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Ação rescisória processo civil

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AÇÃO RESCISÓRIA – artigos 966 e seguintes
	
Introdução
Desde sempre o processo civil se preocupou em dotar as decisões definitivas de mérito de algum atributo que lhes permitisse produzir coercitivamente os efeitos que dela seriam esperados como instrumento de consolidação da justiça concreta.
	Por isso a importância de conferir ao conteúdo da decisão a efetividade de uma decisão final, definitiva, indiscutível após certo instante.
	Em vista disso construiu-se a teoria da coisa julgada, concebendo-a como sendo a eficácia definitiva que decorre das decisões transitadas em julgado. A CF a concebeu também como verdadeira garantia individual.
	De outro lado também sempre incomodou os teóricos o fato de que esta imutabilidade poderia ensejar na prática claras injustiças ou mesmo ilegalidades, de modo que desde cedo também se imaginou algum mecanismo capaz de desconstituir aquela definitividade.
	Surgiu assim a Ação Rescisória como o meio de impugnação da coisa julgada. É certo que hoje temos, além da Rescisória, também a denominada querela nullitatis e as impugnações nas fases de cumprimento de sentença (art. 525, § 12 e 535, § 5º, do CPC).
	A própria CF nos artigos 102, I, “j” e 105, I, “e” faz referência a ela.
	Também recentemente por conta de situações específicas que demonstraram mais de perto certas injustiças decorrentes dessa imutabilidade surgiram entre nós a teoria da relativização da coisa julgada, chamando atenção para a necessidade de se garantir o direito de rediscutir matérias que tenham sofrido solução evidentemente iníqua, injusta, viciada, etc.
	A idéia é simples: a coisa julgada ainda que constitucionalizada o foi como decorrência de uma situação processual e sua intangibilidade somente faz sentido se consentânea com a CF (Humberto Thedoro Jr).
	Reconhecer a prevalência de um pensamento sobre o outro, ou seja, a manutenção de um sistema que valoriza a segurança jurídica que decorre da supremacia da coisa julgada ou que ao contrário privilegia os direitos fundamentais e a ética jurídica, é na verdade uma luta de filosofias.
	
Conceito, Natureza, Características e Procedimento
Trata-se de ação secular criada como o meio processual de impugnação da coisa julgada, de verdadeiro instrumento de desconstituição da sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento da matéria de mérito (Curso de Direito Processual Civil, Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha, vol. 3, 13 ed., p. 421) .
	Trata-se de verdadeira ação, afastando-se da natureza recursal, eis que instaurada autonomamente, desvinculada do processo em que se operou a coisa julgada.
	Seu pedido será sempre desconstitutivo, ainda que havendo pedido de rejulgamento, e assumirá a natureza do pedido da ação original. Por isso terá como regra efeito ex tunc, inclusive com possibilidade de reparação daquele que se viu atingido por execução de sentença posteriormente rescindida (art. 776).
	São seus pressupostos específicos: i) uma decisão judicial definitiva ainda rescindível; ii) a adequação às hipóteses legais (966, 525 § 15, 535, § 8º).
	OBJETO – somente decisões de mérito transitadas em julgado podem ser objeto da ação, embora seja possível na esteira de decisões dos tribunais entender-se como de mérito decisões que tenham sido proferidas com natureza de interlocutória.
	De inicio observa-se que não apenas sentença, mas qualquer decisão de mérito, como o acórdão e as decisões monocráticas do Relator nos Tribunais. Até mesmo uma decisão monocrática de 1º grau que tenha natureza de decisão interlocutória como o caso do acolhimento de um dos pedidos na fase saneadora sem interposição de agravo, ou seja, já definitiva.
