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História_[1]

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1
T E S E D E D. E. A. 
 
 
 
 
 
 
 
 
A G U E R R I L H A 
 
D O 
 
A R A G U A I A 
 
( BRASIL: 1966 - 1975 ) 
 
 
 
 
 
Por Gilvane FELIPE 
Sob a Orientação e Direção de Guy MARTINIERE 
 
 
Institut des Hautes Études de l'Amérique Latine 
(I.H.E.A.L.) 
 
- Université de la Sorbonne Nouvelle - 
(Paris III) 
 
Outubro 1993 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) II
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 A defesa desta tese de D.E.A. aconteceu no dia 15 de outubro de 1993, tendo a mesma obtido a 
nota 36/40, o que equivaleria no Brasil à nota 9/10. A banca examinadora foi composta pelos professores 
do Institut des Hautes Études de l'Amérique Latine (I.H.E.A.L.) em Paris, Guy MARTINIÈRE 
(Orientador da pesquisa), COLLIN DELAVAUD e do professor Bruno REVESZ, professor e 
pesquisador junto ao CIPCA. 
 
 
 
Í N D I C E 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS............................................. 
 
 
DEDICATÓRIA................................................ 
 
 
IN MEMORIAN................................................ 
 
 
INTRODUÇÃO................................................. 
 
 
CAPÍTULO I - BREVE HISTÓRICO DO PARTIDO COMUNISTA DO 
 BRASIL (1922 - 1969) 
 
I . 1 . Da Fundação ao Cisma............................... 
 
I . 1 . 1 - Insurreição armada e clandestinidade........... 
I . 1 . 2 - Legalidade e semi-clandestinidade.............. 
I . 1 . 3 - A discórdia que veio de Moscou................. 
I . 1 . 4 - A criação do Partido Comunista BRASILEIRO e o racha do 'velho' PCB... 
 
 
I . 2 . O Partido Comunista do Brasil (PC do B)............ 
 
I . 2 . 1 - Os primeiros passos............................ 
I . 2 . 2 - A 'construção' da linha militar do PC do Brasil 
(1966 - 1969).............................................. 
 
 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) IV
I . 3 - O documento Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil 
 
I . 3 . 1 - Da sua importância............................. 
I . 3 . 2 - Da conjuntura em que surgiu.................... 
I . 3 . 3 - O conteúdo do 'GPOP'........................... 
 
 
 
CAPITULO II - DAS PALAVRAS AOS ATOS: A GUERRILHA DO ARAGUAIA, 
A PREPARAÇÃO E OS COMBATES ARMADOS (1966-75)... 
 
 
II . 1 - A Inação Aparente................................. 
 
II . 1 . 1 - A Comissão Militar e seu Trabalho Sigiloso (a opção teórica; a escolha de 'áreas 
propícias'; os escolhidos para a 'tarefa especial').................... 
 
 
II . 2 - A Preparação da Luta Armada (1966-1972)........... 
 
II . 2 . 1 - As Tentativas de Implantação de 'Frentes' de Luta Guerrilheira.............................. 
 
II . 2 . 2 - A Construção das 'Frentes' do Araguaia (a região do Araguaia; 1966: os 'paulistas' 
estão chegando; as dificuldades de adaptação; o trabalho de massas; a preparação militar; a 
organização militar)................................................................................ 
 
 
II . 3 - 12 de Abril de 1972: O Início dos Combates........ 
 
II . 3 . 1 - A Descoberta da 'Base' do Araguaia................ 
 
II . 3 . 2 - As Forças Armadas Atacam e os 'Paulistas' se Transformam no Temido 'Povo da 
Mata'................................................................................. 
 
 
II . 4 - A Guerra na Selva (1972-1975)............................. 
 
II . 4 . 1 - As Campanhas de 'Cerco e Aniquilamento' das Forças Armadas e as Táticas da 
Guerrilha (a primeira campanha; a segunda campanha; a grande trégua; a terceira e última 
campanha)......................................................................... 
 
 
Índice 
 
V
CONCLUSÕES................................................................. 
 
 
BIBLIOGRAFIA............................................................... 
 
 
ANEXOS ( I a IX )............................................................. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A G R A D E C I M E N T O S 
Agradecimentos 
 
VII
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"... e aprendi que se depende sempre, 
de tanta, muita, diferente gente. 
Toda pessoa sempre é as marcas 
das lições diárias de outras tantas pessoas. 
É tão bonito quando a gente entende 
que a gente é tanta gente 
onde quer que a gente vá; 
É tão bonito quando a gente sente 
que nunca está sozinho por mais que pense estar; 
É tão bonito quando a gente pisa firme 
nestas linhas que estão na palma de nossas mãos; 
É tão bonito quando a gente vai à vida 
nos caminhos onde bate bem mais forte 
o coração." 
 
 (Luíz Gonzaga Júnior - 'Gonzaguinha') 
 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) VIII
 
 
 Mais que a qualquer outra pessoa, gostaria de agradecer ao meu querido amigo e professor, 
Ruy Rodrigues da Silva que, por seu exemplo de vida consagrada à ciência e à educação, à humanidade 
enfim, e pelo apoio moral, intelectual e material a mim dedicado, teve papel decisivo na transformação do 
meu sonho em realidade. 
 
 Aos meus pais, Bárbara Lôbo Felipe e Antônio Bento Felipe, que, da mesma forma concorreram 
para a materialização deste trabalho, sobretudo à minha mãe que não poupou esforços para viabilizar esta 
pós-graduação. 
 
 Ao meu orientador no Instituto de Altos Estudos da América Latina (I.H.E.A.L.), em Paris, 
Professor-Doutor Guy Martinière que teve grande participação na obtenção deste resultado. Ainda no 
I.H.E.A.L., à Roberto Vega, funcionário eficaz, atencioso e gentil e à Sra. Paradis, professora de 
Francês, por sua enorme paciência. 
 
 Às professoras Janaína Amado e Raquel Figueiredo que me ajudaram a dar forma ao projeto de 
pesquisa que desembocou na presente dissertação, assim como ao meu mestre e amigo, Professor Juarez 
Costa Barbosa, aquele que me ensinou o amor pela História. 
 
 Aos muito queridos amigos, Romualdo Pessoa Campos Filho, a quem devo a publicação inédita 
de um dos documentos secretos - o pertecente à Polícia Militar do Estado de Goiás - que tanto 
enriqueceram esta dissertação, e Luciana Sousa Bento, com cuja dedicação sempre pude contar. 
 
 Agradecimentos igualmente a Ricardo Parvex (CIMADE) e Madeleine Babinet, ambos de Paris, e 
ao diretor da Alliance Française de Goiânia, Alain Royant, que souberam me apoiar quando me esbarrei 
com algumas dificuldades legais na França. 
 
 Aos dirigentes do PC do B, José Reinaldo de Carvalho e José Renato Rabelo, que tudo fizeram 
para me franquear o acesso aos documentos e publicações partidárias concernentes à Guerrilha, assim 
Agradecimentos 
 
IX
 
como tudo fizeram para mitigar a distância do meu País, me enviando sempre, periódica e 
constantemente, notícias do Brasil. 
 
 Ao meu professor de Francês e revisor deste trabalho e do projeto de pesquisa que o deu origem, 
Christian Gouraud. 
 
 À Sra. Cirille, Zélia, Gabriela, Adeane, Elyeser, François, Lucivânia, Cyro, Juarez, Benaias, 
André, Nancy, Tércia, Morad, Eugênio, Itamar, Doracy, Élvio, Alan, Farias, Sayonara, Fabrice, 
Alexandre, Kênia, Laida, Jean Yves, Oscar, Valérie, Nica, Laisy, Luca, Hamazan, Maristela, Vincent e a 
tantos outros que, de uma maneira ou de outra, às vezes sem nem mesmo o saberem, me ajudaram a 
realizar esta travessia seja através de atos concretos, seja pelo fato de terem acreditado na minha 
capacidade de completá-la e me encorajado a fazê-lo. 
 
 Por fim, e de modo muito especial, à minha amada companheira, que sempre apoiou minha 
decisão de levar até o fim este trabalho, até mesmo quando isso signficou o nosso distanciamento, 
Claudia Cleine Barcelos Cunha. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
X Dedicatória 
X
 
 
 
 
 
 
 
D E D I C A T Ó R I A 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Aos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, à seus familiares e amigos. 
 Ao meu filho, Frederico Carvalho Felipe. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
XI InMemorian 
XI
 
 
 
 
 
 
 
I N M E M O R I A N 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 À memória da inesquecível amiga e companheira, Andréa Ribeiro dos Santos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
I N T R O D U Ç Ã O 
Introdução 
 
13
 
 
 
 
 No ano de 1972, eu tinha apenas 9 anos de idade. Começara a cursar em março a 4ª série do 
curso primário. Passados mais de vinte anos, não consigo me lembrar de muitas coisas. Além de alguns 
nomes de colegas de sala de aula, uma das únicas reminiscências desse tempo que retive na memória foi a 
de um forte boato que corria, o qual dava conta de que uma guerra de verdade estaria a acontecer não 
muito longe de nossas casas, no norte de Goiás. Dizia-se que muitos conscritos de nossa cidade, recrutas 
de 18 anos que então cumpriam o seu serviço militar obrigatório, tinham sido levados para a floresta 
amazônica onde travavam violentos combates contra um bando de "terroristas", "um exército invasor 
vindo de Cuba", "um grupo de fanáticos adeptos do diabo", etc.... as versões pululavam. 
 Era uma época de forte repressão policial-militar, de cerrada censura à imprensa. Tais 
comentários não apareciam nas páginas dos cotidianos, nos boletins difundidos pelo rádio ou nos tele-
jornais. No entanto, à boca pequena, em conversas mais reservadas, o assunto vinha à tona com muita 
freqüência. 
 Minha escola ficava ao lado do Colégio Prof. Pedro Gomes, também conhecido como 'Liceu de 
Campinas'. Ali, naquele enorme prédio branco, nos tinham contado, houvera, há não muito tempo, 
grandes enfrentamentos entre estudantes e policiais. Ponto de tradicional força do movimento estudantil 
secundarista, durante muitos anos o nome Pedro Gomes significou subversão, luta estudantil, violência 
policial. Não obstante a notoriedade, este também era um assunto proibido, dele só se tomava 
conhecimento através de relatos proferidos em voz baixa. Falava-se de estudantes que tinham sido 
abatidos ao tentar saltar o muro da escola para fugir a uma invasão da PM. Contava-se também de 
estudantes que haviam alvejado alguns soldados com pedras. As estórias eram várias, às vezes 
descambavam para o terreno do lendário, do fantástico, mas nós, pequenos estudantes, achávamos aquilo 
tudo fascinante e, ao mesmo tempo, aterrador. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
14
 
