensar»8.
ao retirar grande parte de sua força da convicção inabalável no desenvolvimento da razão humana, o Iluminismo faz mais: introduz a idéia do progresso da história não como uma possibilidade, mas como uma verdade inexorável. Ao pensar o poder ilimitado da ação humana, prevê, também, seu sentido e, com isto, a limita a seus próprios sonhos. De fato, na medida em que mesmo a história está submetida a uma ordem comparável, em sua objetividade, às leis da natureza, torna-se perfeitamente possível não só prever, mas orientar seu curso; Iluminismo acredita que o que impede o homem de criar livremente sua vida é a ausência de luzes; mas também que esta ausência faz obstáculo ao desenvolvimento de uma nova história social e política, e mesmo ao desenvolvimento moral da espécie humana e das sociedades.
Assim, a fé na difusão das luzes embasa e justifica a extraordinária vitalidade da crença no progresso – mito persistente que se transformou numa das maiores marcas do pensamento moderno.
Mas como conceber uma natureza humana única, que justifique as postulações universalistas do Iluminismo, quando se trata de defender um progresso contínuo? A solução é postular uma distância entre o que é a natureza e suas condições de manifestação. A natureza
não é dada de uma só vez, ela vai-se revelando empiricamente, se objetivando através da história. Por isto, para o Iluminismo, como demonstra Condorcet, a história passa a ser o terreno privilegiado de educação e de instrução do espírito humano. A própria evolução da espécie depende do desenvolvimento do saber em cada indivíduo e na sociedade como um todo. No entanto, esta razão que se amplifica carregará cada vez menos os traços da inquietação e da busca de emancipação dos dogmas que a caracterizara, apresentando-se, mais e mais, como controle agora dirigido a tudo que lhe escapa: a diferença, o dissenso, o obstáculo a um progresso já previsto e calculado.
O Iluminismo é, simultaneamente, este ideal de emancipação que faz a crítica e o dissenso possíveis e, também, este ímpeto de uniformização que os torna a expulsar da comunidade humana; valorização da busca, ideal de construção de um saber infinito, mas igualmente afirmação de um novo dogma; anseio de liberdade e emancipação humanas e, paralelamente, controle dos homens em nome de um ideal produtivista. E, no que a nos concerne, o Iluminismo é fonte de uma utopia pedagógica que desfruta, exata e inteiramente, das mesmas possibilidades e das mesmas contradições que o movimento de idéias do qual derivou.
De tal forma que já nos parece impossível falar da Escola sem citar a utopia, entender sua crise sem referi-la à crise do pensamento utópico. E, aí, é evidente que não se poderá evitar, sob nenhuma hipótese, a crítica às mistificações que este pensamento produziu – muito embora, a bem da verdade, este não pareça ser propriamente um mal em que nosso tempo tenda a incorrer, senão seu exato oposto: o da simples denegação, não menos alienante, de qualquer investimento e, portanto, de toda confiança na emergência do novo.
 
TEXTO 5
O PAPEL DA EDUCAÇÃO: DO DIREITO NATURAL AO DIREITO À INSTRUÇÃO
A defesa do ensino público sempre esteve associada à afirmação do direito à educação – pilar sobre o qual se assentou, desde as primeiras reivindicações, a própria instituição da escola pública. É claro que outro tipo de razões também se encontraram historicamente relacionadas às discussões sobre o papel e a importância da escola pública;
Em muitos aspectos, o desafio assumido pelos homens das Luzes poderia ser traduzido como exigência de ruptura radical de um passado de ignorância e de vício. No entanto, seria arriscado pensar que, a seus olhos, sua missão se concebeu como mera condenação dos tempos que o antecederam. Se sua luta se trava no terreno da ruptura, ela se empreende, também, naquele da restauração: assim, o combate contra as «aquisições históricas» do humanismo renascentista coincide com uma enorme curiosidade em relação às contribuições de épocas mais longínqüas, e com uma sincera admiração por esta Antigüidade clássica que lhes serve, continuamente, de fonte de inspiração para os novos modelos de organização da sociedade, de atividade política e, mesmo, de ação pedagógica que buscarão fundar. Ao reintroduzir o antigo conceito de direito natural, o iluminismo destronou a noção conservadora de lei como soma do que foi instituído, substituindo-a pela de poder original instituinte. E mais: considerou este poder accessível, não por revelação divina, mas graças ao trabalho da razão.
