Prévia do material em texto
13 CULTURA ORGANIZACIONAL Narbal Silva, José Carlos Zanelli e Suzana da Rosa Tolfo � CULTURA: TRAJETÓRIA DO CONCEITO E SUA INSERÇÃO EM DIFERENTES CAMPOS CIENTÍFICOS A palavra “cultura”, cuja origem vem do latim colere, desde a Roma antiga, restringia-se ao cul- tivo da terra, ao trabalho relativo à produção de plantas úteis aos seres humanos – o que se entende na atualidade como agricultura. Tam- bém passou a se referir a cuidados com crianças, em especial ao desenvolvimento de suas quali- dades e faculdades – podendo ser compreendi- do como puericultura. Por fim, o termo também agregou o significado de culto aos deuses (Mor- gan, 2002). Contudo, da Antiguidade à atualidade, o desejo de compreender as diferenças de com- portamentos entre grupos e nações foi paulati- namente conferindo outra conotação à palavra “cultura”. Tal concepção já pode ser encontra- da nos escritos de Heródoto, o historiador gre- go, quando descreveu o sistema social dos lícios, bem como no pensamento de Confúcio sobre a natureza dos homens e os distintos significa- dos existentes nas múltiplas e diferentes comu- nidades humanas. O interesse pela compreen- são do fenômeno também pode ser encontrado nos relatos de Marco Polo, baseados em suas via- gens à China, e nos de colonizadores europeus, por meio dos contatos que estabeleceram com o chamado Mundo Novo (Laraia, 1997). Todavia, foi somente no fim do sécu- lo XVIII e no início do século XIX que os es- tudos culturais começaram a se firmar como campo de conhecimento científico. O interesse pelas questões culturais teve sua origem na per- plexidade dos colonizadores europeus ao cons- tatarem que os polinésios assassinaram o Capi- tão Cook, depois de terem estabelecido relações cordiais com ele. Também chamou atenção dos europeus a falta de interesse do Império Chinês pelas propostas de relações comerciais com os ingleses. Tais comportamentos eram percebidos como ininteligíveis e irracionais. Por conseguin- te, tornou-se evidente a necessidade de se cons- truir um campo de conhecimento para explicar essas situações consideradas “estranhas” (Laraia, 1997). No fim do século XVIII, Edward Bur- nett Tylor, no livro Primitive Culture, publica- Ao final deste capítulo, espera-se que o leitor seja capaz de: 492 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) do em 1871, relacionou de modo inédito o ter- mo germânico cultur, que era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, e a palavra francesa civilization, que se referia às produções materiais de uma co- letividade humana. As duas expressões foram reunidas e resultaram no vocábulo inglês cultu- re, que, na perspectiva etnográfica, significa os conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, as leis, os costumes ou outras capacidades ou há- bitos adquiridos pelo ser humano como ser so- cial. Tal elaboração teve o mérito de aglutinar, em uma única palavra, as possibilidades de rea- lização do ser humano, além de evidenciar que a cultura é aprendida, ou seja, os hábitos de um agrupamento social constituem produtos de um processo de construção sócio-histórica (Laraia, 1997). Na Figura 13.1 estão sintetizados os di- ferentes significados conferidos ao conceito de cultura na Antiguidade e nos tempos atuais. Como demonstramos, as tentativas de ca- racterizar os costumes de agrupamentos sociais específicos são anteriores aos estudos antropo- lógicos contemporâneos, que só tiveram início no fim do século XVIII. Porém, a riqueza da contri- buição do antropólogo Tylor (1958) residiu na sistematização de um fenômeno, cuja inquie- tação vinha se ampliando ao longo da história da humanidade. Ainda que, na sua elaboração, a cultura fosse concebida como objeto de estudo sistemático, era concebida como fenômeno na- tural, que, portanto, apresentava causas e regula- ridades evidentes. Tal perspectiva indicava a in- vestigação objetiva por meio de análises capazes de viabilizar a formulação de leis sobre o proces- so cultural e sua evolução. A crítica mais ferre- nha aos postulados desse pesquisador está no fa- to de que não considerar o relativismo cultural obstruiu, portanto, a construção de uma con- cepção contemporânea de cultura (Stocking Ju- nior, 1968). Suas ideias foram impregnadas pela teoria evolucionista de Charles Darwin, presen- te no livro A origem das espécies, o qual inspirava uma perspectiva evolucionista e linear. O pres- suposto básico era o de que as culturas, em ge- ral, deveriam passar por etapas idênticas de evo- lução (selvageria, barbarismo e civilização), ca- racterizando, assim, cada sociedade humana – da menos à mais desenvolvida. Cabe mencio- nar que esse tipo de suposição é concebida co- mo ingênua na atualidade e sempre esteve vin- culada ao preconceito e à discriminação raciais (Santos, 2004). A partir de uma perspectiva diferente, Boas (1896) construiu o particularismo histó- rico, também conhecido como Escola Cultural Americana. Nessa abordagem, o entendimento é o de que cada cultura apresenta particularida- des em função dos distintos incidentes históri- cos com que os seres se depararam ao longo do tempo. Em decorrência, a formulação do argu- mento evolucionista da cultura obtém sentido somente se acontecer conforme os preceitos de uma perspectiva multilinear. Ou seja, os agrupa- mentos têm estágios próprios de desenvolvimen- to, os quais não devem ser simplificados, tampou- co considerados universais. Outra importante contribuição que am- pliou a compreensão do conceito, explicitando co- mo a cultura influencia de modo decisivo o com- portamento humano, foi fornecida por Kroe ber (1949), conforme descrito no Quadro 13.1. Em função dos múltiplos significados conferidos ao conceito no decorrer do tempo, ele sofreu fragmentação. Como modo de rever- ter tal situação, a classificação de Keesing (1974) apresentada no Quadro 13.2, representa uma tentativa de reconstrução do conceito. Figura 13.1 Evolução do conceito de cultura da Antiguidade aos tempos atuais. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 493 Quadro 13.1 Síntese dos aspectos que ampliaram a compreensão do conceito de cultura 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Na classificação de Keesing (1974), ape- sar de serem destacadas posições e focos especí- ficos sobre o tema, no conjunto, no conceito de cultura, reside o suposto da existência de com- ponentes ideológicos, pressupostos elaborados a partir de valores básicos arraigados, do sistema de crenças, do compartilhamento de símbolos e dos conhecimentos e experiências necessários para saber como agir e sobreviver em um deter- minado contexto cultural. De acordo com essas ideias, um ou mais aspectos poderão se tornar foco à compreensão de modos típicos de perce- ber, sentir, pensar e agir de determinado agrupa- mento cultural. A partir das preocupações iniciais com a temática, desenvolveram-se diversas concepções sobre cultura, o que resultou em diferentes estu- dos e pesquisas em campos distintos de conhe- cimento. Em uma perspectiva de base antropo- lógica, no conceito, são focados os aspectos sim- bólicos que permeiam os múltiplos e complexos fatores inclusos nas interações humanas. Nos es- tudos de base predominantemente etnográfi- ca, a atenção principal está em compreender o sistema de crenças das sociedades consideradas distintas dos agrupamentos humanos típicos do Ocidente (Durhan, 1988). O ser humano, conforme descrito por Max Weber, é um animal circunscrito às teias de significados históricos por ele tecidas. Em de- corrência, a cultura, ao ser constituída por teias de significados, é interpretada por meio das defi- nições conferidas a tais teias (Geertz, 1989). Embora o conceito tenha raízes antropo- lógicas, também são evidentes as interfaces com os níveis sociológico e psicológico. Exemplo dis- Quadro 13.2 Classificação de Keesing (1974) 1. Sistema adaptativo: 2. Idealismo Sistema cognitivo: Sistema estrutural: Sistema simbólico: Fonte: Combase em Keesing (1974). 494 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) so são os conhecimentos produzidos por meio da psicologia cultural. Nesse campo de conhe- cimento, são focados, nas pesquisas, os modos como a cultura e a psyche se influenciam e in- teragem nos domínios da auto-organização, do pensamento, do conhecimento, dos sentimen- tos, dos desejos e dos valores. O suposto básico é que os conhecimentos, pensamentos, desejos e valores repercutem sobremaneira nas ações hu- manas (Valsiner, 2012). Nas vertentes sociológica e psicossocioló- gica, o interacionismo simbólico constitui im- portante perspectiva teórica para a explicação dos fenômenos culturais. A ênfase recai na re- cuperação do processo de elaboração do univer- so simbólico ou na construção da realidade de determinado agrupamento social. Nas socieda- des humanas, em geral, a tendência é a de exis- tir correspondência entre os significados confe- ridos individualmente pelos participantes do gru- po a determinada circunstância e os significados compartilhados que são conferidos. Ou seja, a construção e a manutenção da cultura pressu- põem níveis mínimos de compartilhamento da realidade social (Berger; Luckmann, 1985). Por fim, a perspectiva interacionista simbólica se ca- racteriza como uma das abordagens mais ade- quadas para analisar processos de socialização, ressocialização, mobilização de mudanças de opiniões, comportamentos, expectativas e exi- gências sociais. Em síntese, constitui uma pers- pectiva teórica que permite a compreensão do modo como os seres humanos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais inte- ragem e de como tal processo de interpretação conduz o comportamento individual em situa- ções específicas (Carvalho; Borges; Rêgo, 2010). Na psicologia, em geral, a cultura pode ser concebida dos seguintes modos: fonte de expres- são do inconsciente humano, formas de cognição que caracterizam diferentes comunidades, sím- bolos