 Essa proximidade com aquele "antro de subversão", como diziam os militares, fazia com que a 
força dos boatos aumentasse, assim como o 'zêlo' governamental com o lugar e redondezas. Assim, neste 
período passamos a ter um novo professor, um senhor que se dizia oficial do Exército, se não me engano 
um coronel. Semanalmente, nós, pequeninos 'projetos de gente', tinhamos então aulas de uma nova 
disciplina que se chamava Educação Moral e Cívica1, ocasião em que recebíamos uma dose de anti-
comunismo, de intolerância, de 'civismo', de fanatismo patrioteiro, e também de medo dos ditos 
terroristas que estariam espalhados por toda parte. 
 À época não nos dávamos conta do que se passava. Hoje, depois de saber da existência da 
Guerrilha do Araguaia e após ter estudado as teorias militares de guerra de guerrilhas e aquelas de 
combates contra guerrilhas, consigo enxergar tal fato como sendo parte de uma operação preventiva de 
combate à guerrilha então em curso na região do Araguaia. Medida que suponho tenha sido levada a 
cabo em todos os principais centros populacionais, possíveis de se tornarem focos de apoio ao 
movimento guerrilheiro. 
 Foi assim o meu encontro com o tema que agora me proponho a historiar - a Guerrilha do 
Araguaia. Desde essa época e até hoje sou um apaixonado por todas as notícias que lhe digam respeito. 
Coleciono recortes de jornais, revistas, livros que tratam do tema há já bastante tempo. 
 O episódio a que se convencionou chamar Guerrilha do Araguaia foi um movimento de oposição 
ao Regime Militar concebido, organizado e dirigido pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre 
os anos de 1966 e 1975, na floresta amazônica, às margens do Rio Araguaia, na região norte do Brasil, 
mais precisamente no sul do Estado do Pará e norte do Estado de Goiás (hoje, Tocantins). A 
denominação se justifica pela utilização de formas de organização e de táticas militares próprias de uma 
guerra de guerrilhas pelos militantes comunistas para se contrapor às ofensivas militares das Forças 
Armadas (FF.AA.) realizadas entre 1972 e 1975. 
 
1 Nas Universidades, a disciplina equivalente chamava-se Estudos dos Problemas Brasileiros (sic!) - EPB. Na segunda fase 
do 1º grau assim como no 2º grau, seu nome era Organização Social e Política Brasileira ou simplesmente OSPB. 
Introdução 
 
15
 
 Em 1980 ingressei na Universidade Federal de Goiás (UFG) para fazer o curso de História. O 
meu interesse pela Guerrilha do Araguaia longe de diminuir, cresceu à medida em que verificava a não 
existência de nenhum estudo aprofundado a nível da UFG sobre aquele evento ocorrido bem ali, no norte 
do Estado. Fiz parte de duas diretorias do Centro Acadêmico (C.A. de História) - orgão de 
representação dos estudantes de História, a primeira como diretor de imprensa e divulgação e a última 
como presidente. Nas duas oportunidades, em conjunto com outros colegas também interessados, tudo 
fiz para que o tema fosse debatido. Convidamos ex-guerrilheiros, dirigentes do partido que tinha 
organizado a resistência armada - PC do B, professores, jornalistas, etc. Imprimimos dois números da 
Revista do C.A. de História e, não por acaso, em ambos constavam matérias sobre a Guerrilha. 
Confeccionamos uma camiseta com uma gravura e um trecho de um poema que homenageava a 
Guerrilha. A camisa era vendida e servia para arrecadar fundos para o nosso movimento ao mesmo 
tempo em que divulgava o acontecimento dos anos setenta. O barulho que fizemos, embora grande, não 
foi suficiente para suscitar o interesse do Departamento de História da Universidade. Nenhum trabalho 
ou proposta de pesquisa sobre o tema surgira nesse período. 
 Quando me graduava, em 1991, pude notar que o tema continuava como antes: virgem, do ponto 
de vista historiográfico. Algumas novidades, é certo, tinham vindo à tona, algumas publicações, 
notadamente do lado dos guerrilheiros, tinham enriquecido o magro acervo documental do evento. O PC 
do Brasil tinha publicado diversos materiais, dentre os quais se destacava a revista Guerrilha do Araguaia 
em 1982, por ocasião do décimo aniversário do início dos combates entre militares e guerrilheiros. Um 
diário da Comissão Militar - o comando militar-operacional da Guerrilha - também viera à tona, 
prefaciado pelo historiador Clóvis Moura. Alguns livros de memórias e entrevistas de pessoas que 
tomaram parte dos combates foram publicados. Tudo assim, disperso. Sem nenhum esforço da 
inteligência historiográfica brasileira no sentido de desvendar esse importante episódio da nossa história 
recente. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
16
 
 Não bastasse isso para justificar o despertar de um maior interesse pelo ocorrido, acresça-se o 
fato de a região onde se desenvolveram os combates e redondezas - sul do Pará e 'bico do papagaio' - se 
constituir até hoje em ponto dos mais tensos do País, onde a luta pela posse da terra opõe violentamente 
'posseiros' de um lado, contra fazendeiros e 'grileiros' e 'jagunços', de outro, o que, não raro, acaba em 
enfrentamentos armados e, conseqüentemente, em mortos de lado a lado. Nada disso pareceu capaz de 
atrair a atenção e de sensibilizar os nossos historiadores. 
 A essa época, já havia me decidido a me dedicar à realização de uma tese de doutorado numa 
universidade francesa. O tema da pesquisa ainda não tinha sido escolhido. Oscilei entre pesquisar o papel 
dos religiosos dominicanos franceses na ocupação do norte de Goiás e a história do movimento estudantil 
universitário em Goiás após o Congresso de Reconstruçãoda UNE em Salvador em 1979. Por fim, tratei 
de organizar cuidadosamente um arquivo dos documentos e publicações guardados por longo tempo em 
minha casa e, eu mesmo, me surpreendi com a riqueza do material acumulado sobre a Guerrilha. Era, 
sem sombra de dúvida, um bom ponto de partida. Resolvi então me consagrar à pesquisa do tema que me 
atraía desde minha infância, a Guerrilha do Araguaia. 
 Em suma, minhas lembranças de infância, a 'virginidade' do tema, a sua originalidade, assim como 
a realidade ainda explosiva da região que sediou a conflagração, tudo isso, de maneira conjugada, 
conduziu minha reflexão e me empurrou em direção ao estudo da Guerrilha do Araguaia. 
 Olhando em retrospectiva, penso que não poderia ter feito melhor escolha para tentar começar 
uma carreira profissional no campo da História. Conciliei trabalho e prazer, o que nem sempre é fácil, e 
me ocupo hoje contentemente da tarefa a que me propus. 
 Uma coisa é certa: há uma enorme diferença entre gostar de um determinado tema, colecionar 
gratuitamente tudo que se lhe refira, quase como um 'hobby', e se dedicar a uma pesquisa histórica, com 
todos os quesitos necessários para o seu sucesso, com todo o cuidado e rigor científicos. As dificuldades 
começam quando começamos a nos dar conta de que o material que julgávamos suficiente é bastante 
Introdução 
 
17
 
limitado. Sobretudo no tocante a documentos primários, traços documentais da Guerrilha, relatórios 
oficiais, etc. 
 De fato, apesar de contar com um acervo que inclui, se não tudo, pelo menos quase a totalidade 
do que foi publicado a respeito - o que não é sinônimo de grande quantidade, pelo contrário, sobre o 
evento há uma muito restrita bibliografia - um dado perturba mais que os demais o bom caminhar do 
trabalho de pesquisa: o insistente silêncio por parte das Forças Armadas (FF.AA.) no tocante ao 
episódio. 
 Das autoridades militares não se obteve até hoje nem sequer o reconhecimento verbal oficial da 
ocorrência da Guerrilha, que dirá documentos oficiais a respeito. Sobre o fato vive-se uma tragicomédia 
em que, não obstante todos os testemunhos, todos os relatos, todos os documentos surgidos, nega-se 
peremptoriamente o óbvio. 
 A conseqüência trágica desta postura é a inquietude dos familiares dos guerrilheiros que 
enfrentaram os contigentes militares oficiais nas matas do sul do Pará. Eles vivem desde então um 
verdadeiro pesadelo, qual seja o de não saberem do destino de seus entes queridos. Essas pessoas vivem 
num estado de terrível esperança, espera de notícias, espera de um retorno cada vez mais improvável, 
sem saber se devem chorar as suas mortes ou se devem esperar ainda mais. Todos eles sabem que os seus 
parentes foram para o Araguaia, supõem que estejam mortos, mas resta sempre uma ponta de dúvida, um 
fio de esperança. 
 Uma conseqüência, não menos prejudicial, dessa posição assumida pelas FF.AA. diz respeito à 
ausência da versão oficial governamental do ocorrido, o que, sem embargo, obstaculiza uma maior 
proximidade do historiador da realidade do fato histórico, da verdade, haja vista que a quase totalidade 
da documentação até hoje obtida ser devido a revelações da outra parte do confronto, do PC do Brasil, 
atitude que, diga-se de passagem, deve ser exaltada. 
 Se bem que tenhamos hoje a posse de documentos secretos das FF.AA., obtidos por vias outras 
que as normais, ao ser o historiador da Guerrilha do Araguaia obrigado a lançar mão desse material, e 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
18
 
