Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Estanislau Ferreira Bié Henrique Cunha Junior Francisco José R. de Abreu Maria Elineide F. Sampaio Eliseu Ferreira Guimarães Francisco Alex de A. Gomes Brenda Cristine L. de Oliveira Jefferson Florencio Rozendo (Organizadores) análise e proposições Estanislau Ferreira Bié Henrique Cunha Junior Francisco José R. de Abreu Maria Elineide F. Sampaio Eliseu Ferreira Guimarães Francisco Alex de A. Gomes Brenda Cristine L. de Oliveira Jefferson Florencio Rozendo (Organizadores) análise e proposições SEGURANÇA PÚBLICA ANÁLISE E PROPOSIÇÕES Diretores da série: Prof. Dr. Estanislau Ferreira Bié Prof. Dr. Henrique Cunha Júnior Prof. Francisco José Ribeiro Abreu Comitê Científico e Editorial: Direito e Justiça Brasileira Segurança Pública Série Ana Beatriz Souza Gomes Universidade Federal do Piauí-UFPI Cícera Nunes Universidade Regional do Cariri-URCA Cláudia Teixeira Marinho Universidade Federal do Ceará-UFC Eduardo Davi de Oliveira Universidade Federal da Bahia-UFBA Estanislau Ferreira Bié Universidade Federal do Ceará-UFC Francisco Valdemy Acioly Guedes Universidade Federal do Ceará-UFC Gustavo Henrique de Araújo Forde Universidade Federal do Espírito Santo-UFES Henrique Cunha Júnior Universidade Federal do Ceará-UFC Ivan Costa Lima Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira-UNILAB Izabel Cristina Evaristo da Silva Universidade Federal da Paraíba-UFPB João Marcus Figueiredo Assis Universidade Federal do Estado do RJ-UNIRIO Kiusam Regina de Oliveira Universidade Federal do Espirito Santo-UFES Marcilene Garcia de Souza Instituto Federal da Bahia-IFBA Maria Auxiliadora Martins da Silva Universidade Federal de Pernambuco-UFPE Maria de Fátima Vasconcelos da Costa Universidade Federal do Ceará-UFC Marizilda dos Santos Menezes Universidade Estadual Paulista-UNESP Moacyr Gonçalves de Aquino Junior Universidade de San Lorenzo - UNISAL Rinaldo Pereira Pevidor SME/Vitória-ES SEGURANÇA PÚBLICA ANÁLISE E PROPOSIÇÕES Estanislau Ferreira Bié Henrique Cunha Junior Francisco José R. de Abreu Maria Elineide F. Sampaio Eliseu Ferreira Guimarães Francisco Alex de A. Gomes Brenda Cristine L. de Oliveira Jefferson Florencio Rozendo (orgs.) Fortaleza - Ceará 2019 Editora Via Dourada Diagramação: Estanislau Ferreira Bié Capa: Felipe Bezerra Ferreira O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor. Todos os livros publicados pela Editora Via Dourada estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed. pt_BR Série Segurança Pública, Direito e Justiça Brasileira - 6 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) BIÉ, Estanislau Ferreira; et al (Org.) Segurança pública: análise e proposições / Estanislau Ferreira Bié; Henrique Cunha Junior; Francisco José Ribeiro de Abreu; Maria Elineide Fernandes Sampaio; Eliseu Ferreira Guimarães; Francisco Alex de Almeida Gomes; Brenda Cristine Lima de Oliveira; Jefferson Florencio Rozendo -- Fortaleza, CE: Editora Via Dourada, 2019. 342p. ISBN - 978-65-80609-32-1 Disponível em: http://www.editoraviadourada.org 1. Segurança pública; 2. Análise e proposições; I. Título. II. Série CDD: 340 Índices para catálogo sistemático: 1. Direito 340 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO, 10 CAPÍTULO 1, 12 “A POLÍCIA DE CADA UM”: REATIVIDADE, NORMATIVIDADE E CRITICIDADE NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POLICIAL Ledervan Vieira Cazé CAPÍTULO 2, 69 TECNOLOGIAS EMERGENTES NA SEGURANÇA PÚBLICA: UM ESTUDO DE CASO NA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL DO ESTADO DO CEARÁ (SSPDS-CE) Deibyson Uchôa Barroso Bizerra CAPÍTULO 3, 100 A LEI DA FICHA LIMPA E SUA (IN) CONSTITUCIONALIDADE: LEI COMPLEMENTAR N°135/2010 PhD.Francisco Apoliano Albuquerque Prof. Ms.(ando) Jefferson Florêncio Rozendo Dr. Estanislau Ferreira Bié CAPITULO 4, 123 SEGURANÇA PÚBLICA: POR QUE É TÃO DIFÍCIL COMBATER O CRIME ORGANIZADO/FACÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO CEARÁ? Ermesson Rodrigues de Loiola CAPITULO 5, 144 DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DO NON OLET Prof. PhD. Francisco Apoliano Albuquerque Prof. Ms.(ando) Thiago Luís de O. Albuquerque Prof. Ms.(ando) Jefferson Florencio Rozendo CAPÍTULO 6, 163 A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO Prof. PhD. Francisco Apoliano Albuquerque Prof. Ms.(ando) Thiago Luís de O. Albuquerque Prof. Ms.(ando) Jefferson Florencio Rozendo CAPÍTULO 7, 188 AÇÕES E PRÁTICAS DA GESTÃO JUDICIÁRIA: ELEMENTOS ESTRATÉGICOS DA MODERNIZAÇÃO Prof. PhD. Francisco Apoliano Albuquerque Ms.(ando) Jaques Ferreira de Aguiar Prof. Ms.(ando) Jefferson Florencio Rozendo CAPÍTULO 8, 211 ADOÇÃO INTERRACIAL Francisco Valdemy Acioly Guedes CAPITULO 9, 237 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: UM AVANÇO TARDIO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Pedro Queiroz da Silva CAPÍTULO 10, 279 O DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS MILITARES DO CEARÁ Rafael Lima da Silva CAPÍTULO 11, 304 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: POR QUE ALGUMAS MULHERES PERMANECEM NUMA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA? Ermesson Rodrigues de Loiola Aline Feitosa Azevedo CAPÍTULO 12, 322 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: POR QUE ALGUMAS MULHERES PERMANECEM NUMA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA? Ermesson Rodrigues de Loiola Aline Feitosa Azevedo APRESENTAÇÃO Uma nova abordagem revoluciona silenciosamente o ser e o fazer da segurança pública cearense, que é a reflexão sobre a missão das instituições que lhe compõem sob o viés da produção científica. A coletânea “Segurança Publica, Direito e Justiça brasileira” emerge para sinalizar esta revolução cultural que entremeia todas as categorias e níveis hierárquicos no âmbito da Segurança Pública no Ceará. Esta obra possibilita que o conhecimento produzido na busca de soluções para os problemas cotidianos que afetam a sociedade sejam compartilhados. Parte dessa produção é fruto da lida acadêmica, mas outra parte advém da busca que policiais e bombeiros militares, policiais civis e peritos forenses, agentes prisionais e operadores do direito, dentre outros profissionais de encontrar meios de expressarem os dilemas do cotidiano e contribuir para o aperfeiçoamento das suas instituições e, encontraram na metodologia e no rigor científico a chave para dialogar com a sociedade. Desse modo, os artigos aqui apresentados visam a reinvenção organizacional, a avaliação de estratégias, inovação, aplicação de novas tecnologias, a reflexão da ética e deontologia profissional, a formação profissional e a educação continuada, a governança corporativa e tudo mais que possa afetar gestão dos recursos organizacionais no âmbito da segurança pública. Diante deste novo cenário esta série pretende estimular o livre pensar e convida a todos a debaterem e refletirem, sob o viés da ciência, “Segurança publica, direito e justiça brasileira”. Editora Via Dourada CAPÍTULO 1 “A POLÍCIA DE CADA UM”: REATIVIDADE, NORMATIVIDADE E CRITICIDADE NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POLICIAL Ledervan Vieira Cazé Resumo: O presente artigo objetiva compreender como distintas experiências formativas traduzem, a partir de uma conjuntura incipiente, a construção da personalidade policial, a compreensão teórica do cotidiano profissional esperado e a percepção do “ser policial” como ideia dinâmica, mas que carrega reincidências que configuram a identidade policial através de fatores comuns. De forma geral, o estudo tem o intuito de analisar a construção do sujeito policial e do seu ego profissional nas distintas forças de segurança atuantes na cidade de Fortaleza-CE. Para tanto, utilizouse uma metodológica qualitativa, essencialmente exploratória e de observação participante, dado a condição desse pesquisador no campo; com aplicação de questionários semiabertos aos profissionais egressos dos cursos de formaçãoda Polícia Civil, da Polícia Militar e da Guarda Municipal de Fortaleza. Nesse sentido, constatou- se que parte relevante da amostragem analisada apresentou características que, entendendo ser comum à estrutura policial das três forças de segurança analisadas, permitiram estabelecer possíveis modelos de significação policial, ajustados a três visões analisadas: visão reativa, visão normativa e visão crítica. Por fim, a análise dos dados revela uma condição policial que, condicionando a identidade dos sujeitos pesquisados, ecoa da cultura policial local e elabora o espírito profissional dos jovens policiais que, aliado a uma agenda pontual de estudos e a pesquisa, pode fazer da polícia uma instituição prospera e mais humana. Palavras chave: Polícia. Cultura. Identidade Profissional. Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 13 1 INTRODUÇÃO Afinal, como surgem os policiais? Como sujeitos do povo, homens comuns, internalizam a lógica profissional da segurança pública e transformam-se nos mais distintos tipos de “agentes da lei”? Desde outrora essa indagação percorreu o imaginário de muitos curiosos. De especialistas à admiradores da cultura policial, as opiniões se multiplicam e os profissionais de segurança ganham muitas significações a partir das falas de outros sujeitos “não policiais” que contribuem para a produção e promoção dos diversos conceitos, sentidos e noções de polícia. De heróis a vilões, na arte ou na vida, esses sujeitos são amados e odiados, são compreendidos, incompreendidos e até subjugados. Em suma, se deparam com um pluralismo de classificações que permeiam sua cultura e que os caracterizam a partir de definições normativas, institucionais ou daquelas construídas na dimensão do senso comum, que os rotulam, quase sempre, como agressivos, violentos, indiferentes, ou como heróis, justiceiros e/ou personificações do próprio “Estado-Polícia”. Todavia e ainda que se prepondere uma visão puramente instrumental, operando apenas dois polos opostos (perspectiva progressista e perspectiva conservadora) e produzindo reflexões marcadamente burocráticas e estáticas do significado de polícia, é necessário compreender que não existe organização formal sem qualquer disposição informal que acompanhe sua execução. De forma sucinta e mesmo que a polícia encarne a força coercitiva do Estado, quase sempre, o fazer policial acontece nas incertezas do cotidiano profissional, pelas práticas e pelas vivências. Nesse sentido e em grande demanda, esse arranjo foge à estrutura e é tecido nas relações individuais com seus pares, com os outros “não policiais” e com toda cultura existente na dimensão policial. 14 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada Desse modo, evidencia-se no respectivo artigo o interesse fundamental em conhecer o policial enquanto sujeito social a partir de um estudo que contemple as diferentes percepções que os agentes de segurança constroem de si, dos ofícios e das funções que executam, bem como do significado e da ideologia introjectada através do aprendizado teórico, prático e/ou daquele proveniente da experiência adquirida com a cultura. De forma sucinta, objetiva- se compreender, através das distintas condições da atividade profissional, como se fomenta, incipientemente, a identidade do sujeito policial. Para alcançar tal expectativa, optou-se por uma abordagem essencialmente qualitativa, acontecendo a partir de observação participante, aplicação de questionários e conversas informais com agentes recém-nomeados e egressos dos cursos de formação da Guarda Municipal de Fortaleza, da Polícia Militar e da Polícia Civil. Ressalta-se ainda que o estudo aconteceu em momentos distintos, mas oportunos, dado a condição desse pesquisador no campo e a oportunidade de atuar como docente nas respectivas academias de segurança pública. Destarte e dentro da disponibilidade ofertada nos cursos de formação, a pesquisa de campo contou com a colaboração de sessenta e três (63) jovens policiais recém-nomeados nas três forças de segurança participantes do estudo. De forma geral, responderam os questionamentos vinte e sete (27) Guardas Municipais de Fortaleza, vinte e um (21) Policiais Militares e quinze (15) Policiais Civis do estado do Ceará. Ressalta-se ainda que o questionário apresenta um caráter semiestruturado, objetivo e especulativo, onde os policiais puderam expor suas opiniões acerca de sua futura atuação, da expectativa da prática, das motivações da escolha profissional, do sentimento de atuarem como agentes da lei e das dificuldades que acreditarão encontrar ao longo da carreira. Destaca-se novamente que, concomitantemente a aplicação Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 15 do questionário e em alguns casos, ocorreu entrevistas abertas, de caráter informal, onde os colaboradores conversaram sobre suas perspectivas e convicções acerca da temática; proporcionando uma interação e uma troca mútua de saberes e conhecimento. Cabe salientar ainda que o Questionário de opinião foi elaborado na perspectiva de tentar alcançar a real sensação do Policial, ou seja, objetivou-se alcançar a “intimidade” da sujeito, perpassando por características de reconhecimento, identidade e empatia com a respectiva atuação profissional, além de opiniões acerca dos enfrentamentos e conflitos institucionais e de oficio no âmbito do universo policial. Prosseguindo e além da revisão dos aspectos teóricos, do trabalho de produção e coleta de informações e da análise e interpretação dos dados coletados, dividiu-se a pesquisa em quatro momentos distintos, mas complementares no desvendamento da identidade policial, na compreensão da personalidade profissional e dos múltiplos desafios que se impõem ao fazer policial. O primeiro, de caráter introdutório, enfatiza uma descrição necessária do trabalho, bem como elabora uma leitura parcial do tema, da metodologia e dos procedimentos da pesquisa. Em suma e a partir de uma leitura incipiente, revela ao leitor o nível de comprometimento do autor que, na condição de policial civil e pesquisador do fenômeno policial, sente-se na responsabilidade de comunicar as nuanças da segurança pública e suas mais distintas peculiaridades. Avançando e no segundo tópico, intitulado de “Revolução e Conservadorismo na instituição policial: a fomentação das perspectivas reacionária, normativa e/ou progressista do trabalho policial”, o estudo pontua, através de suas respectivas subseções, três visões da atividade policial que avoca distintas perspectivas construídas à luz das percepções e disposições provenientes da cultura, dos saberes e do hábito policial. Destarte e a partir de uma visão marcadamente reativa, 16 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada outra normativa e outra essencialmente crítica do papel da polícia, da função e do sentido que se atribui a condição de policial, o tópico discute o desejo de autonomia, a concepção dualista do policiamento criminal e o caráter autoritário que advém do oficio de policiar. Assim e debatendo a discrepância entre o cotidiano de trabalho, o aparato normativo que permeia a prática policial e as expectativas tecidas pelos jovens policiais, o texto também reflete a divergência entre as categorias que compõem a identidade policial, bem como promove um pensar sobre o verdadeiro papel da polícia e sobre o modelo clássico e instrumental da instituição policial. Além de outras questões pertinentes. No tópico três, intitulado de “Caminhos para a prosperidade policial: manifesto pelo avanço do pensamento crítico e pelo estudo das práticas policiais”, o texto invoca uma critica necessária ao clássico imobilismo de estudos protagonizados por policiais e uma convocação à ruptura desse paradigma como pressuposto de desenvolvimento da polícia e de prosperidade da abordagemcritica. O recorte argumenta a ideia de que a pesquisa sobre a polícia deve ser entendida como trabalho de polícia e que, portanto, deve servir de aporte teórico para subsidiar o exercício, envolver de saber científico as ações policiais e desenvolver os distintos significados acerca do trabalho na área de segurança pública. Prosseguindo, no momento final do texto e mesmo reconhecendo a existência de peculiaridades ontológicas nas organizações estudadas, posto que se evidenciam conflitos institucionais, de ofício e de valores entre elas, a pesquisa destaca que parte da amostragem analisada (nas três forças de segurança) apresentou traços comuns de uma personalidade policial coletiva, mas a contrassenso dessa compreensão, os indivíduos revelaram diferentes perspectivas do sentido prático, conceitual e político de polícia. Em suma e a partir de uma reivindicação constante por Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 17 autonomia profissional (“menos controle interno e externo”), pelo privilégio da autoridade (“poder policial”) e pela lógica da ação (“combate