compartilhados ou, ainda, valores básicos profundamente arraigados que influenciam e ex- plicam os comportamentos e as formas de agir dos seres humanos e dos grupos. Na perspectiva psicológica, a introdução do conceito de cultu- ra no campo de conhecimento da psicologia or- ganizacional e do trabalho deve ser atribuída a Andrew M. Pettigrew, ao publicar On Studying Organizational Cultures na revista Administra- tive Science Quarterly, em 1979. Para o autor, a cultura constitui um conjunto de significa- dos compartilhados que, por sua vez, influencia pensamentos, sentimentos e, sobretudo, com- portamentos dos membros de uma comunida- de organizacional (Ferreira; Assmar, 2011; Frei- tas, 2007). Nesse mesmo campo de conhecimen- to, desde a década de 1980, Edgar A. Schein, com base em pressupostos interacionistas simbóli- cos e cognitivos, estabeleceu relações entre os fe- nômenos psicossociais cultura e liderança. Para ele, a cultura tem origem na visão de mundo dos fundadores da organização e dos seus principais colaboradores e passa, ao longo do tempo, a in- fluenciar modos considerados certos de pensar, sentir e agir (Schein, 1985, 2009). Na atualidade, o conceito vem sendo con- cebido de modo mais genérico, com o intuito de evidenciar que diferentes grupos têm padrões tí- picos de pensar, sentir e agir. Tais elementos in- fluenciam sobremaneira o comportamento so- cial que aí é gerado, diversificando, assim, os grupos humanos, apesar de as pessoas serem únicas dos pontos de vista biológico e psicoló- gico. A edificação da cultura, por sua vez, en- contra-se vinculada aos processos de construção histórica da realidade social com base no mo- do como uma comunidade humana satisfaz suas carências materiais e psicossociais. A importância da utilização do conceito está em demonstrar que modos peculiares de expressão e de interação so- cial encontram explicação em hábitos, costumes e crenças compartilhados pelos membros de uma sociedade. Portanto, o conceito se refere às ne- cessidades de sobrevivência e ao modo como as pessoas definem estilos próprios de adaptação aos seus ambientes interno e externo. Na seção que segue, é demostrada a trans- posição do conceito para os estudos organiza- cionais. � A TRANSPOSIÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA PARA OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS As diferentes concepções sobre cultura tam- bém foram historicamente apropriadas nos es- tudos organizacionais. Já em meados da déca- da de 1930, Trice e Beyer (1994) identificaram, nos famosos estudos de Hawthorne, realiza- dos na Western Electric Company, as origens da transferência do conceito de cultura para o âm- Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 495 bito das organizações. Naquela época, o psicó- logo industrial Elton Mayo considerou a possi- bilidade de utilização dos métodos antropoló- gicos, mais especificamente o etnográfico, até então utilizado para desvendar a estrutura so- cial e o sistema de crenças das sociedades tribais, para a compreensão das crenças predominan- tes de uma empresa. O termo, porém, só apa- receu com a denominação específica de “cultu- ra dirigida aos estudos organizacionais” a partir do livro de Elliot Jacques (1951), intitulado The Changing Culture of a Factory, no qual o autor descreveu as mudanças organizacionais de uma empresa metalúrgica e enfatizou as relações en- tre cultura, estrutura organizacional e personali- dade, além das influências dos aspectos culturais nos papéis organizacionais. Embora o conceito tenha sido transposto para as organizações em meados da década de 1930, a ampliação das multinacionais em todos os continentes do planeta, no início de 1980, fez a questão cultural ganhar força efetiva nos estu- dos organizacionais. Outros motivos apresenta- dos para justificar o interesse pelos estudos so- bre cultura nas organizações são os crescentes deslocamentos de poder ocorridos na socieda- de industrial e pós-industrial, bem como as re- definições geopolíticas do planeta ocorridas nas últimas duas décadas do século passado (Marti- nez, 2009; Santos; Gonçalves, 2010). Na década de 1990, o tema permaneceu em evidência de- vido a dois fatores inter-relacionados: a globali- zação dos mercados e os processos de mudança nas organizações (Fleury; Shinyashiki; Stevana- to, 1997). No século XXI, as pesquisas referentes à cultura organizacional permaneceram atuais e relevantes, dadas as turbulências e mudanças profundas pelas quais vêm passando as organi- zações. Em virtude do crescente interesse, prolife- raram muitos estudos teóricos e empíricos ver- sando sobre cultura nas organizações. Tais estu- dos podem ser classificados por meio de duas perspectivas epistemológicas e teóricas: a cultu- ra pode ser compreendida como uma variável da organização, algo que ela tem (a organização tem uma cultura) ou como uma metáfora, o que a or- ganização é (a organização é uma expressão cul- tural na sua totalidade). A concepção de que as organizações são fenômenos culturais em essência e na totalida- de encontra sustentação no fato de que vivemos em uma sociedade organizacional. Ou seja, o co- tidiano em uma sociedade organizacional é per- meado de crenças, rotinas e rituais que a carac- terizam como distinta quando comparada com os modos típicos de uma sociedade considerada mais tradicional, o que nos permite afirmar que os trabalhadores de chão de fábrica e de escri- tório da Ford, em Detroit, na Bahia ou em São Bernardo do Campo, em que pesem suas dis- tintas realidades, compartilham modos típicos de sociedades do tipo organizacional (Morgan, 2002). O trabalho deles e suas experiências de vida parecem diferir significativamente das ati- vidades e experiências de seres humanos que pertencem a grupos inseridos em sistemas arte- sanais ou domésticos de produção, como é o ca- so de tribos Ianomâmis que habitam o norte do Brasil. Nesse sentido, existiria uma identificação maior entre “modos considerados certos de sen- tir, pensar e agir” dos trabalhadores industriaisbrasileiros e estadunidenses do que entre traba- lhadores industriais brasileiros e os índios Iano- mâmis (Silva; Zanelli, 2004). Já a compreensão da cultura como uma variável da organização, algo que a organiza- ção tem, encontra respaldo em perspectivas nas quais a função primordial dos aspectos cultu- rais é a de promover a adaptação da organiza- ção, tanto no seu ambiente interno (aspectos socioemocionais dos membros do grupo) co- mo no externo (relação da organização com o ambiente externo). Nessa ótica, a cultura cons- titui variável nos mesmos moldes e status con- feridos a estrutura, processos, tecnologia, entre outras variáveis. Os critérios assumidos pelos estudiosos e pesquisadores do assunto à adoção de uma ou outra perspectiva teórica nos estudos sobre cul- tura organizacional originam-se dos pressupos- tos que os orientam para conceituar o que é uma organização, definir cultura a partir da escolha de uma abordagem teórica específica e estabele- cer um conceito de ser humano. A partir da combinação desses pressupos- tos, as pesquisas sobre cultura organizacional orientam-se para compreender a organização co- mo um fenômeno cultural ou como uma variável que a organização tem. Esses dois modos de con- ceber a cultura organizacional, como expressão cultural total ou como variável da organização, são especificados em cinco áreas básicas de pes- quisa cultural (Fig. 13.2) (Smircich, 1983): 496 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) 1. Administração comparativa: o interesse reside em conhecer a cultura do ambiente social no qual a organização se insere e co- mo seus pressupostos se transpõem para o ambiente interno da organização por meio de seus participantes. O objetivo primordial nesse tipo de estudo é conhecer a influência que a cultura local ou nacional exerce sobre a cultura organizacional. Nessa perspectiva, também denominada “estudos transcultu- rais”, são efetuadas análises comparativas entre trabalhadores de países ou regiões di- ferentes pertencentes a um mesmo tipo de organização. 2. Cultura corporativa: as organizações são concebidas como produtoras de artefatos ou elementos culturais, como rituais, len- das e cerimônias, além dos seus bens e ser- viços característicos. Essas produções cul- turais têm o papel de conferir regularidade e previsibilidade às relações entre os diver- sos participantes, além de promover adap- tação, tanto no âmbito interno quanto no ambiente externo da organização. 3. Cognição organizacional: a cultura da or- ganização é concebida como um “grande contrato” que compreende a autoimagem da organização e as regras que orientam as crenças e as ações. O propósito primordial é compreender as regras que norteiam os grupos sociais e a visão de mundo dos seus participantes. 4. Simbolismo organizacional: a cultura é compreendida como um sistema de símbo- los e significados compartilhados. Importa interpretar ou decodificar os significados dos discursos simbólicos dos participantes da organização. A finalidade é identificar co- mo determinadas experiências se tornaram significativas para os membros da organi- zação. 