A começar pela própria noção do «direito à educação», cuja história vai ser escrita a partir este momento preciso em que, sob a base comum de elaboração da moderna doutrina do direito natural, duas concepções diametralmente opostas de Estado, de sociedade, de homem e de cidadania inauguram o que foi chamada a «era das revoluções».
Preocupados em denunciar a legitimidade conferida ao poder despótico, os intelectuais iluministas vão contestar os «direitos adquiridos historicamente» (isto é, elaborados pela tradição), em nome dos «direitos que temos de nascença»2, isto é, de direitos que estão inscritos na própria natureza do ser humano. Ora, a simples possibilidade de fazê-lo já implica uma verdadeira revolução na maneira pela qual se concebia, até então, o homem, a sociedade, as relações de poder.
Desta forma, a doutrina do direito natural implica uma valorização do humano que é continuamente pensada nos termos de sua independência em relação a forças sociais que visam a esmagá-lo. Porém, o direito natural foi o terreno de onde brotou um novo Leviatã, não menos opressivo para a autonomia e a justiça humanas.
A doutrina do direito natural introduz, em sua época, conceitos absolutamente revolucionários, e se inscreve na história de lutas pela emancipação humana. Para começar, ela introduz uma enorme novidade, que é a própria idéia de que o homem possa ter direitos – finalmente consagrada e instituída para sempre nas Declarações de direitos fundamentais do fim do século, que até hoje servem de referência explícita para as lutas contra as arbitrariedades em todos os cantos do mundo e de referência implícita nas reivindicações por educação. O direito natural, tal como chegara da Antigüidade, não era uma teoria sobre direitos, mas sobre deveres: o exame da «natureza» não determina o que o homem é ao nascer (portanto, atributos que são co-naturais à sua existência) mas o que o homem deve se tornar (portanto, condições para que ele seja conforme sua essência)5. Nesta teoria, a justiça é adequação a uma ordem natural, cósmica, que tudo rege, dentro da qual cada homem tem um lugar determinado, e todos os homens só o são plenamente em sociedade.
Ora, se o homem é definido por seu fim e se este fim é necessariamente social, se a sociedade participa da vocação do homem, então é impossível pensar estes dois termos, homem e sociedade, de outra forma senão como uma unidade.
E, em virtude de seus desdobramentos, estas duas concepções vão implicar, no momento revolucionário, encaminhamentos completamente diferentes, no que respeita ao papel do Estado: este, por sua artificialidade, pode ser visto como a maior ameaça aos direitos naturais, como quer a experiência liberal; mas também pode ser visto, como na tradição francesa, como o maior instrumento de sua concretização. No primeiro caso, a ênfase é colocada na liberdade: se, por natureza, todos os indivíduos são livres e iguais, toda ameaça só pode vir desta exterioridade que é o Estado, e à medida que seu poder é indevidamente dimensionado; já no segundo caso, não é só o Estado, mas toda a sociedade que se interpõe entre o homem e seus direitos. Para que os homens possam desfrutar de seu direito à liberdade, é preciso que este direito seja formalmente reinstituído, através das lei; mas é igualmente preciso que as desigualdades que escravizam os homens sejam superadas.
A Declaração da Independência americana parte da lei natural que, instituída por Deus, dotou os homens de «direitos inalienáveis», cuja proteção define a finalidade dos governos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, quanto à ela, parte dos «direitos naturais» dos indivíduos, cuja defesa não mais depende de uma simples limitação imposta, do exterior, pelo Estado, mas antes do concurso dos cidadãos na atividade legislativa – que se situa, pois, na verdade, no mesmo plano que os direitos individuais.
e só em virtude desta leitura do direito natural – que a ação educativa, par a par com a atividade legislativa, pode passar a ser considerada um dos mais legítimos instrumentos de defesa dos direitos humanos10, transformando-se mesmo numa das mais essenciais tarefas da República.
