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Aula 8 – Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva mecanicista – 3ª parte – alfabetização. Quando o assunto é alfabetização, o tema cartilha sempre gera polêmica. As cartilhas devem ser tratadas, não a partir das abordagens metodológicas que sustentam (analíticas, sintéticas, construtivistas, sociointeracionistas), e, sim, a partir da concepção de leitura e escrita que fundamenta a prática alfabetizadora. Não pretendemos, nesta aula, julgar, recomendar ou refutar o uso das cartilhas, mas, sim, problematizar sua função de texto alfabetizador. Assim sendo, concordamos com Dietzsche (1991), quando afirma que a cartilha é um espaço de ausência: falta um texto, falta um leitor. É quando se pergunta: será que existe na cartilha, um escritor? Apoiada em Roland Barthes (1987), a autora busca assinalar tais ausências. Para ela, um texto é muito mais do que uma sequência de palavras que emitem uma única mensagem. O texto se complementa na leitura e na interpretação do leitor. Portanto, ler é criar significados e construir sentidos: o leitor escreve um outro texto nos espaços abertos pelo autor, o que, do ponto de vista pedagógico, aponta para uma inversão da prática alfabetizadora – é mais importante interrogar o que o leitor compreendeu do texto lido, do que perguntar o que o autor quis dizer. Sendo a cartilha um espaço de ausência do texto, do leitor e do autor, não se constitui num suporte à aprendizagem da leitura e da escrita, pois limita-se ao ensino de uma técnica de leitura (decifração de elemento gráfico em um elemento sonoro) e de escrita (a codificação de sinais gráficos associados aos sons correspondentes), a partir de um modelo uniforme, cumulativo e homogêneo de aprendizagem. Tais críticas aplicam-se tanto às cartilhas tradicionais quanto às chamadas cartilhas “construtivistas” de alfabetização. No que se refere às cartilhas construtivistas, temos percebido que a maioria é construtivista apenas no nome. Algumas delas expressam suas contradições no próprio nome, como é o caso da Cartilha pipoca, que tem como subtítulo o seguinte enunciado: Método lúdico de alfabetização. Uma proposta construtivista e interacionista lúdica. Discordando dos autores de cartilhas construtivistas e concordando com Dietzsche, concebemos as cartilhas não como um mal necessário, mas como um vício das escolas brasileiras: herança da tradição pedagógica jesuítica, que ao longo dos séculos, como todo o vício, vem causando grandes males a seus consumidores, tornando dependentes professoras alfabetizadoras e contribuindo significativamente para produzir o fracasso das crianças – em especial das classes populares – nos anos iniciais da escolarização. As cartilhas, sejam elas construtivistas, silábicas, fonéticas de palavração ou sentenciação contribuem muito pouco para o processo de apropriação da leitura e da escrita da criança. Ao colocar em evidência aspectos estruturais da língua escrita, segundo orientações metodológicas parciais reducionistas, as cartilhas apresentam uma escrita sem significado formando apenas decifradores de letras. Aula 9 – Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva construtivista – 1ª parte Emilia Ferreiro e Ana Teberosky nos assinalaram, a partir de sua pesquisa, que o foco nas atividades de ensino, no campo da alfabetização, é uma redução. Três dimensões ou perspectivas devem ser tomadas em conta. Além da perspectiva do ensino, a perspectiva de quem aprende – a criança – e a perspectiva do próprio objeto a ser aprendido: a escrita. A escrita das crianças na escola revela como elas se apropriam do sistema da escrita de sua cultura. Os sistemas de representação que utilizam a escrita como grafia estão presentes nas diferentes culturas, acompanhando a história da humanidade neste planeta. De maneira indissociável das formas de ser, de produzir, de pensar, de falar, das práticas sociais e culturais como um todo, esses sistemas são tão diversos quanto diversas são as culturas humanas. De um modo equivocado, por vezes, são narrados em uma linha evolutiva, que termina por produzir injustiças, na medida em que relega a algumas culturas o lugar de menos evoluídos, em relação à cultura e escrita ocidentais, por exemplo. Precisamos, para pensar em como compreender os processos de apropriação, por parte das crianças, do sistema da escrita em nossa cultura, conhecê-lo. A partir daí, podemos auxiliar as crianças nessa construção. Para compreender as formas infantis de produzir a escrita, em seu processo de desenvolvimento, precisamos empreender um movimento teórico. A partir dos estudos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, pudemos compreender que a alfabetização não se limita a uma questão de seu ensino, ou como vimos fazendo ao longo da história, focando exclusivamente