Buscar

O suicidio e a prevenção possível

Prévia do material em texto

O suicídio e a prevenção possível: uma breve aproximação 
 
Mariana Tavares 
1
 
O tema é muito complexo e poderia ser abordado de várias formas. Há perspectivas 
filosóficas, religiosas, históricas, culturais, antropológicas, enfim, várias abordagens 
possíveis para falar de um problema que angustia há séculos a humanidade. 
 
Ajudaram-me a escrever este texto e a fazer estas reflexões muitos autores, pesquisas, 
artigos, num espectro amplo de buscas e interesses para trazer um olhar o mais amplo 
possível, menos redutor e menos determinista. Cecília Minayo, Marcelo Tavares, Maria 
Rita Kehl, Hélio Pelegrino, OMS, Ministérios da Saúde, inúmeros blogs, publicações do 
CVV, publicações do Conselho Federal de Psicologia, palestras de Nadia Laguardia, 
Nadja Botti, alguma leitura de Freud, Lacan e Reich, leituras sobre métodos de 
avaliação psicológica. E também relatos de trabalhadores, conversas com meus 
colegas de plenário, minha atividade e percurso profissional, sempre na linha entre a 
saúde publica, a gestão e a clínica. 
 
Somos uma sociedade marcada pela tradição judaico-cristã. Santo Agostinho define o 
suicídio como associado ao diabo e o condena. Talvez daí ainda decorra uma parte do 
tabu que cerca a discussão. 
 
Lembremos de Durkheim, que 1897 escreve “O Suicídio” e sua afirmação de que cada 
país ou região tem taxas de suicídio mais ou menos constantes. Variações mais 
abruptas se devem a alterações nas formas de registro ou a fatores de anomia que 
refletem mudanças bruscas na ordem sociocultural. Vários autores europeus concluem 
que a correlação suicídio/desemprego é mais forte que qualquer outro fator 
sócio-econômico. 
 
Pode-se pensar em três modelos explicativos para a questão do suicídio: o sociológico, 
que atribui o suicídio a um contexto histórico e cultural; o psicológico, que o associa a 
fatores e conflitos internos; e o nosológico, que o associa a enfermidades. 
 
Lembremos que nenhum deles é suficiente para explicar um suicídio, único, singular, 
completamente pessoal. 
 
Um suicídio é o máximo de individualidade possível, é um ato absolutamente 
intransferível, indelegável. É um ato solitário e único, mas, como disse um poeta, cuja 
citação está no livro “Mosaicos da Violência”, de Cecilia Minayo, “seu cadáver está 
cheio de mundo”. Um ato de um único sujeito, máximo de interioridade, mas pleno de 
determinações. 
 
A busca por dados e números exatos nos lembra que existe muita subnotificação e 
discrepâncias nas fontes de informação. 
1 Mariana Tavares é psicóloga, conselheira do XV plenário do Conselho Regional de Psicologia 
 
 
 
 
 
 
Os limites da ciência tornam impossível saber as consequências das novas tecnologias, 
da inteligência artificial, das pesquisas genéticas e da virtualidade nesse fenômeno. 
 
Lembremos alguns números: o suicídio corresponde a 0,6% do total de óbitos e 5,6% 
do total de mortes por causas externas no Brasil. Suas taxas têm aumentado, mas em 
ritmo menor do que a dos homicídios. 
 
Outro elemento importante é saber quem comete suicídio. As análises baseadas em 
gênero precisam ainda levar em conta as profundas inflexões culturais patriarcais e 
machistas que criam ambiente macrossocial opressor. Há forte correlação entre 
violências conjugais e intrafamiliares, com ênfase nos abusos sexuais. 
 
No Brasil há poucos estudos sobre suicídio e etnia. Há indicadores fortes de aumento 
grande das taxas de suicídio na população indígena. 
 
As questões da vida e da morte são enigmáticas, mas para nós profissionais e 
estudantes de psicologia essa fala do filósofo Terêncio, do século II A.C, deve ser 
norteadora: “Nada do que é humano me é estranho”. 
 