ao crime”) em detrimento à lógica da assistência e das garantias sociais, parte significante dos jovens policiais internalizaram uma ideologia policial superficial, construída na perspectiva da reação e na reedição do modelo de polícia ostensiva. Mesmo como expressão de um estudo marcadamente estrutural, salta à análise acima peculiaridades construídas a partir de expectativas que, reveladas nas falas e nas concepções individuais dos sujeitos analisados, traduzem certos tipos de significados que nos permite classificar sentidos e comportamentos, uma vez que, o propósito é entender e perceber, não apenas os territórios e categorias comuns aos policiais, advento da estrutura e da aquisição da cultura pela prática profissional, mas destacar e refletir os condicionamentos e reflexões que os diferenciam. Nesse sentido, do “Paladino” ao “Justiceiro”, os distintos tipos de policiais compartilham, desde o primeiro momento de suas carreiras, uma multiplicidade identitária que justifica a ideia de heterogeneidade da condição policial e que, por consequência, vai ajustando a identidade policial no tempo, na conveniência, na expectativa ou na frustração de cada profissional. Por fim, percebe-se que a condição e a identidade policial são, em meio à pós-modernidade, objetos multifacetados que carecem de análise, pois o Policial é, ao mesmo tempo, um fenômeno carente de reconhecimento e um conceito que precisa ser reconstruído, ou ainda construído, nas Ciências Sociais. 2 REVOLUÇÃO E CONSERVADORISMO NA INSTITUIÇÃO POLICIAL: A FOMENTAÇÃO DAS PERSPECTIVAS REACIONÁRIA, NORMATIVA E PROGRESSISTA DO TRABALHO POLICIAL. Em sentido orgânico a polícia assume o caráter de força 18 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada pública que tem como função essencial garantir a manutenção do ordenamento e da paz social, bem como promover a regulação constante da segurança através do policiamento que, a partir da ótica tradicional, acontece de forma ostensiva, ou seja, como ação de combate ao fenômeno criminal, as transgressões e a marginalidade de forma geral (CATHALA, 1975). Ainda que os policiais não sejam iguais no tempo e no espaço, pois a diversidade profissional da polícia autoriza uma diferenciação daqueles que detêm seu estatuto, a definição mais usual do conceito ainda está vinculada ao panorama instrumental que a concebe como “[...] um conjunto de pessoas, autorizadas por um grupo social, a regular as relações interpessoais dentro de uma comunidade, através do uso da força física [...]” (BAYLEY, 2001 apud RIBEIRO, 2002, p.453). Não obstante e desde o primeiro momento desse tópico, verifica-se no respectivo conceito um sentido marcadamente conservador que atesta a reedição de um modelo vulgar de policiamento e provoca certa inatividade profissional quando nega o aspecto informal do trabalho policial e seu potencial transformador. Destarte e como consequência de tal condição, a instituição policial acaba por não desenvolver-se enquanto organização e fica a mercê de qualquer legislação disjuntiva de sua realidade. Essa leitura generalizadora apoia-se, a meu ver, em paradigmas mal construídos que não estabelecem uma diferença necessária entre a individualidade do agente (eu policial) e o estrito cumprimento do seu dever na instituição policial, por exemplo. Ainda que o policiamento seja quase universal, como nos ensina Bayley (2001), Monjardet (2012) nos orienta que para compreender o universo policial é necessário considerar a tríade de fatores que cooptam a estrutura do aparelho policial e, por consequência, condicionam o seu agente maior. Em um primeiro momento deve-se refletir acerca dos aspectos institucionais que fazem da polícia um órgão Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 19 instrumentalizado no interesse coletivo (aparelho de controle), segundo, que os aspectos organizacionais caracterizam qualquer instituição policial na observância irrestrita das regras (disciplina), procedimentos e técnicas do trabalho da segurança e, terceiro, que os aspectos profissionais, formais e informais (vivências, formação e experiências), condicionam a construção de identidades, da cultura e dos interesses próprios e distintos do grupo policial. Mais a frente no texto, apresenta-se uma figura ilustrativa sobre o respectivo desenho teórico. Não obstante e por não ser levado em conta esse conjunto de aspectos é que, segundo o autor, surgem os equívocos e as lacunas acerca da instituição policial. Tal reflexão é legitimada no exemplo da ação policial propriamente dita, quando o policial age, comumente, a partir de uma lógica própria que implica até na inversão dos formalismos legais impostos à atividade policial mais clássica, conforme verificaremos na segunda subseção desse tópico. Ainda que existam leis gerais que regulam o policiamento, a polícia assume diferentes funções na sociedade o que fomenta, através dos sujeitos policiais, diferentes interpretações acerca das atribuições, do trabalho e das funções policiais (BAYLEY, 2001). Ainda conforme o autor, a atividade policial dividir-se em três partes distintas, mas complementares no contexto de sua atuação. Dito de outra forma e a partir do desígnio policial, ou seja, de uma descrição organizacional das práticas policiais, do confronto situacional propriamente dito (entendido aqui como o envolvimento da polícia com o público em geral) e do conjunto de procedimentos próprios da polícia, Bayley (2001) nos revela a uma possível teoria do trabalho policial. Prosseguindo e acerca daquilo que os colaboradores do estudo entendem por polícia, por ser policial e pela missão profissional que justifica suas práticas no âmbito da Sociedade, a pesquisa aponta, em maior demanda, para a reedição de um 20 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada modelo marcadamente reativo de segurança pública, operado na lógica normativa e cooperando para ações de segurança baseadas, ideologicamente, na eliminação do inimigo criminoso. De forma geral, a análise dos dados aponta para a superioridade de uma perspectiva conservadora de polícia. Tal singularidade é compartilhada por 77,70% dos jovens policiais e envolve dois grupos de policiais que, através das falas, revelam uma percepção reativa (41,10%), normativa (14,80%) e/ou mista (14,80%) da atividade policial, conforme verificado no gráfico abaixo. Não obstante, mas fundamental para apresentar um panorama progressista do oficio, a pesquisa também revelou que 22,20% dos sujeitos entrevistados apresentam uma concepção heterodoxa da atividade policial, considerando a existência de um terceiro grupo que, na percepção desse policial-pesquisador, indica uma visão mais crítica da prática, do sentido e do significadode polícia que emerge dos cursos de formação, ainda como decurso da profissionalização e da especialização da organização de trabalho. GRÁFICO 01: “Noção geral do sentido de Polícia” Fonte: Elaboração pessoal, com base na pesquisa de campo. Avançando e refletindo os dados provenientes do grupo reacionário, percebe-se nas falas desses sujeitos policiais certa Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 21 concordância que, reincidente nas frases mais usuais acerca do papel da polícia, revelam três características culturais que, na concepção de Monjardet (2012) reinterpretado pelas vivências desse policial-pesquisador e por esse estudo em si, equiparam-se a princípios comuns e localizados do comportamento policial. GRÁFICO 02: “Visões e aspectos da atividade policial” Fonte: Elaboração pessoal, com base na pesquisa de campo. Nesse sentido, analisando o gráfico acima e argumentando a partir de temas clássicos da cultura policial, ilustrados nas falas dos colaboradores, como “proteção do cidadão ou da Sociedade”, “defesa da paz, disciplinação ou pacificação social”, “vigilância e promoção da sensação de segurança” ou, principalmente, “combate ao crime, ao criminoso e a marginalidade”, cerca de 48,10% dos jovens policiais desenvolveram um sentido marcadamente reacionário de polícia e outros 14,80% uma definição essencialmente normativa do ofício. Destarte e para justificar tal contexto, a pesquisa percebe nas falas desses colaboradores uma invocação constante dos princípios da autoridade, da ação e da teatralização do crime. De forma geral e independente da força policial a que pertencem, os membros inter-relacionam essas noções e se fazem valer do que 22 