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Fundamentos socio histórico da educação

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Prévia do material em texto

Fundamentos Sócio-Históricos da
Educação
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Reitora
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ 
Vice-Reitor
EDUARDO RAMALHO RABENHORST 
EDITORA DA UFPB
Diretora
IZABEL FRANÇA DE LIMA 
Vice-Diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA 
Supervisão de Editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR
Supervisão de Produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
CONSELHO EDITORIAL
Prof Dr. Lucídio Cabral ..................................(UFPB)
Prof Dr. Danielle Rousy..................................(UFPB)
Anderson Moebus Retondar
Fundamentos Sócio-Históricos da
Educação
Editora da UFPB
João Pessoa 
2013
Capa - Projeto gráfico: Renato Arrais e Eduardo Santana
Editoração eletrônica: Eduardo Santana
Catalogação na publicação
Universidade Federal da Paraíba
Biblioteca Setorial do CCEN
R437f Retondar, Anderson Moebus.
 Fundamentos sócio-históricos da educação / Anderson Moebus Retondar; 
editor: Eduardo de Santana Medeiros Alexandre, revisora: Camyle Araújo. - 
João Pessoa: Curso de Licenciatura em Computação na Modalidade à 
Distância / UFPB, 2013.
 81p. : il. – 
 ISBN: 978-85-237-0731-6
 Curso de Licenciatura em Computação na Modalidade à Distância. 
Universidade Federal da Paraíba.
 1. Computação. 2. Informática. 3. Redes de computadores. 
BS-CCEN CDU 004
Todos os direitos e responsabilidades dos autores.
EDITORA DA UFPB
Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária 
 João Pessoa – Paraíba – Brasil
CEP: 58.051 – 970 
http://www.editora.ufpb.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Ed. v1.0.4
i
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Sumário
1 A educação como fenômeno sócio-histórico 1
1.1 Breves passagens sobre a história da educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 Sociologia e sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Socialização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.4 A educação como Instituição Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5 Educação e mobilidade social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.6 Educação e cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.6.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.7 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2 A educação na teoria sociológica clássica e contemporânea 23
2.1 Émile Durkheim e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Karl Marx e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.3 Max Weber e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Pierre Bourdieu e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.5 Paulo Freire e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.6 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
ii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
3 A educação na sociedade contemporânea 51
3.1 Da modernidade à pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.2 A educação na pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.3 Sociedade de consumo, globalização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
3.4 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
4 Referências 66
4.1 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
5 Índice Remissivo 68
iii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Prefácio
Na sociedade contemporânea, a educação tornou-se um dos maiores desafios para as nações, gover-
nos, Estados e para os próprios educadores.
Ao mesmo tempo é comum afirmar que, para uma sociedade se desenvolver deve-se, antes de tudo,
desenvolver e aprimorar seu sistema educacional, expandindo para um número cada vez maior de
indivíduos e com uma qualidade cada vez mais elaborada.
Ao mesmo tempo, os canais “tradicionais” da produção do saber, como a escola e a universidade,
entraram em concorrência com um conjunto de outros espaços que requerem para si, também, o papel
de “espaços educacionais”, como os meios de comunicação de massa e a internet.
Cada vez mais percebemos mudanças substantivas nas práticas educativas que agora devem estar mais
próximas do universo das imagens e do espetáculo.
A informação circula livremente e em velocidade quase instantânea pelas redes sociais, sites e blogs,
pelos telejornais, “chats” e toda forma de comunicação virtual.
Neste contexto, o fenômeno da educação se encontra desafiado pelos mecanismos, processos e es-
truturas da sociedade contemporânea que preza, fortemente, pela instantaneidade e efemeridade das
relações e processos sociais.
Cada vez mais precisamos otimizar nosso tempo. Cada vez mais a durabilidade das coisas, e até
de nossas relações, se torna menor. Pretendemos otimizar, entre outras coisas, o nosso aprendizado.
Queremos aprender mais em menos tempo. E parece que a sociedade atual exige de nós sermos mais
rápidos e mais competentes.
Mas porque isto é, ou se tornou assim?
Uma das questões mais importantes que envolverá nossa disciplina é, exatamente transformar aquilo
que nos parece um fato em um problema. Mas atenção: isto não quer dizer que transformar algo em
um problema signifique transformar algo positivo em negativo. Ao contrário, do ponto de vista cientí-
fico, que é o que nos interessa, transformar algo em um problema é produzir um questionamento sobre
este “algo”. Ou seja, transformar alguma coisa que nos parece natural em um problema (científico)
significa produzir uma reflexão sobre a mesma, questioná-la, ou seja, procurar conhecer ou mesmo
compreender alguns de seus fundamentos
A velha história da maçã que cai sobre Isaac Newton no momento em que repousava embaixo de uma
macieira e que, a partir daí, desperta nele a dúvida sobre a força da gravidade, apesar de mitológica,
já que não há um consenso de que ela tenha ocorrido de fato, é muito significativa para nossa argu-
mentação, afinal, uma maçã caindo do galho é um fato absolutamente banal. Ao transformá-la em um
“problema”, Newton produziu uma reflexão que foi responsável por gerar uma das principais teorias
da física clássica.
A educação será, aqui, nossa maçã. Problematizar sua constituição e seus fundamentos sociais e
históricos será nossa tarefa e principal desafio.
iv
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
A educação como qualquer fenômeno de origem social, se encontra localizada no tempo e no espaço.
Isto quer dizer, entre outras coisas, que ela pressupõe uma localização sociale histórica.
Desvendar algumas pistas que revelem esta localização e seus fundamentos constituirá o objetivo
principal de nossa disciplina, a qual pretende, antes de tudo, contribuir para que o futuro educador
possa produzir em suas atividades cotidianas de trabalho uma reflexão constante sobre seu papel
na escola, na sociedade e assim contribuir para a formação de indivíduos comprometidos com o
pensamento crítico-reflexivo, transformando-os em verdadeiros sujeitos comprometidos com sua vida
social e política.
Para tanto, partiremos aqui de uma análise preliminar de um conjunto de teorias e concepções que
irão contribuir para equipar você, futuro educador, com algumas ferramentas conceituais e teóricas
nesta empreitada, utilizando para isso algumas contribuições da sociologia e da história acerca do
fenômeno da educação nas sociedades moderna e contemporânea.
Nossa disciplina irá se desenvolver em três momentos: a educação como fenômeno sócio histórico, a
educação no pensamento social clássico e contemporâneo e a educação na sociedade contemporânea.
Esperamos com isso traçar um panorama do fenômeno da educação em suas facetas sócio históricas,
buscando com isso tornar possível uma melhor compreensão das práticas educativas em nosso atual
contexto.
Boa leitura e bom estudo!
Público alvo
O público alvo desse livro são os alunos de Licenciatura em Computação, na modalidade à distância1.
Ele foi concebido para ser utilizado na disciplina Fundamentos Sócio-Históricos da Educação.
Como você deve estudar cada capítulo
• Leia a visão geral do capítulo
• Estude os conteúdos das seções
• Verifique se você atingiu os objetivos do capítulo
NA SALA DE AULA DO CURSO
• Tire dúvidas e discuta sobre as atividades do livro com outros integrantes do curso
• Leia materiais complementares eventualmente disponibilizados
• Realize as atividades propostas pelo professor da disciplina
1Embora ele tenha sido feito para atender aos alunos da Universidade Federal da Paraíba, o seu uso não se restringe
a esta universidade, podendo ser adotado por outras universidades do sistema UAB.
v
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Caixas de diálogo
Durante o texto foram colocadas caixas de diálogo, nesta seção apresentamos os significados delas.
Nota
Esta caixa é utilizada para realizar alguma reflexão.
Dica
Esta caixa é utilizada quando desejamos remeter a materiais complementares.
Importante
Esta caixa é utilizada para chamar atenção sobre algo importante.
Cuidado
Esta caixa é utilizada para alertar sobre algo potencialmente perigoso.
Atenção
Esta caixa é utilizada para alertar sobre algo potencialmente perigoso.
Os significados das caixas são apenas uma referência, podendo ser adaptados conforme as intenções
dos autores.
Contribuindo com o livro
Você pode contribuir com a atualização e correção deste livro. A tabela a seguir resume os métodos
de contribuições disponíveis:
vi
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Tabela 1: Métodos para contribuição do livro
Método de
contribui-
ção
Habilidades necessárias Descrição
Issue track
• Inscrição no site do
github
• Preenchimento de um
formulário
Consiste em acessar o repositório do livro e
submeter um erro, uma sugestão ou uma crítica —
através da criação de um Issue. Quando
providências forem tomadas você será notificado
disso.
Submissão
de correção
• Realizar fork de
projetos
• Atualizar texto do livro
• Realizar PullRequest
Consiste em acessar os arquivos fontes do livro,
realizar a correção desejada e submetê-la para
avaliação. Este processo é o mesmo utilizado na
produção de softwares livres.