Sabemos que nesse tempo não será possível falar de tudo que nos parece importante, 
então vamos escolher quatro eixos para nossa conversa. 
 
Minha fala, que espero não seja enfadonha o seguinte roteiro: 
Primeiro eixo: O público: Jogar a rede e capturar o sujeito em sofrimento. 
Segundo eixo: os neo-sujeitos 
Terceiro eixo: o suicídio e o suicida 
Quarto eixo: o que fazer? E agora José? 
 
Para iniciar gostaria de ler o poema de Carlos Drummond de Andrade para nos ajudar a 
concentrar: 
 
A UM AUSENTE 
 
Tenho razão de sentir saudade, 
tenho razão de te acusar. 
Houve um pacto implícito que rompeste 
e sem te despedires foste embora. 
Detonaste o pacto. 
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência 
de viver e explorar os rumos de obscuridade 
sem prazo sem consulta sem provocação 
até o limite das folhas caídas na hora de cair. 
 
Antecipaste a hora. 
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. 
Que poderias ter feito de mais grave 
do que o ato sem continuação, o ato em si, 
 
 
 
 
 
o ato que não ousamos nem sabemos ousar 
porque depois dele não há nada? 
 
Tenho razão para sentir saudade de ti, 
de nossa convivência em falas camaradas, 
simples apertar de mãos, nem isso, voz 
modulando sílabas conhecidas e banais 
que eram sempre certeza e segurança. 
 
Sim, tenho saudades. 
Sim, acuso-te porque fizeste 
o não previsto nas leis da amizade e da natureza 
nem nos deixaste sequer o direito de indagar 
porque o fizeste, porque te foste. 
 
 
1º eixo: Público 
 Jogar a rede de serviços e capturar o sujeito em sofrimento. 
 
 Suicídio é uma questão de saúde pública. 
 
Vamos fazer aqui uma adaptação dos postulados e princípios em saúde pública, 
pensando especificamente no caso do suicídio. É uma interpretação à luz de diversos 
escritos e experiências, mas é isso, uma interpretação. 
 
Ao dizer que o suicídio é uma questão de saúde e de saúde pública, é preciso entender 
a própria noção de saúde numa concepção integrada, protetiva, de garantia de 
qualidade de vida. Saúde numa visão universal, para todos, com forte perspectiva 
igualitária. 
 
Uma dor não é maior que a outra. E o SUS, nosso Sistema Único de Saúde, pode olhar 
para todos como sujeitos iguais. Isso quer dizer que uma cardiopatia é tão importante 
como uma tentativa de suicídio e exige cuidados e organização de serviços igualmente. 
 
Utilizando o raciocínio da prevenção em saúde, vamos fazer um exercício para pensar 
a prevenção do suicídio nesta perspectiva. 
 
Prevenção primária significa diminuir o risco de agravos. No caso da saúde, a partir da 
Constituição de 88, saúde é expressão da qualidade de vida. Saúde é resultado de 
políticas socioeconômicas. Então a primeira prevenção é garantia de direitos. 
 
Se saúde é qualidade de vida, ela é resultante das políticas de emprego, renda, cultura, 
esporte, moradia, lazer, educação. Se uma determinada sociedade se preocupa com os 
sujeitos que nela vivem, ela promove essas políticas. Isso é promover uma vida boa, 
uma vida digna. Uma vida que faça sentido. Qual vida é essa? Uma vida em que o 
sujeito se vincule à sua comunidade, ao seu espaço local. 
 
 
 
 
 
 
Prevenção secundária significa pensar na organização do serviço de saúde. É 
necessário haver uma rede na qual os trabalhadores estejam dispostos a escutar. 
Todos os profissionais estão ali para promover a vida. Cada pessoa que os procura 
pode estar atrás de qualquer coisa, cada uma daquelas pessoas pode ser uma pessoa 
em sofrimento. Cada pedido de ajuda pode ser um pedido de socorro. 
 
