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MARIA LUÍSA PERES COUTO SOARES
O QUE É O CONHECIMENTO?
QUESTÕES DE EPISTEMOLOGIA
LISBOA
2004
2
3
INDICE
INTRODUÇÃO
1. A noção clássica de episteme
1.1. Aporias da definição de Ciência
1.1.1. Teeteto e a definição de Episteme
1.2. A "epistemologia naturalista" de Aristóteles.
1.2.1 II Analíticos: os princípios da demonstração
2. Justificação: Fundacionalismo versus Coerentismo
2.1. Os argumentos: um falso dilema
2.2. Proposições protocolares: sua discussão no Círculo de Viena
2.3. Wittgenstein: proposições elementares
2.4. Notas sobre verificação e justificação
3. Percepção: Aparência e Realidade
3.2. Aisthesis
3.3. Problemas da representação
3.2.1. Duas Imagens do Mundo: Senso Comum e Ciência
3.2.2. Percepção - Convicção de existência.
3.3. Falácia dos sense data
3.4. Intencionalidade da percepção
4
4. Consciência de si, auto-consciência.
4.1. Brentano: percepção interna e evidência
4.2. Percepçãp adequada/percepção inadequada: o ponto de vista 
husserliano
4.3. Wittgenstein e o argumento da Linguagem Privada: objecção a 
Brentano?
4.4. A estrutura da consciência e a intersubjectividade da percepção interna
5. Objectividade/Objectualidades
5.1. O "real" e o "objectivo" em Frege
I.2. Epistemologia sem sujeito
I.3. Objectividade e Falibilismo
I.4. O Pensamento: lugar das formas
6. Crença, Justificação, Verdade
6.1. Gramática da crença
6.1.1. A semântica dos enunciados de crença
6.2. Crença e Racionalidade
6.3. Justificação e Verdade
Apêndice: Teorias da Verdade
Bibliografia
5
INTRODUÇÃO
 
"Erkenntnistheorie ist die Philosophie der Psychologie"
Tractatus 4.1121
 A Epistemologia constitui um campo da Filosofia dificilmente delimitável 
devido às inúmeras fronteiras ténues e apenas esboçadas com muitas outras áreas, 
elas próprias vastas e de carácter eminentemente interdisciplinar - como a 
Filosofia do Conhecimento, a Filosofia das Ciências, a História das Ciências, a 
Metodologia das Ciências, e actualmente também com a Fenomenologia, a 
Filosofia da Linguagem, a Filosofia Analítica, a Filosofia da Mente, a Filosofia da 
Psicologia. Elaborar um curso de Epistemologia exige, por isso, optar por um 
ponto de partida e traçar um itinerário preciso, o que significa necessariamente 
estabelecer contornos bem nítidos e renunciar a outras vias possíveis, que se 
apresentam no vasto horizonte epistemológico e filosófico. Estas outras vias 
possíveis não podem deixar de surgir, no entanto, na paisagem do itinerário 
traçado e entrecruzam-se constantemente com o fio condutor pelo qual se optou. 
Inevitavelmente, ao formular e tratar um problema encontram-se outros problemas 
e questões com afinidades incontestáveis, e não é fácil deslindar o nó da questão 
6
inicial e suas implicações múltiplas e transversais. Mas, uma vez traçado o 
itinerário, é inevitável a delimitação e, consequentemente, deixar de lado muitas 
outras questões que se apresentam como questões igualmente possíveis.
Centrar-nos-emos no problema filosófico do conhecimento, visando uma 
elucidação das questões nucleares sobre a sua natureza e condições de 
possibilidade. O objectivo principal será o de justificar o conhecimento, dar conta 
dos fundamentos que o alicerçam e mostrar a viabilidade do acesso cognitivo ao 
mundo real. Conhecer pressupõe, com efeito uma relação intencional que informa 
toda a experiência e lhe dá um carácter de abertura e de revelação. 
 Toda a reflexão epistemológica que pretenda um esclarecimento sobre 
problemas relacionados com o estatuto das várias ciências, as suas metodologias, 
os âmbitos e limites dos vários saberes, a sua objectividade, universalidade e 
validade, requer uma investigação prévia sobre o próprio conhecimento: um 
conhecimento do conhecimento e uma defesa do seu próprio estatuto e da sua 
fiabilidade. Esta tarefa consiste numa crítica, que deverá assumir uma certa atitude 
transcendental, orientada para a reconstrução – e não descontrução – do processo 
cognitivo desde os seus fundamentos.
Não basta, no entanto, para delimitar o campo do programa epistemológico, 
considerar a questão enunciada. O problema do conhecimento pode ser 
considerado um dos temas centrais da Filosofia. Qual a perspectiva peculiar, 
própria da investigação epistemológica? Centremos a atenção na noção de 
episteme, da qual deriva o termo Epistemologia. Tradicionalmente episteme tem 
sido traduzida por 'conhecimento'. No entanto, rapidamente se comprova como as 
discussões filosóficas em torno da episteme - reportando-nos à tradição clássica da 
filosofia platónica e aristotélica - se revelam peculiares e não coincidentes com a 
tradução do termo grego simplesmente por 'conhecimento'. Na tradição platónica, 
a discussão sistemática em torno de episteme no Teeteto, uma vez estabelecido que 
esta não é percepção nem simplesmente opinião verdadeira, põe o problema de 
saber o que é necessário acrescentar à opinião verdadeira para que esta constitua 
7
episteme. E esta é a questão mais comum a partir da qual partem muitas das 
actuais exposições básicas da Epistemologia: poderia definir-se, neste sentido 
como o estudo da justificação da crença ou opinião. "Quais as crenças que são 
justificadas ou fundamentadas e quais não o são?", "Qual a diferença entre 
conhecer verdadeiramente, e ter uma mera crença ou opinião verdadeira?" "Qual a 
relação entre crer e conhecer?", "Porque é que pensamos ou cremos que p ?" 
seriam perguntas centrais da epistemologia. 
A definição proposta - o estudo da justificação ou fundamentação da crença 
- parece, no entanto demasiado restritiva, pois qualquer outro estado cognitivo que 
não o da crença verdadeira justificada, ficaria fora das suas fronteiras: a dúvida, 
conjectura, probabilidade, interrogação constituem estados cognitivos de 
indubitável interesse para a epistemologia. Não há dúvida que o problema da 
justificação ou fundamentação da mera crença verdadeira é fulcral na 
epistemologia, mas não é o único. O conhecimento é tradicionalmente, desde 
Platão, caracterizado como crença justificada, mas é o próprio processo cognitivo 
que carece, ele próprio, de uma justificação, que pressupõe a elucidação da 
questão originária sobre o que é conhecer.
 Deverá notar-se que, pela própria natureza da questão central que se 
propõe tratar, é imprescindível o retorno ao exame de algumas tradições que 
marcam a história do pensamento. De algum modo é certo que a história da 
epistemologia é coextensiva à história da própria filosofia. A busca de um 
progressivo crescimento e da compreensão do próprio conhecimento constitui um 
objectivo constante de qualquer filósofo, o que requer uma capacidade de 
distinguir as crenças verdadeiras das falsas. Isso exige a formulação de um critério 
para averiguar dos fundamentos que, de facto, constituem uma justificação dessas 
crenças. A busca da verdade assenta na busca da justificação. E esta preocupação 
está presente na reflexão epistemológica desde o pensamento clássico até aos 
8
nossos dias. Embora o problema da justificação da crença não constitua o tema 
exclusivo da antiga epistemologia, está de algum modo presente em todos os 
autores clássicos que examinam o problema do conhecimento. 
A tradição filosófica - designadamente Platão e Aristóteles – constitui um 
referencial presente no desenvolvimento de alguns dos tópicos. Isto não significa 
que se adopte uma perspectiva historicista, ou se pretenda apresentar uma história 
da epistemologia. Pelo contrário, adoptar-se-á um ponto de vista anti-historicista. 
A referência a autores e textos do passado é sempre motivada pela consciência da 
actualidadee mesmo perenidade de problemas e questões que desde a Antiguidade 
até aos nossos dias não podem deixar de comparecer no horizonte filosófico. O 
que se procura é pensar com esses autores encontrando sintonias e afinidades com 
as suas questões, procurando compreender até que ponto um pensador de tempos 
passados pervive ainda nas interrogações constantes da filosofia. A reflexão sobre 
o pensamento dos seus predecessores constitui sempre para o filósofo um 
poderoso meio para encontrar luminosas alternativas para os problemas dos quais 
se ocupa, e o seu próprio horizonte só ganhará em amplitude e profundidade com 
essa reflexão. A atitude a adoptar será precisamente a de abrir um amplo diálogo, 
no qual comparece o passado como presente, e o presente se assume como 
reiteração de um discurso já encetado há muito, mas sempre vivo e em acção. Se 
lidamos assim com as tradições, é porque o que nos interessa são "histórias que 
nos impulsionem a ir para além das histórias", empregando palavras de MacIntyre.
Esta atitude em relação às diferentes tradições filosóficas pressupõe a 
rejeição de uma concepção discontínua do discurso racional, baseada sobretudo na 
noção de paradigma de Kuhn: reconhece-se uma certa incomensurabilidade entre 
diversos sistemas conceptuais, cosmovisões, pontos de vista, mas essa 
incomensurabilidade não significa intraducibilidade. Traducibilidade e 
compatibilidade não são o mesmo que comensurabilidade.
Por outro lado, a adopção de um ponto de vista não significa de modo 
algum um ponto de vista absoluto e englobante; trata-se de abrir um caminho a 
9
seguir, de estabelecer um percurso mantendo sempre no horizonte outros pontos 
de vista possíveis, outras perspectivas que não se excluem necessariamente, mas 
que perpassam transversalmente num entrosamento inevitável.