Contribuição através do Issue track
Para contribuir com um erro, sugestão ou crítica através de um envio de uma mensagem acesse:
https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/issues/new
Figura 1: Exemplo de contribuição através do Issue track
vii
https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/issues/new
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Baixando a edição mais nova deste livro
Nós estamos constantemente atualizando o nosso material didático. Todas as versões deste livro
encontram-se disponíveis para download.
Dica
Acesse https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/-
releases para baixar a versão mais nova deste livro.
viii
https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/releases
https://github.com/edusantana/fundamentos-socio-historico-da-educacao-livro/releases
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Capítulo 1
A educação como fenômeno sócio-histórico
OBJETIVOS
Ao final deste capítulo você será capaz de:
• Perceber a educação como um fenômeno histórico e social;
• Reconhecer alguns momentos importantes ao longo da história do desenvolvimento do
fenômeno da educação;
• Discorrer sobre alguns dos principais conceitos da sociologia;
• Relacionar estes conceitos com o fenômeno da educação.
Caro aluno, este capítulo se dedicará a demostrar para você como a educação se caracteriza, antes
de tudo, como um fenômeno social e histórico, e para tanto, iremos refletir sobre o processo de
desenvolvimento da educação ao longo da história, bem como conhecer alguns instrumentos teórico-
conceituais da sociologia que servirão de base para que você perceba a atividade educativa como parte
de um movimento ativo da sociedade, de relações intersubjetivas e de poder, capacitando-o para sua
futura vida profissional enquanto educador.
1.1 Breves passagens sobre a história da educação
Podemos inferir que a educação surgiu concomitantemente ao aparecimento da humanidade, na me-
dida em que as relações entre os homens já são, por si sós, relações de aprendizado. No entanto,
a sistematização dos processos educativos é bem mais recente na história do homem, remontando à
Grécia antiga.
Para os gregos, a educação era percebida como uma forma de aprendizado cultural, onde a absorção
dos valores e tradições era um imperativo do processo educacional, que tinha como principal meta a
formação integral dos indivíduos, tanto sob o aspecto intelectual, quanto físico e moral.
A ideia que melhor representa a educação neste período da história é a de “paideia”, que significava
um aprendizado integral na busca da formação do cidadão. Tal ideia pressupõe um conhecimento
integral das artes, da gramática, da literatura, da educação física, permeado por preceitos e valores da
justiça.
Apesar da formação de caráter militarista que ficou muito conhecida na cidade de Esparta, foi em
Atenas, no século V ac., onde o desenvolvimento da Paideia encontrou sua plenitude com o avanço
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
das artes, filosofia, literatura, entre outras formas de expressão cultural, que deveriam ser cada vez
mais difundidas para o conjunto dos homens livres, formando assim, o cidadão da polis.
A escola era um espaço restrito ao universo masculino, mas que primava pelo princípio de uma educa-
ção abrangente, rica culturalmente, direcionada fundamentalmente para o engrandecimento humano.
Ainda hoje, a ideia de Paideia é mobilizada por educadores e pedagogos como o modelo de educação
mais adequado à formação dos indivíduos no sentido de uma educação integral que contemple os
mais diversos campos do saber.
Figura 1.1: Escola de Atenas: Rafael Sanzio
Posteriormente ao modelo grego, irá aparecer o sistema Romano de educação, no qual não existe o
princípio de democratização do conhecimento, ao contrário, este modelo está diretamente direcionado
à formação do civis romanus, que pelo conhecimento do direito, era tido como superior à outros povos,
sendo esta a base da ideia de “romanidade”
É interessante notar como na Roma antiga, a figura feminina apresenta um papel mais central nos pro-
cessos educativos, principalmente em relação ao que ocorre na Grécia onde a educação era monopólio
do homem.
As mulheres romanas assumem um papel fundamental na educação familiar, cabendo a elas a escolha
dos mestres e pedagogos que seriamos responsáveis pela formação de seus filhos, conferido a elas,
deste modo, maior autonomia e legitimidade no interior daquela sociedade.
Importante
A noção de Paideia grega se mantém até hoje como um modelo ideal de educação, pois
privilegia a formação global do indivíduo, tanto sob os aspectos disciplinares quanto sob a
formação do cidadão.
Após o período da Antiguidade Clássica, a educação irá se desenvolver na época medieval, marcada
pela sua relação estreita com a questão da religiosidade.
Sob o poder do cristianismo, a difusão do conhecimento era controlada de acordo com os preceitos
da igreja, devendo este antes de tudo ratificar a fé cristã.
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Ao mesmo tempo, o período medieval será marcado pela formação de um conjunto de instituições
educacionais que irão perdurar, guardadas evidentemente as distinções históricas, até nossos dias,
como a universidade e a escola.
Sob o monopólio dos preceitos religiosos, que deveriam ser severamente respeitados, a moral cristã
era difundida junto com as disciplinas de caráter mais acadêmico como as letras e filosofia.
Chamada posteriormente de “idade das trevas” e de “obscurantismo”, a educação no período medieval
será marcada fortemente por seu caráter conservador e de legitimação do poder instituído pela igreja
e pelos reis, um período onde a liberdade de produção do conhecimento é extremamente restrita, se
limitando àquilo que era permitido nos monastérios e nas catedrais.
Figura 1.2: Educação no período medieval
Após o período renascentista nos séculos XIV a XVI na Europa, marcado pela retomada paulatina
dos princípios gregos e romanos da educação e das artes, se constituiu a fase moderna da atividade
educacional que será marcada, essencialmente, pela separação entre a igreja e o Estado que, agora
passará a assumir o controle sobre a atividade educativa na sociedade.
Neste sentido, o processo educacional passa a ser racionalizado, sendo métodos de aprendizagem pro-
duzidos e difundidos, bem como a separação entre crianças e adultos nos espaços de aprendizagem,
ou seja, a escola passa a ser um espaço dedicado prioritariamente à infância, marcado pela disciplina
e pela didática, visando um aprimoramento dos indivíduos e de seu comportamento.
A educação moderna será caracterizada, antes de tudo, pelo primado da laicidade e da autonomia
intelectual. O conhecimento deve, antes de tudo, ser livre e guiado pelos princípios da razão em
detrimento de orientações exclusivamente teológicas e ou religiosas.
A própria possibilidade hoje de produzirmos campos de estudo sobre os processos educacionais, bem
como elaborar um conjunto de técnicas que aprimorem a produção e absorção do conhecimento, é
resultado das transformações históricas pelas quais passou o fenômeno da educação.
Exatamente por isso é possível hoje pensarmos em definir uma disciplina que busque interpretar
e compreender alguns fundamentos sócio-históricos da educação, orientados por um conjunto de
ciências que passam a servir de sustentação para este conhecimento, especialmente a história e a
sociologia.
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Dica
Para mais informações sobre história da educação consulte a ‘revista brasileira de história
da educação’ através do link: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe
1.1.1 Texto para reflexão
Texto: A Redescoberta da Cultura, São Paulo, EDUSP, 1997
Autor: Simon Schwartzman
“Recolocar em primeiro plano a questão da modernidade significa, em grande parte, trazer a questão
educacional para o centro das preocupações. A redescoberta e revalorização da questão educacional
é hoje um tema candente, e uma das tarefas mais centrais das ciências sociais contemporâneas. No
passado não muito distante, temas como o da escola pública vs. escola particular, a educação religi-
osa, ou direito à educação em língua materna mobilizavam sociedades inteiras, enchiam os jornais e
decidiam os resultados de eleições. A educação pública, universal e gratuita foi uma das grandes ban-
deiras do pensamento republicano a partir da Revolução Francesa, e a defesa do ensino privado e de
base familiar, sustentada pelas autoridades e pensadores católicos, marcou e marca até hoje os debates
do tema. Na sociologia de Émile Durkheim a educação era vista não somente como uma necessidade
instrumental das sociedades modernas, mas como o único cimento que poderia efetivamente mantê-la
integrada e solidária. O tema da renovação educacional fascinava os intelectuais russos nos primeiros
anos da Revolução de Outubro, e seria retomado nas preocupações de Gramsci.
Nas últimas décadas, no entanto, a questão educacional como que desapareceu como tema intelectual,
transformando-se em assunto "meramente"técnico ou administrativo. Esta desqualificação teve como
consequência que os temas relativos à educação saíssem do foco dos grandes debates e discussões,
ficando como que "relegados"aos especialistas, e entregues ao conflito localizado de interesses das
partes mais diretamente envolvidas com as instituições educacionais: pais, professores, secretarias e
ministérios de educação, livreiros, funcionários. A relativa decadência do tema da educação básica
se explica, em parte, pela progressiva expansão das universidades e do ensino superior nas últimas
décadas, atraindo para si os melhores talentos e as principais atenções, e relegando o ensino básico
para setores sociais menos privilegiados e menos capazes, consequentemente, de trazer seus temas
e interesses para o foco das atenções. A isto se somou a difusão da ideia de que, como fenômeno
superestrutural, a educação em si pouco podia fazer para alterar as condições de vida ou o sistema de
poder de uma sociedade, cujas molas mestras estariam na política e na economia. Esta desqualificação
da tarefa educacional tornou-se ainda mais acentuada a partir da difusão dos trabalhos de Bourdieu e
Passeron, que procuravam demonstrar como os sistemas educacionais simplesmente reproduziam as
estruturas de dominação existentes na sociedade mais ampla. Uma vez introduzidas entre os educa-
dores, estas idéias se somaram às suas frustrações com a falta de apoio, prestígio e reconhecimento de
que eram vítimas, levando ao abandono quase definitivo das preocupações de natureza pedagógica,
substituídas seja pela militância política, seja pela apatia pura e simples.