O serviço de saúde, articulado em rede - não só a rede de saúde, a rede de serviços das 
políticas públicas seja um CRASS,ou CRESS, ou escola, em qualquer espaço - precisa ter 
o coração e o ouvido sintonizado para esses pedidos de ajuda. 
 
Não precisa de especialistas, de profissionais altamente qualificados. Esse nível de 
prevenção ao suicídio significa conferir ao sujeito a percepção, o reconhecimento, que 
ele é um sujeito, é preciso forjar uma relação regida pelo estatuto de igualdade. 
 
Prevenção terciária significa que ao sujeito que já tentou suicídio deve ter 
acompanhamento, a ele e à família. É necessário compreender a rede complexa dos 
motivadores da tentativa, o que aquela tentativa quer comunicar? Trata-se de um 
quadro de melancolia? Existe uma psicose em andamento? Não podemos 
menosprezar nenhuma informação. No caso de uma família em que alguém 
consumou, o fundamental é dar atenção e acompanhamento. Cuidar para que haja 
uma clareza na linha de condução. 
 
Há alguns autores que falam em prevenção quaternária, que é uma ideia de que o 
serviço de saúde não promova o adoecimento, mas a autonomia, a independência. É a 
ideia de confiar no sujeito e conferir a liberdade de seguir em frente. 
 
O desafio é pensar nesse sistema de prevenção em uma realidade neoliberal em que 
se verifica o esvaziamento da concepção de “público”, de Estado como provedor de 
direitos. Estamos vendo uma fratura nessa concepção. 
 
Já percebemos hoje, como dizem autores franceses, Dardot e Laval, por exemplo, e 
brasileiros, como Vladimir Safatle, que a mágica do neoliberalismo é que ele não é um 
sistema econômico, é um sistema moral. E produz subjetividades para levar adiante o 
projeto neoliberal. 
 
Fala-se em “neosujeito”, aquele que é responsável pelo próprio desempenho, pelo 
próprio sucesso. 
 
2º Eixo: Neosujeitos 
 
Quando o neoliberalismo coloca o sujeito como responsável pelos próprios sucessos, 
significa também tornar-se responsável pelos próprios fracassos. Os fracassos, 
portanto, deixam de ser sociais, estruturais, mas individuais. Exemplificando, o 
desemprego passa a ser culpa do sujeito, e não mais de uma sociedade pós-industrial, 
tecnológica e de capital improdutivo. O sujeito que cuide de ser capaz de empreender 
a si mesmo. 
 
 
 
 
 
 
Pensar em neoliberalismo é pensar na nova constituição de subjetividades. Não 
sabemos ainda – e precisamos ser muito cuidadosos nisso – o efeito da tecnologia na 
formação da vida psíquica. Quais os efeitos da virtualidade, de aproximar as pessoas e 
ao mesmo tempo afastá-las, o efeito de isolamento... temos algumas suposições, mas 
é um processo em andamento, e nossas teorias e modelos explicativos ainda estão 
insuficientes. 
 
Mas o que sabemos é que nessa concepção tecnológica e neoliberal, há uma 
predominância da imagem. Isso significa uma redução da capacidade de criar 
narrativas. Se a linguagem permite construir narrativas que contam uma história com 
variáveis, com nexos, com ênfases em pontos diferentes da própria história de cada 
um, a imagem é colada na realidade, não permite esse deslizamento de sentido. 
 
Não existe tecnologia mais avançada que a linguagem. E estamos perdendo isso, 
porque os nexos estão se dando de maneira muito imediata. Para uma adolescente, se 
ela for magra, de cabelo liso, não tiver celulite, ela acredita que a chance de ser feliz é 
maior. Quer dizer, uma virtualidade pura. 
 
Essa lógica do valor da imagem vem do século 20, mas está se expandindo e 
explodindo ainda mais com o desenvolvimento da internet e das virtualidades. 
 