 A interferência das discussões epistemológicas com alguns dos contributos 
do exame a partir de outras áreas com afinidades nítidas com a Epistemologia - a 
Fenomenologia, a Filosofia da Psicologia, a Filosofia Analítica e a Filosofia da 
Mente - como é o caso, por exemplo, da análise das noções de percepção, crença, 
juízo e proposição, verdade, certeza e evidência, etc. - será inevitável. Considera-
se que essas interferências, ou melhor o tratamento destas noções numa 
perspectiva transversal, constituirá um enriquecimento na elucidação filosófica 
dessas mesmas noções. Por isso mesmo, a referência a alguns autores que não 
podem ser considerados propriamente como epistemólogos - como por exemplo 
Brentano, Frege, Husserl, Wittgenstein, entre outros - ocorrerá com alguma 
frequência, com o intuito de ampliar a elucidação de questões intimamente 
relacionadas com a problemática do conhecimento e que não se podem restringir a 
uma delimitação rígida do campo da Epistemologia. O estudo da percepção e do 
juízo, da verdade e da evidência será objecto de uma reflexão aprofundada que 
ultrapassa as fronteiras de uma definição e demarcação demasiado estrita da 
Epistemologia.
 É inevitável dizer uma palavra sobre a atitude céptica. Quando se trata do 
conhecimento é inevitável que nos rondem dúvidas, diferentes tipos de dúvidas: 
podemos confiar no que nos apresentam os nossos sentidos? Os dados da 
percepção serão fiáveis? O que nos aparece, o que se nos apresenta será 
verdadeiramente uma realidade independente do nosso modo de percepcionar, de 
10
conhecer? Não será tudo um sonho? Uma ilusão? E, no limite, não estaremos a ser 
constantemente enganados por um «génio maligno»?
Perante as variadas atitudes de cepticismo, é possível adoptar diferentes 
posições: 
a) enredar-se em tentativas de argumentos contra os argumentos 
cépticos, uma discussão directa na qual se admite, até certo ponto, as próprias 
dúvidas que se tentam ultrapassar; 
b) contornar esses argumentos, evitando um confronto directo e 
colocar-se à partida numa atitude realista, de um realismo duro no qual se toma 
como inquestionável a aceitação de uma realidade objectiva, independente do 
nosso próprio ponto de vista; mesmo reconhecendo o grande abismo entre os 
fundamentos das nossas crenças sobre o mundo e os conteúdos dessas mesmas 
crenças, a falibilidade do que se nos apresenta, em contraste com a consistência 
ontológica do real, tenta-se o salto sobre o abismo sem o anular. Exemplos desta 
atitude são por exemplo as “teoria heróicas” (empregando uma expressão de 
Thomas Nagel) como a teoria das Formas de Platão, a defesa cartesiana da 
fiabilidade do conhecimento humano em geral assente numa prova a priori da 
existência de um Deus à prova de toda a confiança. E em tempos mais recentes, 
com nítidas tonalidades platónicas, as propostas de um mundo objectivo, real, 
constituído por entidades ontologicamente consistentes, não submetidas à 
precaridade do nosso conhecimento sensível, como é o caso do «terceiro mundo» 
de Frege, um mundo de objectualidades independente do nosso modo de as 
apreender;
c) desconstuir a dúvida céptica apontando-lhe a sua falta de 
fundamento – quem duvida, sabe já alguma coisa, e tendo em conta o senso 
comum, fará sentido a formulação de dúvidas radicais que ponham em causa 
qualquer forma de conhecimento, ou de possibilidade de acesso ao mundo externo 
e a uma realidade objectiva? Ao céptico caberá a tarefa de fundamentar a sua 
dúvida, caso contrário ela será rejeitada como sem sentido nem fundamento. Neste 
11
caso, há uma rejeição do abismo entre realidade e aparência, e uma afirmação 
explícita de nos encontrarmos já do outro lado. Esta seria a atitude de Moore e, 
apesar de algumas divergências, da de Wittgenstein ("O cepticismo não é 
irrefutável mas obviamente falho de sentido por pretender pôr em dúvida o que 
não pode ser perguntado. E isto porque só pode haver dúvida onde pode haver uma 
pergunta, e uma pergunta só onde pode haver uma resposta, e esta só onde algo 
pode ser dito" (Tractatus 6.51);
d) adoptar uma outra concepção do real, não como algo totalmente 
alheio ao nosso ponto de vista, transcendente ao próprio modo de percepcionar e 
conhecer, mas um real que abarca também todos os nossos processos 
cognoscitivos, o próprio sujeito e suas condições de acesso ao mundo. Isto 
significa situar-se a montante do dilema aparência-realidade, subjectividade-
objectividade, mundo-tal-como-se-nos-apresenta e mundo-em-si, ou em termos 
mais radicais entre ser e conhecer. Um mundo em si, independente do nosso modo 
de conhecer, alheio às condições de cognoscibilidade seria de facto impensável, 
não por transcender em absoluto o que se nos apresenta, mas porque esse mundo 
não nos incluiria e, como tal, seria uma realidade incompleta, truncada. O que se 
pretende afirmar é a conaturalidade entre realidade e conhecimento, numa posição 
que se poderia denominar de realismo transcendental. 
Não se pode evitar que uma certa dose de cepticismo ronde sempre todo o 
empreendimento, pelo menos como uma via de reconhecimento da nossa própria 
situação; a dúvida, a incerteza e a falibilidade não constituirão, no entanto, 
impedimentos para persistir na busca de conhecimento, pois o nosso impulso para 
o real torna impossível que nos satisfaça uma perspectiva meramente subjectiva e 
minada à partida pela distância e inacessibilidade do objecto a conhecer.
12
O primeiro tópico será o da noção clássica de episteme na filosofia grega - 
Platão e Aristóteles -, não com o intuito historiográfico de procurar as origens 
remotas das questões epistemológicas fundamentais, mas porque a temática 
desenvolvida nos textos platónicos e aristotélicos seleccionados abre um panorama 
e proporciona um horizonte de problemase questões que se prolongam no decurso 
do pensamento sobre o conhecimento e se encontram ainda hoje no cerne de 
muitas discussões epistemológicas. A questão do fundamento do conhecimento 
pode ser entendida de distintos modos - num sentido mais ontológico e num 
sentido genético. Neste caso, a leitura e a reflexão sobre os textos de Platão e 
Aristóteles, proporcionam uma via na qual as duas orientações na busca do 
fundamento estarão presentes: procurar-se-á elucidar o fundamento no sentido da 
razão de ser, do que em última análise significa e constitui o conhecer, e 
simultaneamente indagar dos princípios, das origens, dos alicerces nos quais 
assenta o edifício do nosso conhecimento.
Estarão, portanto em causa dois problemas centrais: o do fundamento e o da 
justificação do conhecimento. Dois problemas que se entrecruzam e darão lugar ao 
exame de um dos temas actualmente mais debatidos em epistemologia, o do 
fundacionalismo versus coerentismo. Sendo uma questão recorrente, ela estará 
presente, sob a forma de várias interrogações: haverá crenças básicas, princípios 
primeiros, evidências genuínas, intuições imediatas? Poderá considerar-se o 
edifício do conhecimento solidamente assente numa base irrevisível, não sujeita a 
verificação nem carente de ulterior justificação? Ou não há qualquer fundamento 
último, e a imagem do nosso conhecimento corresponderá mais a algo que se vai 
construindo e desconstrindo, em constante evolução, revendo-se continuamente, 
reajustando-se a novas aquisições? 
13
Formulando bem a questão, notar-se-á que estas duas "imagens" não são 
necessariamente antagónicas, nem constituem dois modelos epistemológicos em 
disjunção irreconciliável, mas é possível integrar ambas numa perspectiva 
panorámica que abarque tanto o problema da verdade como o do sentido, o 
problema da correspondência ou adequação do nosso conhecimento com a 
realidade, como o da coerência interna das nossas crenças, opiniões e juízos.
É precisamente o problema do fundamento, no sentido de origem do 
conhecimento, que fará a passagem ao tema seguinte, o da análise da percepção. 
Não se pretende apresentar exaustivamente as teorias da percepção, mas rever o 
problema da representação, o seu "espectro" e repercussões na temática 
epistemológica. No cerne de todo este tópico, estará a questão da evidência 
perceptiva, da fiabilidade do nosso percepcionar, da viabilidade de aceder, pelos 
vários processos perceptivos, ao mundo real tal como é. Correlativa da experiência 
do mundo, a experiência de si, a auto-consciência apresenta-se como uma forma 
de consciência reflexiva, não tética, imediata e evidente. A sua força e imediatez 
leva a pensar no cogito como um fundamento inquestionável de todo o 
conhecimento e experiência. Mas pode também traçar uma fronteira intransponível 
entre eu e mundo, e constituir assim um obstáculo para a constituição da 
objectividade do conhecimento. Com uma breve revisão dos problemas centrais 
em torno da consciência de si, procurar-se-á reconstituir a dimensão dual de toda a 
consciência, que remete simultanea e indissoluvelmente, quer para o mundo 
externo, objectivo, quer para o próprio eu e o conhecimento em primeira pessoa. 
Este último, tendo em conta as duas perspectivas da consciência - intencional e 
reflexiva, autónoma e heterónoma - não se instituirá como um óbice à 
possibilidade de acesso ao mundo, à objectividade. 