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada reconhecem como “poder de polícia” (legitimizado na norma), para justificar sua força e seu papel de protagonista na luta, homérica, contra a atividade criminosa; esgotando essa atividade como fonte principal e, por vezes, única, de insegurança social. Por fim e na emergência daquilo que Bourdieu (2013) entendeu como oposição fundamental da ordem social, emerge do discurso policial mais recente uma lógica crítica que, ampliando o leque de funções policiais, submete a organização policial a uma novíssima conjuntura, rompendo incipientemente com o conservadorismo e com a tradicionalidade. De forma geral, os 22,20% de policiais que constroem uma visão mais crítica da identidade profissional amparam suas falas numa perspectiva mais humanizada da prática e direcionam os resultados das ações policiais ao desenvolvimento macro da cidadania. Nesse sentido e a partir de falas como a do Colaborador 24 (33 anos, Guarda Municipal), que revela entender a verdadeira missão policial como a responsabilidade de “[...] proteger as pessoas mais vulneráveis [...]” ou a do Colaborador 31 (27 anos, Policial Militar) que entende como aspecto de seu serviço “[...] influenciar de forma positiva a atitude das pessoas e mudar a sociedade [...]”, a lógica progressista ganha espaço dentro da polícia e avança desafiando a ordem vigente. Em suma e na opinião desse pesquisador, é um novo olhar que desponta de um momento ímpar na seleção e na formação dos profissionais de segurança. Prosseguindo na exposição dos resultados e ampliando a debate acima, nos tópicos abaixo, o artigo apresenta, a partir de teoria específica e dos dados construídos no campo, uma reflexão mais ampla dos pontos apresentados, bem como a exposição das três perspectivas mais gerais na construção da identidade profissional dos jovens policiais. De forma genérica e a partir de uma visão reativa, uma normativa e outra crítica da atividade policial, a pesquisa apresenta Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 23 distintas concepções que atestam os muitos sentidos e significados que os jovens policiais constroem de seu ofício, missão e campo de atuação; formulando assim certa condição policial que engendra a gênese da própria identidade profissional. Sem mais, segue o debate. 2.1 A “VISÃO REATIVA”: A INTERNALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AUTORIDADE, DA AÇÃO POLICIAL E DA DRAMATIZAÇÃO DO FENÔMENO CRIMINAL NA ATIVIDADE POLICIAL. De forma geral, a polícia ainda apresenta na contemporaneidade um caráter reativo, ostensivo, punitivo e repressivo de sua atividade e contrapõe o que Carvalho e Silva (2011, p. 60) colocaram como excelência de política de segurança, entendida pelos autores como “[...] ações pontuais combinadas a programas consistentes e duradouros, fincados, sobretudo, na valorização do ser humano sob todos os aspectos, considerando o contexto social de cada cidadão [...]”. Prosseguindo e justificando a análise a partir da fala do Colaborador 38 (28 anos, Policial Militar) que entende a missão policial como a responsabilidade de “[...] reprimir o crime e proteger a sociedade de pessoas de má índole que atrapalham a convivência [...]”, o sentido de polícia compartilhado por esse grupo é cooptado por resquícios de um modelo profissional marcadamente limitado pelo ofício de infligir força contra indivíduos que destoam do padrão, ou seja, e arriscando uma analogia simplista, para esses sujeitos a polícia é um “martelo” que existe entre o “ferreiro” (Estado) e a “bigorna” (Sociedade) (DESAUNAY, 1989 apud BITTNER, 2017). Destarte e segundo os colaboradores desse grupo, a missão policial é reagir ao crime ostensivamente e/ou preventivamente, sob o aparato da beligerância e da vigilância, regulando qualquer 24 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada demanda de força privada e promovendo segurança através de práticas instrumentais, força simbólica e todos os meios de ação não contratuais inerentes à organização policial. Podendo até “[...] combater o crime com as armas do crime [...]” (MONJARDET, 2012, p. 29). Dito de outra forma e ainda segundo Monjardet (2012, p. 26- 29) “[...] a polícia é encarregada de fazer, ou de manter, a corrente substancial dos ‘interesses coletivos’ [...]”; todavia, esse ofício é entendido pelos policiais como a própria razão do Estado, dando as políticas de segurança um caráter essencialmente regalista e carente de substância, já que o “[...] instrumento policial não tem conteúdo próprio [...]”, pois existe a mercê da autoridade política, de suas conveniências e vontades. Tal perspectiva, evidenciada nas falas, revela, a meu ver, os princípios da “autoridade”, do “ato policial” e da “dramatização constante do fenômeno criminal” como paradigmas que reivindicam o pragmatismo da repressão em detrimento de um entendimento mais crítico e abrangente do fazer policial. Em e suma e numa perspectiva geral, para os sujeitos desse grupo a função da polícia é usar a força para regular as relações interpessoais na sociedade. Nesse sentido, “[...] a manutenção do controle social é fundamentalmente uma questão política [...]” (BAYLEY, 2001, p. 203). De forma geral é mais fácil restringir a compreensão do papel policial na premissa de que “[...] a polícia está, salvo exceções em que são impostos limites, habilitada a intervir em todos os lugares, em todos os tempos e em relação a qualquer um [...]” do que pensa-la de forma diferente, ampliada e como instrumento de políticas verdadeiramente sociais (MONJARDET, 2012, p. 26). Prosseguindo na análise e como já colocado, é recorrente nas falas desse grupo a demanda por autoridade que, dito de forma simples, pode ser explicada pelo entendimento objetivo que se constrói da natureza do trabalho policial. Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 25 Como exemplificado na fala do Colaborador 06 (42 anos, Guarda Municipal) abaixo, a percepção recorrente entre os agentes desse grupo é que o ofício policial é marcado pelo combate ao crime e pela responsabilidade deintimidar toda e qualquer atitude que exista a contrassenso da ordem social estabelecida. [...] Ser policial é fazer um trabalho ostensivo para intimidar aos que estão fora da lei. Ser policial é cuidar da segurança da população. É trazer a paz para a população de tal forma que cada pessoa sinta segurança em transitar sem medo de ter sua liberdade cessada por meliantes [...] Polícia é aquela que faz o trabalho ostensivo, que intimida para que o crime não venha ocorrer ou pelo menos diminua [...] a missão policial é trazer a paz social[...] Todavia e para alcançar tal empreendimento, é fácil entender que os agentes desse grupo não hesitariam em intervir com demasiada energia caso necessário e que, desde o primeiro momento da ação policial, avocariam a superioridade e a ação policial como instrumentos de garantia e manutenção do poder, destes, sobre os outros “não policiais” envolvidos no conflito. Todavia e esclarecendo parte da questão, J. Skolnick (1966) apud Monjardet (2012, p. 157) nos ensina que: [...] para um policial em intervenção é essencial garantir primeiramente sua autoridade [...], pois sem isso sua intervenção pode degenerar em conflito aberto [...] sem está assegurado de ter a última palavra [...]