somente dele, corre o risco de trazer à luz unicamente parte da realidade vivida o que, sem dúvida, já é 
alguma coisa mas ainda muito longe de ser satisfatório. 
 Aqui o historiador se vê obrigado então a inventar caminhos para atingir a sua meta: a verdade 
histórica. É onde a tarefa do historiador se aproxima daquela de um detetive policial que meticulosa e 
escrupulosamente (supõe-se!) tenta descobrir a verdade a partir de alguns indícios, montando então um 
grande quebra-cabeças. 
 Ao que tudo indica, teremos que enveredar por esse caminho sinuoso se realmente quisermos 
retirar pelo menos parcialmente os véus que encobrem os fatos do "mais importante movimento armado 
já ocorrido no Brasil rural"2, nas palavras do General Hugo de Abreu; dessa "guerra suja dos dois 
lados"3, segundo o hoje senador e oficial da reserva do Exército, Jarbas Passarinho, ministro da educação 
do governo do presidente-general Emílio Garrastazu Médici, à época do início dos combates; ou, ainda, 
do "maior movimento de tropas do Exército, semelhante à mobilização da FEB"4, segundo opinião do 
General Vianna Moog. 
 Ao que tudo indica. Dizemos isso no condicional pois, muito embora não seja esta a nossa 
opinião, a evolução dos acontecimentos pode nos conduzir a maiores revelações e, quem sabe, até 
mesmo a um reconhecimento oficial da Guerrilha. Tal pode vir a acontecer. Exemplo desta hipótese é o 
estardalhaço que tem feito nesse sentido a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos 'mortos e 
desaparecidos políticos durante o regime militar' da Câmara dos Deputados, em franca atividade de busca 
de elementos que possam contribuir para a elucidação de vários fatos ocorridos na nossa história recente, 
dentre eles da Guerrilha do Araguaia. 
 O assunto é, em si, polêmico, e explosivo, alguns dizem mesmo que é perigoso. Delicado talvez 
seja a expressão mais feliz para qualificá-lo. Não sabemos o que realmente move as FF.AA. na sua 
 
2 Citado por: Palmério Dória et alii. A Guerrilha do Araguaia. Col. História Imediata, n° 1. SP, Alfa-Õmega, 1978, p. 5. 
3 Idem op. cit., p. 23. 
4 Idem, p. 5. 
Introdução 
 
19
 
obstinação a esconder sob sete chaves os fatos da Guerrilha da Araguaia. Seja o que for, trata-se de tema 
frágil posto que envolve a vida (e a morte) de, segundo se estima, mais de uma centena de brasileiros, de 
ambos os lados. Além disso, põe em xeque o papel jogado pelas FF.AA. durante os chamados 'anos de 
chumbo'. 
 Tais questões, longe de nos afastar do nosso desígnio, nos liga mais ainda à solução desse enígma 
da nossa história que no ano passado completou duas décadas. 
 
 Na área da metodologia, para alcançarmos êxito nessa empreitada, ao lado de explorarmos à 
exaustão a reduzida bibliografia existente, ainda teremos que nos valer de recursos metodológicos mais 
recentes que poderão nos ajudar a abrir trilhas rumo à verdade, como por exemplo da utilização de 
fontes orais, método outrora chamado 'história oral', terminologia abandonada por imprópria. Desta 
forma, estamos convencidos de que conseguiremos nos apropriar de um conjunto de técnicas que 
poderão nos aproximar bastante do ocorrido às margens do Rio Araguaia na primeira metade dos anos 
setenta. 
 Essa certeza de que fazemos uma opção não apenas necessária mas também correta, não nos ilude 
quanto à dimensão do desafio que se nos apresenta. Optar pela utilização de fontes orais num estudo da 
Guerrilha do Araguaia implica em optar por um grande trabalho 'de campo' que, em se tratando da região 
em questão, anuncia-se bastante duro, haja vista que as condições geográficas não amenizam em nada a 
tarefa, ao contrário, dificultam sobremaneira um trabalho dessa envergadura. Isso para não citar a 
dificuldade já provada por jornalistas de conseguir revelações e entrevistas junto à população que a tudo 
assistiu ou até mesmo tomou parte do conflito. É o medo que a lembrança dos tempos da guerra traz 
àqueles que o viveram, é o trauma de uma população que de repente se viu no centro de uma 
movimentação de tropas nunca vista e que sofreu muito pelo fato de ser julgada e tratada pelos soldados 
governamentais cúmplice do 'povo da mata'. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
20
 
 As dificuldades na obtenção de entrevistas não parece ser menor entre os militares que 
participaram das operações de combate àGuerrilha. Não obstante, tem havido na sociedade brasileira 
uma tendência a aparecerem cada vez mais pessoas dispostas a revelar o que sabem sobre os sombrios 
anos do regime militar e isso nos abre uma perspectiva menos negativa. Mesmo no tocante a documentos 
secretos das FF.AA., temos grande esperança de que consigamos obtê-los em boa quantidade, campo em 
que já obtivemos consideráveis avanços. A impressão que temos é de que há um potencial a ser 
explorado entre os militares e estamos dispostos a ir até o fim e recolher o que for possível. 
 Uma outra dificuldade no presente trabalho de pesquisa que já podemos prever é a que se 
relaciona aos meios materiais para concretizá-la. Ao que tudo indica, receberemos a partir do próximo 
ano letivo uma bolsa de estudos da agência governamental brasileira, CAPES. Tal notícia, a se confirmar, 
já trará em si motivo de regozijo e alegria, vez que nos proporcionará meios de continuar nossos estudos 
na França. Contudo, uma questão ainda ficará à espera de solução, qual seja a de recursos suficientes 
para se fazer uma grande enquete com atores diretos e indiretos do conflito, uma pesquisa que alcance 
uma porção representativa da região onde ocorreu a Guerrilha, que tente retraçar os caminhos 
percorridos pelo fato histórico, assim como as repercussões daquele evento na realidade político-social 
da área. Mas que não se detenha aí. Uma pesquisa séria terá também que procurar encontrar alguns 
atores daquelas escaramuças militares que se encontram hoje espalhados pelo território nacional e que o 
pesquisador terá que alcançar. São guerrilheiros, dirigentes comunistas, oficiais das FF.AA., religiosos, 
ativistas sindicais, historiadores, jornalistas, auto-didatas da Guerrilha e antigos habitantes da região que 
terão absolutamente que ser ouvidos posto que foram de uma forma ou de outra atores do conflito. 
 Para solucionarmos este problema que se anuncia grandioso, temos em vista realizarmos gestões 
junto a Organizações Não-Governamentais (ONG's) no sentido de conseguirmos apoio para a realização 
das citadas incursões na região afetada e alhures, onde se fizer necessário, para o pleno sucesso da futura 
tese de doutorado. 
Introdução 
 
21
 
 Uma outra fonte, igualmente reduzida mas de forma alguma negligenciável, será a utilização de 
matérias publicadas em periódicos nacionais e estrangeiros. Em território brasileiro, salvo raras exceções, 
teremos que nos contentar com artigos, na sua maior parte, aparecidos a partir de 1978, quando a 
censura oficial abrandou-se. Da imprensa estrangeira, por enquanto, conseguimos rastrear o que foi 
publicado no diário francês Le Monde, o que segue publicado na última parte do presente mémoire, 
como anexo. 
 
 No trabalho de pesquisa que ora começamos, as hipóteses que buscaremos verificar são os 
seguintes: 
 
 
 I - Que a Guerrilha do Araguaia foi um dos episódios mais significativos de contestação 
política contra o regime ditatorial estabelecido em abril de 1964; a resistência armada mais eficaz 
levada a cabo pela esquerda revolucionária no período em questão; aquela que exigiu, malgrado 
sua derrota, o maior esforço dos militares para esmagá-la; e que é por este mesmo motivo que até 
hoje, mais de vinte anos depois, ela continua sendo o único movimento de oposição armada ao 
qual as FF.AA. brasileiras ainda recusam o reconhecimento oficial de sua ocorrência; 
 
 II - Que a Guerrilha gozou do apoio da população da região, esta se constituindo bem na 
razão fundamental de sua longa duração e de sua imensa capacidade de sobrevivência diante dos 
sucessivos e poderosos golpes do inimigo, não obstante a sua inegável superioridade tanto em 
termos materiais como em termos de número de combatentes empregados; 
 
 III - Que os movimentos de resistência dos 'posseiros' na região onde se desenvolveu a 
Guerrilha foram fortemente marcados por seu advento. Sobretudo as suas formas coletivas de luta 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
22
 
assumidas desde então, sofreram grande influência da Guerrilha dos anos setenta - mesmo que tal 
não seja evidente numa primeira abordagem e mesmo que este fato seja enfáticamente negado 
pelos atores atuais das lutas sociais que por lá se passam -, tornaram-se mais organizadas e mais 
radicais, não raramente respondendo com a mesma moeda à violência armada de fazendeiros e de 
seus agentes, os 'grileiros'. 
 
 Para a tese, nossa intenção é de desenvolver, ao lado da problemática principal acima enunciada, 
alguns temas específicos relacionados com a Guerrilha que poderão tomar a forma de capítulos ou de 
secções, quais sejam: 
 
 1 - a imprensa nacional e estrangeira : censura e auto-censura; 
 2 - o processo de crítica e de autocrítica do Partido; 
 3 - a vingança das FF.AA. : a " chacina da Lapa " (16/12/1976); 
 4 - as razões do insistente silêncio das FF.AA.; 
 5 - o mítico na memória dos tempos da Guerrilha entre os habitantes da região; 
 6 - as conseqüências da utilização dos índios Suruí pelo Exército no combate à Guerrilha; 
 7 - a posição assumida pelos religiosos presentes na região durante a Guerrilha. 
 8 - a incansável busca dos corpos dos guerrilheiros por seus familiares e amigos; 
 
 Por fim, a intenção do pesquisador na presente pesquisa é a de contribuir para bem responder à 
necessidade da sociedade brasileira de conhecer sua própria trajetória histórica, mesmo aqueles episódios 
mais obscuros. 
 Tal se faz tanto mais necessário hoje quando já podemos assistir a um processo de 
comercialização da memória da Guerrilha, com a transformação dos rastros e vestígios daquele 
importante movimento político-militar em fonte de obtenção de recursos através do turismo, conforme já 
Introdução 
 
23
 
anunciam os meios de comunicação5, quando sequer a história do evento foi escrita. Trata-se dessa forma 
de tentar recuperar o tempo perdido e resgatar este episódio antes que a sua memória seja corrompida e 
deturpada por interesses outros que não o historiográfico. 
 Tal é o nosso desafio. 
 