na questão do método. Mais do que um sistema de codificação/decodificação, a escrita é um sistema de representação, o que traz à questão mais duas perspectivas a serem levadas em conta, além da questão do ensino: a da criança que aprende e a da própria escrita como sistema de representação. Vimos como a escrita possui diferentes sistemas de representação ao longo da história e entre as culturas humanas, pudemos também refletir criticamente sobre a dimensão evolucionista que precisa ser combatida e, por fim, buscamos compreender o sistema alfabético da escrita, de que fazemos uso em nossa própria cultura. Aula 10 – Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva construtivista – 2ª parte As crianças são seres epistêmicos, ativos construtores dos seus conhecimentos. Elaboram suas hipóteses sobre o funcionamento do mundo e não poderia ser diferente, em relação à escrita. Como um objeto da cultura presente no mundo, a escrita provoca nas crianças, desde muito cedo, o desafio do conhecimento novo a ser enfrentado. Emilia Ferreira e Ana Teberosky apostaram nisso e descortinaram-nos um universo compreensivo muito importante: as crianças sabem sobre a escrita, antes de saberem escrever. Neste primeiro momento, vimos o estágio inicial desse conhecimento infantil, o desafio da distinção do que é escrita e do que não é escrita, no mundo gráfico observável. Na próxima aula, vamos conhecer os dois estágios seguintes, compondo um quadro do que representa a Psicogênese da Língua Escrita como pesquisa e como referencial para pensarmos os processos alfabetizadores na escola e antes dela. As crianças, ativos sujeitos construtores de seu próprio conhecimento, foram assim reconhecidas por Jean Piaget, que dedicou sua vida ao estudo das mudanças nas formas de conhecimento de centenas de crianças, visando à compreensão de como o conhecimento desenvolve-se nas histórias individuais e coletivas. Piaget influenciou e formou diferentes pesquisadores, como foi o caso de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, que publicaram, em 1979, os resultados de sua pesquisa, intitulada Psicogênese da Língua Escrita. Essa pesquisa teve um forte impacto no campo da educação e especialmente nos estudos e práticas sobre alfabetização, uma vez que revelou as concepções infantis a respeito do sistema da escrita alfabética. Através de entrevistas clínicas e tomando as produções infantis espontâneas como indicadores de suas representações e hipóteses, as autoras organizaram o que chamaram, então, psicogênese, ou seja, a gênese psicológica das concepções sobre a língua escrita. Nesta aula, pudemos conhecer um de seus estágios iniciais, quando as crianças realizam a difícil operação de distinção das marcas gráficas icônicas e não icônicas, buscando refletir sobre as condições dessa concepção. Aula 11 – Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva construtivista – 3ª parte Muito ainda precisa ser discutido e pesquisado no que se refere aos conceitos infantis sobre a leitura e a escrita. Emilia Ferreiro e Ana Teberosky possibilitaram, com sua pesquisa, que vislumbrássemos as formas pelas quais as crianças constroem conhecimentos, de modo espontâneo, sobre a escrita enquanto um sistema de representação. Nesta aula, trouxemos em relevo os aspectoscentrais da teoria quanto ao desenvolvimento das hipóteses infantis, focalizando, especificamente, no desenvolvimento da escrita. Recomendamos que a bibliografia citada e referida possa ser aprofundada, já que é rica e traz outras dimensões importantes, como o desenvolvimento das hipóteses sobre a leitura, por exemplo. Na década de 1990, muitas das experiências pedagógicas tomando em consideração a teoria das autoras deram início ao que passaríamos a chamar de Construtivismo na alfabetização. Na realidade, mais do que considerações à teoria e aos resultados da pesquisa, o que se convencionou chamar de Construtivismo não passou de uma metodologização dos estágios que a criança percorre, na sua aventura de desvendar o que é a escrita como objeto no mundo. Ainda voltaremos a essa questão em outras aulas e discussões. O Construtivismo na alfabetização teve na pesquisa de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, intitulada Psicogênese da Língua Escrita, uma poderosa ferramenta. É possível compreender como as crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seu funcionamento, observando escritas infantis e as analisando de acordo com os estágios descritos pelas autoras. Há dois períodos finais dessa construção infantil, denominados também período pré-silábico, e os dois momentos do processo de fonetização da escrita: o período silábico e o período alfabético, bem como da transição entre esses, chamado período silábico-alfabético. As aquisições teóricas da pesquisa foram apropriadas pelo campo educativo, de