Se essa viabilidade for estabelecida, fará então sentido perguntar-nos pela 
objectividade do conhecimento, em geral, ou seja pela possibilidade de deter 
intencionalmente algo que não é constitutivamente o próprio sujeito cognoscente, 
algo que não lhe pertence, que o transcende, mas de que se pode apoderar de uma 
14
forma activa - construindo e reconstruindo essa mesma objectividade - embora não 
totalmente constitutiva. Procurar-se-á desmontar o dilema 
subjectividade/objectividade, em torno do qual se formulam habitualmente, na 
esteira de toda a herança cartesiana, os problemas epistemológicos: mostrando os 
impasses de uma perspectiva centrada no sujeito e suas consequências últimas - o 
psicologismo, o relativismo subjectivista e em última análise o cepticismo - e 
simultaneamente as dificuldades de um objectivismo extremo, que põe em causa 
qualquer explicação epistémica do processo cognitivo. A epistemologia 
popperiana adopta uma posição crítica perante as «filosofias da crença», centrando 
a sua atenção mais nos «objectos das crenças» do que no exame dos actos de 
crença.
Voltando à definição tradicional de ciência, centrar-nos-emos sobre a 
crença: em que consiste? Em que se distingue crença de saber, ou conhecimento 
fundado? A crença requer justificação? O conjunto dinâmico e evolutivo das 
nossas crenças orientam-se para a verdade, ou para uma auto-correcção (selecção 
natural?) regulada por algum princípio, algum critério? Qual a relação da crença 
com a justificação e com a verdade?
O tratamento exaustivo do problema da verdade excederia o âmbito estrito 
da Epistemologia, e exigiria um exame aprofundado das actuais teorias da verdade 
e uma apreciação do alcance ou limitações dessas mesmas teorias. 
É incontornável, no entanto, a sua abordagem em qualquer reflexão 
filosófica sobre o conhecimento: não há dúvida que a questão da verdade está no 
horizonte de toda a problemática epistemológica e ignorar ou postergar o 
problema, remetendo-o pura e simplesmente para outros campos da Filosofia, 
significaria decepar a reflexão sobre o conhecimento de uma dimensão 
constitutivamente presente em qualquer processo cognitivo. Toda a investigação 
científica tem um alvo, uma meta, pelo menos uma ideia reguladora que a orienta 
no sentido de alcançar a verdade. Mesmo numa concepção evolucionária ou 
discontinuista dos processos de constituição das ciências, ou numa perspectiva 
15
falibilista do conhecimento, está pressuposta uma certa pretensão de verdade, de 
sentido, um ideal de consenso ou uma referência a uma comunidade de 
investigação que de algum modo regula a aceitação ou rejeição das crenças, 
hipóteses e teorias.
Apresenta-se em Apêndice uma exposição breve e esquemática das teorias 
da verdade, como complemento informativo para uma possível ampliação futura 
deste tema recorrente noutros âmbitos ou noutras áreas da Filosofia. O intuito 
deste texto suplementar não é senão o de abrir caminho para um exame mais a 
fundo deste problema, assinalando possíveis prolongamentos da reflexão filosófica 
sobre o conhecimento.

Antes de terminar esta introdução, parece-nos que será útil fazer umas 
breves observações sobre a situação actual da Epistemologia. Não se pretenderá de 
modo algum fazer a sua história, mas apontar apenas os principais factores que 
fizeram convergir os interesses e as atenções sobre alguns tópicos mais recorrentes 
na literatura epistemológica contemporânea.
Embora actualmente possa ser já um truísmo falar da crise do modelo da 
racionalidade dominante até aos fins do século XIX, não há dúvida que é preciso 
ter em conta, para compreender algumas das atitudes epistémicas actuais, a crítica 
generalizada, embora com diferentes matizes, que foi surgindo em variados 
autores, no campo da filosofia, ao naturalismo, ao cientificismo, ao positivismo e 
neo-positivismo. Alguns desses pensadores marcaram fortemente, de uma forma 
ou de outra, o horizonte filosófico da passagem do século XIX para o século XX. 
Pense-se por exemplo em pensadores tão diferentes como Husserl, Whitehead, 
Weber, Wittgenstein, entre outros. No que se refere especificamente à 
16Epistemologia, as ideias recorrentes apontam para a consciência dos limites da 
racionalidade científica segundo o modelo dominante até aos fins do século XIX.
As notas características deste "paradigma" em crise, referidas aqui de um 
modo genérico, são bem conhecidas:
a) Uma visão da natureza de inspiração cartesiana e galilaica, reduzida a 
extensão e movimento, natureza passiva, à disposição do homem, seu 
espectador para ser observada, conhecida, dominada. O mundo surge 
como imagem, imagem geometricamente centrada, perspectivada em 
relação ao seu espectador, o homem somo subjectum. Weber dedica 
páginas inesquecíveis à caracterização desta racionalidade dominante e 
calculadora no seu Wissenschaft als Beruf.
b) Uma confiança epistemológica apoiada na regularidade objectiva das 
leis da natureza, na sua tradução em linguagem matemática, no carácter 
"conservador" da própria natureza traduzido claramente nas leis físicas - 
conservação da massa, conservação do movimento, conservação da 
energia.
c) A estreita relação entre ciência e poder - "a senda que conduz o homem 
ao poder e a que o conduz à ciência estão muito próximas, sendo quase 
a mesma" (Bacon, Novum Organon), que, no entanto afirma também 
que "só podemos vencer a natureza obedecendo-lhe". Mais próximo de 
nós, no citado texto de Weber afirma-se: "Tudo pode ser dominado com 
o cálculo e a precisão".
d) Uma certa atracção racional pelos dualismos e bifurcações que condiciona um modo de 
pensar disjuntivo, em pares de termos irreconciliáveis: natureza/cultura, natural/artificial, 
vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjectivo/objectivo… 
Whitehead no The Concept of Nature critica e rejeita este modo dualista e disjuntivo de 
pensar que se traduz no que ele designa por "teorias da bifurcação da natureza". Na 
Epistemologia Contemporânea são frequentes estes pares de conceitos dilemáticos, 
17
como por exemplo fundacionalismo/coerentismo, externalismo/internalismo, a 
perspectiva da 1ª pessoa/ e a da 3ª pessoa, etc.
e) Primazia do visual sobre o oral, da qual se encontra um exemplo 
emblemático em Leonardo da Vinci e a dignificação da vista sobre 
qualquer outro dos sentidos porque só ela capta com exactidão os 
objectos. Na querela sobre a hierarquia entre pintura e poesia, Leonardo 
afirma sempre a superioridade da primeira, porque só a pintura é 
ciência. Primazia do quantitativo sobre o qualitativo: Galileu e a radical 
separação entre as realidades objectivas, susceptíveis de serem 
conhecidas com exactidão como o número, a figura, a grandeza, o 
movimento, e o que só pode ser apreendido subjectivamente - sons, 
cores, sabores, etc. A distinção entre qualidades primárias e secundárias 
atravessa como uma constante toda a filosofia do conhecimento 
moderna e prevalece, de certo modo em muitas das actuais teorias da 
percepção.
f) As leis científicas,enquanto categorias de inteligibilidade privilegiam a 
descrição exacta de como funcionam as coisas, distanciando-se do 
sentido comum que se interroga naturalmente sobre o agente e o porquê 
das coisas. Baseado na formulação de leis, o conhecimento científico 
pressupõe a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, da repetição do 
passado no futuro. O determinismo mecanicista confere a esta visão do 
mundo a confiança de um conhecimento certo e previsor que, mais do 
que compreender em profundidade a natureza das coisas, permite a 
possibilidade de as dominar e tranformar.
Poderíamos continuar a caracterização do "paradigma dominante" na 
racionalidade científica dos fins do século XIX, princípios do XX, mas este 
apontamento esquemático é suficiente para estabelecer o contraste com o que, 
18
continuando com a terminologia de Kuhn, poderíamos chamar "paradigma 
emergente".
Vários factores contribuiram para esta "transformação" do modelo da 
racionalidade. Alguns factores internos às próprias ciências exactas: a crise dos 
fundamentos das matemáticas, o teorema de Gödel, a nova imagem da natureza 
procedente dos progressos da Física, o princípio do indeterminismo, e o golpe 
dado no par, até então inquestionável, de observador/observado, não são decerto 
alheios às novas atitudes epistémicas que se foram assumindo; outros factores 
originados pelo desenvolvimento das ciências sociais e humanas, que à partida 
adoptaram o mesmo naturalismo positivista das ciências em geral, mas que 
depressa questionaram esta mesma imposição de metodologias e modos de pensar, 
por não satisfazerem a peculiaridade dos seus estatutos; as discussões em torno do 
binómio explicação/compreensão1; entre os epistemólogos propriamente ditos, não 
se pode deixar de referir alguns dos que deram um forte golpe no modelo 
dominante de racionalidade científica: Kuhn, Polanyi, Feyerabend.
A obra de Kuhn de 1962, The Structure of Scientific Revolutions dá origem 
a uma "revolução" na epistemologia tradicional, com o acento na discontinuidade 
da história da razão científica, e sobretudo a integração no processo do 
desenvolvimento científico de factores não estritamente racionais e da ordem 
cognitiva, mas também sociais, políticos, circunstanciais, que constituem o 
contexto dentro do qual se pode compreender um determinado discurso científico. 