. Em suma, essa máxima é um aprendizado comum nos cursos de formação e, para os jovens policiais pesquisados, independente do que possa surgir no ambiente de trabalho é fundamental garantir, sobre os sujeitos envolvidos e sobre qualquer situação, um arbítrio próprio e hegemônico, justificado pelo poder de polícia que garanta o sucesso da ação, uma vez que, nessa visão, o policial é “[...] um agente 26 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada mantenedor da ordem social [...]” e a polícia “[...] é um corpo responsável pela preservação, contenção e resolução de crimes contra a sociedade [...]”, conforme preceitua o Colaborador 11(32 anos, Guarda Municipal) e o Colaborador 42 (26 anos, Policial Militar). Avançando na questão e arriscando uma análise mais crítica do respectivo princípio, Cathala (1975, p. 54) nos orienta a pensar tal comportamento como condição de certa petulância, inerente à cultura policial e proveniente de uma incompreensão daquilo que se entende por “poder de polícia”, uma vez que: Alguns policiais, felizmente assaz raros em razão de aperfeiçoamento introduzidos no recrutamento e na formação profissional apresentam constantemente um aspecto arrogante e presunçoso, um tom autoritário e desabrido e uma linguagem chã, para não dizer vulgar, que não podem deixar de descontentar o público a que atendem em muitas circunstâncias. Nesse sentido e para justificar sua autoridade, é recorrente o policial, representante da força pública, imaginar-se desempenhando uma função excepcional, gloriosa e superior a todas as outras no âmbito da sociedade. Tal condição, na opinião desse pesquisador, evidencia uma inevitável presunção profissional e desencadeia efeitos danosos na prática e no sentido de polícia. Não obstante e como interpretação produzida a partir da análise dos dados, o elevado sentido que os colaboradores da pesquisa dão à missão policial e o caráter imponente constantemente atribuído ao policial, revelam certa arrogância institucional estendida aos membros que, tomada como característica geral do comportamento profissional, mesmo velado em muitos momentos sob regras de conduta, atestam esse traço vaidoso compartilhado entre os membros da polícia. Em suma e na visão de Cathala (1975), essa insolência Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 27 policial é uma embriaguez proveniente do poder e da condição de autoridade que encontra justificativa no sentimento de orgulho, no mérito individual, no fundamento da honra institucional e na dramatização do fenômeno criminal. Além de outras situações, é igualmente comum vale-se da autoridade policial sempre que o agente, e por extensão a Polícia, estiver na eminência da desmoralização. Como circunstância e exemplo da premissa destacam- se os casos de desacato que, como situação atemporal, também traz o mesmo entendimento na atualidade, pois no ano corrente, conforme informação oficial no sitio eletrônico do Processo Judicial Eletrônico do Ceará – PJE-CE, já existem mais de dois mil processos por crime de desacato em aberto no estado. Sobre a premissa, Cathala (1975, p. 57) coloca que: [...] muitos casos de desacato a agentes da força pública, que levam seus autores ao tribunal correcional, resultam de reações desagradáveis a que estes são levados em virtude do mau tratamento recebido quando da intervenção policial [...]. Em parte e legitimizando a opinião do autor, as falas dos colaboradores desse grupo ensejam um desejo associado ao controle e a regulação e, como consequência mais que lógica da questão, introjectam a responsabilidade de promover a paz social pela imposição da autoridade que o Estado lhe confere pelo cargo. Dito isso, “[...] acham-se investidos no que se denomina de poder de polícia, que representa parcela significativa da atribuição regulamentar reservada a essas mesmas autoridades [...]” (CATHALA, 1975, p. 59). [“...] (ser policial é) fazer cumprir a ordem [...] (a “verdadeira” missão policial é) “apontar a flecha” e atirar [...] “enxugar o gelo”, pois a justiça não ajuda (o trabalho da polícia)”. É frustrante [...]” (COLABORADOR 15, 31 anos, Guarda Municipal). 28 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada Tomando a liberdade de estabelecer uma análise sucinta, mas substancial, da fala acima, os sujeitos policiais do respectivo grupo acreditam fielmente personificar o aspecto mais “justo” de sua função ao atribui-la à manutenção da paz social pela imposição da força policial destinada, sobretudo, aos grupos sociais que não se dobram com facilidade ao respectivo imperativo, pois como nos alerta Monjardet (2012, p. 158) “[...] Alguém encarregado de aplicar uma regra tem todas as possibilidades de crer ser necessário que as pessoas com quem ele se relaciona o respeitem [...]”, pela força ou pelo medo. O que, teoricamente, faz bastante sentido. Todavia e refletindo a premissa, Cathala (1975, p. 23) nos ensina que “[...] a concentração de tal extensão de poderes nas mãos de alguns acarretaria, sem dúvida, o perigo de abusos lamentáveis em prejuízo daqueles que lhes estão sujeitos [...]”. Infelizmente, tal concepção reflete, em parte, a realidade do trabalho policial. Nesse sentido, o resultado do serviço policial existe quase sempre na dimensão da repressão e na imposição da sua competência em detrimento de qualquer tentativa de se fazer aplicar as regras ou promover a segurança. Dito de outra forma, aos sujeitos desse grupo interessa mais obrigar os outros “não policiais” a respeitar as atividades da polícia do que exercer ou promover tais atividades como atribuição profissional da segurança. Talvez como consequência do princípio de autoridade e de sua aplicação prática no cotidiano de trabalho, é notório entre os colaboradores da pesquisa uma compreensão do fazer policial associada ao pragmatismo da ação. Em outros termos, a valorização policial expressada nas falas dos jovens policiais contempla sempre o imediato, ou seja, é sempre atribuída ao ato policial propriamente dito e quase nunca a uma situação alcançada por planejamento ou prevenção. É a emergência do princípio da ação. Sobre a premissa, Monjardet (2012, p. 159) explica que: Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 29 O pragmatismo, frequentemente descrito como um traço cultural policial, enraizado nas “exigências situacionais” da tarefa, se concebe muito mais como adaptação razoável a um sistema de sanções que concentra as retribuições sobre os resultados da prática policial. Assim, 24,10% dos colaboradores argumentam diretamente que “[...] o serviçopolicial é mais prático do que teórico [...]” por entenderem a polícia como um modo de produção avaliado por resultados mensuráveis na dimensão ostensiva. Equivocamente e como consequência de tal leitura, atribui- se a polícia o poder de, em certa medida, ditar normas, ou seja, o direito de interdição imediata ou regulamentação sobre certas atividades da vida comum das pessoas (CATHALA, 1975). Em suma, o bom serviço policial é medido pela quantidade de atos de repressão o que explica, em parte, o combate ao crime como tarefa prioritária, se não exclusiva, já assumida pela maioria dos jovens policiais, conforme demonstra os resultados alcançados na pesquisa e a maioria esmagadora das falas: “[...] a missão da Polícia é ajudar a sociedade combatendo o crime [...]” (COLABORADOR 01, 29 anos, Guarda Municipal). “[...] a verdadeira missão policial é garantir a segurança da sociedade de forma preventiva e ostensiva [...]” (COLABORADOR 53, 32 anos, Policial Civil). “[...] a verdadeira missão policial em minha opinião é a pacificação social [...]” (COLABORADOR 07, 23 anos, Guarda Municipal). “[...] a verdadeira missão policial é reprimir o crime combatendo ou evitando [...]” (COLABORADOR 42, 28 anos, Policial Militar). Ainda que uma apreciação mais simples da polícia perceba a repressão ao crime como uma tarefa socialmente mais visível, dominante e recorrente do fazer policial, é notório para qualquer observador mais atento que esse papel 30 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada não toma a totalidade do cotidiano de trabalho e não alcança todos os setores da organização policial. Todavia, essa demanda do trabalho é, sem dúvida, a mais valorizada, com amplo reconhecimento no âmbito policial, enaltecimento e possibilidade de ascensão profissional, pois o melodrama constante do fenômeno criminal é um costume marcante da cultura policial e eleva o aspecto reativo do trabalho a condição de “nobre” mister. “[...] Quanto mais o crime se amplia, tanto mais a função social de ‘último baluarte contra a barbárie’ é essencial [...]” (MONJARDET, 2012, p. 161). Do grande golpe que traz notoriedade, medalha e promoção, até a caça à “cabeça” cotidiana, toda a profissão policial, assim, se convence – e é confirmada em sua convicção pela hierarquia, o ministro e a mídia - que a repressão ao crime é a sua tarefa prioritária (MONJARDET, 2012, p. 160) Sem especificar o contexto e tomando como geral a ideia de dramatização do fenômeno criminal como característica reincidente nas organizações policiais, a pesquisa evidenciou que os jovens policiais constroem uma primeira noção do crime, e de suas nuanças, a partir de narrativas ficcionais dos policiais mais experientes e dos relatos da “mídia policial” que, no estado do Ceará, toma aproximadamente dezoito horas da programação televisiva. Dito de outra forma, o contato inicial do jovem policial com modelos simbólicos de outros policiais declaradamente violentos