A redescoberta da educação se relaciona com a constatação de que, longe de serem neutras, as institui-
ções educacionais têm um impacto bastante significativo, ainda que controverso, sobre as sociedades
contemporâneas. Por um lado, análises econômicas complexas se somam à observação quotidiana
na demonstração de como a educação, como "capital humano", tem uma contribuição decisiva para
a criação da riqueza e para o desenvolvimento econômico. É cada vez mais claro, por exemplo, o
papel central que a educação jogou na ascensão do Japão como potência econômica de primeira gran-
deza nas últimas décadas, que parece estar se repetindo com igual força em outros países asiáticos
4 / 68
http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
de industrialização recente, como a Coréia do Sul e Taiwan; é também bastante clara, e dramática, a
limitação que a ausência de uma população educada coloca para um país como o Brasil, no momento
em que o desenvolvimento da automação industrial coloca em risco uma de suas principais "van-
tagens"comparativas internacionais, que era a existência de mão de obra abundante, desqualificada
e barata. Por outro lado, estudos sobre o impacto dos sistemas educacionais sobre a estratificação
social mostram que, ao contrário das expectativas otimistas do passado, estes sistemas tendem fre-
quentemente a consolidar e acentuar a desigualdade social; esta perspectiva tem sido especialmente
salientada após a frustração das esperanças depositadas, nos Estados Unidos, nos programas de "ação
afirmativa"nas escolas como forma de reduzir as desigualdades raciais que afetam a população negra
naquelepaís. A conciliação destes dois pontos de vista, em si mesmo verdadeiros, requer uma visão
mais complexa a respeito do relacionamento entre instituições educacionais e as de tipo econômico
e social. Assim, quando uma sociedade se expande, a educação parece funcionar como instrumento
poderoso de mobilidade social de novos grupos, e de incorporação de novas tecnologias e conheci-
mentos à sociedade; quando as sociedades estão estagnadas, a educação parece funcionar, sobretudo,
como elemento de seleção e discriminação social. Sozinha, ela pode menos do que se acreditava no
passado; em conjunto com outros processos de natureza social, política e econômica, a educação pode
marcar a diferença entre o sucesso e o fracasso”.
1.2 Sociologia e sociedade
Antes de iniciarmos nosso debate acerca dos conceitos fundamentais da sociologia e da relação entre
estes e o fenômeno da educação, cabem aqui algumas palavras introdutórias para familiarizar você
leitor com este universo complexo que é a ciência sociológica.
A sociologia irá se institucionalizar enquanto ciência na França entre o final do XIX e início do século
XX através de seu fundador, Èmile Durkheim.
No entanto, antes disto, ao longo dos séculos XVIII e XIX começa a se formar, no âmbito dos intelec-
tuais e filósofos europeus, especialmente na Inglaterra, França e Alemanha, um intenso debate sobre
as transformações por que passam estas sociedades e que constituem a lógica da sociedade moderna
e do capitalismo.
Este será um período altamente frutífero no campo das ideias, especialmente aquelas que passam a
ter o homem e a sociedade como centro de suas análises.
Neste período, a Europa passa por um momento de fortes dificuldades econômicas e aumento da
crise social. O capitalismo está ainda em sua fase inicial e envolve relações altamente desiguais entre
capitalistas e assalariados.
Além disso, a instabilidade política é muito grande. Os estratos sociais aristocráticos perdem cada
vez mais espaço na condução do poder que, agora passa a ser reclamado pela nova classe que exerce
o domínio econômico, a burguesia.
Este período será marcado pelas duas grandes revoluções nos campos econômico e político: a Revo-
lução Industrial a partir de 1780 e a Revolução Francesa em 1789.
Se a revolução industrial consolidou o capitalismo enquanto o sistema econômico hegemônico da
nova sociedade, trazendo com ele novas relações de desigualdade social, a revolução francesa lançou
os preceitos daquilo que seria a marca das relações políticas na modernidade, deslocando o poder que
antes estava centralizado nas mãos do rei, representante da Aristocracia, para o conjunto dos cidadãos
através de seus representantes políticos escolhidos por meio do sufrágio eleitoral que, mesmo sendo
restrito apenas aos homens alfabetizados e proprietários, marca o início de uma mudança significativa
no conjunto das relações políticas na sociedade.
5 / 68
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Neste contexto de intensas transformações econômicas, políticas e sociais, começam a se forjar refle-
xões sobre a nova dinâmica que abarca o mundo moderno. As explicações anteriores sobre o mundo,
que orientavam as sociedades pré-modernas, especialmente no período feudal, e que estavam determi-
nadas por discursos de natureza estritamente metafísica, ou seja, explicações que visavam justificar o
mundo e a ordem social a partir de entidades transcendentes, por exemplo, a partir da vontade divina,
não são mais suficientes como modelo de explicação da realidade social.
Se a religião era a principal forma de explicação metafísica do mundo, a partir do século XVIII,
especialmente com o movimento iluminista na Europa, começa a se estabelecer uma mudança estru-
tural no nível das mentalidades, mudança esta, que se caracterizará pelo predomínio da razão como
instrumento legítimo de explicação da natureza e do mundo social.
O homem, agora percebido como detentor de racionalidade, deixa de ser objeto, resultado de forças a
ele exteriores e transcendentes, e passa, de fato, a se tornar sujeito que atua no mundo e o constroi.
O mundo deixa de ser uma criação divina para ser resultado da atividade humana, racional, permeada
por conflitos, interesses, valores e visões de mundo que estão em concorrência. Este processo foi cha-
mado de ‘secularização do mundo’, que significa a substituição do discurso teológico-religioso pelo
discurso racional-científico como sendo, este último, o efetivo modelo de explicação da realidade.
É no interior deste contexto que nasce uma extrema efervescência intelectual que irá buscar compre-
ender e explicar a sociedade, o homem e suas relações. Daí o surgimento de um novo tipo de atitude
intelectual do homem com o mundo e sua própria realidade, processo este que se tornou fundamental
para a ascensão de uma reflexividade absolutamente radical, responsável pela emergência de teorias
que se tornaram referência no mundo intelectual moderno, como por exemplo, a explicação da origem
e desenvolvimento das espécies desenvolvida pelo inglês Charles Darwin (1809-1882), a dinâmica do
universo regulada por leis físicas proposta pelo também inglês Isaac Newton (1642 -1727) e, num
momento posterior, as interpretações sobre as contradições do capitalismo demonstradas nas análises
do alemão Karl Marx (1818- 1883), dos processos de racionalização apontadas pelo também alemão
Max Weber (1964-1920) e as análises da psicologia humana propostas pelo austríaco Sigmund Freud
(1856- 1939), só para citar alguns exemplos marcantes do desenvolvimento do pensamento científico
ocidental.
Se antes o mundo social era explicado em suas contradições como resultado de uma ordem transcen-
dente, divina, agora ele deve ser explicado racionalmente, uma explicação amparada em uma lógica
que lhe seja imanente, derivada da atividade do homem no mundo.
Isto torna possível, em grande medida, um conjunto de reflexões que irá proporcionar a criação de
uma forma sistematizada de percepção da realidade social, ou seja, o conhecimento sociológico.
Se como dissemos anteriormente a sociologia somente se institucionalizará enquanto disciplina aca-
dêmica entre o final do século XIX e início do XX, suas origens derivam de um intenso debate for-
jado ao longo do século XIX por um conjunto de intelectuais que já produziam interpretações sobre
o mundo social, de Auguste Comte a Karl Marx, responsáveis por elaborar interpretações profundas
sobre a dinâmica da sociedade moderna.
Importante
O processo de secularização do mundo, que significa a gradativa substituição do pensa-
mento metafísico pelo pensamento lógico-racional como modelo de explicação do mundo, foi
fundamental para o desenvolvimento da ciência na modernidade, especialmente da ciência
sociológica.
No decorrer do século XX, a sociologia ganha cada vez mais espaço e legitimidade no campo das
ciências humanas, especialmente a partir da Revolução Russa, em 1917, quando o mundo presenciou
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o início da formação de um bloco político, econômico e social que se apresentava como alternativa
ao modelo de desenvolvimento produzido pelo capitalismo.
A instituição de uma sociedade socialista, e depois de um bloco socialista, inspirado nos preceitos
teóricos de Marx, fez com que aumentasse a efervescência intelectual sobre os modelos de gestão
social, fortalecendo em grande medida o crescimento do debate sociológico acerca destes modelos,
catapultando assim a produção do conhecimento sociológico.