5 Angela Klinke e Luciana de Francesco. "Guerrilha e Paz". In: Revista Isto É, n° 1243, SP, Ed. Três, 28/07/1993, pp. 48-
51. 
 
 
 
 
 
 
 
C A P Í T U L O 
 
I 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
25
 
 
 
 
 
B R E V E H I S T Ó R I C O 
 
D O 
 
P A R T I D O C O M U N I S T A 
 
D O B R A S I L 
 
- P C d o B - 
 
( 1922 - 1969 ) 
 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
26 
 
 
I . 1 . Da Fundação ao Cisma 
 
 
I . 1 . 1 - Insurreição armada e clandestinidade 
 
 O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em 25 de março de 1922. Uma de suas 
primeiras medidas foi filiar-se à Internacional Comunista (IIIª. IC). 
 Em 1928, o PCB participa das eleições legislativas através do Bloco Operário-Camponês (BOC), 
fato que o projeta em escala nacional. 
 Mas será em 1935 o apogeu da influência comunista nessa sua primeira fase. Em novembro, 
através de uma organização política de massas - a Aliança Nacional Libertadora (ANL) - sob sua direção, 
o PCB lança uma insurreição nacional. A revolta se restringe a algumas unidades militares e fracassa. 
Apesar da derrota, o ato lhe valeu o título de primeira organização comunista latino-americana a dirigir 
um levante armado no continente. O episódio será chamado doravante pelos comunistas de 'insurreição 
nacional libertadora', enquanto que os militares, assim como os sucessivos governos posteriores - 
castrenses ou não - o batizarão de 'intentona comunista'. Nas casernas, a memória de 1935 é celebrada 
todos os anos. É, por excelência, a oportunidade anual de o alto oficialato renovar a sua profissão de fé 
anticomunista e de lançar advertência aos que, por acaso, ainda alimentem sonhos semelhantes àqueles 
dos insurretos de 35. Nos discursosproferidos em tais ocasiões se repete insistentemente a acusação de 
que se tratou de 'covarde traição comunista realizada na calada da noite contra valorosos soldados 
desarmados, ainda em seus leitos'. 
 Tal lembrança é tão traumática para os militares brasileiros que até os nossos dias, segundo 
relatos de ex-soldados, nos quartéis das FF.AA., quando da realização no período noturno de exercícios 
militares de prontidão, o álibi usado é sempre o mesmo: 'De pé! De pé! Os comunistas estão atacando o 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
27
 
quartel!' Quando todos se levantam e se colocam em posição de combate, o comando anuncia que se 
trata somente de um treinamento, mas alerta que em novembro de 35...6 
 A derrota de novembro de 35 foi uma das razões, entre outras, evocadas pelo presidente da 
República, Getúlio Vargas, para justificar o golpe de Estado de 1937, liderado por ele próprio, que 
instaurou a ditadura do 'Estado Novo'. 
 De 1935 a 1945, os comunistas são literalmente caçados pelo governo como inimigos públicos da 
nação. Seus líderes são presos, torturados e assassinados nos cárceres. Entre eles, o mais conhecido de 
todos e, por esse mesmo motivo, o mais procurado pelas autoridades policiais: Luíz Carlos Prestes, ou, 
como ficará conhecido, 'o cavaleiro da esperança'7. 
 
 
I . 1 . 2 - Legalidade e semi-clandestinidade8 
 
 Apesar da perseguição, o partido liderará movimentos de pressão popular contra a aproximação 
do regime de Vargas com o 'Eixo nazi-fascista' e pelo envio de tropas brasileiras para combatê-lo, ao 
lado das 'Forças Aliados'. Tal movimento coroa-se de êxito e o Brasil declara guerra ao bloco militar 
liderado pela Alemanha de Hitler, chegando mesmo a enviar tropas à Itália. 
 Tal sucesso faz com que o PCB volte com força à cena política nacional. Em 1945, um amplo 
movimento popular, com os comunistas, ainda que clandestinos, novamente à frente, põe termo ao 
 
6 Ver: Marly de Almeida Gomes Vianna, Revolucionários de 35. SP: Cia. das Letras, 1992. 
2 Tal alcunha se deve à biografia romanceada da trajetória de Luíz Carlos Prestes, publicada nos anos quarenta pelo famoso 
escritor brasileiro, à época membro do PCB, Jorge Amado. O livro se chama 'O Cavaleiro da Esperança' e atualmente seus 
direitos de publicação no Brasil pertencem à Editora Record. 
8 Aqui segue-se a argumentação apresentada por Edgar Carone em: O PCB: 1943 à 1964 (2 vol.), SP, Difel, 1982, v. I, 
passim. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
28 
 
Estado Novo, conquista a anistia dos presos políticos, a convocação de uma Assembléia 
Nacional Constituinte e obtem a legalização do partido. 
 Em 1945/46, o PCB participa das eleições à Assembléia Nacional Constituinte e apresenta 
candidato próprio à disputa presidencial. Obtendo significativa votação, elege expressiva bancada de 
deputados que se destaca nos trabalhos constituintes. 
 Em 1947, uma cilada jurídica dá fim à breve existência legal da agremiação. O PCB retorna à 
ilegalidade, se bem que sem rigores que fizessem lembrar os negros tempos idos da ditadura 
estadonovista. 
 Mesmo ilegal, o PCB continua a atuar em diversos setores da sociedade brasileira em condição de 
semi-clandestinidade. É forte a sua presença sobretudo no movimento sindical urbano e estudantil. 
 A nível da política institucional tampouco o PCB deixa de participar. Embora ilegal, toma parte 
nas eleições legislativas e presidenciais que se seguem, ora lançando candidatos comunistas por outra 
sigla, ora apoiando candidatos de outros partidos considerados 'democratas e progressistas'. É expressivo 
desse período o apoio praticamente explícito que o PCB presta ao então candidato presidencial da 
coalizão PSD-PTB, vencedora em 1956, Juscelino Kubitscheck. 
 
 
I . 1 . 3 - A discórdia que veio de Moscou 
 
 Também em 56, no mês de fevereiro, tem lugar um outro acontecimento marcante na história dos 
comunistas do Brasil, desta feita fora dos limites nacionais. Ocorre o XX Congresso do Partido 
Comunista da União Soviética (PCUS) cujas decisões vêm a acender o rastilho de polvora que conduziria 
à implosão da até então inquebrantável unidade do partido. O PCB, é certo, já havia enfrentado 
problemas relativos à sua unidade interna, mas nenhum de grande envergadura, que chegasse a ameaçar a 
existência mesma do 'velho' partido de 1922, como o que então terá início. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
29
 
 E em torno do XX Congresso do PCUS e de suas resoluções que se produz o primeiro grave 
cisma da história do partido. As mudanças aprovadas da linha política do PCUS9 e, notadamente, a 
aparição do célebre 'relatorio secreto', no qual Nikita Khruchov elencava denúncias do que teriam sido os 
'crimes de Stálin', tiveram efeito similar ao de uma bomba de alto teor explosivo lançada no interior do 
PCB. Dois polos então se formam em seu seio e, sobretudo, em sua direção central: um, adepto das 
resoluções aprovadas pelo PCUS; outro, ácidamente crítico em relação a elas. 
 Três outros acontecimentos internacionais, ocorridos na seqüência, contribuem para jogar ainda 
mais lenha na fogueira: primeiro, em 1957, o Partido Comunista Chinês (PCCh) e outros partidos 
marxistas manifestam discordância da nova orientação seguida por Moscou10, sobretudo das teses da 
'transição pacífica' e da 'coexistência pacífica'. Trata-se na verdade do primeiro passo do processo que 
culminará na crise e ruptura sino-soviética nos anos sessenta11; segundo, o PTA, o partido dos 
comunistas albaneses, segue o exemplo chinês e também se manifesta contra a orientação de Khruchov, à 
frente da URSS e do PCUS12; e, por fim, em 1959, sagra-se vitoriosa a revolução cubana, a primeira de 
caráter nitidamente popular e anti-imperialista, com fortes tendências socialistas, ocorrida em território 
latino-americano. O seu advento radicaliza o já aguçado debate em torno da questão do caminho, da via 
para se atingir o novo regime, o socialismo. 
 