	O § 2º deste artigo 966 traz nos seus incisos uma novidade que já vinha sendo acatada pelos Tribunais. Trata-se de permitir a Rescisória contra decisões que embora não sejam de mérito impedem a rediscussão da questão, como uma sentença que extingue o processo em face da coisa julgada ou nos casos descritos no artigo 486, § 1º, já que nos demais casos do artigo 485 (II, III e VIII), embora também tenhamos sentenças sem resolução de mérito, não houve nessas nenhum juízo de inadmissibilidade. Evidente que novo processo estará igualmente afastado, de modo que neste caso admite-se a Rescisória (966, § 2º inciso I). Também no caso de um despacho de Tribunal que inviabilize um Resp por falta de preparo e contra ela não se interpõe o recurso adequado. É certo que o que transitará em julgado é a sentença de 1º grau se desprovida apelação. Sendo falsa a afirmação de falta de preparo, em tese não seria cabível a Rescisória porque aquele despacho denegatório não tem natureza de decisão de mérito. Entretanto, no caso é ela que está a impedir a rediscussão da matéria, de modo que cabível a ação neste caso (966, § 2º, inciso II).
	O STF já admitiu rescisória de sentença que extingue execução declarando a extinção da própria obrigação.
	Quanto ao conteúdo a ser rescindido, o artigo 966, § 3º, autoriza que a pretensão rescisória limite-se a apenas um ou alguns capítulos da decisão.
Excluem-se, também, os atos praticados pelas partes ou terceiros que não se dêem no plano decisório, sendo estes anuláveis como os demais atos jurídicos, através de ação anulatória. Assim, as decisões homologatórias de acordo ou de renúncia a direito ou de reconhecimento do pedido, homologadas pelo Juízo constituem-se em decisões de mérito (487, III).
	Legitimidade	- o artigo 967 estabelece que são legitimadas para a ação a parte e seus sucessores, o terceiro interessado atingido pela sentença, o MP, desde que devesse ter sido ouvido no processo original e não o fez ou se a sentença foi fruto de conluio entre as partes para o fim de fraudar a lei. Também aquele terceiro que deveria ter sido ouvido, por disposição legal, e não o foi. Ressalte-se que esta hipótese não se refere ao litisconsorte necessário não citado, eis que nesse caso, trata-se de hipótese de nulidade, devendo ser manejada a ação de nulidade (querela nullitatis).
	No pólo passivo devem ser indicados todos aqueles que se beneficiaram da decisão que se pretende desconstituir, ou, em outras palavras, aqueles que vão ter sua situação alterada com a eventual procedência da ação rescisória. Se houve sucessão, então o sucessor será indicado.
	COMPETÊNCIA – como regra geral temos que o Tribunal, ou seu órgão fracionário, será competente para a rescisão dos seus acórdãos e decisões monocráticas e das decisões proferidas por juízes que estejam a ele subordinados. lembrando que ao STF e ao STJ cabe a rescisão de seus próprios julgados. Assim, por exemplo, se uma apelação ensejar Resp para o STJ e este for conhecido, reformando o acórdão, então caberá ao STJ a rescisória em face do efeito susbstitutivo ditado pelo artigo 1008 do CPC. 
	PRAZO – nos termos do artigo 975 o prazo decadencial para a propositura da ação é de 2 anos a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, salvo na hipótese do inciso VII, cujo prazo somente se inicia a partir da descoberta da prova nova, num limite máximo de 5 anos da última decisão no processo (975 § 2º) e na hipótese do inciso III, eis que para o terceiro o prazo somente se inicia a contar da ciência da simulação ou da colusão (975, § 3º).
	O STJ editou a súmula 401 que determina que o prazo somente se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial, pondo fim a discussões sobre isso. O STF, em decisão não vinculante, admitiu a contagem de forma autônoma em relação à rescisória proposta contra decisão interlocutória já transitada em julgado (RE nº 666.589-DF, Min. Marco Aurélio). Parece-nos que, por questão de lógica, se a decisão parcial definitiva dá ao credor a oportunidade de execução definitiva e como ônus, a prescrição do direito ao crédito, também o prazo da rescisória deveria contar deste trânsito, ainda que o processo siga seu curso normal.