Nos dias atuais, a sociologia encontra-se consolidada enquanto ciência indispensável para aqueles que
pretendem produzir uma reflexão sistemática sobre o mundo e a realidade social. Um conhecimento
caracterizado por uma multiplicidade de interpretações, teorias e métodos de análise do mundo social
que, antes de tudo, reflete a própria diversidade e criatividade do homem.
Aqui iremos nos debruçar sobre um campo específico: o da educação como fenômeno sociológico,
tentando desvelar algumas relações que não são perceptíveis apenasatravés de um olhar superficial
sobre este fenômeno, o qual, com certeza, ocupa um lugar central na modernidade.
Dica
Para uma análise mais aprofundada das origens e constituição da Sociologia, consulte o link:
http://www.ecodesenvolvimento.org/biblioteca/livros/o-que-e-sociologia
1.2.1 Texto para reflexão
Texto: Sociologia. Porto Alegre, ArtMed, 2005. p.24-27
Autor: GIDDENS, A.
"Hoje vivemos – no começo do século XXI – num mundo profundamente preocupante, porém repleto
das mais extraordinárias promessas para o futuro. É um mundo inundado de mudanças, marcado
por enormes conflitos, tensões e divisões sociais, como também pelo ataque destrutivo da tecnologia
moderna ao ambiente natural. Mesmo assim, temos possibilidades de controlar nosso destino e moldar
nossas vidas para melhor, de um modo inimaginável para as gerações anteriores.
Como esse mundo surgiu? Por que nossas condições de vida são tão diferentes daquelas de nossos pais
e avós? Que direção as mudanças tomarão no futuro? Essas questões são a principal preocupação
da sociologia, um campo de estudo que consequentemente tem um papel fundamental na cultura
intelectual moderna.
A sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades. É um empreendi-
mento fascinante e irresistível, já que seu objeto de estudo é nosso próprio comportamento como
seres sociais. A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análise
de encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais e globais.
A maioria de nós vê o mundo a partir de características familiares a nossas próprias vidas. A soci-
ologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos como somos e
por que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como natural, inevitável,
bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa vida são fortemente influen-
ciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis, porém complexos e profundos, pelos
quais nossas vidas individuais refletem os contextos de nossa experiência social é fundamental para a
abordagem sociológica”.
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http://www.ecodesenvolvimento.org/biblioteca/livros/o-que-e-sociologia
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1.3 Socialização e educação
Importante
Todo processo de aprendizado, ou seja, todo processo educacional, é, antes de tudo, um
processo de socialização. Mas o que significa, em termos sociológicos, a ideia de “socializa-
ção”?
Ao longo do desenvolvimento da Sociologia, um dos seus temas centrais foi compreender as caracte-
rísticas dos processos de socialização que, grosso modo, podem ser definidos como os processos que
transformam o indivíduo em um membro da sociedade.
Podemos afirmar com alguma segurança que, sob o ponto de vista de nossa constituição biológica
somos, em geral, iguais, enquanto que, do ponto de vista social e cultural é notório que mantemos
diferenças substantivas em relação a outros seres de nossa espécie, e isto ocorre não apenas se pen-
sarmos na variação de uma sociedade para outra, como por exemplo, entre brasileiros e chineses,
mas também no interior de uma mesma sociedade, dadas as diferenças de classes, gêneros, diferenças
regionais, etc.
Se tais diferenças estão ligadas a estruturas sociais, contextos históricos e padrões culturais que são
peculiares a cada sociedade, podemos perceber que, processos de socialização distintos, produzem
indivíduos também distintos.
Socializar implica, num primeiro momento, absorver, introjetar, interiorizar e decodificar as normas,
regras, valores e instituições de uma dada sociedade. No entanto, se pensássemos que este processo
se desenvolve de maneira linear e igual para todos não haveria sentido pensar nas diferenças sociais.
Na verdade, o que ocorre é que os processos de socialização funcionam através de “filtros”, em que
certas regras, valores, instituições, normas e regulamentos sociais são absorvidos para que possamos
dar um sentido e direção às nossas vidas e ações.
Estes filtros dependem de um conjunto de elementos que formam o contexto de socialização dos
indivíduos e são bastante variáveis. De um modo geral, um dos principais filtros deste processo são
os grupos sociais nos quais o indivíduo está sendo socializado (educado) e onde exerce relações de
interação com outros indivíduos.
A família constituiu, em tese, o primeiro grupo de socialização de um indivíduo, se transformando no
que podemos chamar de um grupo primário. Evidentemente, este grupo irá desempenhar uma forte
influência sobre o indivíduo, seja no sentido deste aderir aos valores que são transmitidos a ele pelo
grupo ou mesmo através da negação destes valores pelo indivíduo.
No entanto, se pensarmos na variedade de características das famílias dentro de uma mesma sociedade
podemos logo perceber que haverá uma extrema diversidade de filtros, o que implicaria no processo
de constituição de uma extrema diversidade social.
Imaginemos a seguinte situação: numa maternidade dois bebês estão vindo ao mundo no mesmo
instante. Um deles pertence a uma família de classe média onde os pais são católicos praticantes.
O outro, também filho de pais de classe média, mas com uma diferença: estes se autodenominam
ateus e são fortes críticos do cristianismo. É evidente que valores distintos serão apresentados para
estas duas crianças no processo de seu crescimento, ou seja, elas serão socializadas em ambientes
sociais distintos, não sob o ponto de vista de classes, mas sob o ponto de vista de questões ligadas à
religiosidade.
Se é verdade que a absorção de valores não se constitui como um processo mecânico, automático, é
muito provável, no entanto, que estas crianças apreendam visões de mundo e representações sobre
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a questão da religiosidade, sob pontos de vista diversos ou mesmo antagônicos, um em relação ao
outro.
Imaginemos ainda que, quando atingirem a idade escolar elas venham a fazer parte da mesma escola,
sejam colegas de turma e estabeleçam forte laço de amizade. Imaginemos ainda que a relação entre
os filhos se expanda para além do círculo escolar e acabe envolvendo seus pais. Se, a primeira vista,
o conflito de valores é eminente, por outro lado, isto não implica na impossibilidade de convivência
entre os atores sociais em questão, tendo em vista que, outras regras e regulamentos sociais que deli-
mitam as relações de convivência social foram também interiorizados por processos de socialização,
neste caso, tanto dos filhos quanto dos pais.
Se as relações de convivência social amistosa, de princípios de sociabilidade bem como a possibili-
dade de conviver com diferenças de valores, mesmo que intensas, tiverem sido interiorizadas pelos
atores também como valores fundamentais, então é plausível pensar que relações de amizade e con-
vívio entre eles será plenamente possível, sendo o ponto de divergência deslocado para um segundo
plano como estratégia para a manutenção de um equilíbrio da relação.
Neste sentido, se a diversidade de valores e princípios é um fato na organização das sociedades, seria
de todo ingênuo considerar que tal diversidade é tão extensa a ponto de impedir o convívio social
entre os indivíduos de uma dada sociedade. Pelo contrário, através dos processos de socialização, a
sociedade acaba reproduzindo valores, representações, regulamentos e padrões de comportamentos
que tornam possível e sustentam a própria vida social.
O exemplo mais marcante disto é, talvez, a apreensão de uma das principais instituições da sociedade
pelo conjunto de seus membros, a linguagem.
Por maior que seja a diversidade existente entre os grupos sociais, a apreensão da linguagem é um
processo mais ou menos homogêneo entre os grupos, e isto, pela questão óbvia da necessidade de
comunicação. Isto não quer dizer que grupos não possam produzir linguagens próprias, o que, aliás,
é comum entre grupos que estabelecem códigos linguísticos próprios, como por exemplo, gírias e
fonemas específicos,mas isto é sempre um processo secundário, após já estarem socializados na
língua padrão de sua sociedade.
Se ampliarmos este processo para as regras e normas de uma sociedade o procedimento também não
é muito diferente. Todos nós aprendemos, por exemplo, que a realização de nossas necessidades fisi-
ológicas devem ser realizadas em espaços reservados, privados. Este é um padrão geral que, mesmo
que seja transgredido por alguns indivíduos, encontra um nível de consenso alto entre os membros de
uma mesma sociedade.
Neste sentido, pensar nos processos de socialização, implica pensar em processos educativos, com-
preendidos aqui de forma ampla como a interiorização e decodificação, mediada por grupos sociais,
dos regulamentos de uma dada sociedade.
Atenção
Os processos de socialização são fundamentais para os indivíduos de uma sociedade, pois
são através deles que aprendemos, através de processos de interiorização, a estabelecer
relações com o “outro” no universo social.
A escola é um dos principais filtros neste processo à medida que se constitui, certamente, como um
dos mais importantes espaços de socialização do indivíduo. Isto porque, é na escola que as regras de
conduta começam a ser apreendidas como regras gerais, independentes das especificidades dos mais
diferentes grupos primários que os indivíduos participam.