9 As mais polêmicas teses aprovadas pelas plenárias do XX Congresso do PCUS foram: a 'coexistência pacífica entre 
socialismo e imperialismo'; a 'transição pacífica do capitalismo para o socialismo'; o 'partido de todo o povo'; e, o 'Estado de 
todo o povo'. 
10 A posição chinesa foi tornada pública no dia 10/11/1957 em Moscou, à ocasião da 'Conferência dos Doze Partidos 
Comunistas' (Cf. "Les Thèses Chinoises Sur les Voies de Passage au Socialisme". In: Roger Garaudy, Le Problème Chinois, 
Paris, Éd. Seghers, 1967, annexe II, pp. 277-80). 
11 Para maiores informações, ler: F. Fejto, Chine/URSS: de l'Alliance au Conflit. Paris, Seuil, 1973. 
12 O Partido do Trabalho da Albânia criticou o PCUS na 'Segunda Conferência dos Partidos Comunistas e Operários', mais 
conhecida como 'Conferência dos 81 Partidos Comunistas' (Cf. Enver Hoxha, "Discours Prononcé à la Conférence des 
Partis Communistes et Ouvriers à Moscou", novembre de 1960. In: Institut des Etudes Marxistes-Leninistes, Histoire du 
Parti du Travail d'Albanie, Tirana, Ed. Naim Frashëri, 1971, pp. 488-504). 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
30 
 
 Segue-se, durante quatro anos - de 1956 até o V Congresso do PCB, em 1960 - uma 
intensa luta interna opondo 'comunistas' a 'revisionistas'; ou, noutra classificação, 'revolucionários' a 
'reformistas'; ou ainda, 'militaristas' a 'pacifistas'; ou mesmo, 'estalinistas' a 'khruchovistas', conforme o 
jargão da época. 
 Mas o rótulo que se atribui a cada uma das partes em disputa pela hegemonia na direção do PCB 
não é tão importante quanto a identificação da essência das divergências em curso. O elemento de 
decantação é, sem sombra de duvida, a posição que cada grupo assume em relação às deliberações do 
XX Congresso do PCUS e seus desdobramentos ao nível da atuação da URSS, enquanto Estado 
socialista,e do partido soviético, enquanto referência para todo o movimento comunista internacional. 
 Mas não é só isso. A adoção ou não das 'teses de 56' implicava em diferentes abordagens na 
elaboração e aplicação da política comunista no Brasil. 
 Assim, a partir de uma mesma matriz, externa, e da visão que cada agrupamento nutre a seu 
respeito, surge e se desenvolve um grande desacordo no seio do PCB. Pouco a pouco, a norma leninista 
do 'centralismo democrático', cujo pilar básico é o princípio da existência de um centro único de direção 
partidária, vai se esvaindo e acaba por cair no vazio. A razão disso é que a premissa para que aquela 
regra prevaleça, a 'unidade de vontade', de 'propósitos políticos', progressivamente deixa de existir na 
direção do PCB, dando lugar à uma, cada vez mais acirrada, disputa de correntes, cada qual com sua 
própria plataforma política, totalmente distintas entre si. 
 Atingido um tal ponto de degradação, um partido de concepção leninista, e portanto de grande 
rigidez normativa e disciplinar, não conta mais com os instrumentos que lhe possibilitariam, em condições 
normais, assegurar a continuidade da sua unidade organizativa, posto que toda a estrutura concebida por 
Lênin se baseia na disciplina como ato voluntário. Então, se não há mais a disciplina partidária, ou seja, a 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
31
 
'vontade' de se referênciar no 'centro único', na direção, na qual já não se confia mais, então o caminho 
está aberto para a cisão13. 
 Essa rota autofágica, começada em 1956, e acentuada notadamente a partir de 58, o PCB a 
percorrerá até que se consume, em 1962, a primeira grave divisão de sua história. 
 
 
I . 1 . 4 - O criação do Partido Comunista BRASILEIRO e o racha do 'velho' PCB 
 
 Em 1958, a direção do PCB, ja contando com uma maioria adepta das teses do PCUS, faz 
publicar a "Declaração Politica de março de 1958"14, cujo conteúdo já era afinado com a política do 
PCUS, modificando assim a linha política aprovada em seu IV Congresso. Tal documento fez se 
deteriorarem ainda mais as relações entre as alas litigantes. 
 Na plenária do V Congresso, realizado em agosto de 1960, os termos da 'Declaração...' são 
ratificados, a opinião que defendia total aval às teses do PCUS alcança a maioria entre os delegados 
presentes. Dá-se então o desfecho da controvérsia. Foram aprovadas todas as teses defendidas pelo 
PCUS e também, ato contínuo, foram afastados das funções dirigentes todos aqueles que haviam 
manifestado discordância com a nova linha. Desde então o cisma passou a ser questão de tempo e de 
oportunidade. Só o que faltava era um bom pretexto. 
 E ele não tarda a chegar: em 1961 a nova direção central, adepta da política da 'legalidade a 
qualquer preço', para obtê-la, após haver negociado com o presidente da República, João Goulart, muda 
o nome do partido, seus estatutos e programa. O partido passa então a se chamar Partido Comunista 
 
13 As idéias de Lénine sobre o partido revolucionário e sua organização podem ser encontradas em quase toda a sua obra. 
Mas quase todos os estudiosos de sua produção teórica são unânimes em afirmar que aquela em que elas aparecem mais 
sistematizadas é a que ele escreveu em 1902, na qual me referenciei nessa passagem: V. I. Lênin, Que Fazer?, SP, Hucitec, 
1979, passim. Ver também: V. I. Lênin, A Organização Comunista (coletânea de textos), Lisboa, Maria da Fonte, 1975. 
14 "Declaração sobre a política do PCB". In: Edgar Carone. O PCB: 1943 à 1964. SP, Difel, 1982, v. 2, pp. 176-96. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
32 
 
Brasileiro guardando, todavia, a sigla tradicional - PCB15. Entretanto, a manobra fracassa pois 
o Tribunal Superior Eleitoral não se comove com a mudança de nome do partido e arquiva o pedido de 
registro16. 
 Se tais medidas não surtem os efeitos esperados, ou seja, a obtenção do registro legal. Elas serão, 
contudo, bem eficazes ao propiciar uma ocasião ideal à consumação da cisão do 'antigo' PCB. A partir 
deste momento, o movimento comunista no Brasil, até aqui unitário, se bifurca irremediavelmente. 
 Os discordantes da nova maioria partem para a ofensiva. Acusam a direção de haver 
descaracterizado o partido fundado em 1922, de ter dado um verdadeiro golpe na organização e de ter 
fundado um outro partido, de tipo social-democrata. Declaram-se de pronto descomprometidos com a 
'nova' organização. E conhecido o episódio em que a direção decide pela expulsão de um dos mais 
antigos filiados ao 'velho' PCB, o operário ferroviário José Duarte, um dos dissidentes à época. Ao ser 
comúnicado da punição, ele responde, sintetizando nesta resposta, de maneira simples, o pensamento de 
toda a dissidência: "Eu não posso ser expulso de um partido ao qual eu não pertenço. Em 1922 me filiei 
ao Partido Comunista do Brasil e não a um certo Partido Comunista Brasileiro!"17 
 Os dissidentes lançam um manifesto contendo assinaturas de mais de uma centena de militantes 
convocando uma Conferência Nacional Extraordinária. Realizam-na na segunda quinzena de fevereiro de 
1962 quando decidem 'reorganizar o Partido Comunista do Brasil'18, retomando assim o nome com o 
qual o partido fora fundado. No entanto, para se diferenciarem da outra agremiação, quase homônima, 
adotam uma nova sigla: PC do B. 
 
15 O Partido Comunista Brasileiro - PCB - manterá essa denominação até 1991, quando, após o desmantelamento da URSS, 
ele mudará outra vez seu nome. Desde então, ele se chama Partido Popular Socialista - PPS - e seu presidente, Deputado 
Roberto Freire, é atualmente o líder do governo do presidente da República, Itamar Franco, na Câmara dos Deputados. 
16 Tal iniciativa permanecerá arquivada até 1964, quando o governo militar se apossará dela para perseguir todos os 
eleitores que a haviam subscrito. 
17 Ver: José Duarte, Memórias, SP, Centro de Cultura Operária, 1981. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
33
 
 
18 Ver: "Manifesto-Programa do PC do Brasil", "Estatutos" e "Em Defesa do Partido". In: A Linha Politica 
Revolucionária do Partido Comunista do Brasil (M-L). Lisboa, Maria da Fonte, 1974. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
34 
 
 
I. 2 . O Partido Comunista do Brasil (PC do B) 
 
 
I . 2 . 1 - Os primeiros passos 
 
 No mesmo ano de 1962, são publicados o Manifesto-Programa e os Estatutos do Partido 
Comunista do Brasil. Neles, o PC do B reivindica-se como sendo o herdeiro do patrimônio histórico do 
'velho' PCB e autêntico continuador de seus ideais, ao mesmo tempo em que acusa o 'novo' PCB de 
"traição aos interesses da classe operária" e de ser um mero "apêndice da burguesia nacional"19. 
 Assim, doravante, duas organizações distintas comemorarão separada e, quase, opostamente em 
território brasileiro o 25 de março, aniversário da fundação do 'velho' PCB. 
 A nova agremiação, nos seus primeiros passos, não contará que com uma flagrante minoria da 
militância do 'antigo' PCB. Não obstante esta desvantagem inicial, o PC do B ou o 'do Brasil', ou 
simplesmente o 'do B', como era conhecido, conseguirá reunir em torno da bandeira da "reorganização 
da vanguarda do proletariado brasileiro", um número considerável de militantes e, o que é mais 
importante, uma não menos significativa quantidade de dirigentes históricos do 'antigo' PCB20, o que lhe 
conferirá o peso e a legitimidade necessárias para se apresentar como alternativa política à senda 
escolhida por Prestes e seus seguidores. 
 
19 Ibidem, passim. 
20 Os mais conhecidos eram: João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabóis. Todos foram deputados constituintes em 
1946,sendo que Grabóis, à ocasião, foi o líder da bancada. Grabóis também foi o comandante operacional da Guerrilha do 
Araguaia e lá teria sido morto no natal de 1974 por tropas do Exército. Pomar foi assassinado em 1976, na 'Chacina da 
Lapa', em São Paulo. Amazonas é o 'presidente' do PC do B, segundo hierarquia adotada para obtenção do registro legal em 
85; ou 'secretário-geral', segundo a tradição leninista. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
35
 
 A grande maioria seguirá o outro agrupamento, o Partido Comunista Brasileiro, liderado pelo 
famoso líder comunista, Luiz Carlos Prestes. Tal fato, sem duvida, influiu bastante na opção feita pela 
maior parte da base partidária, pois a figura de Prestes era cercada de lendas, ele era venerado como um 
heroi, sendo bem provável que fosse mesmo mais conhecido pelo povo do que o nome ou a sigla do 
partido a que pertencia. 
 Essa condição de herdeiro da maior parte do contingente de filiados fará com que o 'Brasileiro' 
passe a ser conhecido também pelo apelido de 'Partidão', alcunha que continuará a vigorar até mesmo 
quando a relação quantitativa entre os dois partidos se inverter, por volta da metade dos anos oitenta. 
 Em Moscou, Nikita Khruchov, à testa do Estado e do partido soviéticos, informado do racha, 
sinaliza claramente em favor do partido liderado por Prestes, dando publicamente a este o seu aval. Tal 
fato faz com que o PC do Brasil aprofunde o processo de crítica às posições do PCUS e evolua para a 
ruptura total com este21. 
 Estamos então na primeira metade da década de 60, tempo em que se dá o apogeu da crise sino-
soviética. Tal fato faz com que o PC do Brasil se aproxime das fileiras pró-chinesas, então em franca 
beligerância com Moscou. Apesar disso, o partido nunca em seus escritos se declarará 'maoísta', como o 
fizeram inúmeras outras organizações, também discordantes do PCUS, que consideravam Mao Tsé-tung, 
o 'quinto clássico do marxismo'22. Tal singularidade de procedimento não impediu, entretanto, que os 
documentos do PC do B datados dessa época rendam grandes homenagens à revolução chinesa e ao seu 
 