5. Processos inconscientes e organização: as ações das pessoas nas organizações passam a ser compreendidas como projeções de pro- cessos inconscientes. As formas e as práticas organizacionais constituem manifestações dos processos inconscientes, uma projeção ou expressão da infraestrutura universal e inconsciente da mente humana. O que pode ser dito a partir da descrição e da compreensão das diferentes abordagens para estudar a cultura organizacional é que não exis- te hegemonia ou consenso para tratar do assunto. Qual das perspectivas seria a mais correta? Pare- ce não existir resposta certa para esse tipo de per- gunta. Cada uma delas apresenta uma compreen- são específica de cultura, de organização e de ser humano (ontológica, epistemológica e de natu- reza humana). Por conseguinte, cada perspecti- va irá privilegiar métodos e técnicas de pesquisa considerados mais condizentes com seus pressu- postos. É por isso que Smircich (1983) confere ao conceito de cultura as metáforas de “um código com muitas cores” ou de um “arco-íris”. Na seção que segue, serão apresentados al- guns estudos brasileiros que versam sobre cultu- ra organizacional. Figura 13.2 Perspectivas de estudos culturais nas organizações. tem é Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 497 � ESTUDOS BRASILEIROS QUE VERSAM SOBRE CULTURA ORGANIZACIONAL No Brasil, é importante destacar os estudos rea- lizados por Maria Ester de Freitas, o primeiro em 1991, cujo título é Cultura organizacional: formação, tipologias e impacto. O objetivo central e mérito desse trabalho foi o de reunir, em uma única fonte, os incidentes críticos que influen- ciaram a produção acadêmica e de consultores organizacionais, em especial os norte-america- nos, na década de 1980 (Freitas, 1991). No ano 2000, a autora escreveu Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma? O objetivo desse trabalho foi o de estudar, em uma perspectiva psicossociológica e tendo como “fio condutor” o conceito de imaginário, o papel predominante que as organizações modernas estão desempe- nhando na sociedade atual, especialmente a oci- dental. Uma das conclusões centrais do trabalho foi a de que as organizações modernas não são muito diferentes das sociedades na quais se for- mam, pois com elas mantêm relações íntimas de influência e que, por conseguinte, expressam os valores consagrados pela sociedade, bem como suas crises e problemas mais essenciais (Freitas, 2000). Por fim, a autora publicou Cultura orga- nizacional: evolução e crítica, no ano de 2007. Nessa obra, foi descrita a trajetória histórica do fenômeno cultura organizacional por meio de uma perspectiva crítica com foco em fenôme- nos culturais, tais como controle social, produ- ção imaginária e psicológica e gestão de aspectos afetivos (Freitas, 2007). Outra contribuição relevante para os es- tudos de cultura organizacional no Brasil é a de Oliveira (2009), por meio do livro A face ocul- ta da empresa: como decifrar e gerenciar a cultu- ra corporativa. Nele, orientado por conceitos an- tropológicos consagrados, o autor protagonizou uma análise detalhada da cultura corporativa, também definida por ele como cultura organi- zacional ou empresarial. Para isso, examinou com profundidade conceitos fundamentais com o intuito de compreender as complexas relações existentes entre cultura corporativa e estratégia, como, por exemplo, missão, visão, valores, polí- ticas, core competences, core business, princípios, poder, entre outros correlatos. Foram importantes os estudos e as pes- quisas realizados na década de 1990 e no iní- cio dos anos de 2000, capitaneados por Álvaro Tamayo, referentes aos valores organizacionais, considerados elementos essenciais da cultu- ra organizacional dentro de uma perspectiva quantitativa (Tamayo, 2007). Esse pesquisador protagonizou a transposição da Teoria dos Va- lores de Shalom Schwartz ao campo dos estudos organizacionais. Três escalas foram construídas e validadas, tendo como foco a percepção dos trabalhadores, para avaliar os valores da organi- zação: a Escala de Valores Organizacionais (Ta- mayo; Gondim, 1996), o Inventário de Valores Organizacionais (Tamayo; Mendes; Paz, 2000) e o Inventário de Perfis de Valores Organizacio- nais (Oliveira; Tamayo, 2004). A importância de tais estudos está na contribuição de favo- recer a melhor compreensão das razões subja- centes ao comportamento humano em orga- nizações e no trabalho. Também em relação à compreensão dos valores relativos ao trabalho, Álvaro Tamayo (2007) contribuiu sobremanei- ra à construção de es calas. Para dar conta dessa empreitada, dois instrumentos de medida fo- ram desenvolvidos por meio da construção de duas teses de doutorado orientadas pelo pes- quisador: o Inventário de Significado do Tra- balho (IST) (Borges, 1999) ea Escala de Valores Relativos ao Trabalho (EVT) (Porto; Tamayo, 2003). Com base no segundo instrumento, es- tudos têm sido realizados (Lopes, 2004; Pas- choal; Tamayo, 2005; Rodrigues, 2005;). O mo- delo utilizado para os dois instrumentos tem o mérito de inserir os valores laborais no contex- to da Teoria dos Valores Humanos, já que aque- les se referem a uma situação específica da vida das pessoas. As duas medidas constituem con- tribuição relevante, uma vez que, até então, não existia no Brasil qualquer tipo de instrumento validado para a avaliação dos valores relativos ao trabalho. Também vale mencionar os estudos refe- rentes à construção de outros instrumentos de natureza quantitativa, cujo objetivo é o de men- surar a cultura organizacional. Como exemplo, pode-se citar o de Dela Coleta, J. e Dela Coleta, M. (2009), no qual estão determinadas as princi- pais características métricas de um conjunto de oito escalas para medida dos fatores da cultura organizacional, orientadas nos estudos de Hofs- tede sobre as culturas nacional e organizacional e do Projeto GLOBE sobre cultura e comporta- mento organizacional. 498 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) Outro trabalho orientado pela perspecti- va quantitativa que versa sobre cultura organi- zacional é o de Oliveira e Gomide Júnior (2009). A partir da ideia de que a cultura organizacio- nal é um conceito claramente multifacetado e de que tem sido investigada de maneira intensa nos dias atuais, os autores adaptaram e valida- ram para o contexto brasileiro o Organizational Culture Inventory (OCI), proposto por Cooke e Lafferty (1989). Por fim, é válido mencionar o trabalho fei- to por Ferreira, Asmar e Estol (2008), referente à construção e validação do instrumento brasi- leiro para avaliação da cultura organizacional. O propósito central foi o de desenvolver e analisar as características psicométricas de um instru- mento brasileiro destinado a identificar os va- lores e as práticas que configuram a cultura de uma organização. Na próxima seção, serão abordadas as múltiplas confluências existentes entre a cultu- ra nacional e a organizacional. � CULTURAS NACIONAL E ORGANIZACIONAL O que é mais relevante para explicar os com- portamentos dos dirigentes e dos funcionários de uma organização? A cultura organizacional ou a cultura nacional? Uma planta industrial da Volvo sueca construída no Brasil – mais especi- ficamente em Curitiba – irá reproduzir de mo- do predominante a cultura étnica do sul do Bra- sil ou a cultura corporativa da Volvo originada em Estocolmo? Algumas pesquisas indicam que a cultura nacional produz, nos participantes de uma organização, um impacto de maior signi- ficado do que a cultura corporativa (Wilkins, 1983; Trice; Beyer, 1984). Embora sejam conceitos relacionados, a cultura nacional representa o contexto socio- cultural maior no qual as culturas organizacio- nais se estabelecem, conferindo-lhes modos sin- gulares de sentir, pensar e agir. Ou seja, quan- do entram nas organizações, as pessoas trazem consigo modos típicos de se comportar, histo- ricamente construídos e consolidados em seus contextos socioculturais de origem. Em síntese, as culturas organizacionais se encontram inse- ridas e, em parte, representam projeções ou ex- pressões da cultura nacional na qual as organiza- ções operam. Nessa ótica, nas pesquisas sobre a cultura nas organizações, reside a compreensão de que uma organização também é produto da sua inserção em determinado contexto sociocultural. As pessoas, ao produzirem cultura, fazem-no a partir de aprendizados anteriores obtidos na so- ciedade em que foram socializadas. Por isso, a transferência de práticas ad- vindas de realidades distintas deve conside- rar o complexo e particular contexto social no qual serão implantadas. Dessa forma tais práti- cas poderão lograr êxito em locais estranhos a sua origem. Porém, deve ser considerado que di- ficilmente ocorrerá uma mera replicação de tec- nologias sociais, inovações organizacionais e de procedimentos administrativos, uma vez que a tendência é a de ocorrer uma reinvenção social (Cole, 1989). A repercussão da cultura nacional na cultura organizacional, portanto, obtém re- levância ao se analisarem os modelos de gestão importados. Em função de esses modelos serem concebidos na cultura nacional de origem, po- derão expressar pressupostos básicos de cultura distintos e muitas vezes antagônicos aos encon- trados na cultura local. Em virtude de requere- rem mudanças profundas em padrões de com- portamento considerados válidos, invariavel- mente produzem comportamentos defensivos. Por conseguinte, tais práticas, em que pese pre- tenderem mudanças, podem não vingar ou, no máximo, angariar tímidos resultados. Por meio das descobertas de Hofstede (1980), foi destacada a importância que a cul- tura nacional tem na explicação das diferentes atitudes e valores referentes ao trabalho; isto é, as culturas nacionais devem ser consideradas nas previsões a respeito do comportamento nas organizações em diferentes contextos sociocul- turais. O pensamento dominante é o de que, em que pese o processo de decifrar a cultura organi- zacional ser relevante no entendimento do com- portamento nas organizações, a compreensão do contexto sociocultural no qual elas operam é mais significativo. Assim, as origens dos pressupostos básicos de cultura devem ser localizadas no con- texto sociocultural no qual as organizações fo- ram concebidas (Hofstede; Bond, 1991). A relação estabelecida entre cultura na- cional e cultura organizacional foi contemplada em trabalho de Hofstede (1980) realizado nas fi- liais da International Business Machines (IBM) Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 499 em diversos países. Entre 1968 e 1972, Hofstede e colaboradores analisaram 116 mil questioná- rios aplicados em 72 subsidiárias diferentes da IBM localizadas