Por outro lado, diferentemente do entendimento que pôde ser dado pela Revolução americana, onde o direito natural e o «senso comum» se harmonizam, os franceses concebiam que o direito natural encontrava, na própria sociedade, seu maior opositor. A sociedade que tinham diante de si pervertia a natureza humana, engendrando valores, comportamentos e instituições que se constituíam nos verdadeiros obstáculos à racionalização da sociedade.
Base comum da filosofia do século XVIII, a crença no poder universal e unificante da razão está presente nas duas posições, expressa em
um ideal de consenso que – denominado «senso comum» ou «vontade pública» – se impõe a todos os membros da sociedade, mas também em um ideal de racionalização da sociedade que, estabelecendo uma perfeita correspondência entre as leis que regem a natureza e o contrato social, se apresenta como princípio, a partir daí, absoluto. No entanto, se em um caso este consenso é visto como resultado da ação de forças que se põem automaticamente em ação na sociedade, em outro caso, em nada espontâneo, ele parece depender inteiramente de uma intervenção direta sobre a sociedade e os homens, com o sentido de romper, exatamente, esta tradição que deprava o direito natural e obscurece a razão12.
Os franceses preocupam-se em defender a sociedade contra ela própria, e o homem contra ele mesmo: eis por que é possível afirmar que o direito à instrução previsto na Constituição francesa de 1791 é antes, e muito paradoxalmente, um direito do Estado e não do indivíduo. Direito reconhecido ao Estado de realizar sua tarefa política, muitas vezes contra a autoridade religiosa e contra a autoridade paterna; direito que implica um dever para os cidadãos, em vista de algo que lhes é superior, que é a regeneração de toda a sociedade. O Estado confunde-se com a sociedade civil, ou melhor, ele se torna a face visível da reivindicação social de uma nova ordem.
por um lado a Declaração ameaça todos os governos estabelecidos, ao afirmar a superioridade absoluta dos direitos naturais sobre a ordem social e ao exigir que todas as autoridades emanem expressamente da nação (artigo 3). Por outro lado, ela confia à lei positiva a tarefa de determinar, de maneira quase soberana, as condições de garantia dos «direitos inalienáveis», que já estão, logo de saída, subordinados ao que o legislador estima necessário à ordem pública.
Pois, face aos pressupostos mais fundamentais desta doutrina, a legitimidade conferida ao Estado Legislador, Estado forte, é inaceitável. Ora, esta mesma leitura pouco liberal dos direitos naturais ainda cria e legitima a figura do Estado Educador, ao inventar um direito à educação que deveria, em nome da boa lógica, ser incluído entre estes «aspectos menos liberais» da Revolução.
Pois, de fato, já àquela época, a defesa de uma instrução pública e obrigatória deixada ao encargo do poder público pode ser contada como uma destas inflexões que ameaçam a pureza do liberalismo, despertando, desde sempre, censuras que clamam, invariavelmente, pelo «respeito às liberdades individuais».
É evidente que, sob este prisma, o direito à instrução perde qualquer legitimidade que lhe possa ser conferida pela noção dos direitos humanos. Quanto à instrução pública, descaracterizada de todo significado político, sua existência ganha apenas uma acepção possível: exceção, ainda que meritória, a uma doutrina liberal de Estado que, para torná-lo um mal menor, o postula mínimo.