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A escola se define, neste caso, como um espaço de socialização secundária, onde a criança entra em
contato com uma realidade distinta daquela originalmente restrita ao grupo familiar. As figuras de
autoridade e disciplina são substituídas dos pais para outros agentes e, as regulamentações passam a
ser gerais e se aplicam agora a todos indistintamente.
Neste sentido, a escola se torna um dos principais ambientes de socialização secundária, no qual as
crianças passam a ter contato com novos regulamentos e outras figuras de autoridade como professo-
res, diretores, etc.
Além disso, o universo de interação da criança se amplia e, mais do que apenas o convívio com outras
crianças, ela passa a conviver com outros valores e regulamentos que derivam e são intermediados
por esta relação interativa.
Pensar deste modo o fenômeno da educação, como processo fundamental na socialização do indiví-
duo, significa pensá-lo não apenas como um processo de caráter formativo, mas também, um processo
que envolve a interiorização de regulamentos e normas sociais, ou seja, um processo com caráter co-
ercitivo que torna cada vez mais obrigatória o cumprimento destas regras e normas sociais.
Importante
Faça um exercício reflexivo e tente perceber alguns comportamentos seus que sejam decor-
rentes de processos de socialização ocorridos durante sua vida escolar.
1.3.1 Texto para reflexão
Texto: Socialização: como ser um membro da sociedade.
Autor: Berger, P
“O processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade é designado pelo
conceito de socialização. O mesmo revela um monte de facetas diversas. Os processos que acabam de
ser examinados constituem facetas da socialização. Vista sob este aspecto a socialização é a imposição
de padrões sociais à conduta individual. Conforme procuramos demonstrar, esses padrões chegam
mesmo a interferir nos processos fisiológicos do organismo. Conclui-se que na biografia do indivíduo
a socialização, especialmente em sua fase inicial, constitui um fato que se reveste dum tremendo
poder de constrição e duma importância extraordinária. Sob o ponto de vista do observador estranho,
os padrões impostos durante o processo de socialização são altamente relativos, conforme já vimos.
Dependem não apenas das características individuais dos adultos que cuidam da criança, mas também
dos vários grupamentos a que pertencem esses adultos. Assim, por exemplo, a natureza dos padrões
de conduta aplicados a uma criança depende não somente do fato de ser a mesma um gussi1 ou um
americano, mas também da circunstância de pertencer à classe média ou à classe operária dos Estados
Unidos. Mas sob o ponto de vista da criança, estes mesmos padrões são sentidos de forma bastante
absoluta. Temos razões para supor que, se não fosse assim, a criança seria perturbada e o processo de
socialização não poderia ser levado avante.
O caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta de dois fatos bastante simples:
o grande poder que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criança
e a ignorância desta sobre padrões alternativos. Os psicólogos divergem sobre se a criança tem a
impressão de que nessa fase da vida exerce um controle bastante pronunciado sobre os adultos (uma
vez que os mesmos são sensíveis às suas necessidades), ou se vê neles uma ameaça contínua, porque
1Povo africano que vive no Quênia.
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depende deles tão fortemente. De qualquer maneira, não pode haver a menor dúvida de que, em
termos objetivos, os adultos exercem um poder avassalador sobre a criança. É claro que esta pode
resistir à pressão exercida por eles, mas o resultado provável de qualquer conflito só poderá ser a
vitória dos adultos. São eles que trazem a maior parte das recompensas pelas quais anseia a criança
e dos castigos que teme. Na verdade, o simples fato de que a maior parte das crianças acaba por
socializar-se constitui prova cabal desse fato. Além disso, é evidente que a criança ignora qualquer
alternativa aos padrões de conduta que lhe são impostos. Os adultos apresentam-lhe um certo mundo –
e para a criança, este mundo é o mundo. Só posteriormente a mesma descobre que existem alternativas
fora desse mundo, que o mundo de seus pais é relativo no tempo e no espaço e que padrões diferentes
podem ser adotados. Só então o indivíduo toma conhecimento da relatividade dos padrões e dos
mundos sociais. . . ”
1.4 A educação como Instituição Social
Pensar a educação enquanto fenômeno social e histórico implica, antes de tudo, pensá-la enquanto
uma instituição social. Instituição esta que varia no tempo e no espaço quanto à sua forma, seus
objetivos e interesses, variável entre sociedades e culturas.
Importante
A primeira questão que iremos abordar nesta seção então será: o que é uma Instituição
Social?
Ao falarmos, de um ponto de vista sociológico em uma instituição social devemos, em um primeiro
momento, tentarmos nos afastar de concepções difundidas através do senso comum2 acerca do que
seja este conceito.
Quando falamos que a empresa de computadores X é uma instituição ou mesmo que o hospital Y
também é uma instituição estamos utilizando uma denominação corrente sobre o termo. Neste con-
texto, qualquer organização formal, seja uma empresa privada ou uma organização pública assumem
o significado de uma Instituição.
No entanto, a perspectiva sociológica elabora uma outra definição sobre o conceito, ou seja, tanto
a empresa X, quanto o hospital Y constituem, para a sociologia organizações formais, passíveis de
serem inclusive estudadas por um campo específico do conhecimento sociológico denominado Soci-
ologia das organizações. Mas não são, a rigor, Instituições em um sentido sociológico.
Falar em uma instituição social significa, em termos sociológicos, falar em modos de realização das
diversas práticas sociais sob uma forma específica, padronizada.
Como o nome sugere, uma instituição social é o resultado de um nível de consenso entre diversos ato-
res sociais a respeito de como fazer algo, de como se comportar em determinadas situações, inclusive
de como pensar a respeito de determinados valores, etc.
Ao definirmos, por exemplo, que a escola é o espaço legítimo para a realização e difusão do conhe-
cimento formal em uma sociedade, a transformamos em uma instituição social. Ao estabelecermos
um código através do qual é possibilitada a comunicação com o outro, instituímos a linguagem, que é
2Quando nos referimos ao termo “senso comum” ao longo deste texto, nos referimos às ideias, representações e
argumentos difundidos pela maior parte dos membrosde uma sociedade e que se referem a um tipo de conhecimento
imediato da realidade, não baseado em pesquisas ou construções de ordem científica.
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com certeza uma das mais importantes instituições sociais. Ao determinarmos que não podemos esta-
belecer relações sexuais com nossos pais e irmãos, estamos instituindo padrões de conduta específicos
que devem, neste caso, orientar nossa conduta sexual.
Neste sentido, as Instituições sociais são fundamentais para a ordem social na medida em que se
constituem como “caminhos” a partir dos quais orientamos nosso comportamento e conduta, nossa
reflexão e até mesmo nossas crenças e nossa localização no tempo e no espaço.
As instituições variam no decorrer do processo histórico. Isto significa dizer que, paralelamente a pro-
cessos de institucionalização ocorrem também processos de “desinstitucionalização”, onde costumes,
tipos de comportamentos e modos de conduta são substituídos por outros.
Tomemos como exemplo a constituição do poder nas sociedades. Durante o período final da Idade
Média, o modelo predominante de organização do poder era o poder monárquico centrado na figura
do rei como a materialização do poder soberano que controlava a ordem em uma dada comunidade
ou sociedade.
A partir da sociedade moderna, esta figura começa a se diluir nas sociedades do mundo ocidental
e, com ela, o regime de governo monárquico. Embora algumas sociedades hoje ainda mantenham
a figura do Rei ou Rainha, como Espanha, Suécia e Reino Unido, o poder efetivo destas figuras é
relativamente pequeno se comparado com outras instâncias de poder como o parlamento, câmaras de
governo, etc.
O princípio moderno do governo democrático desloca, por assim dizer, a concentração do poder das
mãos de um soberano para um poder que seja representativo do conjunto da sociedade. Se é verdade
que esta concepção é passível de um conjunto de críticas e ponderações, as quais não iremos aqui nos
deter, o que pretendemos demonstrar é que esta mudança implica, antes de tudo em uma significativa
ruptura institucional. Neste caso podemos perceber a “substituição” de uma instituição social por
outra, entendendo aí o termo substituição como a mudança de uma ordem que era hegemônica para
outra que agora se torna a forma legítima de orientação do comportamento social.
Podemos, ao mesmo tempo, pensar em processos de redefinição interna das instituições, que signifi-
cam não alterar a instituição em si, mas sim suas características e configurações originais.
A instituição da família é um dos exemplos mais marcantes deste processo pois podemos perceber
como sua constituição irá se modificar substantivamente ao longo da história.
O eminente historiador francês Philipes Ariès3, irá demonstrar como através do desenvolvimento
histórico a constituição do núcleo familiar irá variar substantivamente.
Na Idade Média, por exemplo, a figura da criança, tal qual a concebemos hoje, não existia. Os peque-
nos, que eram tratados literalmente como “pequenos adultos” já tinham responsabilidades em relação
ao trabalho, às atividades domésticas e até mesmo estabeleciam relações de aliança e sexuais. Neste
sentido, podemos perceber que o espaço da infância como um espaço da inocência, da proteção e da
não sexualidade é uma criação histórica da sociedade moderna e que compõe nosso imaginário social
como algo que não pode ser violado. Inclusive, criminalizamos o trabalho infantil, o estabelecendo
como delito. Institucionalizamos, por assim dizer, o espaço da infância como um espaço de aprendi-
zado, como uma esfera onde primordialmente a criança deve brincar e aprender, um espaço que deve,
acima de tudo, ser lúdico em oposição a atividade laboral.