Não podemos deixar de falar da indústria cultural. O que ela faz? Ela faz da cultura um 
objeto de consumo. Esvazia a dimensão criativa da arte e promove a atrofia do 
simbólico, criando um único sentido para a imagem. O sujeito não participa da criação 
da obra, ela tem uma direcionalidade unívoca. O sujeito compra. Ele faz parte 
comprando. A invenção coletiva de sentido, proposição de narrativa multi, pluri, 
polissêmica e polifônica se esvazia em troca da criação de padrões. 
 
Os sujeitos que estão fora desses padrões se sentem marginalizados e fora da tela. Eles 
não cabem da tela da televisão, do cinema, do computador. Estando fora da tela, 
estão à margem. Não é caso, entretanto de querer trazê-los para dentro da tela. Nós, 
profissionais de psicologia, devemos aprender a destacar a beleza, a força e a vida que 
está fora das telas, fora dos padrões. E também o sofrimento. Uma nova clínica 
comprometida não mais em fortalecer os padrões, mas uma clínica que pulverize os 
padrões, que busque novos territórios de singularidade. 
 
Não e à toa que as taxas de suicídio estejam crescendo nas duas extremidades do ciclo 
de vida: entre idosos e entre jovens. Por esses parâmetros dos padrões, podemos 
entender porque os jovens são tão afetados, como vamos falar adiante. 
 
Esses padrões são padrões de consumo. Os padrões de consumo serializam 
subjetividades, conformando uma fábrica de sujeitos. Um esforço capitalístico de 
abolir a singularidade. Ao mesmo tempo, a sociedade tida como “científica”, 
“eficiente”, individualiza os problemas. 
 
Foucault, ao estudar o poder, definiu a chamada sociedade do controle, que é a 
sociedade dos hospícios, das cadeias. Para quem estivesse fora da produção, havia 
dispositivos de controle muito claros. 
 
 
 
 
 
 
Hoje, há uma transição entre a sociedade do controle e a sociedade do desempenho. 
Byung-Chul-Han, em seu livro “A sociedade do cansaço”, afirma que no século XXI não 
estamos mais na sociedade disciplinar, mas constituindo uma sociedade do 
desempenho, onde são produzidos sujeitos empresários de si mesmos. 
 
A sociedade disciplinar é a sociedade da proibição, de não ter o direito. Na sociedade 
do desempenho o verbo é Poder. “Yes,we can!”. 
 
Estamos saindo da sociedade dos mandamentos, proibições e leis para entrar na 
sociedade dos projetos, iniciativas, produção. A sociedade disciplinar gera loucos e 
delinquentes, a sociedade do desempenho gera depressivos e fracassados. 
 
Seguindo o comando de um inconsciente social que obriga a maximizar a produção, 
aqueles que estão fora, estão fora. O controle não é mais por um panóptico, ele é 
introjetado. O empresário de si mesmo é escravo de si mesmo. 
 
Quer ver um exemplo desse controle hoje? Os gerentes de politicas públicas do 
facebook e do twitter reconhecem que há uma relação abusiva, em que as pessoas 
tendem a ficar muito tempo em suas páginas. Estão formulando um alerta para que, 
caso o sujeito queira, a plataforma avisa o tempo que o sujeito está na rede. 
 
Está em desenvolvimento um algoritmo em que, se a pessoa está visitando muitas 
páginas ligadas ao tema do suicídio, eles direcionam uma pergunta se a pessoa precisa 
de ajuda e indica organizações de ajuda. No Japão, há uma ligação entre o google e 
redes de urgência em saúde. 
 
Nesse mesmo sentido vem a medicalização e patologização, que transformam em 
sintomas os sentimentos. A medicalização da sociedade significa depositar o poder 
sobre seu corpo a uma autoridade que estudou pra isso. É mais ou menos o que fala a 
Marilena Chauí sobre o discurso da competência, e expropriação do sujeito do saber 
sobre si. Opera-se uma alienação do saber do si, que é depositada no sabercientífico. 
 
A coisa é tão grave que a própria psiquiatria vem perdendo sua capacidade clínica para 
se transformar em serva da farmacologia. Constrói-se, assim, a visão de que o 
bem-estar pode estar depositado numa pílula, numa droga lícita, já que o tempo 
necessário para uma elaboração subjetiva é tempo roubado aos projetos de 
empreendedorismo de si. 
 