E hoje, quando a legitimidade dos direitos sociais conquistados a partir do século passado é constantemente negada e progressivamente ameaçada pelo peso pragmático de raciocínios e ações oriundos da mesma velha lógica liberal, é possível que seja chegada, finalmente, a hora de buscar outros argumentos que nos permitam escapar ao falacioso fascínio das leis irrefutáveis – sejam elas históricas ou naturais, sociais ou econômicas. Assim, a menos que se queira fazer um retorno à perigosa lei dos direitos adquiridos, é para o terreno da ética social que se deve deslocar esta luta pela constante reinstituição dos valores da emancipação humana, como a justiça, a igualdade, o pleno desenvolvimento das capacidades criadoras, intelectuais, culturais, materiais, morais. E, neste terreno, o direito à educação, em particular, tem sua história, que procuramos sucintamente retraçar, e que já não faz nenhum sentido ignorar.
É por perceber o direito natural e as Declarações que dele decorrem como igual e plenamente liberais que Luc Ferry, ao preço de certas contradições lógicas e históricas, se nega a reconhecer na proclamação do direito à instrução da Constituição francesa de 1791 mais do que uma obra assistencialista.
Mas a imputação de um caráter meramente assistencialista à instrução pública se revela, como veremos, bastante onerosa. Para sustentá-la, colocando, por assim dizer, num mesmo saco a assistência pública a pobres e desvalidos e a educação pública, e estabelecendo uma espécie de linha direta de continuidade entre o paternalismo monárquico e o hipócrita assistencialismo do Estado-providência é necessário, primeiramente, forçar um tanto a história, percebendo de maneira extremamente anacrônica tudo o que já está implicado na emergência do direito à instrução e, assim, reduzindo drasticamente alguns de seus mais autênticos fundamentos.
No entanto, diferentemente da interpretação liberal, a seu ver a autêntica liberdade não pode jamais resultar do livre jogo dos interesses particulares. Muito pelo contrário, a liberdade só atinge sua verdadeira dimensão no seio da «vontade geral»: fora daí, a vontade individual sequer existe, pois ela é deturpada pelas relações de poder. Por isto é que emancipar o indivíduo não significa, para Rousseau, «arrancá-lo a toda e qualquer forma de sociedade, mas encontrar uma forma tal que preserve a pessoa…» Para o homem, que vive em sociedade, somente a adesão à vontade geral constitui a personalidade autônoma.
Neste sentido, anteriormente aos movimentos socialistas do século XIX, já a ética rousseauniana justificava a atribuição ao Estado de deveres positivos, como o da instrução, sem que se deva ver aí nem uma contestação da liberdade individual, nem uma espécie de concessão à injustiça social por via da ação assistencial.
E mesmo se, sob a durável influência do positivismo, freqüentemente se pretendeu, ao longo da história, representar a tarefa da instrução pública como uma atividade «neutra» – visando a acelerar o progresso, pela racionalização da sociedade ou pela preparação dos futuros trabalhadores - recusar o caráter eminentemente político que sempre a revestiu seria, em qualquer circunstância, ir longe demais. Sobre este aspecto, a despeito de tudo que pudesse afirmar, na prática, nenhum governo moderno – fosse ele conservador, liberal ou socialista – jamais se enganou: a «instrução pública» é sempre uma questão política.
***
Ainda hoje, a noção de «direito» à instrução é trabalhada por todas estas ambigüidades que o exame histórico revela. Filha abastardada do direito natural, quando este passa a ser assimilado à perspectiva liberal seu espaço reduz-se, como quer Ferry, à mera assistência – em uma relação que não cria realidade política, mas dependência – ainda que apareça sob o disfarce de atendimento à «reivindicação» de interesses particulares. Legitimamente nascida, porém, de uma outra concepção deste mesmo direito, seu reconhecimento se nutre unicamente das aspirações por um modelo ideal de
Estado que represente a vontade geral. Talvez por isto ela se mostre, hoje, tão envergonhada de si mesma, na prática de uma sociedade onde o Estado continua sendo a representação de interesses privados.
E, com efeito, a instrução só se faz «direito», e só se faz dever da esfera pública, em virtude de um sentido que nenhum Estado, até aqui, pôde integralmente revestir. Da educação dita «pública», os profissionais que a ela se dedicam teriam muito a se orgulhar, porque ela dá testemunho de uma luta constante para adequar sua tarefa às exigências do bem comum; mas se eles também a repudiam, é porque hoje o «público» perdeu totalmente este sentido, tornando-se sinônimo de um espaço destituído material e simbolicamente de qualquer competência, de qualquer relevância. E, mais ainda, são as autoridades públicas as primeiras a dar mostras do absoluto descaso a que foi relegado.