O pensamento de Kuhn não dá resposta a muitas das questões propriamente 
epistemológicas, como por exemplo: o que faz mover o "processo" da ciência num 
sentido de progresso cognitivo, se são apenas factores extrínsecos os que 
provocam mudanças de "paradigmas" e de teorias? O que leva a ciência a 
desenvolver-se no sentido da criação de técnicas de solução de problemas sempre 
mais poderosos, e por que razão parece este desenvolvimento ser irreversível? O 
1 Cfr por exemplo Wright, G. H. von - Explanation and Understanding; Anscombe, E. - 
Intention .Para uma perspectiva panorâmica sobre o problema explicação/compreensão, cfr Apel, 
K. O. - Die Erklaren-Verstehen Kontroverse im transzendental pragmatischer Sicht.
19
que justifica a capacidade de a ciência se impôr transculturalmente unindo culturas 
diversas? Por que é que haverá uma resistência a uma reconstrução do mundo 
totalmente arbitrária por parte dos indivíduos ou dos grupos que a constituem, por 
que não há-de ser essa reconstrução infinitamente "plástica"?2
A discontinuidade da "história da razão", tem como corolário a questão da 
incomensurabilidade e intradutibilidade dos discursos, que constitui actualmente 
quase um slogan que contagiou não só as ciências humanas e sociais, como a ética 
e a estética, e passou a constituir um verdadeiro impasse cultivado e explorado até 
à saciedade em muitos dos escritos actuais sobre epistemologia.
Noutro registo totalmente diferente, Polanyi, no seu Personal Knowledge 
(1958) advoga uma concepção de conhecimento que rejeita o carácter impessoal, 
objectivo, universalmente estabelecido. Considera o acto de conhecimento como 
uma forma de compreensão activa, actividade que requer uma certa habilidade, 
capacidade participativa do sujeito cognoscente em todos oo processos cognitivos. 
Propõe-se substituir o ideal impessoal de um conhecimento científico totalmente 
desprendido do sujeito, por uma alternativa que centra a sua atenção no 
envolvimento pessoal daquele que conhece em todos os processos de 
compreensão: a ciência, neste enquadramento, é reconduzida ao mundo da cultura 
integral, e ao empenho pessoal para encontrar o sentido de toda a experiência 
humana. E desafia a concepção dominante da ciência, assente na disjunção de 
subjectividade e objectividade, e guiada pelos ideais de objectividade, 
simplicidade, economia, considerados factores indispensáveispara a excelência de 
qualquer teoria. Estes ideais, segundo Polanyi, deixam na sombra o papel 
fundamental das capacidades intelectuais humanas e a dinâmica vital da sua 
participação em todo o acto de conhecer. Na sua concepção de conhecimento, há 
um retorno ao sujeito na sua força vital e impulso para a compreensão do mundo e 
da experiência. O modelo de racionalidade objectiva e impessoal é posto em 
causa, em nome do que Polanyi considera um modelo de conhecimento e 
2 Cfr Gil, F. - Provas, pp. 58-62.
20
compreensão que envolve a pessoa no seu todo. O risco que corre a crítica à 
"objectividade", é a excessiva "subjectivização" da ciência nos seus processos de 
descoberta, justificação e prova.
Com os seus títulos provocatórios - Contra o Método, Adeus à Razão - 
Feyerabend é o enfant terrible da epistemologia, objectando vivamente contra 
tentativas vâs de construir uma teoria do conhecimento ou uma teoria da ciência. 
Não há uma estrutura comum aos factos, operações e resultados que constituem as 
ciências, não há modelos gerais que expliquem a dinâmica das ciências, não há 
uma lógica da descoberta e da justificação; os procedimentos são tão variáveis, tão 
contingentemente afectados pelas circunstâncias históricas, sociais, políticas, que o 
anarquismo epistemológico impõe-se como único princípio não inibidor do 
progresso. O célebre slogan "qualquer coisa serve" (anything goes) destrói toda a 
pretensão das velhas ideias de objectividade da Ciência, da Razão, da 
universalidade dos saberes. E dissuade qualquer intuito de formular uma teoria da 
ciência, de reconstruir uma nova epistemologia.
Considerando em conjunto todos estes factores da evolução dos 
conhecimentos científicos, da concepção da própria ciência, da compreensão e 
reflexão filosófica sobre os problemas da génese processos e formas de 
conhecimento, a Epistemologia tem assumido programas e itinerários muito 
diferentes, que poderemos esquematizar em três grandes vias de orientação:
1. Uma Epistemologia interna às próprias ciências, feita pelos homens das 
ciências - exactas, experimentais, sociais, etc. Cada um destes campos de 
investigação levanta os seus próprios problemas de objectivos, métodos, estatuto 
do respectivo saber, que estimulam os próprios investigadores a desenvolver uma 
reflexão filosófica sobre as suas próprias questões. Depois da aversão à filosofia 
própria do neo-positivismo lógico e da sua expulsão do domínio propriamente 
21
científico, a filosofia regressa ao centro das atenções reformulando questões dentro 
da própria prática científica. É a própria ciência que retorna a um discurso que não 
só não elimina as questões filosóficas, como as integra numa reflexão sobre si 
mesma. Cientistas como Einstein, Bohr, Heisenberg, Schrödinger, Prigogine, 
Varela, para citar apenas alguns nomes actuais, exemplificam bem este estilo 
"filosófico", cultivado no próprio campo da sua actividade científica.
Um outro exemplo de convivio entre a Epistemologia e as ciências é a 
concepção de "epistemologia naturalizada", tal como a entende Quine. Neste caso, 
dá-se uma absorção dos problemas epistemológicos pelas ciências empíricas, 
nomeadamente pela psicologia científica. 
Escreve Quine: "O naturalismo não rejeita a epistemologia, mas assimila-a 
à psicologia empírica. A própria ciência diz-nos que a nossa informação sobre o 
mundo está limitada à estimulação das nossas periferias, e portanto a questão 
epistemológica é, por seu lado uma questão interna à ciência: a questão de saber 
como é que nós, animais humanos conseguimos alcançar a ciência a partir de uma 
informação tão limitada. O nosso epistemólogo científico dedica-se a esta 
investigação e proclama uma explicação que tem muito que ver com a 
aprendizagem da linguagem e a neurologia da percepção… A evolução e a 
selecção natural figurarão sem dúvida nesta explicação, e o epistemólogo sentir-
se-á livre de aplicar a física se assim o achar." O objectivo da epistemologia não é 
senão o da justificação dos fundamentos da ciência empírica e para tal, porque não 
há-de o epistemólogo recorrer à psicologia? É a esta que cabe a tarefa de estudar a 
relação causal entre o que chamamos o nosso «conhecimento» dos objectos do 
mundo e estes mesmos objectos. E esta relação é, ela própria, uma relação 
«natural» que deve ser estudada por uma ciência natural. Não há nenhum objecto a 
investigar separado da teoria do conhecimento em relação às disciplinas 
científicas: “A epistemologia, ou algo que se lhe assemelhe, encontra o seu 
verdadeiro estatuto como capítulo da psicologia e portanto da ciência natural. 
22
Estuda um fenómeno natural, a saber, o sujeito humano físico3. O objecto da 
Epistemologia é o estudo de como o sujeito humano conhece, sendo o 
conhecimento um processo natural e causal. Pode pensar-se num retorno às teorias 
naturalistas do conhecimento tão correntes nos fins do século XIX, mas com um 
carácter importante, no caso de Quine: a sua reformulação assenta numa 
psicologia behaviourista e não, como outrora numa psicologia mentalista e 
associacionista.
Trata-se, de uma epistemologia estritamente científica – um capítulo 
componente da psicologia como uma das ciências naturais - e a sua atitude em 
relação à legitimidade das questões epistemológicas tradicionais é claramente 
ambivalente. Apesar do explícito repúdio de Quine de qualquer tentativa de 
rejeitar a epistemologia, parece claro que esta concepção pressupõe uma 
significativa restrição em relação aos problemas epistemológicos tradicionais: 
qualquer problema epistemológico não estritamente interno à ciência dificilmente 
poderá ser tomado a sério neste contexto4.
2. Uma Epistemologia externa, feita pela filosofia, mas tendo como tema e 
objectivo os problemas das ciências mesmas e das suas práticas: os problemas da 
objectividade do conhecimento científico, da percepção, a concepção de lei, de 
causalidade, a explicação e a compreensão científicas, o problema do 
determinismo/acaso, ordem/caos, as relações corpo/mente, etc. são problemas 
filosóficos cujo conteúdo advém principalmente das diversas ciências. E no campo 
das ciências sociais e humanas, os problemas da racionalidade prática, do estatuto 
epistémico de saberes como a História, a Sociologia, a Antropologia, os modelos 
de compreensão, do sentido da acção humana e social. Considerar do ponto de 
vista filosófico os problemas que estão em causa no próprio desenvolvimento da 
investigação científica e que de certo modo lhe podem dar uma ou outra direcção 
3 Quine, “Epistemology Naturalized”, pp. 82-83.
4 Sobre e "epistemologia naturalizada", cfr o texto de Quine em Ontological Relativity and other 
essays e Haack S. - Evidence and Inquiry, pp. 118-138.
23
segundo as interpretações adoptadas, abrirá as fronteiras da Epistemologia e terá 
certamente inúmeras interferências com a Filosofia das Ciências, a Filosofia da 
Natureza, a Filosofia da Mente, e também com a Filosofia Prática, a 
Hermenêutica, etc. Neste âmbito, pode dizer-se que as abordagens se multiplicam 
e diversificam nas atitudes e problemas que os filósofos, no decurso da história do 
pensamento adoptaram e formularam ao enfrentar-se com as práticas científicas5: 
desde Platão e a invenção da ciência, à inteligibilidade da natureza nas concepções 
filosóficas dos racionalistas (Descartes, Leibniz) e dos enciclopedistas, até aos 
diversos naturalismos (Aristóteles, Mach, Quine), passando pelas críticas e limites 
da ciência (desde o empirismo britânico, até Kant, Heidegger e o próprio 
Wittgenstein), seria possíveltraçar os percursos das filosofias das ciências. O 
plural indica bem a dificuldade de fazer propriamente uma história da filosofia da 
ciência. Parece ser mais prudencial e adequado explorar a rede de relações entre os 
filósofos e as ciências.