modo a criar métodos para alfabetizar as crianças, tentando fazer com que essas passassem de estágios, a partir do trabalho do professor. Entretanto, a grande contribuição para o campo educativo é a de possibilitar chaves de leitura para que as professoras percebam os processos compreensivos das crianças, na sua ação construtiva sobre a escrita e seus desafios. Aula 12 – Concepções epistemológicas da alfabetização: a teoria histórico-social – 1ª parte No encontro, as professoras tomaram consciência, por meio da discussão sobre a teoria de Vygotsky, de que todo ser humano, para crescer, construir conhecimento e se construir como ser social, precisa dos outros. A interação é fundamental ao processo de desenvolvimento e de aprendizagem do sujeito. A linguagem é um importante instrumento de interação. É a grande ferramenta social de contato, que nos permite interagir com os outros. São as interações coletivas que ativam os processos de aprendizagem. Nesta aula, vimos que, para Vygotsky, existem quatro planos genéticos do desenvolvimento que organizam o mundo psíquico humano. Esses planos não são superpostos nem hierarquizados, são concomitantes e contribuem para o funcionamento psicológico, são eles: a filogênese, a ontogênese, a sociogênese e a microgênese. Vygotsky afirma que não existe desenvolvimento sem aprendizagem, ambos os processos são complementares e a cultura (em especial a linguagem) exerce grande influência no desenvolvimento do sujeito. Todo conhecimento é social e resulta da interação dos sujeitos e das práticas sociais (e culturais) em que está inserido. Aula 13 – Concepções epistemológicas da alfabetização: A teoria histórico-social – 2ª parte No encontro, as professoras tiveram oportunidade de refletir mais aprofundadamente sobre as implicações do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal para os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Puderam ainda discutir mais especificamente sobre a apropriação da linguagem pela criança na perspectiva vygotskyana e seus desdobramentos para a prática alfabetizadora. Nesta aula, vimos o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal que se refere ao percurso dos movimentos de aprendizagem e desenvolvimento, de funções ainda potenciais, para a sua consolidação como conhecimento ou conduta. A ZPD diz respeito ao fato de o que uma criança é capaz de fazer com ajuda hoje, conseguirá fazê-lo de forma independente, amanhã. Vygotsky chama atenção através desse conceito para o fato de que, ao “precisar de ajuda” para realizar uma tarefa ou resolver um problema, não significa que a criança não saiba, ou não possua tal habilidade específica. Pelo contrário, a ZPD aponta que existe um conhecimento em construção, um movimento de aprendizagem em andamento. No que se refere à prática pedagógica escolar, tal conceito tem implicações profundas, pois exige a organização de outra dinâmica para o espaço da sala de aula e da aula em si. A teoria sócio-histórica de Vygotsky, ao apontar que a aprendizagem potencializa o desenvolvimento, redefine a função social da escola que passa a desempenhar um papel fundamental na constituição e no desenvolvimento psicológico dos sujeitos que vivem em sociedades escolarizadas. Aula 14 – Políticas públicas de alfabetização e a invenção do letramento – 1ª parte No encontro, as professoras tiveram oportunidade de refletir mais aprofundadamente sobre as implicações da ideologia neoliberal e da influência do Banco Mundial na educação brasileira contemporânea. Puderam ainda discutir mais especificamente sobre as diferentes políticas e programas, bem como as diretrizes da educação e as expectativas em relação aos anos iniciais da Educação Básica, em geral, e a alfabetização, em particular. Nesta aula, vimos como a agenda neoliberal do Banco Mundial, o principal protagonista da educação brasileira contemporânea, está presente nos programas e propostas educacionais implementadas pelos governos federal, estaduais e municipais. Vimos ainda como vem crescendo a participação do empresariado nacional através da organização Todos pela Educação e como o viés econômico da produtividade, fundado na lógica de mercado, subsidia as ações educativas desenvolvidas por essa entidade. Observamos como a Pedagogia do Aprender a Aprender está em conformidade com essa lógica e como essa pedagogia engendra outras pedagogias: pedagogias das competências, da qualidade total e, segundo Saviani (2009), a pedagogia da exclusão. Vimos também que as expectativas da perspectiva neoliberal de educação concentram-se na alfabetização da população que, segundo critério adotado pelo Banco Mundial, refere-se aos conhecimentos básicos de leitura, escrita e matemática, que capacitem o indivíduo a resolver problemas cotidianos, no lar ou no trabalho e servir de base para sua educação posterior.