O fato de não ter sido sempre assim, mostra como a sociedade é uma criação dinâmica, que varia e se
transforma constantemente, modificando suas instituições a todo o tempo.
Se verificarmos o crescimento do número de divórcios nas sociedades do mundo ocidental contem-
porâneo, no qual o Brasil é um exemplo emblemático, podemos perceber que agora as famílias se
3ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de. Janeiro: LTC, 1981.
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organizam a partir de novos “arranjos sociais”. Por exemplo, quando uma criança filha de pais divor-
ciados adentram em um novo universo familiar onde, além de seus pais biológicos, convivem com seu
padrasto ou madrasta que, eventualmente já trazem filhos de outro enlace que se tornam “irmãos”, e
assim por diante.
A legalização do casamento homossexual em alguns países como Canadá, Suécia, Noruega, Suécia e
Argentina, entre outros, implica também em uma nova forma de constituição familiar.
Como podemos perceber, não apenas as instituições sociais podem ser substituídas por outras, como
também uma determinada instituição social pode sofrer mudanças em sua própria constituição e ca-
racterísticas.
Importante
“As instituições sociais proporcionam métodos pelos quais a conduta humana
é padronizada, obrigada a seguir por caminhos considerados desejáveis pela
sociedade”.
— Berger, P. Perspectivas sociológicas
Este debate nos interessa mais de perto pelo fato de que a Escola é antes de tudo uma Instituição
social e, efetivamente, uma instituição social que varia também ao longo da história.
Figura 1.3: Novos modelos de família
As formas de aprendizado, as relações de poder que entremeiam a dinâmica professor/aluno, as tec-
nologias que influenciam na produção e passagem do conhecimento bem como as técnicas de didática
influenciam severamente esta instituição central de nossas sociedades.
Se até um passado não muito distante a aplicação do uso da violência física como controle disciplinar
era constante no espaço escolar, hoje este é um tipo de comportamento intolerável.
A relação professor aluno também se modificou drasticamente com o desenvolvimento das novas
tecnologias de informação. Se antes a figura do mestre era tida como a figura do detentor soberano do
conhecimento, isto é hoje cada vez mais relativizado, tanto através do reconhecimento das limitações
(que são absolutamente legítimas) dos professores, como pelo acesso irrestrito às tecnologias como
bases de dados, bibliotecas virtuais e a própria internet abrem uma gama de possibilidades para a
aquisição autônoma de conhecimentos pelos alunos.
Tais processos envolvem, evidentemente, uma redefinição dos papéis que os atores sociais que com-
põem esta instituição desempenham, produzindo assim a própria redefinição desta instituição social
e, neste caso, redefinindo a própria ideia do processo educativo.
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1.4.1 Texto para reflexão
Texto: Perspectivas Sociológicas. Petrópolis, Vozes, 1991. pags 101-102
Autor: Berger, P.
“Geralmente se define instituição como um complexo específico de ações sociais. Podemos dizer
assim que lei, classe, casamento ou religião organizada sejam instituições. Essa definição não nos
informa a maneira como a instituição se relaciona com as ações dos indivíduos envolvidos. Arnold
Gehlen, sociólogo alemão contemporâneo, ofereceu uma resposta sugestiva a esta questão. Gehlen
concebe a instituição como um órgão regulador, que canaliza as ações humanas quase da mesma
forma como os instintos canalizam o comportamento animal. Em outras palavras, as instituições
proporcionam métodos pelos quais a conduta humana é padronizada, obrigada a seguir por caminhos
considerados desejáveis pela sociedade. E o truque é executado ao se fazer com que esses caminhos
pareçam ao indivíduo como os únicos possíveis.
Citemos um exemplo. Como não é preciso ensinar os gatos a caçar ratos, existe aparentemente alguma
coisa no equipamento congênito de um gato (um instinto, se o leitor gostar do termo) que o faz agir
assim. Presumivelmente, quando um gato avista um rato, há alguma coisa que lhe diz: “Coma! Coma!
Coma” Não se pode dizer que o gato atende este apelo interior. Ele simplesmente segue a lei de seu ser
maisíntimo e arremete contra o pobre camundongo (o qual, suponho, escuta uma voz interior que diz:
“Corra! Corra! Corra”). O gato não tem outra alternativa. Mas agora voltemos ao casal cujo namoro
analisamos anteriormente. Quando nosso rapaz viu pela primeira vez a moça com quem representaria
a cena ao luar (ou, se não foi na primeira vez, algum tempo depois), também ouviu uma voz interior
que lhe dava uma ordem bem clara. E seu comportamento subsequente demonstra que ele também
não pôde resistir à voz de comando. Não, essa ordem imperativa não é essa que o leitor provavelmente
está pensando – esse imperativo nosso rapaz compartilha congenitamente com os gatos, chimpanzés
e crocodilos e não nos interessa no momento. O imperativo que nos interessa é aquele que lhe diz:
“Case-se! Case-se! Case-se!” Ao contrário do gato, nosso rapaz não nasceu com esse imperativo. Ele
lhe foi instilado pela sociedade, reforçado pelas incontáveis pressões de histórias de família, educação
moral, religião, dos meios de comunicação e da publicidade. Em outras palavras, o casamento não é
um instinto, e sim uma instituição. No entanto, a maneira como conduz o comportamento para canais
pré-determinados é muito semelhante à atuação dos instintos em seus setores”.
1.5 Educação e mobilidade social
A questão da mobilidade social se tornou um dos maiores desafios na contemporaneidade, especial-
mente para sociedades em desenvolvimento como, por exemplo, as sociedades que formam o cha-
mado grupo dos BRICS, sigla que significa o conjunto dos principais países em desenvolvimento na
atualidade: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Como o próprio nome sugere, mobilidade pressupõe a ideia de deslocamento, dinâmica, mudança em
um determinado espaço. No caso da mobilidade social estamos falando essencialmente da passagem
de indivíduos e/ou grupos de um estrato social para outro. Isto significa então, antes de tudo, delimitar
a sociedade em estratos sociais ou, em termos sociológicos, através de sistemas de Estratificação
Social.
A simbologia mais conhecida e utilizada para representarmos o sistema de estratificação em uma
sociedade é a pirâmide, pois ela revela uma forma marcada pela assimetria, uma base extensa e
um topo estreito, representando deste modo as relações desiguais que caracterizam um sistema de
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estratificação social onde a base seria a marca dos desfavorecidos que vai se elevando até o topo, que
representaria a minoria socialmente mais favorecida.
Figura 1.4: Liderança da classe C
Podemos falar de diversos sistemas de estratificação social como os sistema de classes, de gêneros,
de etnias, entre outros.
O deslocamento no interior destas pirâmides revela assim, processos de mobilidade social.
Um indivíduo pode ao longo da sua vida ter mobilidade social, tanto ascendente quanto descendente,
e isto pode variar devido à uma infinidade de fatores, desde um longo e árduo processo de aquisição
de conhecimento e luta por melhores postos de trabalho, até ser premiado por um bilhete de loteria o
que é, convenhamos, muito menos provável.
No entanto, apesar de reconhecer a possibilidade de mobilidade como resultado do esforço individual,
podemos perceber que movimentos massivos de mobilidade se devem, antes de tudo, a mudanças
estruturais em uma sociedade.
No caso do Brasil, a desigualdade social é um dos componentes mais marcantes de nossa sociedade.
A concentração de renda nas mãos dos estratos sociais superiores geram problemas efetivos ao de-
senvolvimento do país conforme a pirâmide social mostrada acima.
Apesar de ser um dos países com um dos maiores PIBs (produto interno bruto) do mundo, atualmente
ocupando a 7ª colocação mundial, apresentamos indicadores sociais altamente desfavoráveis.
Isto nos mostra que, independentemente da riqueza produzida, o grande desafio é sua distribuição, a
qual implicaria evidentemente em mobilidade social das camadas mais pobres em relação a padrões
de vida melhores.
Atualmente, se atribui como condição essencial para este processo o aumento dos níveis educacionais
das populações dos países em desenvolvimento.
Um dos exemplos mais recentes de sucesso em relação a isto foi a Coréia do Sul, que ao investir nas
últimas três décadas maciçamente em educação, elevou substantivamente a riqueza do país e reduziu
profundamente as desigualdades sociais.
Nesta perspectiva, é patente que uma das mudanças estruturais mais importantes para o aumento
da mobilidade social é a expansão do sistema de educação com alta qualidade para o maior número
possível de membros de uma sociedade. Isto implica não apenas em maior desenvolvimento científico
e tecnológico, mas também na produção de indivíduos mais capacitados para compreender sua própria
realidade sob um ponto de vista crítico.