3. Uma Epistemologia estritamente filosófica ou uma teoria filosófica do 
conhecimento científico, sua estrutura, sua justificação, seus processos. Optar-se-á 
por esta via: questionar a própria natureza do conhecimento, seu fundamento, 
estrutura, dinâmica e alcance. Entende-se a Epistemologia como um discurso 
sobre o conhecimento, no sentido etimológico do termo. 
É assim que ela é entendida e tratada na grande maioria da literatura 
epistemológica, sobretudo no meio anglo-saxónico. As concepções do 
conhecimento que se foram forjando, são, em grande parte determinadas pela 
questão considerada central para elaborar epistemologia: e a questão é a de saber 
quais as condições para que se dê realmente conhecimento. A resposta clássica – 
conhecimento é crença verdadeira justificaca – tem sido objecto de amplas 
5 Uma colectânea de ensaios ilustrativa das variadas maneiras como as filosofias, as escolas de 
pensamento, conceberam e questionaram os problemas das ciências, é a obra Les philosophes et 
la science, sob a direcção de P. Wagner, Paris, Gallimard, 2002.
24
discussões, sobretudo a partir do célebre artigo de Gettier “Is Justified True Belief 
Knowledge?”, que desafia esta definição tradicional, apresentando contra-
exemplos que envolvem casos de crença verdadeira justificada e que no entanto 
não são propriamente conhecimento. O «problema de Gettier» originou uma 
explosão de tentativas de respostas da parte de epistemólogos que, guiados pela 
estratégia de Gettier propõem alternativas à definição em causa, acrescentando ou 
modificando as condições para que se dê efectivamente conhecimento. O tópico da 
justificação é sempre recorrente em todas as abordagens da epistemologia, bem 
como as análises da estrutura do conhecimento, que seguem fundamentalmente as 
duas grandes vias – fundacionalista e coerentista.
A análise do conhecimento feita a partir destes parâmetros – quais as condições 
de conhecimento, qual a estrutura do processo de justificação – não esgota de 
modo algum o problema filosófico da cognição. Trata-se de um processo que 
envolve múltiplos factores e que deverá ser investigado na sua dinâmica própria, 
apreendido no seu in fieri, e não apenas analisado assepticamente enquanto um 
sistema de enunciados que traduzem proposições verdadeiras, já constituído em si 
mesmo, como o resultado objectivado das várias dinâmicas cognitivas. A 
elucidação filosófica de conceitos fundamentais para compreender o que é o 
conhecimento – como a percepção, a intuição, o raciocínio, a compreensão, e 
também a dúvida, a incerteza, a expectativa, a procura – é um complemento 
essencial da análise estrutural do processo cognitivo. Neste sentido se compreende 
que Wittgenstein tenha afirmado que a teoria do conhecimento é a filosofia da 
psicologia.
25
1. A noção clássica de Episteme
A primeira parte constituirá um breve exame da noção clássica de episteme 
em Platão e Aristóteles. Não se trata de expôr toda a teoria do conhecimento dos 
dois pensadores, nem de esgotar toda a problemática epistemológica que se pode 
detectar no pensamento clássico. Optou-se por uma breve exposição do modo 
como Platão e Aristóteles perspectivaram já o problema da necessidade de um 
modelo da justificação do conhecimento científico, tendo em conta que será este 
um dos problemas a tratar nesta obra. Tratar-se-á, portanto de mostrar como se 
apresenta a arquitectónica do conhecimento no Teeteto e nos II Analíticos.
Platão definiu pela primeira vez a ciência como crença verdadeira 
justificada, dando lugar a um longo debate sobre o problema da justificação. O que 
é que se deve acrescentar à crença verdadeira para que seja justificada? O debate 
parte desta noção platónica de conhecimento científico - a terceira definição 
apresentada no Teeteto.
26
Aristóteles ao apresentar a ciência (episteme) como aquele estado cognitivo 
que é produzido pela demonstração encaminha o problema para os primeiros 
princípios indemonstráveis, discutindo os já conhecidos argumentos de infinito 
regresso ou de círculo vicioso: ou há uma apreensão imediata - da ordem do nous, 
e não da episteme - desses princípios ou a demonstração corre o risco de cair num 
infinito regresso ou num círculo vicioso. A noção dos primeiros princípios da 
ciência em Aristóteles aponta para uma forma de conhecimento que aparentemente 
entra em conflito com a formulação de um conhecimento fundado na experiência, 
na observação, nos dados empíricos, que é recorrente em várias obras de 
Aristóteles.
O exame das teorias clássicas antecipa e preludia grande parte dos debates 
actuais em torno do fundacionalismo, coerentismo que encontram múltiplas 
formas de expressão: nomeadamente o caso paradigmático da discussão sobre as 
proposições protocolares entre os representantes do Círculo de Viena, seus adeptos 
e seus críticos centra-se principalmente no problema do fundamento ou 
justificação última de todo o edifício do conhecimento científico.
Embora o que se designa hoje por Epistemologia seja uma disciplina 
relativamente recente, a noção de episteme, termo do qual deriva Epistemologia, 
tem as suas raízes no pensamento antigo, nomeadamente na filosofia platónica e 
aristotélica. O estilo de pensamento que caracteriza o modo de tratar os problemas 
do conhecimento na tradição clássica da filosofia grega é radicalmente diferente 
do estilo e modo de abordar estes mesmo problemas em toda a filosofia post-
cartesiana. Em todo o caso, o exame dos problemas do conhecimento e a 
caracterização da episteme em Platão e Aristóteles suscita um diálogo frutífero 
com o pensamento epistemológico contemporâneo; esse exame constituirá um 
meio de reformular alguns dos dilemas mais debatidos na epistemologia 
contemporânea, confrontando-os com teorias do conhecimento que, por se 
encontrarem a montante desses mesmos dilemas, poderão levar a uma revisão dos 
27
alicerces sobre os quais se tem construído todo o edifício da moderna teoria do 
conhecimento.
Assinalemos um primeiro contraste: numa obra recente de introdução à 
Epistemologia Contemporânea de J. Dancy, pode ler-se nas primeiras páginas: "A 
epistemologia é o estudo do conhecimento e a justificação da crença. As perguntas 
centrais para as quais os epistemólogos tentam dar resposta incluem: «Quais as 
crenças que são justificadas e quais não o são?», «O que podemos conhecer, se é 
que podemos conhecer alguma coisa?», «Qual é a diferneça entre conhecer e ter 
uma verdadeira crença?», «Qual é a relação entre ver e conhecer?»"6. São estes os 
problemas que dominam e condicionam a reflexão epistemológica - o problema da 
justificação do conhecimento, da sua possibilidade, da sua estrutura, da sua relação 
com a experiência. Com muita frequência, abordar o problema do conhecimento 
implica uma análise prévia dos argumentos cépticos, para tentar passar a uma 
indagação sobre a justificação das crenças. Só uma crença justificada pode 
constituir propriamente conhecimento científico. Na teoria aristotélica do conheci-
mento, o problema da justificação não constituirá o tema central na abordagem das 
questões epistemológicas. Aristóteles não procura defender a possibilidade do 
conhecimento, não certamente por ignorar os argumentos cépticos, mas porque 
adopta a estratégia de partir da experiência humana e sua relação com o mundo 
como um dado, e procurar compreender como se organiza,como se constitui, nos 
diferentes campos da actividade mental, e como se inter-relacionam os vários 
estados cognitivos do sujeito, integrados no contexto da vida e actividade 
humanas.
1.1. Aporias da definição de ciência
6 Dancy, J. -Epistemologia contemporânea, p. 13.
28
Nos primeiros diálogos platónicos, Sócrates apresenta várias perspectivas 
sobre o conhecimento, que constituem o que se poderia designar pela teoria 
epistemológica da juventude de Platão. Não há nestas primeiras teses sobre o 
conhecimento qualquer forma de debate céptico que tem estimulado a reflexão 
epistemológica.. À pergunta: "Qual é o primeiro, o céptico ou o epistemólogo?", a 
resposta seria:" Nem um nem outro. O primeiro é Platão". A epistemologia 
pergunta o que é o conhecimento e como se adquire conhecimento. O cepticismo, 
tentando desconstruir a reflexão epistemológica, formula difíceis questões sobre a 
possibilidade de alcançar algum conhecimento, tal como este é definido pelo 
epistemólogo. E, embora se possam encontrar elementos de um proto-cepticismo 
em Xenófanes, Parménides, Demócrito e nalguns dos sofistas, Platão não se 
propõe enfrentá-los nas suas primeiras obras. Pelo contrário, os diálogos da 
juventude parecem transmitir um programa proto-céptico, através de 
argumentações de Sócrates que se propõem refutar personagens que directa ou 
indirectamente apresentam pretensões fortes em relação ao conhecimento. No 
entanto, estas disputas socráticas não podem considerar-se propriamente como 
uma atitude céptica: o que Sócrates se propõe é denunciar falsos ídolos, com o 
intuito de reconduzir a busca de definições verdadeiras. Quando nas suas 
interpolações desmascara as falsas pretensões de conhecimento dos seus 
interlocutores, não o faz atacando a verdade, a certeza ou a fonte de conhecimento; 
a sua atitude é mais a de desafiar a segurança daqueles que presumem conhecer, 
exigindo-lhes uma definição válida para todas as circunstâncias7.