	No caso da ação rescisória movida contra decisão que viole entendimento consolidado do STF exarado após o trânsito em julgado da sentença, tal como previstano artigo 525, § 15 e 535, § 8º, ambos do CPC, o prazo somente se inicia após aquela decisão da Suprema Corte.
	HIPÓTESES DE CABIMENTO – é evidente que o grande núcleo da própria idéia de rescisão é a invalidade de atos processuais ou a injustiça da decisão. Evidentemente que como regra a própria formação da coisa julgada seria o suficiente para sanar todos os vícios ocorridos no curso do processo, exatamente pelo efeito preclusivo de que trata o artigo 508 do CPC.
	Ocorre que se reconheceu que há certos vícios que mesmo após a coisa julgada podem ser alegados, quais sejam as chamadas nulidades absolutas e estão descritas no artigo 966 do CPC e tornam a sentença rescindível, salientando-se que esta lista é taxativa (embora exista previsão de rescisão no artigo 658 e nos artigos 525, § 15 e 535, § 8º, do CPC).
	Inciso I – atos de prevaricação, concussão ou corrupção do magistrado, ou seja, cometimento dos crimes assim capitulados e desde que o tenham feito em razão daquele processo cuja sentença se deseja rescindir. A propositura da ação rescisória não depende da instauração da ação penal nem do seu resultado e será o juiz civil que irá apreciar os requisitos do fato, embora sob a perspectiva do tipo penal. Entretanto, desde que havendo sentença penal que reconheça a ausência do fato ou da autoria não se pode ter julgamento procedente da ação civil.
	Inciso II – juiz absolutamente incompetente ou impedido. São, competência e imparcialidade, pressupostos de validade do processo, de modo que, desrespeitados, ensejam a rescisão da sentença, ainda que tenha sido apresentada exceção e indeferida. 
	Inciso III – dolo ou coação da parte ou conluio entre elas em detrimento de terceiro – aqui o que justifica a rescisão é a injustiça da decisão que decorre de uma intervenção da parte violadora do dever de boa-fé, quer por si, quer por seu advogado e ainda quer coagindo a parte ou mesmo ao juiz.
	Inciso IV – ofensa à coisa julgada – sabemos que a existência da coisa julgada é fundamento de extinção do processo. Se entretanto a despeito da coisa julgada profere-se sentença torna-se esta rescindível. Não só como tese central mas também tendo sido rediscutida ou afastada como prejudicial.
	Inciso V – violação manifesta de norma jurídica. Temos aqui alguns pontos de difícil conclusão, eis que a própria lei por si só é capaz de gerar várias interpretações, de modo que para esta ação é fundamental que se trata de violação evidente ou ao menos já reconhecida por decisão final do STF. A lei a ser violada é qualquer norma geral, material ou processual ou até mesmo precedente obrigatório que tenha imposto certa interpretação de norma jurídica. Importante verificar o teor do enunciado 343 da Súmula do STF, segundo a qual “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Imaginemos que certa decisão já definitiva foi proferida em ocasião em que inexistia precedente vinculante e variadas interpretações pretorianas. Certo que neste caso não é possível a rescisória. Imaginemos agora que logo após o trânsito da sentença rescindenda edita-se precedente vinculante contrário à interpretação usada naquela sentença. Nesse caso, até pelo que disposto no artigo 525, § 15, do CPC, é cabível a Rescisória. Pensemos agora que a decisão rescindenda foi proferida quando já havia precedente vinculante contrário. Esta situação sujeita-se claramente à rescisão, eis que houve manifesta violação, mas pode o executado manejar este argumento por meio de impugnação ao cumprimento de sentença. Por fim, imaginemos situação em que se acolheu à época da decisão o precedente vinculante, mas após o trânsito em julgado o precedente foi alterado por uma nova interpretação. Nesta hipótese inviável a ação rescisória, eis que à época deu-se a preservação da segurança jurídica que precisa agora ser mantida. Assim é que enquanto houver apenas a divergência, aplica-se o teor da citada súmula.