em países distintos. Com ba- se na análise dos dados, os pesquisadores iden- tificaram quatro dimensões culturais: distância de poder, evitar incertezas, individualismo ver- sus coletivismo e masculinidade versus femini- lidade. Em outros estudos, a equipe de Hofste- de identificou uma quinta dimensão, a qual de- nominaram “orientação de curto prazo versus orientação de longo prazo”. O Quadro 13.3 des- creve cada uma das cinco dimensões culturais. É importante lembrar que os estudos de Hofstede e colaboradores foram realizados em 39 países, em uma organização – a IBM –, o que traz vieses a possíveis tentativas de generaliza- ção, ainda que tenham sido investigados traba- lhadores de diferentes níveis hierárquicos. Por- tanto, os resultados obtidos devem ser vistos considerando tal limitação. Além disso, esses dados foram coletados, no caso do Brasil, entre 1968 e 1972, período em que o autoritarismo era elevado nas organizações em geral. Também devemos considerar que, em- bora as culturas nacionais exerçam influências nas culturas organizacionais, os valores da cul- tura nacional também podem sofrer influência de elementos culturais de organizações de alta efetividade nos contextos socioculturais em que operam. É o caso, por exemplo, de organizações como a Pytu (nome fictício), instalada no sul do Brasil. Por meio de sua escola técnica, dissemi- na, além de conhecimentos técnicos, as certe- zas profundas que circunscrevem a realidade so- cial da organização patrocinadora. Tal prática é compreendida como uma função social do em- preendimento. No Quadro 13.4, são descritas al- gumas evidências da transposição de valores e crenças do empreendimento, via escola técnica, para o contexto social no qual o empreendimen- to se encontra inserido. Em síntese, esta seção revelou as mútuas confluências existentes entre as culturas nacio- nal e organizacional. Estudos e pesquisas reve- lam a força que a cultura nacional desempenha na configuração da cultura de uma organização, e vice-versa. As culturas nacional e local tambémpodem receber influências da cultura organiza- cional. Quando isso ocorre, é sistematicamen- te repassada para o contexto social a “visão de mundo” do empreendimento, expressa em con- ceitos como estratégia, trabalho, gestão de pes- soas, relações de trabalho, entre outros aspectos considerados reveladores do “modo de ser” da organização. A seguir, serão descritas as principais con- fluências entre cultura, subcultura e contracul- tura nas organizações. � MÚLTIPLAS CONFLUÊNCIAS ENTRE CULTURA, SUBCULTURA E CONTRACULTURA Os vários modos de conceber o conceito de cul- tura repercutem no desafio de encontrar signi- Quadro 13.3 Dimensões culturais 1. Distância do poder 2. Evitar incertezas 3. Individualismo/coletivismo 4. Masculinidade/feminilidade 5. Orientação de curto prazo/orientação de longo prazo Fonte: Com base em Hofstede (1980). 500 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) ficados que possam ser compartilhados. Toda- via, tal fato não representa privilégio na antro- pologia, mas algo inerente às ciências humanas e sociais em geral. A pluralidade de conceitos es- tá relacionada à interdependência entre os cam- pos de conhecimento, que se distanciam dos pa- râmetros lógicos formais e do racionalismo es- trito, típicos da ciência e da filosofia ocidentais pós-Renascimento (Da Matta, 1984). Tal multi- plicidade referente à cultura organizacional po- de ser vista por meio de diversas definições ela- boradas por diferentes autores. Para Smircich (1983), uma organização pode ser definida como um agrupamento cul- tural composto de diversos atores sociais, que constroem pontes entre os níveis macro e mi- croestruturais, entre a sociedade e a organiza- ção, entre a sociedade e os seres humanos, entre gestores e demais trabalhadores, bem como en- tre as decisões e as ações, entre os discursos e as práticas e entre os comportamentos e as estra- tégias pretendidas. Nessa ótica, as organizações são concebidas como fenômenos culturais totais (a organização é uma cultura). Na definição elaborada por Geertz (1989), a cultura é compreendida, além de complexos padrões concretos de comportamento (costu- mes, usos, tradições, hábitos), como um conjun- to de mecanismos de controle (planos, receitas, regras, instruções) para governar os comporta- mentos. Isso leva à ideia de que o ser humano depende de mecanismos de controle e de pro- gramas de sua cultura para ordenar o próprio comportamento. Por conseguinte, os padrões culturais governam comportamentos, dão sen- tido a pensamentos e canalizam emoções. O pensamento individual, portanto, constitui-se como social e simbólico, como modos de con- ferir significados à experiência humana. Quan- do o ser humano nasce, tais símbolos estão, em sua maioria, já em uso corrente. Portanto, en- contram-se estabelecidos, e assim permanece- rão após sua morte. Modificações em maior ou menor grau na realidade histórica e socialmente construída nos contextos sociais e organizacio- nais dependem da participação ativa das pessoas e de seus respectivos grupos. A realidade, sob es- se ponto de vista, constitui produto de constru- ções históricas e sociais recíprocas. A sociedade é uma realidade objetiva, mas é também produto humano que pressupõe relações mútuas e inter- dependentes entre a subjetividade inerente aos seres humanos e os fatores objetivos do contexto em que estão inseridos (Valsiner, 2012). A dimensão objetiva e subjetiva da reali- dade são concebidas nos modelos mentais gera- dos na cultura social (Figura 13.3). Os valores, as crenças, os estereótipos, as palavras e as ima- gens constituem lentes, por meio das quais são conferidos significados à realidade socialmen- Quadro 13.4 Influência da cultura organizacional nas culturas local e nacional* - * Os nomes apresentados são fictícios. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 501 te construída. Nessa ótica, a cultura pode ser compreen dida como um sistema de significados coletivamente aceito em um dado momento his- tórico da existência de um grupo específico. Tais significados, uma vez compartilhados, impõem padrões de ordem e consistência na rea lidade social. Assim, por meio da cultura, são produ- zidos e impostos modos de pensar, sentir e agir que se tornam típicos dos grupos sociais. Em uma perspectiva que se aproxima da proposta conceitual de Geertz (1989), Pettigrew (1979) compreende a cultura organizacional co- mo um fenômeno que pode ser encontrado em diferentes níveis. No nível mais profundo, a cul- tura é concebida como um conjunto complexo de pressupostos, valores e crenças que orientam o modo como os gestores e demais trabalhado- res conduzem suas atividades. Os pressupostos, os valores e as crenças são expressos por meio de estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensa existentes nas organizações. Tais expressões, formas, categorias e imagens orien- tam os sentidos atribuídos às circunstâncias em que as pessoas se encontram no cotidiano das organizações. Por fim, no modelo propos- to pelo autor, são ressaltadas a importância dos empreen dedores na elaboração dos estágios ini- ciais da organização e a relação dinâmica e recí- proca entre seres humanos e contexto cultural. Outro modo de ver a cultura, porém não antagônico aos conceitos antecedentes, é apre- sentado por Beyer e Trice (1987). Esses autores postulam que a cultura organizacional se cons- titui a partir de uma rede de concepções, nor- mas e valores considerados inquestionáveis e que, por isso, permanecem nos subterrâneos da vida organizacional. Para que possa ser criada e mantida, a cultura deve ser veiculada aos mem- bros da organização por meio de elementos como ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e demais ar- tefatos visíveis. Entre esses elementos, de acor- do com os autores, os ritos e os rituais se confi- guram como os mais importantes, uma vez que consistem em uma série de atividades planeja- das, com alguma elaboração, nas quais intera- gem várias formas de expressão cultural, que, por sua vez, irão desembocar em manifestações concretas e expressivas. Além dos ritos e rituais, os mitos e as his- tórias também constituem importantes elemen- tos de veiculação cultural. Os mitos são histó- rias que apresentam consistência com os valores fundamentais da organização, porém sem qual- quer comprovação de que tenham acontecido. Por exemplo, a história, sem qualquer compro- vação de sua ocorrência, de que um funcioná- rio da segurança não deixou o diretor-presiden- te entrar nas dependências da organização em um fim de semana porque existia uma ordem expressa para todos e de que, por tal ato, o fun- cionário foi elogiado e recompensado pelo pre- sidente, tem a função de expressar que “as regras são feitas para serem cumpridas, seja qual for o nível hierárquico ocupado pelo funcionário”. Diferentemente dos mitos, as histórias se sustentam em eventos comprovados (Freitas, 1991, 2007). Tais comportamentos expressam os valores efetivamente incorporados e com- Objetiva Artefatos (símbolos) criados pela organiza- ção e instalações físicas que refletem seus valores - Subjetiva Padrões compartilhados de crenças, suposi- ções e expectativas dos integrantes - - - Figura 13.3 Dimensões objetiva e subjetiva da cultura organizacional. 