e a intensa exposição midiática da violência, condiciona qualquer entendimento que se possa construir da atividade policial, do infrator e do fenômeno criminal. O crime, como temática polêmica do cotidiano policial e da sociedade, enaltece o caráter carismático das vítimas, mas também dos criminosos que, no âmbito da transgressão, transformam-se em celebridades da violência banalizada e assumem o antagonismo teatral narrado pelos atores que se envolvem na situação. Esses Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 31 reclamam a condição de vilões, ou seja, encarnam e personificam o “mal”. Não obstante e do outro lado da “espada”, posicionam-se os policiais, protagonistas e “nobres” defensores da paz pública que, através de violência reacionária, formalmente legítima e socialmente compartilhada por seus pares, interagem de forma dominante com o indivíduo criminoso e são, de forma geral, reconhecidos e recompensados internamente por isso. Corroborando com a reflexão acima e indagados a respeito dos fatores potenciais desse fenômeno, 28,57% dos jovens policiais apresentaram uma compreensão marcadamente reacionária acerca das condições geradoras do crime e da origem do agente criminoso. Enquanto outros 46,95% recusaram-se a comentar o tema, ou não conseguiram desenvolver uma reflexão mais substancial sobre suas possibilidades. Outro não e como exemplo recorrente nas falas, os policiais desse grupo compreendem objetivamente o criminoso como “[...] infrator, que tem que pagar pelos seus crimes [...]” (COLABORADOR 29, NI, Policial Militar) e a reincidência do delito como uma escolha pessoal ou como condição única de impunidade e fragilidade do sistema judiciário, conforme expressa os colaboradores 25 (26 anos, Guarda Municipal), 31 (23 anos, Guarda Municipal), 13 (32 anos, Guarda Municipal), 44 (24 anos, Policial Militar), 45 (NI, Policial Militar) e 24 (33 anos, Guarda Municipal), respectivamente. “[...] O crime é causado, em muitas vezes, porque o criminoso não quer sair de sua zona de conforto e preferir o mais fácil [...]”. “[...] Ele pode até ser vítima da sociedade, mas isso não define seu caráter e suas escolhas [...]”. “[...] Acho o crime lamentável, porque nada justifica. Todos tem a mesma oportunidade na lei [...]”. “[...] a certeza da impunidade impulsiona o criminoso [...]”. “[...] O crime existe porque tem muita impunidade, pois não existe lei para os cidadãos infratores [...]”. “[...] O criminoso é alguém que quebrou as regras e deve ser punido de acordo. O crime é causado pela impunidade [...]”. 32 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada Em grande demanda, o sentimento profissional expressado nas falas dos colaboradores reverbera o que Bandura (1973) e Short (1968) apud Menandro (1979, p. 143) nos ensinam sobre a relação do policial com o sujeito criminoso. De forma geral, os autores colocam que tal correspondência é por vezes dual e mecânica, uma vez que: “[...] o tipo de interação mais comum entre estes não é cooperativa, nem mesmo pacífica [...] o policial aprende que o uso da força é mais útil que o tato para o cumprimento do dever imediato [...]”. Outro não, tal noção também é disseminada nos cursos de formação como uma pseudoverdade que, oculta na matriz curricular, versa supostamente sobre a prática corriqueira do serviço. Destarte e como uma tentativa de esclarecer certa ignorância dos limites da ação policial, os autores também enfatizam que “[...] em subculturas nas quais a hierarquia social está determinada por façanhas de combate, as ameaças ao status provocam rápidas respostas de agressão defensiva [...]” (SHORT, 1968 apud MENANDRO, 1979, p. 143) Assim, percebe-se nas falas dos jovens policiais uma frágil relação entre a realidade e a ficção que, sob a égide da mídia, do choque geracional e de toda cultura “pop” que desenha o caráter heroico do profissional da segurança e o nefasto, do sujeito criminoso, condiciona a prática policial à ação propriamente dita e enxuga o significado do fazer policial ao embate violento. Em suma e a meu ver, a ilusão ficcional da polícia produz, senão, obstáculos à compreensão do seu real papel na sociedade. O que se costuma fazer é, tão somente, negar a realidade do cotidiano de trabalho e projetar um “real” desejado da atividade policial que, de forma fantasiosa, atenda os anseios dos agentes que esperam, na polícia, reconhecimento, status e aprovação social. Nesse sentido e conforme nos ensina Bandura (1973, p. 264) apud Menandro (1979, p. 143144): Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 33 Esse sistema de reconhecimento é quase legitimado pela existência de uma ética privada (doravante da condição policial) da polícia que não vê como transgressão o uso de métodos violentos para prender os que infligem à lei [...] os policiais são frequentemente recompensadospor ocorrências alheias à estrutura policial. Numa análise simples da citação e conforme percebido na pesquisa, os neófitos policiais incorporam, por coerção e/ou espontaneidade, uma noção equivocada da realidade policial e introjectam, já nos cursos de formação e a partir de uma transmissão formal e/ou informal da cultura policial, um sistema interno de aprovação proveniente da ação e do combate imediato à atividade criminosa. Refletindo a premissa, Sá (2002, p. 13) nos ensina que: [...] o status profissional escolhido, com suas hierarquias de valores e códigos sociais próprios, orientará e alimentará – através das expectativas, disposições e motivações próprias – a construção do significado de sua identidade social e vice- versa. A incorporação do indivíduo ao grupo profissional poderá implicar uma adoção “natural” e “espontânea” do grupo pelo indivíduo, transformandoo em status, referência e participação social de primeira grandeza para a sua vida social total. Nesse sentido, percebe-se que a dimensão simbólica da profissão policial enseja aspectos peculiares sobre a ética, sobre os valores sociais e sobre a concepção da atividade policial. Em suma, a polícia passa a figurar como grupo de referência que salta da dimensão profissional e avança para a vida social de cada sujeito, pois como nos ensina Elias (1997, 311-312) apud Sá (2002, p. 13) “[...] a principal fonte donde uma pessoa deriva seu valor, seu significado, mais em longo prazo, pode ser a prática eficiente de uma profissão [...]”. Sem mais e por fim, a visão reacionária de polícia configura como uma perspectiva que produz policiais aptos para combate 34 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada imediato. Corajosos e habilidosos, esses sujeitos representam simbolicamente o poder da polícia, pois introjectam, já no momento inicial da carreira, o poder coercitivo do Estado e personificam a responsabilidade de lutar contra qualquer um que ameace a paz pública. Em suma, são policiais do tipo guerreiro, paladino ou ainda justiceiro. Todavia e como critica necessária a questão, esses sujeitos encerram a missão profissional ao policiamento criminal, ou seja, ao embate e a vigilância o que, a meu ver, reduz drasticamente o potencial da organização policial. Segurança pública deve ser entendida para além dessa perspectiva. 2.2 A “VISÃO NORMATIVA”: CONFLITO ENTRE LEGALIDADE, DISCRICIONARIEDADE E REALIDADE DO TRABALHO POLICIAL. A lógica normativa enseja uma falsa impressão de que a polícia funciona como um sistema rígido, racional e eficaz que tem na relação “intensão-resultado” sua principal condição de existência. Nesse sentido, elege a legalidade, a burocracia e os procedimentos como fontes absolutas de orientação, gestão e efetivação, como bem preceitua o Colaborador 37 (NI, Policial Militar) quando coloca que: “[...] o papel da polícia é o de garantidora da ordem e de instrumento de propagação da lei através das técnicas policiais [...]”. Todavia, a contradição do panorama normativo vem à tona quando, por exemplo, se observa o conflito entre o conhecimento técnico, transmitido nos cursos de formação, e a lógica informal, adquirida na prática e no cotidiano profissional. Destarte, refiro- me ao que os policiais chamam de “choque de realidade”, entendido aos olhos de Muniz (1999, p. 169) como “[...] uma crítica velada ao Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 35 modelo de instrução praticado, que parece dialogar muito pouco com as situações concretas que aparecem nas ruas [...]”