Entre nós, em determinado momento desta trajetória de desinvestimentos, os profissionais da Escola pública acreditaram desincumbir-se corretamente de suas tarefas ao se colocarem a serviço dos interesses legítimos das comunidades em que estão inseridos. Mas, ao
fazê-lo, ainda que involuntariamente, forneceram algumas razões suplementares àqueles a quem, historicamente, interessa destituir as razões do Estado de sua mais fundamental missão, que é a construção do bem comum – tarefa sem dúvida extremamente ingrata, mas que permite, retrospectivamente, fundar, uma vez por todas, em plena legitimidade política o direito à educação. Pois também foi este o sentido historicamente atribuído à Escola: suscitar e preparar a adesão a alguma coisa que se situa além dos interesses privados, que é a construção do bem comum – ou ainda melhor, em termos rousseaunianos, e para evitar qualquer mal-entendido, que é a vontade geral.
Texto 6
BASES ANTROPOLÓGICAS DA CIDADANIA BRASILEIRA:
– SOBRE ESCOLA PÚBLICA E CIDADANIA NA 1ª REPÚBLICA – 
O ponto de origem desses «cem anos» de ensino primário se situaria, assim, no voluntarismo monárquico que, já na Constituição Outorgada de 1824, pretendera torná-lo, pela simples força da pena imperial, gratuito e, a partir de 1827, data da primeira lei geral de ensino, obrigatório em todas as cidades e vilas mais populosas; mas também no Ato Adicional de 18346, que, inaugurando a duradoura ambigüidade com que o Estado brasileiro reconhece a necessidade educacional, atribuíra a responsabilidade por sua organização e manutenção aos poderes regionais.
Em seguida, a primeira Constituição republicana não só mantivera esse princípio da descentralização da educação pública7 – contra o qual Rui Barbosa tanto se insurge – mas, indo mais longe, abolira a obrigatoriedade, eximindo, de uma só tacada, não só a sua responsabilidade, mas também a dos estados. Assim se prolongam as desigualdades e se induz à perpetuação, no dizer de Paschoal Lemme, de duas «organizações de ensino paralelas»8 no país: uma delas, mantida pela iniciativa pública, incapaz de atender às exigências democratizadoras da república; e a outra, devida à iniciativa religiosa, inteiramente voltada para a formação das elites .
No entanto, talvez exatamente por tudo isso, o contexto em que Afrânio Peixoto celebra os «cem anos» do ensino primário são também o próprio solo em que passa a se instituir, no país, a exigência tornada ainda mais urgente de educação pública comum, numa retomada de ideais e propostas presentes, ao menos formalmente, nas plataformas dos partidos políticos10 e nos movimentos11 em torno do evento republicano.
A reafirmação da identidade republicana se faz, no discurso de Afrânio Peixoto, retomada do ideal democrático que concede à educação seu caráter eminentemente político: trata-se de construir a unidade nacional, em nome de um projeto novo14, de um governo «do povo, pelo povo e para o povo».
Assim, as lutas pela construção de uma unidade nacional que opuseram, ao longo de toda I República, os esforços de perpetuação dos poderes locais às iniciativas centralizadoras do Estado, concorrendo para a grande instabilidade política dos primeiros anos de República, travam-se agora, resolutamente, em terreno educacional. A exigência democrática de educação comum torna-se bandeira de luta na defesa dos privilégios da União frente à força das oligarquias instaladas, porque, sob o domínio dos Estados, «…a educação fundamental não pôde fazer brasileiros, mas cidadãos de pequenas “pátrias” provincianas…
É claro, como já foi insistentemente mostrado, que essa defesa da unidade política está solidamente amparada na inédita influência que a burguesia industrial emergente17 passa a gozar no cenário político do país. Sob a égide, porém, do definitivo enraizamento liberal no Brasil, erguem-se as bases não só da face nacional do capitalismo, mas do espaço público – que é também a perspectiva concreta para o questionamento de sua lógica de exclusão: porque a crítica do primeiro deveria conduzir à negação do segundo?