No Menon, diálogo de transição, Platão apresenta o célebre "paradoxo 
heurístico": como procurar algo que não se conhece de todo? Se porventura se 
encontrasse o que se procura, como saber se efectivamente é o que se procura, 
uma vez que não se sabe o que se procura? (Cfr 80d) Assim exprime Menon a sua 
perplexidade, que é traduzida por Sócrates no dilema de toda a investigação: não 
se pode investigar o que se sabe, uma vez que já se sabe, nem tão-pouco o que não 
7 Cfr Woodruff, P. - "Plato's early theory of knowledge" in Everson, S. Epistemology, pp. 60-84.
29
se sabe, porque não se sabe o que se pretende investigar (cfr 80e). A solução 
platónica proposta por Sócrates, é a afirmação que todo o ensino e investigação 
não é senão reminiscência de algo previamente conhecido (81d5, 86bc)8. O 
conhecimento não é mera "opinião verdadeira", mas opinião verdadeira plus 
razões que fundamentam essa opinião: o conhecimento difere da opinião 
verdadeira na sua relação com um aitias logismos.
1.1.1. Teeteto e a definição de episteme
A discussão das três definições de episteme propostas por Teeteto é ocasião 
para o exame de diversas teses epistemológicas que prevalecem como tópicos 
fulcrais na epistemologia contemporânea. O diálogo divide-se em três grandes 
andamentos, correspondentes ao exame das três definições: a ciência é sensação; a 
ciência é opinião verdadeira; a ciência é opinião verdadeira acompanhada de razão 
(logos). A ciência-sensação origina uma crítica na qual se debatem argumentos 
que antecipam, de certo modo, toda a discussão em torno do fenomenalismo, da 
natureza das "aparências"; identificar ciência com sensação conduz à revisão da 
famosa afirmação de Protágoras - "o homem é a medida de todas as coisas" -, tese 
que se revela auto-refutatória, como Sextus o demonstra. Tudo o que "aparece" é 
verdade, segundo Protágoras, implica que também é verdade que nem tudo o que 
"aparece" é verdade: se o subjectivismo da tese é levado até ao fim, esta auto-
refuta-se a si mesma, pois terá que aceitar também a verdade da opinião de que 
nem toda a "aparência" é verdadeira9.
Depois de examinar a segunda proposta de definição - ciência-opinião 
verdadeira -, que suscita uma elucidação sobre o problema do erro e da opinião 
falsa, a episteme é definida como "opinião verdadeira acompanhada de uma razão" 
8 Cfr Woodruff, P., art. cit., p. 82: exposição e discussão da tese platónica da reminiscência.
9 Para uma análise da auto-refutação da tese de Protágoras, cfr Burnyeat, M. F. - "Protagoras and 
self-refutation in Plato's Theaetetus" in Everson, S. - Epistemology, pp. 39-59. Cfr Teeteto, 169d-
172c.
30
(meta logou alethe doxan episteme einai) (201c). Desprovida de razão (alogon), a 
opinião verdadeira não constitui ciência. A definição responde à questão 
fundamental da epistemologia: O que se deve acrescentar à opinião verdadeira 
para que se constitua como ciência? A resposta de Platão vai para além da mera 
exigência de uma justificação, de razões fortes para fundar a opinião. A "razão" 
(logos) requerida para que a opinião verdadeira seja ciência corresponde à resposta 
à pergunta "O que é x?", que leva Platão a dar uma explicação em termos de 
análise dos elementos últimos e originários que constituem "x". Destes elementos 
últimos não é possível apresentar uma "razão", eles são, de certo modo alogon, e 
consequentemente incognoscíveis. A assimetria na estrutura do conhecimento é 
manifesta: os compostos são cognoscíveis, deles é possível dar uma razão, mas os 
simples são incognoscíveis, embora constituam, em última análise, a razão que 
explica os compostos10. A razão (logos) pertence ao nível dos compostos, os 
elementos últimos são apenas designáveis, denomináveis. No entanto, Platão 
pensa que o conhecimento deve basear-se em conhecimento, conhecer p significa 
conhecer a explicação, ou a razão de p, ou seja conhecer p requer conhecer q, a 
razão (logos) de p. Por sua vez, conhecer q, exigirá conhecer a razão de q, e assim 
sucessivamente. Para evitar um infinito regresso, parece necessário admitir 
algumas verdades básicas: se a base de todo o conhecimento forem os elementos 
últimos, estes são desprovidos de razão (logos)11, e portanto incognoscíveis, o que 
viola o princípio, que Platão parece defender, de que o conhecimento se basea em 
conhecimento; na República, esta exigência de um fundamento ou razão básica de 
todo o conhecimento, faz depender o conhecimento da compreensão da ideia de 
Bem, e apresenta-o dotado de uma estrutura hierárquica. Neste diálogo as 
metáforas do conhecimento são sobretudo as do ascenso da alma até uma 
10 Cfr Annas, J. "Knowledge and language: the Theaetetus and the Cratylus" in Schofield, M. e 
Nussbaum, M. - Language and Logos, pp. 95-114.
11 É patente a proximidade com a argumentação de Wittgenstein no Da Certeza, §§ 204-205: 
"Mas a fundamentação, a justificação da evidência tem um fim - mas o fim não é o facto de certas 
proposições se nos apresentarem como sendo verdadeiras…" "Se o verdadeiro é o que é 
fundamentado, então o fundamento não é verdadeiro nem falso."
31
compreensão total, à luz da ideia de Bem. As duas caracterizações da noção de 
conhecimento - requer logos e tem uma estrutura hierárquica, - obrigam a 
reconhecer que este não se pode basear, em última análise, em elementos 
incognoscíveis. Não passará esta interpretação de logos como decomposição nos 
constituintes últimos e simples de cada composto, de um sonho? (201e)12.
De facto o "sonho" de alcançar os elementos simples e últimos de qualquer 
complexo prevalece como uma ilusão da análise: exemplos múltiplos e em 
diversos registos dessa ilusão são as mónadasde Leibniz os objectos simples de 
Wittgenstein, os "indivíduos" de Russell, as proposições protocolares os sense 
data (na decomposição estrutural do conhecimento). O par simples/composto 
funciona como um atractor em diferentes domínios - do lógico ao epistemológico 
e ontológico, e conduz "facilmente a toda a espécie de superstições filosóficas", 
segundo palavras de Wittgenstein13.
A definição proposta no Teeteto conduz a uma discussão última sobre os 
possíveis sentidos de logos, todos eles considerados insatisfatórios; o diálogo é 
aporético e a 3ª definição apresentada não representa definitivamente a concepção 
platónica sobre a episteme - o problema da justificação da crença depara-se com 
aporias não resolvidas no diálogo e deixadas em aberto; no entanto, esta definição 
revive hoje ainda como um ponto de referência na formulação das questões 
centrais da epistemologia: o conhecimento é em geral apresentado nesta "definição 
tripartida"14 como "crença verdadeira justificada". O que significa "justificada"? A 
justificação pode exigir a aceitação de crenças básicas, que não carecem por sua 
vez de mais justificação porque são evidentes, porque se auto-justificam, porque 
constituem os alicerces a partir dos quais se constrói toda a estrutura do sistema de 
crenças. As várias formas de fundacionalismo pressupõem a divisão das crenças 
em básicas e derivadas: as primeiras não necessitam de justificação e servem de 
12 Uma interessante discussão sobre o "sonho de Sócrates" pode encontrar-se em Rosen, S. - The 
Limits of Analysis, pp. 120-128.
13 Investigações Filosóficas, § 49.
14 Cfr Dancy, J. - Epistemologia Contemporânea, p. 39.
32
base e fundamento para a justificação de todas as outras; as atitudes coerentistas, 
por seu lado, defendem uma perspectiva segundo a qual no sistema de crenças não 
há crenças básicas injustificáveis, mas a justificação passa por um critério de 
coerência interna do próprio sistema. O problema da fiabilidade da crença ocupará 
também um lugar central entre as questões epistemológicas: o "fiabilismo" 
defende que uma crença adquire um estatuto epistémico favorável se tiver uma 
ligação fiável com a verdade15. A relação de uma crença com a verdade, pode 
assentar no facto de o processo que conduziu até ela ser fiável, isto é, as razões 
dessa mesma crença não ocorreriam se esta não fosse verdadeira. O "fiabilismo" é 
normalmente considerado uma teoria "externalista" porque apela para factores 
relacionados com a verdade, e esta é "externa" ao sujeito da crença.
A herança da definição platónica e seus problemas, apesar dos avatares das 
noções de episteme e de justificação, permanece viva na epistemologia 
contemporânea, mesmo quando não explicitamente mencionada: as questões 
suscitadas pelas discussões do Teeteto continuam a alimentar os debates 
contemporâneos da epistemologia.
1.2. A "epistemologia naturalista" de Aristóteles
Como dissémos já, Aristóteles não centra a sua filosofia do conhecimento 
numa indagação sobre a própria possibilidade de conhecer, mas parte dos estados 
cognitivos do sujeito como dados, procurando averiguar como se constituem, 
como se organizam e se integram no contexto da vida e actividade humanas. Por 
isso mesmo, não encontramos em Aristóteles uma obra exclusivamente dedicada 
ao problema do conhecimento. Os II Analíticos apresentam uma explanação das 
condições necessárias e suficientes para a episteme entendida como uma ciência 
exacta, dedutiva; esta constitui uma das formas de conhecimento, conhecimento 
científico, entre outras, como o conhecimento perceptivo, a sabedoria prática, etc. 