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Se pensarmos que uma das maiores características do mundo moderno é a expansão de processos
de racionalização para as mais diversas esferas da vida social, então a questão do desenvolvimento
educacional se torna um imperativo ao desenvolvimento de uma sociedade mais racionalizada, o que
implica em uma sociedade mais consciente de seus próprios problemas e desafios.
Pensar a mobilidade social implica, deste modo, em pensar no desenvolvimento dos sistemas de
educação.
Num contexto onde a informação se tornou um dos principais capitais para a realização plena de
uma sociedade, sua aquisição parece ser uma variável absolutamente decisiva para munir indivíduos
e grupos, bem como capacitá-los para desenvolver caminhos que tornem possível sua mobilidade
social e reduzam as desigualdades sociais.
Neste sentido, a relação entre educação e mobilidade social é uma relação de interdependência onde,
dificilmente os estratos menos abastados da sociedade atingirão patamares razoáveis de qualidade de
vida sem estarem devidamente “educados”.
1.5.1 Texto para reflexão
Nota
Esta tese de doutororado da PUC-SP fala da importância do ensino privado para o resgate de
uma melhor qualidade de vida da sociedade brasileira. O texto acima se encontra disponível
em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11799
Texto: Educação superior e mobilidade social
Autor: Hermes Figueiredo
Houve, ao longo do século XX, dois momentos em que o Brasil expôs claramente a ocorrência do
fenômeno da mobilidade social ascendente. O primeiro se deu nas décadas de 30 e 40, sob Getúlio
Vargas, quando da ocorrência da industrialização de base do país. Já o segundo ocorreu na década
de 70, especificamente sob Emílio G. Médici, com o advento do que ficou conhecido como "milagre
econômico".
Ambos os movimentos, bastante vigorosos e explícitos no tecido social, refletiram basicamente trans-
formações estruturais da macroeconomia e das relações de trabalho. A industrialização, no primeiro
momento, e a forte presença do Estado como investidor, no segundo, modificaram o perfil da massa
populacional produtiva, fazendo com que houvesse, em decorrência, movimentos semelhantes a on-
das coletivas de mobilidade estrutural ascendente.
A década de 80, por sua vez, caracterizou-se pela estagnação econômica e pela piora de pratica-
mente todos os índices socioeconômicos. A de 90, muito embora tenha sido pródiga na reversão
das tendências descendentes dos indicadores e na melhoria de muitos índices importantes (escola-
ridade, saneamento básico, mortalidade infantil, estabilização econômica etc.), não demonstrou, até
em função de uma tendência mundial, o mesmo vigor nos quesitos desenvolvimento e redução das
desigualdades.
Tem-se, dessa forma, que nos últimos 25 anos a sociedade brasileira não mais tem exibido índices
importantes de mobilidade social, mesmo que, no mesmo período, as taxas de escolarização só te-
nham melhorado. Esse aparente paradoxo, se não analisado com propriedade, pode resultar nos mais
variados equívocos, tanto de diagnóstico quanto de direcionamento de políticas públicas de educação.
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http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11799Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Ora, se educação gera desenvolvimento e este, por sua vez, gera melhoria nas condições de vida da
população, por que não houve uma explosão dos índices de mobilidade ascendente paralelamente à
melhoria das taxas de educação da população?
Um recente estudo sobre esse tema, na forma de tese de doutorado em Ciências Sociais, foi concluído
na PUC-SP no mês de junho deste ano. Dentre outros assuntos abordados, o trabalho do pesquisador
e doutor Fábio Ferreira Figueiredo analisou as diferentes formas de mobilidade, os fatores desenca-
deadores, a importância da educação, principalmente a superior, bem como a percepção subjetiva de
mobilidade social sob o ponto de vista dos egressos da educação superior particular. A tese tam-
bém trouxe subsídios relativos à comprovação da qualidade da rede privada de educação e sugestões
propositivas de políticas educacionais.
De referido trabalho podem-se expor, resumidamente e dentre outras, as seguintes conclusões:
Sociedade do conhecimento
o conhecimento foi e continua sendo ativo econômico cada vez mais importante. Sociedades
não avançam sem que existam bases sólidas de educação;
Educação formal
a escolarização é condição para a formação do conhecimento como ativo. Cada nível de educa-
ção tem a sua importância específica, sendo a superior particularmente importante sob o ponto
de vista do desenvolvimento tecnológico e na formação das elites dirigentes;
Educação superior e mobilidade social
embora o Brasil, na década de 90, tenha erradicado o analfabetismo infantil, universalizado a
educação fundamental, elevado significativamente as taxas de escolarização média e superior,
não foi possível constatar índices significativos de mobilidade social ascendente. A explicação
é que as taxas de mobilidade registradas nas décadas de 30, 40 e 70 eram decorrentes de trans-
formações estruturais (industrialização e urbanização), o que ocasionava índices coletivos de
grandes proporções e significância. É possível dizer que o Brasil, hoje, se mantém na condi-
ção de país onde existe mobilidade social. Evidentemente os índices não são os mesmos dos
outros períodos mencionados (as condições estruturais são outras), mas ainda são importantes.
Registre-se, a favor da escolarização, que os índices de desemprego diminuem na medida em
que se avança no nível de formação do trabalhador e que cada ano de estudo resulta em aumento
do seu salário médio;
Qualidade da rede privada
dados comparativos do Exame Nacional de Cursos - Provão - 2003, entre as redes pública e pri-
vada de educação superior, demonstram cabalmente a maior satisfação dos egressos desta em
relação àquela. As escolas privadas têm melhor infraestrutura, corpo docente mais engajado e
atualizado, bibliotecas e laboratórios mais bem equipados, melhores projetos pedagógicos, me-
lhores serviços de um modo geral, e pesquisa e extensão aplicadas à graduação, consideradas
equivalentes às da rede pública. Ou seja, ao contrário do que a forma de divulgação dos resul-
tados do Provão pretendeu demonstrar, a qualidade da graduação da rede privada de educação
superior é, de um modo geral, bastante melhor que a da rede pública;
Mobilidade e cidadania
o estudo qualitativo, realizado junto a 60 egressos da educação superior da região metropolitana
de São Paulo cujos pais não possuem esse nível de escolaridade, apontou uma clara evolução
nas condições gerais de vida dos entrevistados. Não só relacionada à evolução profissional
e/ou econômica, a ascensão social dos egressos é flagrante e extremamente perceptível por
eles próprios.Os entrevistados, de um modo geral, reconhecem no nível superior de educação
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a causa de suas evoluções como cidadãos, no sentido de que adquirem consciência crítica e
aprimoram sua capacidade de participação social;
Área profissional
embora ponto específico da pesquisa, não foi registrada maior ou menor satisfação profissional
do egresso em função deste atuar ou não na sua área de formação superior;
Percepção de qualidade da rede pública: os participantes do estudo "percebem"as IES públicas como
de melhor qualidade em relação às particulares, todavia essa percepção se dá quase exclusivamente
em função de imagem e marca das instituições públicas, sendo raros os casos em que são aponta-
dos requisitos objetivos de superioridade. Uma parcela dos egressos aponta uma provável reversão
dessa percepção de mercado em função da velocidade do avanço dos indicadores acadêmicos da rede
privada.
Esses são apenas alguns pontos da tese trazidos a este artigo, justamente com o intuito de estimular o
debate sobre as políticas públicas para a educação no país. É premissa para este debate, no entanto,
o fato de a rede privada de educação superior responder por mais de 70% das matrículas do país,
sem com isso comprometer o orçamento público, o qual deveria ser direcionado, prioritariamente,
para a educação básica. Qualquer movimento em outro sentido é um retrocesso e uma demonstração
de absoluto desapego à realidade mundial contemporânea. É também premissa o fato de a educação
superior privada ser de boa qualidade, o que deve afastar, de plano, diagnósticos e soluções que
passam pelo argumento contrário, este frequentemente eivado de preconceitos e/ou ideologias que
hoje não mais têm lugar fora dos livros de história.
Importante
A partir do texto acima, elabore uma pequena análise da relação entre mobilidade social e
educação no Brasil.
1.6 Educação e cultura
Um dos principais conceitos e objeto de intenso debate no campo das ciências humanas e sociais é,
com certeza, o conceito de “cultura”.
Vamos finalizar nosso primeiro capítulo debatendo como o universo da educação se entrelaça direta-
mente com o universo da cultura e é, em grande medida, permeado por este último.
Neste sentido, precisamos antes estabelecer alguns parâmetros teóricos para delimitar esta noção que,
diga-se de passagem, é fonte mais de dissenso do que consenso no campo das ciências do homem.
Quando falamos em cultura, a primeira questão que deve estar colocada é que cultura é algo que se
localiza essencialmente no plano simbólico das sociedades. Mesmo quando esta se materializa em ob-
jetos e expressões artísticas, sua derivação original remete ao plano das significações, representações
e todas as formas de expressão simbólicas.
Um primeiro momento de sistematização da noção de cultura vem atrelada à ideia de cultura de
um povo. Algo que delimita um conjunto de visões de mundo e formas de representação de uma
comunidade específica, conferindo a esta uma unidade simbólica que pode ser retraduzida na ideia de
“identidade”.