502 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) partilhados, que fornecem informações de co- mo proceder no âmbito das interações internas e das relações com o ambiente externo. À guisa de ilustração, a história documentada e conta- da para todas as gerações que se sucederam nas Empresas X de que o fundador honrou, antes dos prazos estabelecidos, os débitos financeiros contraídos para saldar as dívidas de uma cerâ- mica falida que deu origem ao empreendimento serve para enfatizar a ideia de que “a credibilida- de e a palavra” constituem valores fundamentais para os relacionamentos entre os funcionários e destes com o ambiente externo. Os valores tidos comoarraigados são ex- pressos ao longo do tempo em metas, cren- ças, modelos de comportamento, rituais, mitos, histórias ou em algum outro tipo de elemen- to cultural. Contudo, somente as contribuições consideradas de alto impacto cognitivo e afeti- vo, ocorridas ao longo da história de uma or- ganização, irão transformar-se de forma efetiva em guias culturais às futuras gerações. Ou seja, os pressupostos básicos de cultura que efetiva- mente sobrevirão aos tempos serão os considera- dos de maior relevância para o grupo, pela pecu- liaridade e força de seus significados no momen- to histórico em que foram produzidos, sendo, por isso, incorporados e compartilhados pelos parti- cipantes. É dessa forma que a cultura, ao funcionar como um amálgama organizacional, contribui para a produção da estabilidade e para a redu- ção da ansiedade nos grupos sociais. É notável, porém, que essa relação não é estática. Ao mes- mo tempo que algumas pessoas ou grupos espe- cíficos criam marcas culturais que são repassa- das de geração em geração, também são influen- ciadas pelas arquiteturas culturais nas quais se socializaram nos níveis primário e secundário ao longo de suas existências. Os valores funda- mentais que orientam a visão de mundo interpre- tada pela família, os hábitos e costumes repassa- dos por meio dos ensinamentos na escola, bem como os valores e o sistema de crenças vigentes em outras organizações com as quais anterior- mente o trabalhador tenha tido contato, influen- ciarão sobremaneira sua relação com a cultura em que são estabelecidas suas relações de tra- balho na atualidade. Desse modo, os valores e o modo de pensar dos principais líderes e dirigen- tes, além de construídos pela herança cultural de cada um, também são influenciados pelas expe- riências que passaram a compartilhar na organi- zação ao longo do tempo. É por meio da descrição e da compreen- são da cultura de determinada organização que poderemos entender as formas dinâmicas e evo- lucionárias que orientam seu desenvolvimen- to e suas possibilidades de transformação. Isso porque são os elementos da cultura que deter- minarão, sobremaneira, a estratégia, os objeti- vos e os modos de operação do empreendimen- to. Dentro dessa concepção, a cultura constitui um conjunto de pressupostos básicos, criado, desenvolvido ou descoberto, em um processo de aprendizagem coletivo para lidar com os proble- mas socioemocionais dos membros do grupo e de adaptação com o ambiente externo. Uma vez consolidados, os pressupostos básicos da cultura, aquilo que é verdade indiscutível na organização, são transferidos aos demais participantes como guias culturais que orientam os modos considera- dos certos de pensar, sentir e agir (Schein, 1985, 2009). É preciso acrescentar, ainda, que a cultura organizacional só existirá quando entre os par- ticipantes houver suficiente história ou experiên- cias amplamente compartilhadas e recorren- tes. Apesar de ser possível, nas organizações, a existência de valores dominantes e amplamente compartilhados, o repertório dos participantes e os problemas típicos de cada unidade organi- zacional também poderão modelar culturas se- toriais diferenciadas; isto é, a inusitada realida- de social constituída de expectativas em relação ao desempenho de papéis, à inserção hierárqui- ca e aos modos típicos de especialização gera a proliferação de múltiplas culturas nas organiza- ções. A partir da base de valores organizacionais essenciais, os grupos, conforme o tipo de inser- ção e da formação profissional dos seus partici- pantes (executivos, engenheiros, operários, entre outros), elaboram um conjunto de convicções peculiares que orientam a específica realidade social que é compartilhada de modo mais inten- so (Van Maanen; Barley, 1984). Ao considerar- mos que os integrantes de determinado subgru- po compartilham experiências mais frequente- mente entre si do que com os demais, espera-se que os processos de perceber, pensar e sentir, que fluem dentro das unidades, sejam mais es- pecíficos, mais bem definidos e mais intensa- mente compartilhados do que os existentes nos demais âmbitos da organização (Harris, 1994). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 503 Em síntese, as subculturas são grupos de pessoas com um padrão especial ou peculiar de valores, mas que não são inconsistentes com os valores dominantes na organização. No entanto, quando os valores de deter- minadas unidades setoriais se tornam desalinha- dos com a cultura hegemônica ou dominante da organização, produz-se uma dinâmica cultural antagônica, denominada “contracultura”. Tal fa- to ganha proporção quando existem sistemas de valores que competem entre si, criando um mo- saico distinto de realidades socioculturais. Ao admitirmos a existência de movimentos de con- tracultura nas organizações, está implícito o re- conhecimento de que (Freitas, 1991, 2007): � múltiplas culturas coexistem; � conflitos são inerentes às interações humanas; � interesses das coalizões dominantes nem sempre coincidem com as expectativas dos demais segmentos da organização; � com relativa frequência, os interesses dos níveis alto e baixo da pirâmide organizacional são divergentes. Os trabalhadores que não ocupam posi- ções de gestão, não raro, refutam a lógica do sis- tema no qual os gestores têm salário superior, prestígio, além do direito de dizer o que deve ser feito. Tal ótica, percebida como indesejável, pro- duz, em geral, nos demais trabalhadores, ressen- timentos e desconfiança. Com base nisso, são produzidas convicções nos níveis inferiores da hierarquia organizacional que se opõem fron- talmente ao discurso que emana dos níveis de mando. Tal fato é reforçado pelas contradições comuns entre o que os gestores professam e pra- ticam (“faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”). À medida que o movimento de oposição ou de contracultura ganha adeptos nas diversas instâncias organizacionais, questionando e desa- fiando os padrões estabelecidos na cultura vigen- te, são estabelecidas condições para a reconstru- ção da cultura organizacional. As relações estabelecidas entre a organiza- ção e seu contexto cultural externo também po- dem desencadear movimentos de contracultu- ra. Por exemplo, as relações entre uma cultura nacional que progressivamente se democratiza, desloca o poder e constrói a cidadania e uma or- ganização que persiste em um modelo de gestão autocrático e hierárquico piramidal poderão ge- rar antagonismos culturais nas relações de tra- balho, criando, dessa forma, “terreno fértil” ao surgimento de contraculturas. Na próxima seção, serão apresentadas as origens e o processo de construção da cultura nas organizações. � ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA CULTURA ORGANIZACIONAL Para o psicólogo organizacional e do trabalho, é fundamental decifrar a “visão de mundo” dos fundadores e de seus principais colaboradores quando da criação de um empreendimento orga- nizacional. Os precursores influenciam a configu- ração dos valores iniciais de um empreendimen- to a partir de seus valores pessoais. Os valores pessoais, o sistema de crenças e as certezas que os empreen dedores têm são repassados aos de- mais trabalhadores como modos certos de sen- tir, pensar e agir. Uma vez que o empreendimen- to tenha obtido êxito a partir do exercício de tais convicções, elas passam a ser compreendi- das, compartilhadas e tidas como inquestiona- velmente corretas (Schein, 2009). Para isso, tais convicções são testadas e, uma vez aprovadas, a partir de comportamentos ou práticas sucessi- vas que logram consequências positivas, passam a integrar o universo cultural da organização. Em síntese, o papel dos dirigentes nesse momento histórico é o de estimular a realiza- ção de sucessivos testes de realidade, por meio da experimentação de variadas e repetidas abor- dagens, que podem ou não lograr êxito. Logo, são eles que preliminarmente animam e mobi- lizam as demais pessoas e outros recursos dis-poníveis necessários, com a finalidade de estabe- lecer o propósito de construir e gerir uma nova organização. Tal iniciativa encontra explicação nas convicções que movem os mentores e os de- mais integrantes. Os demais integrantes, por sua vez, ou consideram tais convicções um direito legítimo de quem tem os meios e os modos de produção, ou as percebem como ideais a serem seguidas, ou então se submetem passivamente a elas, em função das relações de poder. Em geral, o intuito dos pioneiros é o de, progressivamente, integrar emocional e cogniti- vamente os membros internos, bem como adap- tar o empreendimento ao contexto social que se encontra a sua volta. Isso porque é necessá- 504 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) rio que os participantes da organização saibam como proceder uns com os outros, levando em conta os diferentes níveis hierárquicos em que as pessoas se encontram. Também é necessário compreender como deve ser o relacionamen- to considerado correto com os segmentos ex- ternos, interessados nos produtos ou nos servi- ços da organização, como fornecedores, clientes, parceiros, competidores, entre outros. Na Figura 13.4 está representado o processo de construção da cultura organizacional. Desse modo, a cultura de uma organiza- ção é formada para responder a dois grandes de- safios com os quais se deparam todas as organi- zações (Schein, 1985, 2009): � problemas de integração interna de natureza socioemocional dos membros do grupo; � problemas de adaptação externa e de sobre- vivência. As questões de integração interna reque- rem respostas para questões referentes ao mo- do de estabelecer e manter relações de trabalho efetivas entre os membros de uma organização. Apesar de os problemas de integração in- terna (socioemocionais) variarem, de modo ge- ral, parecem comuns nas organizações os se- guintes desafios: � compartilhar linguagem; � discernir