15 Cfr Dancy e Sosa - A Companion to Epistemology, "Reliabilism, pp. 433-436.
33
Não existe tão-pouco na obra aristotélica nada que se possa assimilar a um 
discurso do método, nem uma atenção centrada no problema da fundamentação da 
experiência humana como experiência de um mundo real e objectivo. A filosofia 
post-cartesiana terá sempre que enfrentar-se com esta questão, uma vez que a 
dúvida radical originou um recuo para o domínio seguro da experiência privada; 
dado este recuo, torna-se imprescindível reestabelecer a viabilidade da relação da 
experiência com o mundo objectivo. A recuperação da objectividade será 
inevitavelmente o primeiro passo para justificar o conhecimento. No entanto, o 
recuo para a órbita do puramente subjectivo, deixará sempre uma cicatriz indelével 
em qualquer investigação epistemológica que adopte este ponto de partida. O 
ponto de vista da subjectividade impõe a qualquer abordagem do problema do 
conhecimento a necessidade de uma recuperação da objectividade, recuperação 
sempre problemática porque o par subjectivo/objectivo apresentar-se-á sempre de 
um modo disjuntivo e dilemático.
Aristóteles assume outro ponto de partida: a do sujeito agente e 
cognoscente numa relação directa com o mundo real, através da experiência e da 
acção. Esta relação directa via experiência e acção, constitui para Aristóteles um 
dado, não uma conclusão mais ou menos fundada. Como se dá esta relação será 
um tópico fulcral na teoria aristotélica da percepção e do conhecimento em geral.
Num certo sentido, a epistemologia aristotélica tem um carácter 
“naturalista” e apresenta algumas afinidades com o programa de Quine de uma 
“epistemologia naturalizada”: o pensador “naturalista" tenta clarificar, 
compreender o sistema global – a experiência e a acção humana nas suas inter-
relações com o mundo – a partir de dentro, como o marinheiro de Neurath que 
reconstrói o barco no alto mar; não considera a epistemologia como uma disciplina 
separada, a priori, mas como uma parte integrada em todo o conjunto de crenças, 
conhecimentos e relações com o mundo. No entanto, o “naturalismo” de 
34
Aristóteles não é levado ao ponto de integrar a epistemologia nas ciências naturais, 
adoptando um cientismo extremo16.
1.2.1. II Analíticos: Os princípios da demonstração
O conhecimento científico (episteme) apresenta uma estrutura 
demonstrativa17, rigorosamente dedutiva18. Partindo de premissas conhecidas, a 
dedução (syllogismos) chega a uma conclusão. Todo conhecimento demonstrativo 
parte, portanto de algo já conhecido. O que é conhecido é o que pode ser ensinado 
ou aprendido. "Todo o ensino é de coisas previamente conhecidas" - é a primeira 
afirmação com que abrem os II Analíticos. No caso do conhecimento dedutivo, o 
que é "previamente conhecido" são os princípios da demonstração. No caso da 
indução (epagoge), conhece-se previamente a verdade dos casos particulares a 
partir dos quais se deriva a generalização indutiva. A teoria de Aristóteles 
apresenta uma resposta ao problema sobre a possibilidade de qualquer 
investigação levantada no Menon de Platão (80d-e): ou se conhece já o objecto que 
se pretende investigar, e, nesse caso não se dá propriamente uma situação de 
investigação ou de busca, ou não se conhece, e tão-pouco é viável investigar ou 
procurar sem saber o que se investiga ou procura. A resposta platónica opta pela 
pressuposição de um conhecimento pré-existente, implícito e tácito, a partir do 
qual assenta todo o processo de investigação. A alternativa aristotélica consiste em 
aceitar que toda a investigação parte de um certo conhecimento prévio, mas rejeita 
16 Cfr. Taylor, C. C. W. – “Aristotle’s epistemology” in Everson, S. Epistemology, pp. 116. Sobre 
o “naturalismo” de Quine, cfr. Haack, S. – Evidence and Inquiry, cap. 6, onde se mostram as 
ambiguidades de Quine no uso genérico do termo “ciência”.
17 Cfr Gourinat, J. B. - "Aristote et la forme démonstrative de la science", in Wagner, P. (org.) - 
Les philosophes et la science, pp.581-623.
18 Um texto do livro VI da Ética Nicomaqueia propõe uma definiçãode episteme, reportando-a 
aos II Analíticos: "Deste modo a ciência é uma disposição para produzir demonstrações (hexis 
apodeiktike), acrescentando a esta definição todas as outras características mencionadas nos 
Analíticos; com efeito, quando um homem acredita de uma certa maneira, e os princípios lhe são 
familiares, então ele sabe (epistatai). Se os princípios não lhe são mais familiares do que a 
conclusão, é porque ele possui apenas a ciência por acidente" (VI, 3, 1139b31-34).
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a caracterização platónica da investigação como reminiscência de uma visão 
originária das Formas. Para Aristóteles, saber consiste em crer de uma certa 
maneira, uma disposição que assenta numa maior familiaridade com os princípios 
do que com a conclusão. Não é o silogismo ou demonstração, que é da ordem do 
logos que por si só comunica um saber com a convicção que lhe é própria. Este só 
produzirá ciência se se apoiar numa disposição previamente constituída - todo o 
saber consiste numa articulação entre duas disposições ou hábitos (hexis), o nous e 
a episteme. Esta é uma disposição para produzir demonstrações (hexis 
apodeiktike); mas esta dispoisção funda-se na posse dos princípios da 
demonstração, que é própria do nous19.
Segundo Aristóteles, o que se conhece previamente a qualquer 
demonstração são os princípios da demonstração, que não podem ser eles 
próprios objecto da episteme, ou seja não pode haver demonstração dos 
princípios (II Analíticos, I. 3). Levanta-se então a questão: não sendo conhecidos 
por demonstração - os princípios são indemonstráveis - qual a forma de 
conhecimento destes mesmos princípios? O conhecimento ou apreensão dos 
princípios, não pertencendo à episteme, deve caber ao nous. Qual a natureza do 
nous? O conhecimento teorético é constituído por episteme e nous, e, sendo a 
primeira forma de conhecimento, um conhecimento dedutivo, demonstrativo20, 
segue-se que o modo de alcançar o nous, enquanto estado cognitivo de 
conhecimento dos princípios, é a indução. Existe uma íntima conexão entre 
indução (epagoge) e apreensão dos princípios. No entanto, também a indução 
19 Cfr Boulakia, L. - "A propósito da força da demonstração", Análise, n. 20, pp. 17-46.
20 Note-se, porém que Aristóteles distingue entre demonstração ou silogismo propriamente ditos e 
ciência: esta é a posse do silogismo e é esta disposição ou hábito subjectivo que Aristótleles 
pretende caracterizar. A sua interrogação é sobre o que possui um sujeito que possui uma 
demonstração, em que consiste esta posse? Cfr Brunschwig, J. - "L'objet et la structure des 
Seconds Analytiques d'après Aristote" in Berti, E. (ed.) - Aristotle on Science: The Posterior 
Analytics, Pádua, 1981, p. 71: "Não saberíamos atribuir a Aristóteles uma identificação pura e 
simples da demonstração e da ciência demonstrativa sem o acusar de um erro categorial que ele 
dificilmente poderia cometer: a demonstração sendo uma espécie de silogismo cai sob o género 
do logos, do discurso; a ciência demonstrativa é um dos estados mentais ou intelectuais nos quais 
nos encontramos capacitados para dizer o verdadeiro".
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procede a partir de algo previamente conhecido. Em que consiste este 
conhecimento, e como se tornam conhecidos os princípios da demonstração a 
partir desse conhecimento prévio? A resposta a esta questão é dada por Aristóteles 
em II, 19: os princípios são conhecidos por indução através da memória. As 
percepções sensíveis persistem em nós depois do acto perceptivo e produzem 
memória; e a reiteração da memória dá origem à experiência (empeiria); e a 
experiência, que não é senão a presença do universal na psyche, como um todo, 
constitui o ponto de partida da techne e da episteme: techne, no domínio dos 
processos, episteme no domínio dos factos (100a 5-15). Aristóteles afirma 
claramente a capacidade da percepção sensível de originar a apreensão do 
universal ("a sensação engendra o universal"): embora seja o particular que é 
percepcionado, o acto da percepção implica o universal, por exemplo, "homem", e 
não apenas "um homem, Calias". Trata-se de um processo indutivo, no qual se dá 
uma passagem directa da percepção à apreensão do universal. Este é captado na 
ocasião de um encontro singular, não por um processo de abstracção, mas por 
uma progressiva clarificação da noção do próprio singular.
O estado cognitivo no qual se apreendem os princípios é nous, sobre o qual 
Aristóteles nada mais diz sobre como actua, limitando-se a repetir a caracterização 
dos dois estados cognitivos nos quais se capta teoreticamente a verdade, episteme 
e nous: episteme, conhecimento demonstrativo tem que partir de princípios 
indemonstráveis, dos quais não pode, portanto haver episteme, mas sim nous, por 
indução a partir da percepção sensível21.