A defesa da educação pública reuniu, nas primeiras décadas do século, militantes dos mais diferentes matizes contra a idéia de uma federação independente de oligarquias locais: o princípio democrático de universalização da escola unificou os descontentamentos esparsos em uma única bandeira – a da intervenção ativa do Estado, e para fazê-lo teve de se indispor ainda contra outras formas de autoridade que, resistindo à autoridade nacional, amparavam o poder tradicional. Eram elas, basicamente, a religião e a família, duas forças em que o patrimonialismo decerto se apoiava e que estarão, ainda e por um longo tempo, colocadas a serviço da manutenção do status quo, das estruturas tradicionais de poder25.
Por isso, não é por acaso que, lamentando o «grande erro da sua descentralização», que corta a história brasileira desde o estabelecimento das primeiras leis de ensino no país, após a Independência, até a República, Aleixo Vasconcellos vai-se apoiar no modelo espartano – grande quimera jacobina que alimentara, na França, os ideais revolucionários e a emergência das exigências democráticas da educação – recuperado em nome da expansão da autoridade do Estado não só sobre os poderes locais, mas inclusive sobre a autoridade familiar: é «boa doutrina na questão da instrução popular» – não é ele quem o diz, são os antigos! – que ao Estado caiba, de modo absoluto, a educação das crianças.
Curioso é que tenha havido aqueles que, em nome dos mesmo ideais da religião e do apego às tradições, propugnasse pela intervenção do Estado, como é o caso de Ennes de Souza, deputado ainda durante o governo Floriano Peixoto. Para o parlamentar, uma das funções precípuas do Estado consiste – como pretendia o autoritarismo iluminista, em defender a sociedade contra ela mesma, reprimir o mal e, ao mesmo tempo, difundir as luzes.
Imbuído dessa tarefa de proteger a sociedade contra ela mesma, o Estado se edifica como autoridade final, representante exclusivo dos anseios comuns, em nome dos quais devese limitar todo tipo de influência que lhes resista. Sem a perspectiva da participação ampliada, os valores comuns servem, assim, de fundamento para a monopolização do poder – tal como a «Monarquia iluminada» de Pedro II o havia concebido, tal como a tirania sempre o concebe.
O problema maior, a nosso ver, não está aí, senão naquilo que nenhuma crítica ao caráter «liberal» da escola pública foi capaz de expor: a instituição da noção de que a
participação política deveria ser uma conseqüência do acesso à educação, e não a principal causa para a sua defesa. É esse o verdadeiro ponto de contato entre as mais diferentes concepções educacionais, que têm em comum o princípio, formal ou efetivamente defendido, de que é o acesso ao patrimônio escolar que legitima a reivindicação de igualdade política, e não o contrário.
Nas primeiras décadas do século XX, o fortalecimento do projeto de construção nacional traz à tona a exigência de instituição ampliada dos modelos de cidadania cuja concretização será, de forma sistemática, atribuída à escola pública. Mas, se a área da educação é espaço para a enunciação das exigências democráticas, ela também é o lugar onde as resistências à sua realização vão se evidenciar. E, ainda que tanto umas como outras possam tomar, nos discurso, formas extremas, parece-nos ser para o tipo antropológico do homem das luzes que as posições vão convergir.
O caráter político que passa a ser associado à escola é o de fiadora das condições de realização do projeto democrático: a educação comum é cada vez mais investida da tarefa de afastar definitivamente os entraves que se opõem à solidificação da realidade republicana.
No campo educacional, a noção de educação como «panacéia» foi exaustivamente criticada36 e, de certa forma, anatemizada pela crítica das teorias que, a partir dos anos setenta, não aceitavam creditar à escola mais do que o papel de reprodutora das desigualdades sociais.