sobre quem faz e quem não faz parte do grupo; � definir critérios a respeito de como recrutar e selecionar novos participantes; � compreender o sistema hierárquico e de normas do grupo; � saber como se relacionar uns com os outros; � compreender os comportamentos conside- rados desejáveis e indesejáveis; e � firmar acordo a respeito de como lidar com eventos considerados inexplicáveis. Caso não sejam encontradas soluções cul- turais consensuais, a ansiedade dos membros do grupo se amplia, em função da ausência de pa- drões que designem ordem e consistência. Por es- se motivo, a perspectiva de longevidade do gru- po fica ameaçada, uma vez que a cultura instá- vel proporciona caráter ambíguo entre o que seja certo ou errado, bom ou ruim, melhor ou pior, tornando difícil compreender quais são os mo- dos considerados certos de “sentir, pensar e agir”. Já os problemas de adaptação externa e de sobrevivência impõem o desafio de encon- trar um posicionamento estratégico adequado no ambiente externo (nicho) e a necessidade de construir aprendizagens para lidar com as cons- tantes mudanças do ambiente externo. Os desafios proporcionados pelo ambien- te externo das organizações requerem atenção nas seguintes questões: � Qual é, ou deve ser, a missão básica da orga- nização (estratégia)? � Quais metas devem ser atingidas como modo de concretização da missão da organização (metas)? � Quais são os meios (estrutura da organi- zação, sistemas de recompensas, entre ou- Figura 13.4 Processo de construção da cultura organizacional. CULTURA RESULTADOS FUNDADORES E COLABORADORES COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 505 Quadro 13.5 Nascimento da cultura organizacional Fundadores e colaboradores Comportamento organizacional - Resultados Cultura tros) considerados condizentes para que as metas possam ser atingidas (definição dos meios)? � Quais devem ser os critérios de desempenho para que o grupo possa avaliar se está atin- gindo ou não seus propósitos (medida de desempenho)? � Quais mecanismos de correção devem ser praticados nas situações em que o grupo não está atingindo suas metas (correção)? Em suma, uma cultura organizacional emerge quando os participantes passam a com- partilhar conhecimentos e pressupostos de co- mo descobrir ou desenvolver modos de lidar com questões de adaptação externa e de integração interna. No Quadro 13.5, é mostrado um padrão considerado comum na explicação de como a cultura organizacional emerge. As premissas básicas da cultura, que pau- latinamente vão sendo inseridas no estágio ini- cial das organizações, influem na configuração da missão, nas metas, nas estruturas, nos proces- sos, nas medidas de desempenho e na instaura- ção de mecanismos corretivos e de recompensas. Assim, a cultura é, em parte, produto da impo- sição da visão de mundo dos fundadores ou de outras pessoas importantes no momento da cria- ção da organização. É nesse momento específico que são tomadas decisões fundamentais a respei- to de quais tecnologias usar, mercados a operar e princípios básicos da organização que nortearão os relacionamentos internos e externos. À medida que o conjunto de valores e cren- ças dos líderes e dos seus principais colaborado- res passa a ser expresso em modos de sentir, pen- sar e agir na comunidade organizacional, sinaliza o que é considerado correto e esperado na con- vivência das pessoas no cotidiano das organiza- ções. Ou seja, o que no início se configurava como visões particulares ou específicas de mundo, gra- dualmente passa a ser compartilhado. Uma vez estabelecidos, os comportamentos considerados apropriados são apresentados e transferidos às gerações futuras de dirigentes e aos demais in- tegrantes da comunidade organizacional. A me- dida de aceitação e legitimidade dessa realidade historicamente construída incidirá em maior ou menor grau de conflito presente no processo de transmissão da cultura. De acordo com Schein (2009), a carac- terística cultural mais evidente nas organiza- ções recém-criadas é o fato de elas serem pro- duto de fundadores e de pessoas próximas que deram algum tipo de contribuição efetiva para sua edificação. As certezas profundas, os valores e as crenças pessoais dos empreendedores são repassados aos demais participantes. Tais cer- tezas, valores e crenças funcionam como um amálgama que mantém a identidade da orga- nização. Nesse estágio embrionário, a cultura é o principal ativo da organização, sendo siste- maticamente testada e colocada em prática. Se 506 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) for confirmada, com a organização sendo bem- -sucedida em suas investidas, a cultura tende a se firmar. De modo contrário, se a organiza- ção fracassar, é provável que os idealizadores da cultura sejam refutados e que suas verdades a respeito do empreendimento sejam desafiadas e abandonadas. O processo de criação e implementação da cultura se dá principalmente por meio dos com- portamentos das principais lideranças da orga- nização. Nesse momento, os outros participan- tes focam mais atenção no que é feito e menos no que é dito. Para eles, é relevante o que as lide- ranças praticam, as decisões que tomam, o que apreciam e não gostam, bem como as recom- pensas e as punições que distribuem. Em orga- nizações jovens e em fase de crescimento, o com- portamento das principais lideranças influencia a forma que terá a cultura da organização. Já os mecanismos de apoio das estruturas e dos pro- cessos (mecanismos secundários de articulação e reforço) são importantes em organizações com certa idade, uma vez que as novas gerações de lí- deres organizacionais passarão a ser influencia- das por tais estruturas e processos. Nesse caso, os mecanismos secundários também irão influen- ciar na determinação das características pessoais necessárias para atuar em posições de liderança (supervisão, gerência, diretoria, etc.) na organi- zação. No Quadro 13.6, são mostrados os meca- nismos primários e secundários de criaçãoe im- plementação da cultura organizacional. Ainda que os dirigentes pioneiros e seus co- laboradores próximos influenciem de modo deci- sivo os momentos de criação, o desenvolvimen- to e a consolidação da cultura organizacional, o processo de interação social configurado entre os demais participantes na resolução dos seus pro- blemas socioemocionais e de adaptação externa também pode ser transferido às gerações que se sucedem nas organizações, como guia de condu- tas consideradas desejáveis. Uma vez estabelecidos os primórdios da cultura, devem ocorrer práticas organizacio- nais com o intuito de consolidá-la, de modo que proporcione aos funcionários recém-admitidos e aos mais antigos um conjunto de experiên- cias compartilhadas. É o caso das diversas prá- ticas de gestão de pessoas que visam reforçar a cultura desejada para a organização. O proces- so de recrutamento e seleção, o sistema de ava- liação de desempenho, as atividades de treina- mento e desenvolvimento de carreira e as polí- ticas de promoção têm, entre outras finalidades, a função de promover o ajuste dos recém-che- gados, recompensando os que se adaptam e pu- nindo aqueles que desafiam a cultura. Pelo me- nos três componentes de uma política de recur- Quadro 13.6 Mecanismos primários e secundários de criação e implementação da cultura organizacional Mecanismos primários � � � � � status � Mecanismos secundários de articulação e reforço � design � � � � � Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 507 sos humanos constituem aspectos essenciais de preservação de uma cultura (Harrison; Carrol, 1991): � as práticas de seleção; � os métodos de socialização organizacional; e � as ações da administração do topo. Já no momento de entrada (atração e fil- tragem) dos novos membros organizacionais, por meio dos processos de recrutamento e se- leção, considerando a cultura compreendida e compartilhada “pelos de dentro”, é possível ava- liar se os novos membros sintonizam seus valo- res pessoais com os valores básicos da organiza- ção. Identificados aspectos comuns de recipro- cidade entre valores pessoais e organizacionais, o processo de socialização organizacional te- rá a incumbência de mostrar aos novatos o que é considerado certo e errado na nova realidade organizacional em que estão recém-adentran- do. Por fim, um fator não menos importante do que os dois anteriores, e que poderá confirmá- -los ou não, refere-se às práticas adotadas pelos dirigentes em todos os níveis da hierarquia or- ganizacional. Quando tais comportamentos são consistentes com as expectativas anunciadas no processo de seleção e com os ensinamentos pro- fessados no momento da socialização, a cultu- ra é reforçada e torna-se consistente. De modo contrário, quando os discursos propalados nos momentos de seleção e de socialização não são confirmados por práticas efetivas dos dirigentes, a cultura é colocada em xeque, e os novos mem- bros ficam sem saber como agir. Em síntese, esta seção discutiu os fatores considerados importantes no processo de cria- ção e manutenção da cultura organizacional. En- tre eles, foi destacado o papel que os fundadores ou pioneiros de um empreendimento e seus cola- boradores desempenham no processo de criação e manutenção da cultura organizacional. Também foi lembrado que, embora os fundadores sejam importantes no processo de construção da cultu- ra, a interação social que os demais participan- tes em geral estabelecem também pode cons- truir modos típicos de proceder, que poderão ser transferidos às futuras gerações de membros da organização. Na próxima seção, será conferida atenção especial aos valores organizacionais como cons- tituintes centrais da cultura organizacional. � OS VALORES COMO ELEMENTOS CENTRAIS DA CULTURA ORGANIZACIONAL Algumas questões assumem relevância nestes tempos em que os noticiários publicam cons- tantes escândalos corporativos. A busca de pro- dutividade nas organizações e