21 "Resposta a Khruchov". In: Op. cit., pp. 115-40. 
22 Os quatro primeiros clássicos do marxismo para muitas destas organizações eram K. Marx, F. Engels, V. I. Lênin e J. 
Stalin. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
36 
 
líder máximo, citando-o não poucas vezes como sendo "o maior marxista-leninista da época 
presente"23, revelando encanto com a experiência em curso naquele gigantesco país asiático24. 
 Data desta época também o início da profíqua amizade do PC do Brasil com o Partido do 
Trabalho da Albânia, PTA25. A essa época, ambos, guardadas as proporções, se encontravam então sob a 
influência do governo e do partido da China Popular, todos contra o 'revisionismo soviético e o 
imperialismo ianque'. 
 Em relação à Cuba, o único Estado socialista da América Latina, o PC do Brasil, apesar de lhe 
emprestar discreta 'solidariedade internacionalista', se mantem prudentemente afastado. As razões para tal 
distanciamento podem ser encontradas também na conjuntura da época. Pressionada pelos Estados 
Unidos, Cuba se ligava cada vez mais estreitamente ao bloco pró-soviético, fato que era visto com 
bastante desconfiança pelo PC do B. Outro grupo de razões, que diziam respeito à compreensão que os 
cubanos tinham do 'caminho revolucionário', também contribuía para reforçar a repulsa entre o PC do 
Brasil e o partido e o governo da pequena ilha de Cuba. 
 
23 "O Partido Comunista do Brasil na Luta Contra o Ditadura Militar". In: Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no 
Brasil. Lisboa, Maria da Fonte, 1974, p. 56; e "Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil". In: op. cit., p. 154. 
24 A caracterização do PC do Brasil como partido 'maoísta' é repudiada por sua direção e seu presidente publicou um livro a 
respeito (Ver: João Amazonas, O Revisionismo Chinês de Mao Tsé-tung, SP, Anita Garibaldi, 1981). O partido rompeu 
com a China em 1978. Em todo caso, trata-se de grande controvérsia, impossível de ser esgotada aqui. Numa primeira 
aproximação, pensamos que tal designação se deveu muito mais à divisão do campo socialista na década de 60 e à tendência 
que se seguiu de proceder a uma classificação pétrea de todas as organizações comunistas entre 'pró-soviéticos' e 'maoístas', 
conforme posição assumida em relação à 'crise sino-soviética'. Como veremos, na confecção da linha militar do PC do B, os 
Escritos Militares de Mao tiveram peso decisivo. Mas, o PC do Vietnam também adotou e desenvolveu a teoria da 'guerra 
popular' e, nem por isso, seria exato considerá-lo 'maoísta'. Para escapar à adjetivação fácil, seria necessário um estudo 
sobre este ponto em particular. 
25 As relações com o PTA só se fortalecerão. Sobretudo quando da ruptura com Pequim, iniciativa que o PTA também havia 
tomado. Esta amizade durará até o início da década de 90, quando o sistema socialista albanês é derrubado e substituído por 
uma 'economia de mercado', de tipo capitalista. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
37
 
 Além da acerba crítica ao XX Congresso do PCUS, da ruptura com o raio de influência de 
Moscou e da aproximação com a China, algumas outras características são perceptíveis desde logo na 
nova agremiação. 
 Um dos traços mais luminosos trata-se da reverência com que o PC do Brasil se refere aos 
'princípios marxistas-leninistas', da sua confessada ortodoxia doutrinária. A fidelidade aos primados da 
teoria marxista é reafirmada incansavelmente, como um tipo de resposta à ação diametralmente oposta 
levada a efeito pela organização concorrente, o 'Partidão', que continuava a perseverar nas mudanças 
começadas em 1958 no seu corpo doutrinário e na sua linha política. 
 
 
I . 2 . 2 - A 'construção' da linha militar do PC do Brasil (1966 - 1969) 
 
 Não menos reluzente é a reafirmação que o PC do B faz do 'caminho revolucionário para o 
socialismo'. Mas, até aqui, nenhuma novidade em relação ao 'velho' PCB, que também sempre 
reafirmara, até o seu V Congresso, em suas declarações programáticas, a crença na via revolucionária 
como forma de se atingir o socialismo. 
 O fator diferenciador que singularizará a trajetória histórica do PC do Brasil, neste particular, será 
a vontade, a firme decisão de passar das propostas à ação, da palavra ao ato, do programa revolucionário 
à preparação concreta da luta armada, à revolução. De fato, desde a sua Conferência Nacional 
Extraordinária em 1962, pode-se notar a reafirmação deste intuito, e a história, como se verá, mostrará 
que o PC do B não estava blefando. 
 Tão congênita e explicita era esta característica do PC do Brasil, que para ele parece tão somente 
terem afluido adeptos da revolução e, dentre estes inclusive, alguns adeptos da 'revolução, já!' Tanto 
parece ser verdade tal afirmação que se dissidências houve na sua primeira década de existência, elas se 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
38 
 
deveram muito mais a críticas e discordâncias quanto ao cronograma da luta armada a ser 
deflagrada, que a motivos de outra ordem. 
 Tal foi o caso em duas dissidências verificadas em 1966. A primeira deu origem ao 'Partido 
Comunista Revolucionário (PCR)'; e, a segunda, à 'Ala Vermelha do PC do B'. Ambas tiveram curta 
existência. As duas se constituiram como organizações à parte e passaram a se dedicar ao que chamavam 
'ação direta', ou 'ações terroristas', como preferem os militares. Presume-se que, por volta do final de 
1971, ambas já haviam sido extintas pela ação da repressão policial-militar26. 
 Sobre o tema, trata o documento do Comitê Central do PC do B de Maio de 1967: 
"O Partido ... vem sustentando uma luta constante, ... Logo após a sua reorganização, 
teve de enfrentar o aventureirismo pequeno-burguês que tentavaarrastá-lo à luta 
armada, sem que existissem as condições necessárias e sem que houvesse uma 
suficiente preparação. Mais tarde, despontou uma tendência de fundo anarquista que 
advogava os métodos da «ação direta». Tanto uma como outra manifestação foram 
derrotadas. Após o golpe de abril, apareceu, no [Estado do] Rio Grande do Sul, um 
pequeno grupo que, sob o pretexto da existência de um «movimento incontrolável» 
visando à luta armada, pretendia colocar o Partido a reboque da parte radical da 
burguesia ... foi desmascarado e afastado ... O Comitê Regional do Rio Grande do Sul 
assinalou, na época, que a formação do grupo resultou «da junção de dois fatôres: a 
existência no Partido de alguns elementos imbuídos da doença infantil do 
esquerdismo e a pressão exercida nas próprias fileiras pela burguesia radical»."27 
 Por outro lado, de questionamentos significativos quanto ao caminho armado em si, não se têm 
noticia. Ao que parece, este era um ponto pacífico para o conjunto do efetivo partidário. 
 Com o golpe militar, o PC do Brasil, de 'grupelho estalinista sectário', como era considerado por 
muitos, passou a ser visto como uma organização séria, uma das poucas que alertavam, ainda no período 
 
26 Nesse particular, segue-se a argumentação apresentada por Jacob Gorender em Combate nas Trevas, SP, Atica, 1990, p. 
109. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
39
 
anterior a abril de 1964, para o perigo de uma sublevação direitista dos quartéis contra a ordem 
constitucional vigente. 
 Aqui, mais uma vez as duas organizações surgidas a partir do leito unitário do 'antigo' PCB, o 
'Partidão' e o 'do B', revelaram que suas diferenças iam muito além de nomes e siglas. Enquanto o PC do 
B já alertava, em documentos bem anteriores ao golpe de 1° de Abril de 1964, para o 'perigo militarista', 
o 'Partidão', através de seu secretário-geral, Luíz Carlos Prestes, declarava a apenas quatro dias do golpe 
de Estado, que "não havia condições favoráveis a um golpe reacionário, mas, se este viesse ... os 
golpistas teriam as cabeças cortadas"28, demonstrando assim, de forma inequivoca, que a direção do PC 
Brasileiro se fiava no então muito falado 'dispositivo militar' do presidente da república, João Goulart. 
 Indiscutível é o crescimento do conceito do PC do Brasil aos olhos dos militantes e organizações 
de esquerda em ação no País. Também o efetivo partidário cresce consideravelmente após o golpe de 64. 
O PC do B começa então a ter condições de participar mais ativamente de eventos políticos de peso, tais 
como o Congresso da UNE, e também de tomar parte nas composições de direções de entidades sindicais 
e populares. Em suma, o partido se impõe como agremiação séria e passa a ser levado mais em 
consideração pelas demais organizações. 
 O PC do B demonstra ter consciência de que os ventos começam a soprar a seu favor, conforme 
o demonstra o documento de agosto de 1964 da sua comissão executiva, "O Golpe de 1964 e Seus 
Ensinamentos". Nele, se declara: 
"O golpe de primeiro de abril serviu também para aferir as posições e o 
comportamento das duas correntes do movimento operário representadas pelo Partido 
Comunista do Brasil e pelo Partido Comunista Brasileiro... 
 Os revisionistas brasileiros... desde 1958 elaboraram, apoiados nas teses do XX 
Congresso do PCUS, toda uma política reformista. Em 1960, no V Congresso do 
 