Mas não seria excessivo afirmar que nem sob a influência poderosa do mito oposto – o do total impoder da educação – se tenha de fato superado a concepção de uma educação magicamente demiúrgica.
Mas no que consistiria, de fato, o caráter «mágico» da valorização da educação? Por certo, a crença
de que a ação isolada da escola é suficiente para produzir as determinações sociais consideradas é inadmissível, tanto, aliás, quanto a crença que uma atividade social de formação de indivíduos possa tornada inteira e exaustivamente congruente com a ideologia do controle, até o ponto da total insubstancialidade.
O princípio que estava na base do «entusiasmo» pela educação não era, sem dúvida, o de que a sociedade poderia cruzar os braços, deixando a cargo da escola a concretização de todas as suas exigências políticas, mas antes o de que a educação consistia no pré-requisito indispensável para a concretização legal e institucional dessas exigências.
Depositária de precondições sem as quais, afirmava-se, o sonho democrático tornar-seia inexoravelmente em pesadelo, a escola foi feita, historicamente, o melhor argumento de legitimação das contradições da ordem liberal: permitindo a reafirmação constante de um ideal convenientemente postergado, ela era ademais, álibi para a dominação social, tanto quanto para a desqualificação popular. No entanto, não seria lícito supor que essa perspectiva cínica era compartilhada pela integralidade daqueles que depositaram suas esperanças na escola, longe de lá – tal como não é correto atribuir a totalidade dos ideais educacionais da época ao projeto de Estado autoritário a partir daí posto em prática no país.
Mais correto é afirmar que o que se compartilhou, então, mantém-se até hoje correntemente em uso, nas mais diferentes posições políticas: a viciosa associação entre a participação política e instrução, instalada desde a «sociedade educativa» de Platão como legitimação da idéia de que há, nas sociedades, «especialistas» do poder37, e a que esses devem ser confiadas as deliberações comuns. Platão insurgia-se contra a prática democrática de seu tempo – caracterizada, exatamente, pela afirmação de que a política era um domínio que igualava os indivíduos, não requerendo qualquer tipo de habilidade específica. Tal como o racionalismo platônico, sua versão moderna pretendeu subverter o princípio de igualdade política que é essencialmente constitutivo do projeto democrático. Assim, a igualdade política já não é ponto de partida, do qual decorrem não só a prática de deliberação quanto o acesso à paideía comum: ela é uma condição imposta à democracia, pela qual se admite – o que Rousseau não se cansou de contestar – que é pela ciência e pelo saber que se chega à virtude social.
Não se trata, é claro, de negar que a política é espaço de deliberação racional e da reflexão, nem a contribuição específica da educação na edificação do espaço público. Porém, a igualdade política não pode ser fundada senão no respeito incondicional à autonomia de cada indivíduo. É essa lição essencial da democracia que é inteiramente distorcida, sob pretexto da exigência de instrução. A «cidadania universal» passa a ter um preço: a universalização dos valores que permitem assegurar que ela não vá conduzir para longe dos resultados que se acredita «naturalmente» universais.
Embora, formalmente, todos sejam cidadãos, só é cidadão, nas «democracias modernas», aquele que é instruído. Mais ainda, a equivalência entre instrução e cidadania acaba por definir a própria humanidade: sem a instrução, está-se excluído não só da sociedade, mas da própria espécie. Não é o que afirmam incessantemente os discursos educacionais?
Na curiosa conversão que a modernidade acaba por operar sobre a noção de autonomia, o que era inicialmente característica inalienável do indivíduo humano passa a ser uma possibilidade engendrada pelo progresso da sociedade; ao mesmo tempo que sua expressão já não é eminentemente política e pública, mas refere-se principalmente a atributos individuais e subjetivos.
Se há dever do Estado de prover a educação pública, ele é correlativo ao dever de cada cidadão de buscar essa instrução: porém, dos dois deveres, apenas aquela que obriga o indivíduo volta-se em direito, a qualquer momento reivindicado pelo Estado, como justificativa para as exclusões que opera.