 
 
3º Eixo: o suicida e o suicídio na sociedade hoje 
 
A droga e seus congêneres fazem uma excelente aliança com os sujeitos perplexos, 
entre eles com destaque para os jovens. 
 
Nessa travessia entre serem objetos de amor dos pais ou de quem deles cuida 
(supondo que há alguém que cuida deles. Jovens muito carentes são vítimas de outras 
 
 
 
 
 
violências, como o extermínio mesmo) e o momento de buscarem a própria autonomia 
e a própria identidade, os jovens ficam muito confusos. 
 
Ele não é mais o ideal dos pais e, se busca uma turma e quer pertencer à turma, ele às 
vezes se violenta e se submete a regras que não são as dele. Além disso, começam a 
acontecer coisas muito estranhas no corpo dele. Coisas crescem, coisas sobem, coisas 
intumescem, pelos se avolumam. Isso os joga no mundo da sexualidade, da vida 
sexual, do enfrentamento do real do sexo, como diz Lacan. 
 
O jovem está preso entre o “não mais” e o “ainda não”. Esse espaço pode ser um 
abismo. O suicídio é a quarta causa de óbitos dos jovens. À adaptação já tão difícil no 
ambiente escolar, soma-se o cyberbulling, que estilhaça a segurança das paredes de 
um espaço protegido. A sensação de que não há formas de escapar.... 
 
No caso do outro extremo do ciclo da vida – as pessoas com 60 ou mais – o que 
vemos? São gerações que trabalharam. Elas tinham clareza que grande parte do que 
elas são é o que elas fazem, sua identidade foi calcada em sua forma de trabalhar, sua 
ocupação. Por isso a aposentadoria muitas vezes significa o esvaziamento de sentido 
da vida. Eles perderam o valor para a sociedade produtiva. Um dos sentimentos mais 
fortes nos idosos é de terem se tornado um fardo. 
 
Com a sociedade científica, decorre a perda do valor da experiência. O velho só é um 
velho. Não é um sábio, alguém que já viveu muito, já superou muitas crises. Nem para 
ser exemplo de maternidade ou paternidade servem mais. Eram os avós quem davam 
funchicória para as crianças, hoje não podem dar nem conselhos para seus filhos. 
 
Em uma sociedade do desempenho, cuidar de idosos pode ser tido como perda de 
tempo. 
 
Nem falamos de machismo, racismo, LBGTfobia, mas podemos ver claramente como o 
recorte de gênero impacta nos modos de vida, pois são as mulheres quem geralmente 
se responsabilizam por esse trabalho invisível e desvalorizado de cuidados. 
 
Os indicadores de suicídio e as notificações de óbito ainda não permitem uma 
compreensão muito clara do papel da homofobia e do racismo. Há artigos que 
apontam que, por exemplo, são contabilizados e mesmo noticiados suicídios de 
mulheres lésbicas brancas e com indicadores de feminilidade. O suicídio de mulheres 
negras e fora dos padrões parece que é invisibilizado. (Blog de Carolina Camargo) 
 
Essas duas faixas da população – jovens e idosos - são aquelas que demonstram 
tendência de maior aumento do suicídio. Importante dizer que o suicídio é uma ação 
que depende de uma decisão racional, consciente, tomada como ato de vontade, com 
intenção e lucidez. 
 
Em quase 100% dos casos, o suicídio tem a seguinte cronologia: Ideação suicida. Plano 
suicida. Tentativa de suicídio. Suicídio consumado. 
 
 
 
 
 
 
O suicídio está dentro da mortalidade por causas externas, que são as violências. Nesse 
caso, uma violência autoinfligida. Assim, não podemos deixar de pensar no suicida 
como um suicidado. 
 
Quarto eixo: E agora, José? 
 