27 "Desenvolver a Luta Ideológica e Fortalecer a Unidade do Partido". In: Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no 
Brasil. Op. cit., pp. 10-1. 
28 Luíz Carlos Prestes, "Discurso na Sede da ABI", 27/03/1964 (Citado por: Jacob Gorender, op. cit., p. 64). 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
40 
 
Partido, sistematizaram-na. Negando os princípios do marxismo-leninismo, 
afirmaram que o Estado brasileiro encontrava-se em processo de democratização 
crescente, que o Exército era democrático... A acumulação de reformas conduziria à 
libertação do País, à revolução pacífica... 
 Daí, a primeiro de abril, os dirigentes revisionistas sofreram uma decepção. Seus 
planos e suas teses foram reduzidas a nada. O 'exército democrático' resolveu entrar 
em ação."29 
 
 Ainda segundo o documento, diferente fora o comportamento do PC do B: 
 "Foi comprovada pela prática a orientação política do Partido Comunista do 
Brasil... Os marxistas-leninistas revolucionários viram ratificadas as teses que 
defendem. 
 Em seu programa... afirmavam com ênfase que as classes dominantes tornavam 
inviável o caminho pacífico... e que o povo devia trilhar o caminho revolucionário... 
Na sua atividade política... se batia por uma posição independente do movimento de 
massas em face do governo e condenava as atitudes seguidistas. Conclamava os 
trabalhadores e o povo a confiar em suas próprias forças e se preparar para fazer 
frente à violência das classes dominantes, viesse de onde viesse. Jamais alimentou 
ilusões no chamado dispositivo militar do governo... Os fatos demonstraram que... foi 
a corrente política que melhor delineou uma orientação e uma perspectivas corretas... 
Por esse motivo [os comunistas] sentem-se estimulados"30 
 Contudo, na seqüência reconhece que 
 "Infelizmente, o PC do Brasil não dispunha de suficiente influência entre as massas 
para levá-las a interferir de maneira adequada nos acontecimentos... era uma 
organização pequena para a envergadura das tarefas que tinha a realizar... 
 
29 "O Golpe de 1964 e seus Ensinamentos". In: Wladimir Pomar. Araguaia: o Partido e a Guerrilha. SP, Brasil Debates, 
1980, pp. 81-2. 
30 In: Wladimir Pomar, op. cit., p. 84. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
41
 
 Em que pese a brutalidade da reação, que também atingiu as suas fileiras... graças 
à sua orientação, não ficou perplexo e pôde resguardar a maior parte de suas 
forças."31 
 Mais à frente, o documento afirma a crença da direção do PC do Brasil de que 
 "O confronto entre a linha revisionista do PC Brasileiro e a linha marxista-leninista 
do PC do Brasil, que até então era feito principalmente no plano teórico, agora foi 
realizado no crisol da prática... O revisionismo foi duramente abalado."32 
 O documento conclui, anunciando em linhas gerais as pistas do roteiro que doravante o partido 
deverá seguir: 
"O povo brasileiro enfrenta o dilema de permanecer na dependência dos imperialistas 
norte-americanos, viver humilhado e sem liberdade ou fazer a revolução. Não há um 
terceiro caminho. Não é possível repetir, sob outras formas, o mesmo ciclo já antes 
percorrido, ou seja, conquistar pouco a pouco algumas liberdades e, em seguida, 
suportar o peso de um golpe militar, perder as posições conquistadas e recomeçar de 
novo."33 
 Tal respeitabilidade adquirida, contudo, não isentava o PC do B de ser por vezes discriminado 
quando da realização de algumas ações da esquerda revolucionária que o consideravam muito ponderado 
e imobilista do ponto de vista da ação revolucionária, pois se negava terminantemente a tomar parte das 
ações de guerrilha urbana. Emblemático do que se diz é o seguinte episódio, narrado por Jacob 
Gorender: 
 "Um golpe decisivo [contra as esquerdas] veio a 12 de outubro [de 1968]... a prisão 
de 739 [estudantes] universitários no 30° Congresso da UNE... os congressistas foram 
fichados, liberados e recambiados aos Estados de origem, exceto pequeno grupo de 
 
31 Idem. In: Op. cit., pp. 84-5. 
32 Idem. In: Op. cit., p. 85. 
33 Idem. In: Op. cit., p. 89. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
42 
 
líderes. Entre estes, Luís Travassos, José Dirceu e Vladimir Palmeira 
saíram do País em setembro do anoseguinte, banidos como integrantes da lista de 
prisioneiros trocados pelo embaixador norte-americano seqüestrado. Sorte diferente 
coube a Antônio Guilherme Ribas... também preso em Ibiúna. Por ser membro do PC 
do B, que as organizações seqüestradoras desprezavam, Ribas não mereceu a 
inclusão na lista de resgate. Ficou no Presídio Tiradentes"34. 
 Este tratamento diferenciado para com o PC do Brasil acabava por se constituir numa fonte de 
pressão política importante sobre a sua base partidária. Esta pressão pode estar na origem das supra 
citadas dissidências surgidas em seu interior. 
 O PC do Brasil, entretanto, não cederá à tentação e continuará a criticar as ações de guerrilha 
urbana, as quais qualificava de puro 'aventureirismo', totalmente desvinculado das massas. Preferirá 
promover 'depurações' em suas fileiras a embarcar na via do 'terrorismo'. 
 Todavia, apesar de tudo parecer indicar que o PC do B repetia a velha mania de separar as 
palavras das ações, na verdade, não era bem assim que se passavam as coisas. 
 Em realidade, o PC do Brasil, desde o golpe de 1964 passou a ter como uma de suas prioridades 
táticas a preparação e o desencadeamento da luta armada revolucionária para derrubar o governo militar. 
 Assim, se desde o Manifesto-Programa em 62, o partido já externava claramente a idéia de que o 
caminho da revolução brasileira seria o da luta armada, o que é reafirmado no documento supra citado O 
Golpe de 1964 e Seus Ensinamentos, no entanto, só em 1966, em sua VI Conferência Nacional, realizada 
clandestinamente no exterior, tal prioridade será enfim materializada. 
 A VI Conferência deliberou pela constituição de uma 'comissão militar' ou 'especial', encarregada 
de elaborar a linha militar do partido e definir os princípios que a governariam, ela funcionaria 
subordinada ao Comitê Central. Estava também incumbida de estabelecer um plano de ação e, o que lhe 
conferia grande autonomia, colocá-lo em execução o mais rápido possível. 
 
34 Jacob Gorender, op. cit., p. 149. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
43
 
 No conjunto das Resoluções da VI Conferência Nacional também se pode constatar que o PC do 
B avançara bastante na confecção de sua linha de atuação no campo militar. Nelas, já se encontram 
afirmações sobre a inevitabilidade de uma etapa nacional e democrática na revolução brasileira; a 
primazia do campo como cenário revolucionário fundamental e a importância do campesinato como 
massa principal de combatentes; assim como, sobre o caráter da luta armada a ser empreendida, que ela 
se daria sob a forma da guerra popular e que lançaria mão de táticas de guerra de guerrilhas. 
 Em documentos posteriores do Comitê Central, o partido parece aprofundar progressivamente 
sua compreensão sobre o caminho revolucionário a ser trilhado35. 
 No documento Desenvolver a Luta Ideologica e Fortalecer a Unidade do Partido, publicado em 
maio de 1967, embora o tema em pauta sejam problemas ideológicos surgidos no seio do partido e 
questões relativas à sua unidade interna, afirma-se, en passant, a respeito do caráter da revolução a que o 
PC do Brasil aspira: 
 "... Uma das principais opiniões a combater prende-se ao caráter da revolução. 
Volta à cena a velha e desmascarada tese trotsquista de que, nos países da América 
Latina, a atual etapa da revolução é socialista... Tais «teorias» entravam seriamente 
o processo revolucionário... Nas condições atuais do Brasil, não existem condições 
objetivas para a realização imediata de uma revolução de caráter socialista. Mas 
existem tôdas as condições para tornar vitoriosa a revolução nacional e democrática 
que abrirá o caminho para a passagem à revolução socialista... A experiência 
histórica indica que todas as revoluções socialistas já realizadas passaram pela etapa 
democrática... Somente nos países desenvolvidos... onde a etapa democrática já foi 
cumprida, está na ordem-do-dia a etapa socialista... Não fazer diferença, no Brasil, 
entre um e outro tipo de revolução significa colocar-se em posição sectária, que só 
serve ao inimigo, e marchar para a derrota. Por outro lado, erguer uma muralha 
 
35 São eles: "Desenvolver a Luta Ideológica e Fortalecer a Unidade do Partido", "O Partido Comunista do Brasil na Luta 
Contra Ditadura Militar" e "Preparar o Partido para Grandes Lutas", assim como o artigo aparecido no jornal A Classe 
Operária, "Alguns Problemas Ideológicos da Revolução na América Latina". In: Guerra Popular - Caminho da Luta 
Armada no Brasil. Op. cit., pp. 9-114. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
44 
 
entre uma e outra etapa, não ver o nexo que as une, representa uma atitude 
oportunista de direita."36 
 No documento "O Partido Comunista do Brasil na Luta Contra a Ditadura Militar", datado de 
novembro de 1967, feito com o intuito de analisar "êxitos e falhas" da atuação política da militância, 
"esclarecer e aprofundar alguns pontos da linha política" aprovada na VI Conferência, como consta de 
sua introdução, encontramos, em breve exposição, a tática definida naquele fórum deliberativo do PC do 
Brasil: 
 "A tática do Partido pode ser assim resumida: 
 1 - Politica de união dos patriotas pela independência, o progresso e a liberdade, 
união de todas as forças favoráveis à derrubada da ditadura; 
 2 - Concentração dos ataques no imperialismo ianque e na ditadura, que expressa os 
interêsses dos monopolistas norte-americanos e de seus sustentáculos internos; 
 3 - Ações de massas, cada vez maiores, nas cidades e no campo, em todos os 
aspectos; 
 4 - Primazia para o trabalho no interior do País, tendo em vista que aí se realizará a 
luta armada; 
 5 - Utilização de todas as formas de luta, tanto abertas como clandestinas, 
preparação e desencadeamento da luta armada, com o proposito de desenvolver a 
guerra popular."37 
 Mas o documento vai mais longe ainda no traçar mais preciso da fisionomia que a linha política 
do PC do Brasil para a questão da luta armada vai assumindo, como pode se notar no seguinte trecho: 
"A tática do Partido exige que sua atividade se realize fundamentalmente no 
interior... não só pelo fato de que os homens do campo constituem a força básica da 
revolução, mas também porque o interior é o cenário mais favorável à luta armada. 
 A luta armada é o único meio de modificar o estado de coisas vigente... nas 
condições atuais, devido ao rumo que toma a situação internacional e ao regime 
 