Como já dissemos, desde o primeiro momento, o princípio da obrigatoriedade em que se apóia a idéia da educação pública se introduz como limitação do reconhecimento da autoridade do pater familias. Aparece, porém, nos discursos educacionais, uma versão na qual o objetivo maior não é, como em outros contextos, o de criação de uma uniformidade social entre as classes sociais que, para além da tutela familiar, apenas o Estado pode fomentar, mas o da prevenção ativa dos prejuízos que a «natural aversão» ou ignorância das classes desprivilegiadas pode acarretar para toda a sociedade.
Instalada como pré-requisito para afirmação de um princípio político, a educação cumpre uma rotina inteiramente oposta ao que, a princípio, parece supor: a insistência em fazê-la instrumento de conversão das diferenças na igualdade política encobre a manutenção concreta das injustiças sociais, e a intenção de controle ampliado da sociedade.
Texto 7
A DISCIPLINA
Assim, o problema se formula da seguinte maneira: como dar ao indivíduo o hábito de obedecer, sem levá-lo à submissão? Como exercer sobre ele uma autoridade que não o conserve em um estado de eterna menoridade, sempre dependente da ordem estabelecida ou das «autoridades», a saber, os políticos, superiores hierárquicos dos «menores»? Como, pois, deve se exercer a autoridade a fim de que ela produza a liberdade e não a dominação, a autonomia e não o condicionamento, a responsabilidade
e não o submetimento? 
No entanto, é preciso fundar a disciplina sobre a idéia do direito, e não sobre o poder das normas. Mas isto só depende dos próprios pedagogos. Isto depende da filosofia na qual sua prática se inspira, da concepção de Estado e de educação sobre a qual repousa. Por isto, o interesse de uma filosofia crítica das ciências e das técnicas pedagógicas, que permitiria colocar em evidência os pontos de vista dos quais derivam e os usos que permitem.
Para Rousseau: a autoridade que se exerce sobre a criança deve ser tão impessoal quanto a autoridade da lei à qual se submete o cidadão. Eis porque Rousseau recomenda a seu leitor não dar nenhuma ordem à criança – o que não significa deixá-lo fazer o que quiser, mas organizar de tal maneira sua vida que ela só possa desejar aquilo que objetivamente é bom para ela.
Rousseau procura, portanto, encontrar um modelo de autoridade que não produza os efeitos perversos que assinalou: a servidão, ou a revolta. Este modelo é estabelecido por uma espécie de «contrato pedagógico» que fornece uma base «jurídica» à autoridade. Um só meio existe para que o indivíduo conserve sua liberdade, ao mesmo tempo em que obedece às ordens de seu educador: é preciso que a autoridade do educador seja explicitamente consentida pelo educado. Esta autoridade resulta, pois, de um acordo, cujos termos são os seguintes: o adolescente se engaja a obedecer incondicionalmente às ordens do adulto; este, em troca, se compromete a não ordenar senão aquilo que é melhor para ele – o que é natural – mas, sobretudo, se compromete a fornecer explicações.
As Reflexões sobre a Educação, de Kant, permitem responder a esta questão. Elas justificam a disciplina e a própria escola, não como paliativos em relação aos métodos ideais de um sistema de preceptoria, mas como elementos positivos na educação do indivíduo em geral, e do cidadão, em particular. A disciplina é justificada, nos dizem as Reflexões, por que o homem é, por natureza, submetido a impulsos desordenados. Seus desejos são, ao mesmo tempo, múltiplos e contraditórios. Por isto, a criança pode se prejudicar, na ausência de uma ordem e de uma medida que sejam impostas a seus movimentos. A idéia de Kant é de que a escola é o lugar de um treinamento cujo objetivo é de liberar, na espontaneidade dos desejos, um tempo de reflexão. Mas, no que concerne à criança, não se trata tanto de treiná-lo nisto ou naquilo, nisto mais do que naquilo. O hábito que a criança deve contrair é, nesse sentido, um hábito formal, isto é, o hábito de impor uma

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