A teoria sobre a apreensão dos princípios e sua indemonstrabilidade tem 
sido motivo para considerar a epistemologia aristotélica como fundacionalista: os 
princípios são proposições que se auto-justificam e constituem os princípios 
básicos de todas as ciências, que não se podem justificar por nenhum outro 
princípio ou proposição mais fundamental dentro da ciência. Se se entende por 
fundacionalismo a tese segundo a qual todo o sistema de crenças justificadas 
21 Cfr Taylor, C. C. W. - art. cit., p. 127.
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assenta, em última análise em crenças imediatamente justificadas, ou seja todo o 
conhecimento apresenta uma estrutura que tem na sua base alguma forma de 
crença ou conhecimentos que não carecem eles mesmos de outros para a sua 
justificação, poderá considerar-se a teoria aristotélica como fundacionalista22. De 
facto os princípios da demonstração auto-justificam-se a si mesmos, e não é 
possível demonstrá-los. No entanto, Aristóteles exige também que todo o 
conhecimento assente na base da evidência sensível da percepção, considerando 
esta o ponto de partida para todo o processo indutivo, que culmina na apreensão 
dos princípios. Poderia considerar-se a epistemologia aristotélica um 
fundacionalismo com duas frentes: a dos princípios da demonstração e a da 
evidência da percepção sensível. Como reconciliar estas duas frentes, ou estas 
duas formas de conhecimento imediato, que se auto-justifica a si mesmo? A 
concepção do conhecimento científico (episteme), baseada no critério da 
demonstração e dedução rigorosas, colide com o reconhecimento da necessidade 
de basear a investigação sobre a natureza na observação dos fenómenos e 
aparências (phainomena)23. A sua Historia Animalium é uma colectánea de 
observações de fenómenos, apresentadas como uma introdução preliminar 
imprescindível para qualquer teorização. E a sua atitude em relação à investigação 
filosófica mostra claramente a necessidade de partir da consideração das 
"aparências", que neste caso são as opiniões várias a respeito de um problema24. O 
método que Aristóteles adopta é o dialéctico, o mais adequado para procurar os 
primeiros princípios das ciências. Através de um exame e confronto das diversas 
opiniões (endoxa), e sobretudo das opiniões da maioria e dos mais sábios, a 
investigação procede a uma selecção das opiniões mais adequadas e a uma rejeição 
daquelas que apresentam incompatibilidades com o senso comum, ou com o 
22 Sobre as várias formas de fundacionalismo, cfr Haack, S. - Evidence and Inquiry, pp. 14 e ss. E 
pp. 34-51. Cfr também Alston, W. P. - "Foundationalism" in Dancy, J. e Sosa, E. - A Companion 
to Epistemology, pp. 144-147.
23 Sobre esta tensão na metodologia aristotélica cfr Owen, G. E.L. - "Tithenai ta Phainomena" in 
Barnes, Shofield e Sorabji, Articles on Aristotle I, pp. 113-126. Owen sublinha o contraste entre o 
método da ciência proposto nos II Analíticos e o que preconiza na Física.
24 Cfr Et. Nic. 1145a2-7.
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conjunto de opiniões mais prováveis: neste caso a argumentação releva sobretudo 
de um critério de coerência. E o coerentismo, em oposição ao fundacionalismo 
rejeita qualquer dependência de um fundamento último e infalível25.
Vários problemas epistemológicos actualmente em debate encontram uma 
antecipação nos escritos de Platão e Aristóteles: no primeiro, a ciência-sensação 
enuncia as controvérsias em torno do fenomenismo e suas aporias, das proposições 
protocolares que virão a ser objecto de debate entre os membros do Círculo de 
Viena, a hipótese solipsista como consequência última do estatuto subjectivo da 
sensação e as dificuldades que esta consequência paradoxal levanta para a 
objectividade do conhecimento científico; o estatuto da crença e o problema da sua 
justificação levado, no Teeteto até um fundacionalismo extremo e aporético; em 
Aristóteles, o exame do estatuto cognitivo de uma ciência rigorosamente dedutiva, 
os fundamentos da demonstração e a relação entre conhecimento indutivo/ 
dedutivo, ou a hipótese intuicionista como princípio justificativo de todo o 
conhecimento; a conciliação de um certo fundacionalismo com um princípio de 
coerência na arquitectónica da ciência considerada como processo zetético, no 
próprio processo da sua constituição; e, como veremos adiante, uma concepção do 
conhecer que contorna ou ultrapassa os dilemas assentes na consideração 
disjuntiva do binómio sujeito/objecto.
Ler hoje os texos clássicos, constitui por isso uma ocasião para confrontá-
los com toda esta problemática latente, nalguns casos, explícita noutros, e detectar 
continuidades bem patentes nos diversos modos e estilos com que se têm abordado 
os problemas do conhecimento.
 
25 Fundacionalismo e Coerentismo tem sido apresentados, na Epistemologia Contemporânea 
como duas teses opostas. No entanto, estas duas posições não são necessariemtne incompatíveis, 
como o mostra S. Haacks em Evidence and Inquiry. Propõe mesmo um neologismo - 
"funderentismo" - para traduzir uma teoria que concilia as duas teses aparentemente opostas.
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2. Justificação: Fundacionalismo versus Coerentismo
2.1.Os argumentos: um falso dilema
Formular o problema da justificação dos nossos conhecimentos em termos 
dilemáticos levou a um desencanto que propugna pelo fim da epistemologia: os 
seus problemas falaciosos e mal concebidos deveriam ser abandonados ou 
substituídos por questões científicas sobre a cognição humana. Um desses dilemas 
é precisamente o que se esboçou na referência ao par fundacionalismo versus 
coerentismo. Ele coloca-nos perante a necessidade imperiosa de optar entre duas 
imagens: a do elefante sobre uma tartaruga (o que é que sustém a tartaruga?) ou a 
de uma enorme serpente do conhecimento hegeliana com a cauda na boca (Onde é 
que tudo começa?) E a única opção razoável será rejeitar ambas imagens26.
Uma teoria fundacionalista defende as seguintes teses:
1. Algumas crenças justificadas são básicas, sendo uma crença básica 
justificada independentemente de qualquer fundamento noutra crença.
26 Cfr Sellars, W. – “Empiricism and the Philosophy of Mind”, in Science, Perception and 
Reality, p. 170.
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2. Todas as outras crenças justificadas derivam das crenças básicas: 
justificam-se mediante o fundamento directo ou indirecto numa ou várias 
crenças básicas.
Em que consistem estas crenças básicas, qual a relação entre estas e as 
derivadas, são questões que recebem diversas respostas segundo as diversas 
formas de fundacionalismo.
A tese central do coerentismo defende que a justificação é exclusivamente 
um problema de relação entre as crenças, e é a coerência entre crenças dentro 
de um mesmo sistema que constitui o critério principal para justificar uma 
crença. Assim, a teoria afirma:
1. Uma crença é justificada se e só se pertencer a um conjunto coerente 
de crenças.
2. Não há uma distinção de estatuto epistémico entre as crenças, 
nenhuma ocupa um lugar peculiar dentro do sistema coerente27.
Estas duas posições apresentam-nos dois modelos da estrutura do 
conhecimento aparentemente opostas e irreconciliáveis: segundo o 
fundacionalismo todo o conhecimento assenta numa base absolutamente primeira, 
originária, que não carece de justificação por se auto-justificar a si mesma, pela 
sua evidência imediata, pela sua infalibilidade, incorrigibilidade, certeza. A 
estrutura do conhecimento apresenta a forma de uma pirâmide construída a partir 
dessa base fundacional, alicerce último de todas as crenças e conhecimentos daí 
derivados. Há uma distinção radical entre os dados de base, não inferenciais, não 
derivados, mas primeiros, imediatos. Justificar qualquer conhecimento ou crença 
significará retroceder na série até estes dados últimos, base segura e certa na qual, 
por inferência se podem jutificar outras crenças e conhecimentos. São estes dados 
27 Cfr Haack, S. – Evidence and Inquiry, pp. 13-18.
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últimos que estabelecem o elo de ligação de todo o conhecimento com a verdade. 
Renunciar a esta base significaria inviabilizar a possibilidade de justificar qualquer 
crença ou conhecimento.
O coerentismo, apresenta o conhecimento como uma estrutura na qual não 
há fractura entre crenças primeiras, básicas e crenças inferenciais ou derivadas. 
Numa perspectiva holística, é o conjunto de crenças que faz sistema e o critério de 
justificação será um critério interno de coerência; qualquer conhecimento justifica-
se através da sua integração e conciliação com as restantes crenças. Se se apresenta 
algum contraste ou incompatibilidade de uma crença com o sistema não se 
justifica a aceitação dessa crença, por não satisfazer o critério de coerência. 
Enquanto no caso do fundacionalismo, a pirâmide do conhecimento assenta numa 
base com um estatuto epistémico especial, no coerentismo o sistema não 
reconhece qualquer estatuto epistémico peculiar a um certo tipo de crenças ou 
conhecimentos: todos estão nivelados num mesmo estatuto e sustentam-se 
mutuamente, sem qualquer necessidade de recorrer a uma forma peculiar de 
conhecimentos básicos, auto-justificando-se a si mesmos, ou apresentando-se 
como não necessitados de justificação.
Aparentemente estes dois modelos excluem-se mutuamente, e constituem 
duas perspectivas exaustivas do modo de conceber estruturalmente todo o 
conhecimento. E, sendo assim, seria necessário optar por um ou outro destes 
modelos. Mas será de facto assim? Para explorar o dilema será necessário, em 
primeiro lugar, situar o contexto do problema que ambas posições pretendem 
resolver; em segundo lugar, fazer uma breve análise dos principais argumentos de 
cada uma destas posições.
O apelo a dados últimos, não inferenciais, no qual assenta todo o 
conhecimento pode ocorrer tanto no contexto da justificação do conhecimento, 
como no da génese ou origem de todo o conhecimento. Trata-se de duas questões 
radicalmente diferentes: no primeiro caso, a partir de uma crença segue-se um 
processo restrospectivo na busca de outra(s) crença(s) que justifique a primeira. 
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Neste processo restrospectivo o fundacionalismo exige que a série não seja 
infinita, mas que se encontre um termo da série, a partir do qual se dê origem a 
todo o processo reconstrutivo da justificação; o coerentismo não considera esta 
série de um modo linear, mas como uma espiral na qual se dão entrecruzamentos 
entre diversas crenças e conhecimentos que se sustêm mutuamente.
Se o que está em causa é

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