36 In: Op. cit., pp. 15-6. 
37 In: Op. cit., pp. 36-7. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
45
 
militarista... nem mesmo as reivindicações limitadas de uma política de liberdade, 
progresso e independência... podem ser alcançadas pacificamente."38 
 Na seqüência, o documento explica a relação entre a proposta de frente-única e a solução 
revolucionária, dizendo que elas não são incompatíveis: 
 "Ao contrário [do PC Brasileiro], a frente-única preconizada pelo PC do Brasil, sob 
a forma de união dos patriotas, dimana da concepção de que não se pode livrar o 
País do dominio do imperialismo e da reação sem a derrubada violenta do poder das 
atuais classes dominantes."39 
 Em outro trecho, faz-se uma crítica mordaz ao 'fidelismo', ou seja, ao conjunto de concepções 
abertamente defendidas pelo líder cubano, Fidel Castro e pelo Partido Comunista Cubano, que abrange as 
teorias do 'foco' e da 'revolução continental'. 
 Aqui, o documento assume grande importância pois estabelece um divisor de águas com as 
fileiras cubanas e com a sua concepção político-militar, tão em voga à época nos meios políticos e 
intelectuais de esquerda latino-americanos - o 'foquismo'40. 
 Nas suas relações com Cuba, até então, o PC do Brasil se portara sempre de maneira cuidadosa, 
como é o caso da referência contida nodocumento de agosto de 196441, onde se demonstra o destaque 
que ainda se dá à 'questão cubana': "Parte integrante da luta dos brasileiros pela paz e a independência 
é a solidariedade com Cuba"42. 
 
38 Idem. In: Op. cit., pp. 38-9. 
39 Idem. In: Op. cit., p. 44. 
40 A teoria do 'foco' ou o 'foquismo' foi fundada pelos comunistas cubanos, notadamente Che Guevara e Fidel Castro, que 
diziam ser uma sistematização da experiência da revolução cubana de 1959. Trata-se de uma teoria político-militar que 
substitui o papel desempenhado pela população e pelo partido num dado processo revolucionário, através da constituição de 
um foco guerrilheiro composto de um punhado de homens corajosos, decididos e bem treinados, isolados do povo e das suas 
organizações, que declarando guerra ao Poder estabelecido, arrastariam atrás de si as multidões. 
41 "O Golpe de 1964 e Seus Ensinamentos". In: Wladimir Pomar, op. cit., pp. 65-90. 
42 Idem. In: Op. cit., p. 88. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
46 
 
 Todavia, deixando de lado o tom diplomático com que desde 62 se referira à pequena 
ilha caribenha, o PC do Brasil critica aberta e duramente o PC Cubano e Fidel Castro, qualificando-os, 
sem quaisquer rodeios, de porta-vozes de um "revisionismo de novo tipo"43, adjetivo altamente 
pejorativo nos meios revolucionários e comunistas. 
 Nesta crítica, reprova primeiramente a política, dita "intermediária", adotada por Fidel, para, em 
seguida, enfatizar a ação que considera negativa dos 'cubanos' em suas relações com os movimentos 
revolucionários latino-americanos. Diz o documento: 
 "O fidelismo já passou por várias fases. Inicialmente, estimulou e ajudou na 
América Latina os movimentos da natureza do de Francisco Julião44. Tendo 
fracassado... mudou de orientação: apoiou-se nos partidos revisionistas... sob o 
patrocinio do PCUS. Também malogrou... Foi um curto período em que os partidos 
revisionistas passaram a elogiar a Revolução Cubana e seu líder. Agora, o fidelismo 
adota outra tática... Apregoa que a revolução nos países latino-americanos é 
socialista e que se travará, como processo único, em todo o Continente. Considera 
que é desnecessária a existência do partido revolucionário da classe operária... que... 
se formará com os que empunharem as armas. Do ponto-de-vista militar, defende a 
teoria do «foco», expressa na idéia de que o núcleo armado é bastante para cumprir 
todas as tarefas relacionadas com a revolução. Trata-se de uma teoria falsa sobre a 
revolução nos países da América Latina."45 
 E acrescenta, no que se refere à proposta de 'revolução continental', que ela 
 
43 "O Partido Comunista do Brasil na Luta Contra a Ditadura Militar". In: op. cit., p. 50. 
44 Francisco Julião foi o principal líder do movimento das 'Ligas Camponesas'. Surgido inicialmente na região nordeste do 
País, se espalhou por várias outras regiões brasileiras. Julião foi eleito deputado federal. Em 1964, as 'Ligas' foram 
proscritas e seus líderes foram perseguidos. Julião foi cassado e seguiu para o exílio. As 'Ligas' estão na origem, juntamente 
com outras iniciativas do gênero, do atual movimento sindical rural. Para maiores informações, ver: Elide Rugai Bastos, As 
Ligas Camponesas, Petrópolis, Vozes, 1984. 
45 Ibidem. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
47
 
"... é estranha ao marxismo-leninismo... Marx e Engels afirmavam que «a luta do 
proletariado contra a burguesia, embora não seja na esência uma luta nacional, 
reveste-se primeiramente dessa forma. É natural que o proletariado de cada país, 
antes de tudo, deva liquidar a sua própria burguesia» . A revolução será feita em 
cada país pelo seu próprio povo... Todo país tem suas peculiaridades, sua formação 
histórica e suas tradições, sua cultura e composição étnica, seus hábitos e costumes. 
Todo povo terá de encontrar as formas específicas de abordar a revolução... É um 
absurdo varrer de uma só penada as diferenças nacionais entre os países latino-
americanos para justificar uma revolução continental única, com uma só tática, com 
exército e direção comuns."46 
 Na tecla da primazia do fator político sobre o militar, o PC do B bate forte. Partindo de uma 
citação de Regis Débray, um dos principais expoentes teóricos e práticos do 'foquismo' e/ou do 
'fidelismo', que dizia em seu livro Revolução na Revolução que "o exército popular será o nucleo do 
Partido e não o inverso"47, o documento declara que tal doutrina se trata de 
"generalização mecânica do que ocorreu em Cuba... nenhuma revolução triunfou sem 
que antes se houvesse formado um partido revolucionário capaz de dirigi-la. E 
verdade que no curso da luta armada, o Partido se tempera como organização de 
vanguarda e cumpre sua missão histórica... Mas o Partido não pode se resumir a um 
simples destacamento armado... A luta armada não é mais do que uma projeção, em 
plano mais elevado e decisivo, da luta política... Não é o fator militar que dirige o 
político, mas justamente o contrário: o fator político é que dirige o militar."48 
 O documento do Comitê Central também polemiza fundo com a teoria do 'foco'. Segundo o PC 
do Brasil, 
"tal teoria subestima os papeis desempenhados pelo partido e pelas massas. Situa-se 
no plano puramente militar. Segundo esta idéia, é suficiente um punhado de 
 
46 Idem, p. 51. 
47 Idem, p. 53. 
48 Idem, pp. 53-4. 
A Guerrilha do Araguaia (Brasil: 1966 - 1975) 
 
48 
 
elementos corajosos e bem armados, em lugares inacessíveis, para levar 
adiante a revolução. Em essência, é a falsa teoria dos heróis ativos que arrastam 
atrás de si as multidões. Indubitávelmente, a luta armada se inicia, em geral, a partir 
de pequenos grupos de combatentes, de homens decididos e convencidos até a morte 
da justeza da causa que defendem... Mas estes grupos devem estar profundamente 
identificados com as aspirações populares, em particular da região onde operam, 
necessitam atuar em função dos interêsses das massas, contribuir para despertar sua 
consciência política e ajudar sua organização. A ação militar destes grupos não é 
algo isolado. É parte da atuação geral do Partido em todo o País. Ao mesmo tempo 
que eles desenvolvem sua atividade, o Partido realiza intenso trabalho político e de 
organização entre as massas, sustenta por todos os meios os combatentes armados e 
trabalha permanentemente pelo surgimento de novos e novos grupos. Pouco a pouco, 
a luta armada adquire prestígio e vai-se estendendo entre as massas até se 
transformar, num processo mais ou menos longo, em guerra de todo o povo."49 
 Numa comparação entre a teoria do 'foco' e a da 'guerra popular', o documento estabelece que 
"Tanto a teoria do «foco» como a da guerra popular têm como premissa o amplo 
emprego da tática de guerrilhas. Mas, enquanto na primeira os grupos se bastam a si 
mesmos e com suas ações esperam que as massas os sigam, na segunda teoria, os 
grupos guerrilheiros se apoiam nas massas e no Partido, esforçam-se para 
estabelecer bases de apoio no campo e sua atuação está fundamentalmente voltada 
para ajudar as próprias massas a se levantar e a fazer a sua guerra."50 
 O documento conclui a seção dedicada ao combate às idéias cubanas sobre o caminho 
revolucionário na América Latina de maneira severa: 
 "O fidelismo é uma teoria eclética, caracteristicamente pequeno-burguesa que tende 
a levar ao fracasso todos os movimentos que por ela se orientam. E outra face do 
 
49 Idem, pp. 54-5. 
50 Idem, p. 55. 
Breve Histórico do Partido Comunista do Brasil 
 
49
 
revisionismo... [como o PCUS] também revisa o marxismo, mas parte de posições de 
«esquerda»."51 
 Assim, o PC do Brasil distancia-se do 'foquismo', advogado por inúmeras organizações da 
esquerda brasileira

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