a corrida imposta pela competitividade estão levando ao abando- no dos princípios éticos? Estamos vivendo uma crise de valores na gestão das empresas, com im- plicações de degradação moral, ambiental e psi- cológica? Os negócios, por natureza, são ineren- temente não éticos e pautados pela busca desen- freada de lucro? Tais perguntas foram suscitadas em base de Procópio (2012), que reflete preocu- pações tanto no âmbito acadêmico como no das práticas de gestores e cidadãos responsáveis, pe- la repetição e magnitude que avultam na gestão das organizações de todos os setores, talvez hoje, em especial, nas públicas. Tal discussão incide, inevitavelmente, no conceito de valores. Os autores, fundamentados no pressuposto de que são os valores que expli- cam como alguém ou um grupo decide (proces- so que leva a ações) entre as alternativas possí- veis de escolhas, produzem uma literatura que pode nos esclarecer. Um ou mais valores, como ponto de partida, tendem a influenciar compor- tamentos individuais e coletivos. Nas preferên- cias corriqueiras por determinados objetos ou eventos, bem como nas opiniões mais sofistica- das por ideais políticos ou prioridades estéticas, revela-se a base de valores. Eles não residem na qualidade inerente das coisas. São princípios ou critérios, a partir dos quais seleções, opções e avaliações são feitas por humanos. Orientam as percepções, como filtros indutores do que é cap- tado (ou seja, parcela de elementos da realidade é descartada) e interpretado, para resultar naqui- lo que é classificado como bom ou ruim, belo ou feio, melhor ou pior, justo ou injusto, correto ou incorreto. O caráter psicossocial dos valores é ine- quívoco. O critério de interpretação da realida- de é subjetivo, sucede a partir de cada indivíduo, mesmo quando compõe decisões coletivas. Con- tudo, decorre e faz parte do processo de sociali- zação e, portanto, é intersubjetivo e construí do socialmente. Nesse sentido, os valores não são idiossin- cráticos ou reduzidos à subjetividade indivi dual. Têm origem nos contextos social e cultural. Não 508 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) são inatos ou transmitidos geneticamente. Na infância, como se sabe, são reproduzidos nas agências primárias de socialização e, ao longo do desenvolvimento adulto, em inúmeras orga- nizações e instituições. Ser socializado, por con- seguinte, é aprender valores. Com isso, não se excluem a participação ativa ou a contraparti- da individual e a dinamicidade do processo, co- nhecido por produzir e ser produto do sistema. Ao ingressar em uma organização de tra- balho, em geral, o trabalhador passou por inú- meros grupos sociais, a depender de sua trajetó- ria pessoal, origem étnica, religiosa, entre outros fatores. De muitas maneiras os valores pratica- dos na organização serão confrontados com o que resultou das trajetórias individuais para ca- da um que nela adentra. O estabelecimento de um sistema de valores que orienta as estraté- gias e as decisões organizacionais pauta a con- duta da comunidade e, com o tempo, marca as características da cultura como algo único não é um processo facilmente administrável nem sus- cetível de programas de mudança a serviço de gestores açodados por imediatismos utilitaristas (Quadro 13.7). A constituição histórica do Brasil, sobre- tudo a partir da vinda de Dom João VI, no início do século XIX, e da migração acentuada, no fim do mesmo século, somada à intensificação das comunicações, ao trânsito internacional pro- gressivo de pessoas no século XX e, ultimamen- te, às dificuldades enfrentadas por países euro- Quadro 13.7 Conceitos e articulações conceituais sobre valores e pressupostos self - - - Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 509 peus, que levam ao deslocamento de trabalha- dores para cá, faz de nossa realidade um âmbito especial de miscigenação étnica. Tais fatos, por si, recolocam o foco no conceito corrente em ciên cias sociais e humanas de valor ou valores. Fenômenosrecentes, como a construção de carreiras transnacionais e o interesse de gru- pos estrangeiros por aquisições em outros paí- ses, contribuem para que o conceito de valores culturais se destaque nos estudos organizacio- nais. Além disso, na medida em que a formu- lação estratégica, desde sua emergência, a par- tir dos anos de 1970, foi fortalecida, as noções de propósito, missão, objetivos e metas, repercutem sobre a necessidade de pautar os comportamen- tos dos participantes em base de princípios nor- teadores. Princípios ou convicções norteadoras nada mais são que valores. É nesse sentido que “[...] metas desejáveis e transituacionais, que va- riam em importância, servem como princípios na vida de uma pessoa ou de outra entidade so- cial [...]” (Schwartz, 2006, p. 58). As interpretações compartilhadas que ca- racterizam uma cultura organizacional repou- sam, em última análise, em pressupostos, ou, por definição, em uma base de valores enraiza- dos. As percepções, atitudes e outros processos psicológicos básicos que, em interação com o ambiente externo, resultam nos comportamen- tos manifestos são influenciados pelos valores. A eficácia da cultura, portanto, é proporcional ao alinhamento e à coerência dos valores com aquilo que constitui a razão última de existência da or- ganização. Ou seja, declarar que transparência, por exemplo, é um valor central e agir de modo contrário e disseminar a contradição estende-se na coletividade como dissonância e incoerência. Afeta, às vezes em prazo não longo, aspectos co- mo o controle, o senso de identidade, a estabili- dade e a coesão. Culturas construídas em torno de e em busca autêntica de propósitos claros, compro- metidas com valores compartilhados e práticas coerentes de alinhamento aumentam as possi- bilidades de diminuir comportamentos contra- producentes, tensões desnecessárias e outras ad- versidades. O processo de atração, seleção e re- tenção orientado pela compreensão da cultura, consideradas as subculturas e até contraculturas, e pela análise das características dos pretenden- tes ou ingressantes – em especial os valores pri- mordiais em seus desenvolvimentos – pode ace- lerar as aprendizagens, a afiliação e a satisfação no contexto de trabalho. Allen (2006) descobriu tendências de redução da rotatividade quando o processo de socialização organizacional é moni- torado. Nas últimas décadas, as aquisições e fu- sões empresariais cresceram em quantidade, se comparadas aos períodos precedentes. De cer- to modo, trouxeram à tona um fenômeno ve- rificado, através da história, pela submissão de outros povos por países dominantes. Apesar do exagero da analogia, muitos embates de valores entre as pessoas da organização com maior po- der e as pessoas da organização adquirida guar- dam semelhanças com os fatos históricos. Mui- tas vezes, resultados que, do ponto de vista fi- nanceiro, poderiam ser positivos esbarram nas dificuldades dos relacionamentos conflituosos que são instalados desde o ato da fusão. Proce- dimentos para lidar com fenômenos dessa natu- reza incluem a assimilação dos valores da orga- nização adquirida, a integração de duas ou mais culturas com vistas a uma nova cultura, a pre- servação máxima da cultura dominante e a im- posição dos valores, ou aculturação progressiva (McShane; Olekalns; Travaglione, 2010). Enfim, qualquer alternativa, é claro, tem consequências que podem colocar em risco a sustentabilidade organizacional e demanda exame atento dos va- lores arraigados nos diversos segmentos. Na seção que segue, a cultura organizacio- nal será examinada a partir de diferentes níveis de análise: o nível dos pressupostos básicos, con- siderado o mais profundo; o dos valores, com- preendido como um nível intermediário; e o dos artefatos visíveis, que, embora seja o mais super- ficial na análise da cultura, nem sempre é de fá- cil compreensão. Além disso, também serão es- tudadas as diferentes possibilidades de análise da cultura organizacional, nos níveis do indiví- duo, do grupo e da organização. � PERSPECTIVAS E DIFERENTES NÍVEIS DE ANÁLISE DA CULTURA ORGANIZACIONAL A descrição e a análise aprofundada da cultu- ra organizacional requerem compreendê-la na complexidade que envolve seus vários níveis. Já vimos, neste capítulo, que a noção de cultu- 510 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) ra serve de guia para a construção de sentido e para a ação nas organizações, tanto no nível do indivíduo quanto no nível do grupo. Embora o nível individual ainda permaneça relativamente negligenciado nos estudos acadêmicos, é sabido que, para criar e sustentar uma cultura, além do grupo ou do sistema organizacional como um todo, é necessário e imprescindível que a cultura seja transmitida por pessoas. Para o psicólogo que atua em organizações, a identificação dos valores básicos que orientam os comportamentos das pessoas em contextos de trabalho específicos torna-se substancial para a compreensão de ações vistas a princípio como ir- racionais ou ininteligíveis. Uma proposta para estudar as manifes- tações culturais no nível individual, considera- da na literatura uma das exceções, é a de Schein (1985, 2009), pois a maior parte das perspecti- vas de análise se endereça para o nível do gru- po e da organização. O interesse principal desse autor reside em decifrar a cultura de uma orga- nização a partir do entendimento e das influên- cias da visão de mundo, de valores, dos sistemas de crenças e estilos cognitivos dos fundadores e das principais lideranças da organização na cria- ção, consolidação e mudança da cultura organi- zacional. No nível mais superficial e visível de aná- lise da cultura organizacional, como represen- tado na Figura 13.5, encontram-se os artefatos visíveis e as criações. Tal instância compreen- de o ambiente físico da organização, seu layout, arquitetura, tecnologia, disposição dos escritó- rios, tipos de vestuário, padrões visíveis e audí- veis