Nesta perspectiva, podemos falar de uma lógica cultural e específica de uma determinada sociedade,
a partir da qual os indivíduos sob sua influência orientam suas condutas e comportamentos.
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Esta visão é, antes de tudo, uma visão que poderíamos qualificar como “endógena”, ou seja, a cultura
como resultado de processos internos a uma dada sociedade ou povo, algo próprio que delimita as
características culturais deste “povo”.
Esta percepção da noção de cultura foi largamente difundida a partir do século XIX com o desenvol-
vimento de uma ciência que buscava compreender a dinâmica cultural de nossas sociedades tomando
como base a interpretação e compreensão de culturas ditas “primitivas”, ou seja, a antropologia social.
Os estudos antropológicos do século XIX e início do XX se tornaram, deste modo, um marco impor-
tante na construção desta ideia de cultura como algo próprio de uma dada comunidade, algo que se
traduzia no plano simbólico destas sociedades uma forma de vida específica que revelava a identidade
desta comunidade.
Neste sentido, cultura passa a ter um significado substantivo, como sendo tudo aquilo que envolve,
num plano simbólico, a organização de uma dada sociedade como seus valores, suas representações
e visões sobre o mundo, seus rituais, sua linguagem, etc.
A partirdesta perspectiva foi definido um dos principais conceitos dos estudos antropológicos e tam-
bém das ciências sociais, o conceito de “etnocentrismo”, que visa compreender a dinâmica cultural
das sociedades.
Como o próprio nome sugere, etno deriva de “etnia”, sugerindo especificidade cultural de um povo,
enquanto centrismo provém de central, local de referência.
Etnocentrismo pode ser definido, deste modo, como a percepção pelos membros de um determinado
universo cultural como sendo este o efetivo universo da cultura e, a partir dele, produzir julgamentos
sobre outras sociedades e culturas como expressões distorcidas, menores ou até mesmo incorretas do
mundo social.
Quando, por exemplo, definimos um povo como bárbaros devido a algumas de suas práticas sociais,
esta visão vem orientada pela nossa perspectiva cultural, a qual, evidentemente, é responsável por
classificar esta ou aquela atitude como algo desprezível ou incorreto.
Daí provém, inclusive, um conjunto de percepções e expressões que qualificam as ideias e sentimentos
sociais de repulsa, nojo e agressividade, entre outras. Pensar por exemplo as práticas alimentares de
uma dada sociedade onde é comum se alimentar de insetos como uma prática repulsiva e bárbara
seria, deste modo, pensar a partir de uma perspectiva etnocêntrica, ou seja, pensá-las a partir de
nossas práticas alimentares como sendo estas as únicas legítimas e corretas.
Dito de outro modo, as práticas e formas de interpretação etnocêntricas partem do pressuposto de que
a nossa cultura é a forma cultural correta e mais desenvolvida e que deve ser tomada como referência
para o julgamento de outras formas culturais.
Um dos processos responsáveis por este tipo de atitude, que é comum entre os membros de uma
sociedade, é exatamente a vivenciação de valores e representações culturais, que são eminentemente
sociais e, por isso, essencialmente arbitrários, como algo natural, constitutivo da essência dos homens.
Evidentemente que a compreensão daquilo que nos é estranho como sendo normal sob o ponto de vista
do “outro” não é uma atitude simples. Envolve, antes de tudo, um processo crítico e reflexivo sobre os
nossos próprios valores como sendo, também, criações nossas e não de nossa natureza. Daí derivam,
evidentemente, questões importantes para o convívio social e multicultural como respeito e tolerância,
onde o papel do educador se torna fundamental ao demonstrar, antes de tudo, que alguns valores que
nos parecem indiscutíveis e intransponíveis são, no final das contas, indiscutíveis e intransponíveis
em grande medida apenas para nós.
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Importante
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequên-
cia a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais
natural. Tal tendência, denominada de etnocentrismo - é responsável em seus
casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
— Laraia, Roque. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Zahar,
2006.
1.6.1 Texto para reflexão
Texto: Lençóis Sujos
Autor: Autor desconhecido
LENÇÓIS SUJOS
Um casal, recém-casados, mudou-se para um bairro muito tranquilo.
Na primeira manhã que passavam na casa, enquanto tomavam café, a mulher reparou
através da janela em uma vizinha que pendurava lençóis no varal e comentou com o
marido:
— Que lençóis sujos ela está pendurando no varal!
— Está precisando de um sabão novo. Se eu tivesse intimidade perguntaria se ela que eu
ensine a lavar as roupas!
O marido observou calado.
Alguns dias depois, novamente, durante o café da manhã, a vizinha pendurava lençóis no
varal e a mulher comentou com o marido:
— Nossa vizinha continua pendurando lençóis sujos! Se eu tivesse intimidade perguntaria
se ela quer que eu ensine a lavar roupas!
E assim, a cada dois ou três dias, a mulher repetia seu discurso, enquanto a vizinha
pendurava suas roupas no varal.
Passando um mês a mulher se surpreendeu ao ver os lençóis muitos brancos sendo esten-
didos. Empolgada foi dizer o marido:
— veja, ela a prendeu a lavar as roupas, será que outra vizinha ensinou??? Porque eu não
fiz nada. O marido calmamente respondeu:
— Não, hoje levantei mais cedo e lavei o vidro de nossa janela!
E assim é.
Tudo depende da janela, através da qual observamos os fatos.
Antes de criticar, verifique se você alguma coisa para contribuir, verifique seus próprios
defeitos e limitações.
Devemos olhar, antes de tudo, para nossa própria casa, para dentro de nós mesmos. Só
assim podemos ter real noção do valor de nossos amigos.
Lave sua vidraça. Abra sua janela.
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação
Importante
Outra importante discussão no âmbito das reflexões sobre o universo da cultura se refere à
questão da diversidade cultural, ou seja, como podemos explicar a imensa diversidade de
culturas que envolvem a humanidade? A que, no final das contas, se deve esta diversidade
já que estamos falando de seres de uma mesma espécie?
Ao longo do desenvolvimento das ciências sociais, várias explicações tem sido dadas para a existên-
cia do fenômeno da diversidade cultural. No entanto, duas se tornaram marcantes, menos pela sua
capacidade explicativa, e mais pelo poder de influência sobre o senso comum.
A primeira explicação foi denominada “determinismo biológico”, responsável por difundir a ideia de
que as diferenças culturais se devem, essencialmente, a diferenças encontradas nos padrões genéti-
cos dos diferentes povos. Assim, diferentes grupos étnicos apresentariam diferentes comportamentos
culturais por uma propensão biogenética. Logo, sob esta perspectiva, os japoneses seriam mais in-
teligentes, enquanto os latinos seriam mais propensos à transgredir regras e os europeus estariam
marcados pelo uso maior da racionalidade.
Do ponto de vista da análise científica, esta explicação não se sustenta em nenhuma pesquisa legítima
e, mais do que difundir um conhecimento sobre a diversidade cultural, contribui para o aumento da
intolerância e dominação entre povos baseados apenas em especulações de caráter ideológico.
Uma das razões mais evidentes para isso é a de que, se após o nascimento transportássemos um bebê
chinês para o Brasil, ele cresceria como um brasileiro, falaria o português fluentemente, compre-
enderia os códigos e traços culturais de nossa sociedade, provavelmente seria um adepto de comer
diariamente feijão e arroz e, caso não se interessasse pelo seu país de origem, nunca pronunciaria ne-
nhuma palavra em chinês. Ou seja, seu caráter estaria certamente moldado pelo seu ambiente social
e cultural, e não pela sua suposta “carga genética”.
A segunda explicação sobre a questão da diversidade cultural foi o chamado “determinismo geográ-
fico”, através do qual se pretendia explicar as diferenças sociais a partir de elementos constitutivos
dos diferentes espaços geográficos como o clima, a escassez de recursos naturais e sua abundância,
entre outros.
Nesta perspectiva os europeus seriam mais “frios” do que os sul-americanos que, por estarem numa
zona tropical seriam mais propensos a hábitos e costumes que estivessem de acordo com sua condição
geográfica.
Analisando povos que vivem em uma mesma região geográfica e que apresentam formas de vida
absolutamente distintas, como é o caso, por exemplo, dos esquimós e lapões que vivem nas regiões
setentrionais da Noruega, Finlândia e Suécia, podemos também facilmente rechaçar esta ideia como
elemento determinante da diversidade cultural.
Se, neste caso, a diversidade cultural não é resultado de uma pré-disposição biogenética, nem muito
menos resultado de diferenças geográficas, de onde especificamente ela provém?
Responder a esta questão tem sido um dos problemas principais do desenvolvimento das ciências hu-
manas, especialmente no campo da antropologia social. Uma das soluções plausíveis para o problema
é que a diversidade cultural deriva das diferentes respostas e ações do homem em relação ao seu meio
ambiente, e isto provém exatamente de sua capacidade

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