“Su​ ​cadáver estava lleno de mundos” 
(Cesar Vallejo, citado em “Impacto da violência na saúde dos brasileiros”) 
 
Vemos que o suicídio está associado às condições gerais de vida, às situações de vida e 
ao estilo de vida. Em situações de vida encontram-se os lares desfeitos, abuso, 
ausência ou abandono dos pais, baixo grau de comunicação familiar , conflitos muito 
duradouros, rompimentos emocionais, perdas, transtornos depressivos, enfermidades 
graves, falta de perspectiva de futuro. Assim, todos são fatores que numa rede muito 
complexa, determinam o modo do sujeito lidar com o próprio desejo e com a própria 
pulsão de morte. 
 
A tentativa de suicídio costuma se repetir. Antes das tentativas, há um pedido de 
socorro. Tentativas não consumadas são formas de comunicar sofrimento. Há uma 
clareza de que, via de regra, o suicida não procura a morte, mas outra vida. 
 
O suicida quer morrer e quer viver. Há uma ambivalência, e, portanto, aí, uma 
possibilidade de escuta e de intervenção. 
 
Ou seja, quando alguém pedir ajuda, mesmo que não seja explicitamente, mesmo que 
a pessoa não saiba dizer disso, a escuta pode definir uma vida. Fique atento. 
 
Escute, se interesse leve a sério, pergunte mais, peça para a pessoa falar de novo, de 
outra maneira. São vários níveis possíveis de escuta. Esteja atento aos quatro D: 
depressão, desamparo, desesperança, desespero. Encaminhe, peça ajuda. Se for 
preciso, vá até a casa da pessoa. 
 
Há países que conseguiram reduzir as taxas de suicídio por impulso, reduzindo o 
acesso aos modos mais letais. Por exemplo, o caso do metrô no Japão, com o 
impedimento de pular as grades. Não é preciso ter medo de intervir, há muitos casos 
em que o suicídio se dá por impulso. E se alguém impedir o impulso, cria-se uma nova 
possibilidade de elaboração. 
 
O suicídio muitas vezes é uma agressão ao ambiente o que pode levar a uma má 
vontade das pessoas em relação ao suicida. Numa sociedade que evita conviver com a 
morte e a mortalidade, o suicídio é uma afronta e desperta reações, às vezes 
inconscientes, de desprezo, de desqualificação, de reações moralistas. Assim, é preciso 
criar fatores de proteção que orientem uma prática e política de prevenção 
permanente. 
 
No âmbito do que fazer, não há uma receita, óbvio. Mas é possível pensar algumas 
coisas, como a promoção de espaços de circulação da fala, da palavra, em que o 
protagonista seja o sujeito em sofrimento e não uma autoridade sobre o assunto. 
 
 
 
 
 
 
Na agenda estratégica de prevenção ao suicídio, do Ministério da Saúde, verifica-se 
que a existência de Caps reduz em 14% o índice de suicídios. Sejam bem-vindos, Caps. 
 
É preciso também promover espaços de valorização da experiência. Há experiências 
lindas, como por exemplo, em que os idosos olham as crianças, para as mulheres 
terem uma vida mais leve. Para os jovens, uma boa e simples dica: desligue o celular 
na hora do almoço. Como escola, ou como família, contenham a voracidade das 
crianças. Abra espaço para que os jovens possam efetivamente se expressar. É preciso 
menos palestras e mais conversas circulares. Li em algum lugar que para substituir o 
efeito werther, criemos o efeito Papageno. 
 
Outro ponto fundamental é a nutrição simbólica. Ouvi de um professor de filosofia 
essa ideia: propicie espaços de reconhecimento dos valores locais. Procure o que estáperto, o que está aqui, não o que está na Globo, em Hollywood. 
 
Para fechar, assim como abrimos com um poema de Drummond, queria trazer uma 
das meditações de John Donne, poeta inglês do sec. XVI. Ele diz assim: “Nenhum 
homem é uma ilha, inteiramente isolado. Todo homem é um pedaço de um 
continente, uma parte de um todo. (...). A morte de qualquer homem me diminui, 
porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntem por quem os sinos 
dobram. Eles dobram por nós” 
 
Muito obrigada!

Continue navegando