de comportamento, documentos públicos, como o contrato social, material para orienta- ção dos funcionários, no qual podem ser iden- tificados valores idealizados e crenças, além dos rituais e mitos organizacionais. Conforme re- comenda Schein (1984, 1985), devemos tomar muito cuidado com a análise da cultura organi- zacional nesse nível. Isso porque a interpretação nessa instância pode ser enganosa, pois é relati- vamente fácil mostrar como um grupo edifica seu ambiente físico e os comportamentos que as pessoas têm. O difícil, porém, é entender a lógi- ca subjacente que governa esses comportamen- tos. Em síntese, os artefatos visíveis e as criações se encontram no nível mais superficial de aná- lise da cultura organizacional. Embora visíveis e muitas vezes até palpáveis, não são facilmen- te decifráveis. No nível imediatamente abaixo dos arte- fatos visíveis, encontram-se os valores racionali- zados ou idealizados, que, em geral, funcionam como justificativas para os comportamentos atuais ou como manifestações de posturas apre- ciadas, mas que ainda não são sistematicamen- te praticadas. É o que Schein (1985) denomina de “valores aparentes (esposados)”. Valores idea- lizados ou racionalizados, ao representarem o que as pessoas desejam ou entendem ser os mais corretos, mas que não são praticados no cotidia- no, distanciam-se dos atos efetivos nas organiza- ções. O ditado popular “faça o que eu digo, mas não o que faço” é bem representativo desse tipo de situação. O autor ainda alerta para o fato de que não é simples identificar tais valores somente pela via da observação direta. Isso porque esses valores (aparentes ou esposados), em geral, ex- pressam aquilo que as pessoas dizem ser o mo- tivo do seu comportamento, o que, não raras vezes, constitui racionalização ou idealizações. Entretanto, as reais fontes explicativas que mo- tivam os comportamentos podem permanecer encobertas ou dissimuladas. Quando é o caso, os valores em uso ou ar- raigados passam a significar o essencialda iden- tidade e dos pressupostos de uma organização, visando alcançar seus propósitos mais fundamen- tais, na medida em que apresentam um senso de direção comum aos comportamentos do dia a dia dos funcionários. Ao se referirem aos valores or-Figura 13.5 Níveis de análise da cultura organizacional. Artefatos visíveis e audíveis Pressupostos básicos Crenças e valores esposados/ racionalizados Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 511 ganizacionais dessa maneira, autores como Ta- mayo e Gondim (1996) aproximam-se do que Schein (1984, 1985) entende serem os valores arraigados, ou seja, aqueles que de fato se con- fundem com as ações dos integrantes da organi- zação de modo sistemático. Os valores que um dia foram aparentes ou esposados integram, em um nível mais profundo, os pressupostos bási- cos da cultura organizacional, visto que foram gradativamente testados na realidade e foram dando certo. Quando passam a ser experimen- tados na condição de guias para ações em rela- ção aos problemas com o ambiente externo e de integração interna das pessoas na organização, logram êxito. Tornam-se válidos, cada vez me- nos questionados e, em decorrência, gradativa- mente naturalizados. Esses pressupostos básicos de cultura or- ganizacional, situados no nível mais profundo e de difícil acesso, são resultantes de respostas aprendidas pelas pessoas e, uma vez associados a comportamentos para solucionar problemas, tornam-se resistentes a questionamentos. Con- trapor-se a eles leva os membros da comunida- de organizacional a considerar quem assim pro- cede como opositores, ignorantes ou “malucos”. A razão disso é que os pressupostos básicos, ao serem considerados como “aquilo que é tido co- mo verdade inquestionável e natural da organiza- ção”, constituem-se na essência da cultura or- ganizacional. Em geral, tendem a ser invisíveis e pré-conscientes. Tais pressupostos, segundo o modelo proposto por Schein (1985, 2009), en- contram-se distribuídos em um conjunto de ca- tegorias lógicas. As categorias e os respectivos propósitos de cada uma delas são apresentados no Quadro 13.8. O conjunto de pressupostos básicos apre- sentado no Quadro 13.8 orienta-se por uma ne- cessidade premente de ordem e consistência. Sua composição constitui os paradigmas cul- turais: suposições ou premissas inter-relaciona- das, quase sempre consistentes entre si, que de- finem limites entre o acerto e o erro, entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre o que pode e o que não pode, entre o que é bom ou ruim, en- Quadro 13.8 Categorias lógicas de cultura organizacional Categorias lógicas de cultura organizacional Propósitos 512 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) Quadro 13.9 Categorias lógicas de cultura organizacional e exemplos de pressupostos básicos da cultura das Empresas Leilane Categorias lógicas de Pressupostos básicos cultura organizacional na organização pesquisada - - tre o que é melhor ou pior. Ou seja, estabelecem um padrão coerente e orientador do que é cer- to fazer na resolução de problemas internos das organizações, como também no trato das coisas com seu ambiente externo (Schein, 1984). Ao considerarmos que os seres humanos têm ne- cessidade de ordem e consistência, pode-se con- ceber que os grupos tenderão a elaborar conjun- tos de pressupostos que sejam coerentes e con- sistentes. Compreender a cultura, portanto, exige de- codificar as razões encobertas dos comporta- mentos individuais e coletivos. Muitas vezes, elas não são questionadas e, assim, tornam-se natu- rais: aquilo que é tido como verdade na organi- zação. As premissas e os valores compartilhados que orientam tais comportamentos dão origem às estratégias, aos objetivos e às justificativas pa- ra as ações revestidas de racionalidade que são propostas, subjacentes nos modos de o grupo perceber, pensar e sentir. O Quadro 13.9 apresenta um exemplo de pressupostos básicos de cultura identificados a partir de um estudo realizado em uma empresa do setor cerâmico de Santa Catarina. O modelo tradicional de análise da cul- tura induz a uma visão estanque dos níveis, em que seus componentes são interpretados em uma relação de pertinência mecânica, contem- plando, de modo hierarquizado, os níveis indivi- dual, grupal, organizacional e da cultura nacio- nal. Em alternativa ao modelo tradicional, a Fi- Psicologia, organizações e trabalho no Brasil � 513 Figura 13.6 Conceituação multinível de cultura. gura 13.6 representa visualmente uma proposta de Chao (2000) para a conceituação multinível de cultura, na qual o indivíduo é visto em intera- ção simultânea com os níveis do grupo (grupos da organização, grupos minoritários e outros), da organização e das culturas mais amplas (na- cionais e estrangeiras). Outra perspectiva de compreensão mul- tinível da cultura organizacional se dá por meio da caracterização de níveis centrais, interme- diários e periféricos. A endocultura, ou cultu- ra instalada, é formada pelo núcleo já conso- lidado. Os valores centrais são expressos de modo recorrente por meio das interações hu- manas estabelecidas nas organizações. Compa- rando com os níveis da cultura propostos por Schein (2009), essa instância corresponde à dos pressupostos básicos. A distinção é que, nes- sa configuração, os traços essenciais da cultu- ra estão cristalizados e definidos. Contudo, ao contrário do que está estabelecido no mode- lo multinível anteriormente proposto, no qual foi enfatizada a ideia de valores e crenças in- conscientes, tais valores e crenças são perceptí- veis ou conscientes para a maioria das pessoas. A mesocultura, ou cultura em afirmação, cons- titui nível intermediário de padrões ou hábitos razoavelmente estabelecidos. No caso do mo- delo proposto por Schein (2009), o nível in- termediário cor responde a tudo que é racio- nalizado ou idealizado, mas que ainda é pra- ticado com pouca frequência. Por isso, não são incomuns as contradições, por exemplo, entre o que é dito e o que é feito. Por último, a exo- cultura, ou cultura potencial, caracteriza-se pe- lo nível externo da cultura corporativa. Esse ní- vel é formado por condutas ainda experimen- tais ou “símbolos em processo de assimilação ou fusão” com o nível anterior, mas que ainda não são recorrentes o suficiente para serem cla- ramente percebidos como incorporados à cul- tura. Tal nível, sendo o superficial, permite fa- zer correlações com o nível dos artefatos visíveis descrito por Schein (2009). Nele, nem todas as estruturas, processos e comportamentos expres- sam os pressupostos mais profundos da cultura organizacional. Por isso, os pressupostostos são caracterizados como visíveis ou superficiais, ou, ainda, potenciais (ainda em estado de vir a ser). Em síntese, representam tentativas de instala- ção de uma cultura que ainda não se encontra consolidada. As mudanças no ambiente exter- no afetam mais diretamente o nível três, que se encontra em contato direto com as alterações que ocorrem nesse contexto. Embora com me- nor intensidade, o nível dois pode também ser afetado, enquanto, no nível um, considerado de maior cristalização dos pressupostos culturais, as alterações produzidas tendem a ser mínimas. O que pode facilitar a transição dos traços cultu- rais (artefatos visíveis) do nível três para o nível dois ou desse para o nível um é principalmente a coerência entre práticas organizacionais e dis- cursos públicos (ou ideário propalado), os dois últimos compreendidos como ideias ou concei- tos fundamentais que têm o potencial de orien- tar decisões e ações na vida organizacional (Oli- veira, 2009). 514 � Zanelli, Borges-Andrade & Bastos (Orgs.) Nesta seção, procuramos evidenciar a im- portância de diferentes perspectivas e níveis de análise de cultura para o psicólogo organizacio- nal e do trabalho compreender o comportamen- to humano nas organizações. Tal tarefa foi rea- lizada fundamentalmente com base nas propo- sições