	Inciso VI – prova falsa – para tanto será necessário que esta falsidade seja reconhecida em procedimento criminal anterior à ação (situação praticamente impossível pelo prazo de 2 anos) ou ao menos na sua própria instrução. Dúvidas existem se a declaração por sentença cível teria também esse condão ou se valeria apenas como elemento de convencimento. A favor da primeira tese diz-se que se não fosse assim haveria reflexa violação à coisa julgada (dar-se por válido documento que já se declarou falso). Tratando-se de prova obtida por meio ilícito, a rescisória deve ser fundada no inciso anterior.
	Inciso VII – prova nova cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. Trata-se de caso clássico de decisão injusta. O sentido de prova nova deve ser aquela prova que já existia no momento da instrução, mas somente agora disponibilizada ao interessado, eis que antes ou desconhecia ou porque não lhe era possível produzir. Caberá ao interessado demonstrar a prova de forma pré-constituída e o momento em que a obteve, eis que o inciso fala em prova obtida após o trânsito em julgado, embora alguns autores, especialmente HTJ, defendem a possibilidade da rescisória mesmo quando ainda não se deu o trânsito, mas já se tenha alcançado tempo processual em que a descoberta já não mais poderá surtir efeito, o que se dá nas instâncias extraordinárias, uma vez que em fase de apelação ainda é possível a juntada da prova. Ademais, tanto é assim que, neste caso, o dies a quo da rescisória é justamente o instante em que se tomou conhecimento da prova nova (975, § 2º).
	Inciso VIII - erro de fato. Outro caso de sentença injusta. O parágrafo 1º explica que erro de fato se dará quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. Não se trata de interpretação de um fato e sim de considerar como existente um fato que não esteja provado ou o contrário. É fundamental que não tenha havido controvérsia sobre o fato, ou seja, não ter sido apenas uma escolha do juiz em face do ponto controvertido, já que é essa a função do magistrado. Para essa hipótese não se admite instrução para provar o erro de fato. Isto deve se demonstrado de plano, pela própria análise dos fatos da ação rescidenda.
	
	PROCEDIMENTO –	A petição inicial deverá conter os requisitos do art. 319 e 968, especialmente apresentar a prova do pagamento de 5% do valor da causa (sob pena de indeferimento, art. 968, § 3º) que servirá como multa em caso de improcedência unânime (968, II e 974, § único) e será devolvido em caso de procedência (974), se for o caso. Esse depósito não é exigível no caso de autor pessoa política, autarquias, fundações públicas, MP, Defensoria e beneficiários da gratuidade (968, §1º). Para afastar a inépcia deve-se apontar a hipótese de cabimento.
	Deverá juntar também a cópia da decisão rescindenda e a certidão de trânsito em julgado.
	Deverá conter o pedido que poderá ser, além da rescisão, o de rejulgamento (salvo quando se tratar de hipótese de coisa julgada ou de incompetência, quando será o caso de encaminhamento dos autos ao juízo competente).
	O valor da causa será o do benefício econômico buscado, embora de forma prática tem-se admitido, em regra, o valor da ação originária.
	Distribuída a ação no Tribunal será designado um Relator que poderá analisar eventual pedido de tutela provisória (969) e mandará citar o réu, dando-lhe de 15 a 30 dias para contestar, conforme a complexidade do caso concreto (970). Vale ressaltar que apesar de poder se verificar na prática, a revelia nesta ação não produz seu efeito material de presunção de veracidade.
	Havendo necessidade de fase instrutória esta se realizará na comarca onde se deu o processo por delegação do Tribunal. Encerrada a instrução apresentarão as partes os memoriais e se seguirá o julgamento.

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