. De forma geral e mesmo enaltecendo o aspecto legal da atividade policial que, em parte, transcende a teoria e condiciona individualmente o comportamento dos sujeitos policiais, como evidenciado na pesquisa, é consenso reconhecer uma perspectiva íntima que, atribuída à polícia, revela uma informalidade já estrutural e compartilhada por seus membros. Em parte, essa “[...] organização informal desempenha um papel determinante [...]” na execução do serviço, pois a todo instante a polícia reivindica, da esfera jurídica e do poder legislativo, discricionariedade e autonomia sobre as políticas de segurança e sobre suas práticas (MONJARDET, 2012, p. 42). Dito de outra forma, Monjardet (2012, p. 42) nos ensina que “[...] A polícia é uma grande organização complexa, regida por regras coercitivas, cujos membros estão longe de partilhar uma visão idêntica das finalidades da polícia em geral e de suas próprias missões em particular [...]” o que, grosso modo, justifica o choque de opiniões acerca da verdadeira missão policial. [...] a análise empírica do trabalho policial mostra imediatamente que a ação policial é posta em movimento, cotidianamente, numa delegacia, por três fontes. Certas tarefas são prescritas de maneira imperativa pela hierarquia superior: o serviço deve fornecer no dia tal, à hora tal, tantos agentes para uma transferência de detentos, aguarda do departamento ou uma expulsão de vagabundos. Outras são respostas mais ou menos obrigatórias às solicitações do público [...] Outras, enfim, são de iniciativa policial: tal observação (informação, acontecimento) suscitou o interesse de um policial, ou da patrulha, e ele ou ela acompanha o caso. (MONJARDET, 2012, p.15). Assim e a partir de qualquer análise mais substancial, percebe-se que a formalidade da organização policial é, tão somente, aparente, e existe apenas na instrumentalidade, pois a contrassenso de toda fisionomia exposta, o fazer policial acontece 36 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada na intimidade, na dimensão do “bom senso” e dentro daquilo que caracteriza os imponderáveis do cotidiano profissional. Toda organização de trabalho comporta, pois, duas faces: um lado formal (estrutura, organogramas, recursos humanos e materiais, e seu arranjo segundo regras explícitas que determinam a maneira como a organização pode operar), e outro informal [...] (MONJARDET, 2012, P. 41) O que prepondera na prática é um conjunto de comportamentos individuais regidos por uma lógica coletiva que designa um processo de trabalho e opera o funcionamento da instituição policial a partir de interpretação própria, de negociação individual, de compromisso pessoal e adaptação das regras formais ao improviso do cotidiano policial. Dito de outra forma, a segurança pública acaba se tornando aquilo que o policial faz nas ruas. Prosseguindo na exposição dos resultados e pontuando acerca dos 14,80% dos colaboradores que expressaram um caráter fundamentalmente normativo da lógica policial e outros 14,80% que compartilharam essa racionalidade com o paradigma reativo, a pesquisa verifica a reincidência de aspectos legais que, de forma geral, assumem um caráter fundamental na prática e no significado que esses sujeitos atribuem à polícia e a segurança pública; fomentando um tipo legalista de agente e de identidade policial. Dito de outra forma e no início de suas carreiras, os jovens policiais recorrem à crença absoluta nos regimentos, códigos e leis que regulamentam teoricamente o fazer policial para justificar suas condutas e para alcançar certa linearidade aparente da ação e da ideia que concebem de polícia. Tal comportamento, a meu ver, se mostrou recorrente entre os 29,6% (Visão Normativa + Visão Mista) dos policiais entrevistados por apresentar uma resposta imediata e, até certo ponto, apaziguadora e reconfortante, do debate sobre as atribuições da polícia e de seu papel na sociedade. Neste sentido, ainda que a condição policial seja inerente ao Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 37 estatuto da polícia, uma vez que a polícia também é “[…] aquela organização que tem a legitimidade de intervir quando alguma coisa que não deveria acontecer, está acontecendo, e alguém tem de fazer alguma coisa agora […]” a relaçãoentre o policial e a polícia deve ser entendida para além da estrutura, da estética, de sua constituição legal e de sua distribuição funcional, uma vez que este agente social é, ao mesmo tempo, regulador do sistema normativo e sujeito regulado pela mesma dominação legal que exerce (BITTNER, 2017, p. 154). Em suma, os policiais são normatizados em mesma demanda que os cidadãos que policiam em nome do Estado, uma vez que também incorporam, objetivamente e através das práticas policiais, um sistema simbólico específico, através dos estatutos, normas, códigos e métodos da polícia. Consubstanciando com a premissa, Bourdieu (2013, p. 434 e 435) entende que: [...] os esquemas de hábitus, formas de classificação originárias, devem sua eficácia própria ao fato de funcionar aquém da consciência e do discurso [...] fora do controle voluntário [...] Nesse sentido, introjectam um conjunto de orientações, percepções e disposições semiconscientes que se efetivam no agir policial e no plano do discurso a partir de reflexões conscientes da lógica recebida. Em suma, tentam se adequar a um modelo de comportamento institucionalmente definido. Todavia e sobre a questão, Cathala (1975, p. 23) coloca que: As disposições de alcance mais geral são fixadas por lei. Incube ao legislador elaborar os textos e dogmas obrigatórios da polícia que traçam as grandes linhas das relações profissionais. Mas a lei não pode prever todas as situações particulares extremamente variadas que surgem a cada instante nos grupos humanos. 38 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada Nesse sentido e longe de estabelecer consenso, a visão normativa invocada por esse grupo, condiciona o significado do fazer policial a uma idealização opaca das práticas, da rotina de trabalho e do contato real com a sociedade. Tal critério, sem o ajuste das experiências, das vivências e da humanização necessária à ocupação policial, aliena os agentes e promove empobrecimento da compreensão do papel da polícia, uma vez que; [...] a função da polícia não pode ser entendida de modo apropriado se considerada apenas em termos puramente de princípios de legalidade. Longe de só aplicar máximas legais de uma maneira ministerial, a Polícia emprega o poder discricionário ao invocar a lei. (BITTNER, 2017, p. 96). Contribuindo para o debate e nos alertando acerca desse paradigma, Bittner (2017, p. 95) também destaca que encerrar o papel da polícia à prática de um policiamento restrito aos aspectos normativos tem como consequência: [...] manter uma pretensa compreensão e concordância. Como tais afirmações sobre a função são abstratas e não restringem as interpretações que lhes podem ser dadas, facilmente elas podem ser invocadas para servir propósitos polêmicos tanto daqueles que encontram falhas nas práticas existentes como daqueles que soam a fanfarra para louvar a polícia. Assim e como atributo velado do trabalho policial, o processo de obtenção da discricionariedade acontece, em maior demanda, a contrassenso da postura normativa. Portanto, propaga-se burlando a disciplina, os códigos de conduta e toda a burocracia estatal. Enfim, executase sob um processo de seleção das práticas (dentro do conjunto potencial de tarefas existentes na dimensão da segurança pública), acumulação de experiência e qualificação individual. Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 39 Não obstante, mas admitindo ser uma característica marcante do trabalho policial, como apresentado na pesquisa, o “discernimento”, condição de discricionariedade, admite a evidência da informalidade e de uma realidade policial para além da aplicação mecânica das leis, procedimentos e ordens institucionais. Consubstanciando com a perspectiva, Monjardet (2012, p. 45) nos ensina que: Essa acepção da autonomia está igualmente afinada com a concepção dominante da qualificação entre os policiais [...] de longa aprendizagem pela prática em campo e em contato com os veteranos [...] o trabalho policial não procede de uma adição de tarefas prescritas, mas da seleção, pelos próprios interessados, de suas atividades. Por esse motivo, são os mecanismos desse processo de seleção que são os principais determinantes da definição, da organização e da análise do trabalho policial. Avançando e tomando como análise as falas dos colaboradores 10 (29 anos, Guarda Municipal), 33 (23 anos, Policial Militar) e 57 (38 anos, Policial Civil), respectivamente, é notório que, na ausência de qualquer reflexão mais crítica do significado de polícia, ou mesmo a elucidação de leis adicionais de procedimento, os jovens policiais encontram na norma geral uma alternativa de julgamento para orientar suas práticas. O que, a meu ver, apenas atesta a falta de entendimento e justifica a necessidade de uma agenda de estudos acerca da polícia, dos policiais e dos papeis sociais, pois conforme se observa nas falas dos colabores, a visão normativa acaba produzindo uma matriz ficcional da realidade policial, quando atribui à polícia um leque de responsabilidades incondicionais que não podem ser atingidas, senão e apenas, no campo teórico do Direito. “[...] O policial é um agente da lei [...] A Polícia é a força do Estado para que as leis sejam cumpridas e caso isso não aconteça fazer com que a justiça seja feita [...] a missão (da Polícia) é proteger, combater qualquer ação que se oponha 40 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada a lei [...]” “[...] o policial age para manter e garantir a paz social dentro das leis [...] A polícia constitue o poder coercitivo do Estado que visa manter a pacificação social [...]” “[...] (a “verdadeira” missão policial é) buscar que a lei seja cumprida de maneira mais normal possível ou tenha o mínimo de dano [...] ser policial é buscar uma excelência nas ações, onde será necessário executar de maneira legal [...]”. De forma geral e ainda que a aplicação da lei seja indissociável a qualquer arranjo social propriamente dito, Monjardet (2012) nos ensina que teoricamente a polícia é uma instituição opaca; existe como um meio, sem substância, para alcançar a segurança. Ela resiste como uma força que, instrumentalizada na prática de uma organização de trabalho, é conduzida por critérios políticos, ou seja, pela razão do Estado, mas se movimenta empiricamente a partir de interesses específicos e, até certo ponto, individuais, pois não há polícia sem policiais (MONJARDET, 2012). Desse modo, atesta-se que “[...] o policiamento criminal é uma prática condicional, mesmo que seja comumente considerado como incondicional [...]” (BITTNER, 2017, p. 257). Assim e como campo profissional e organização de trabalho, a polícia acontece na periferia da lógica normativa, pois desenvolve, a partir dos detentores do estatuto policial (policiais), interesses próprios de uma cultura de ofício, bem como elementos de identidade e um sistema de distinção efetivado nas condições de trabalho, emprego, práticas cotidianas etc. Pois conforme nos ensina Bourdieu (2001; 2013, p. 205), os policiais, na condição de agentes, são estruturantes e estruturados a partir da produção de sentido que eles próprios produzem de si e da polícia, ou seja, são “[...] sujeitos de atos de construção desse mundo [...]” e a polícia acaba figurando como um sistema de esquemas incorporado, ou seja, como uma estrutura social introjectada, um “[...] produto da incorporação de uma estrutura social sob a forma de uma disposição quase natural [...]”. Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 41 FIGURA 01: As dimensões policiais e suas interações. Fonte: Elaboração pessoal com base em Monjardet (2012). Nesse sentido, a concepção de habitus policial, pode ser entendida como uma maneira de se comportar, mas ainda como uma distinção, ou seja, como uma percepção e/ouuma disposição sobre o mundo da segurança pública, que se constrói na dimensão profissão, mas que acontece intrínseca das demais (BOURDIEU, 2001; MONJARDET, 2012). Numa análise simples da figura acima, percebe-se que o aparelho policial é, indissociavelmente, um instrumento de poder (controle social), um serviço público (política social) e uma profissão, desenvolvida a partir dos interesses materiais, corporativos e profissionais de sua categoria. Não obstante, mas essencialmente importante para entendermos a compreensão sobre a perspectiva policial é entender que o simbólico exerce força e transforma o material porque, mesmo construído na subjetividade, existe no concreto e se efetiva na vida social dos sujeitos policiais sob um aspecto de dominação 42 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada institucional e profissional. Destarte, policiais e polícia trocam singularidades e exercem, um sobre o outro, uma força transformadora. Contudo, é difícil determinar quem escolhe quem, ou seja, quem exerce sobre o outro uma força de socialização maior, uma vez que, essa relação dociliza as condutas quando da busca pelo reconhecimento e pela aprovação. Não obstante, mas a partir desse entendimento, podemos afirmar que o capital simbólico policial, ou seja, o “animus” desse jogo social específico, existe apenas pela crença, legítima e total, do reconhecimento de sua valoração por todos aqueles que comungam a existência do campo profissional da segurança pública (BOURDIEU, 2001). Também de forma resumida a dominação do corpo é exercida, velada e aceita nas disposições do habitus (sistema de disposições e percepções aberto), ou seja, é construída em meio a estruturas predispostas a funcionam como reguladoras da interação dos agentes no campo e com o campo (BOURDIEU, 2001; 2013). De forma geral, o autor evidencia a existência de um disciplinamento velado, mas efetivo que pode ser associado, sem forçar qualquer entendimento, a formação dos sujeitos policiais e a internalização dos costumes, cotidiano, valores e da totalidade da cultura policial. Prosseguindo e localizando a reflexão dentro da Figura 01 acima, a perspectiva normativa que permeia o fazer policial e que condicionou a visão de parte relevante dos colaboradores da pesquisa (29,6%) existe, em maior demanda, na dimensão institucional, ou seja, como um critério necessário à própria instrumentalidade da polícia e ao seu projeto organizacional. Todavia e em parte, tal perspectiva acontece como condição de constrangimento, conflito e tensão estrutural, pois, longe de estabelecer consenso, a visão normativa decorre de um projeto inacabado e impossível, uma vez que, sozinha e partir do aparato jurídico, a polícia não pode levar justiça ou paz social à totalidade Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 43 das pessoas, como anseia os jovens policiais desse grupo. Outro não, isso é apenas o que se espera ou se deseja que ela faça. Nesse sentido e como consequência dessa premissa, o que se evidencia é uma relação de incertezas, ou seja, um conjunto de ambiguidades que influencia a obrigação do desfecho e condiciona a produção de estratégias discricionárias. Destarte e como já colocado na pesquisa, à prática do serviço policial, dentro da dimensão profissional, é marcadamente informal, e até marginal. Justificando a reflexão, Monjardet (2012, p. 211) coloca que: [...] a atividade policial é sempre suscetível de ser falha, pois o estrito respeito aos meios prescritos tem um efeito negativo nos resultados obtidos. Assim, a busca exclusiva de resultados superiores leva a se liberar dos meios autorizados. A tomada de autonomia policial, pela discricionariedade proveniente do discernimento, reverbera, para descontentamento dos policiais que invocam a visão normativa, um ajustamento ao cotidiano de trabalho que acontece, como já colocado no texto, em meio a negociações, adaptações e ajustes. É a condição de improviso do trabalho que, mesmo evidente entre os policiais que compartilham seu dia-a-dia, é velado e até negado pelo discurso oficial do Estado. Pois como coloca Bittner (2017, p. 256): [...] ao decidir de vão ou não invocar a legislação, os policiais devem considerar alguns interesses políticos gerais. Por exemplo, comumente se entende que a legislação não deve ser invocada contra cidadãos com fichas totalmente limpas que forem suspeitos de terem cometido delitos técnicos e relativamente triviais. Por fim, a partir de um entendimento possível do dilema e enquanto instituição, a polícia existe como gênese do sistema normativo, mas como organização profissional, a corporação funciona, em maior demanda e a contrassenso das expectativas 44 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada do Estado, na informalidade o que justifica localizar-se, por vezes, na periferia da lei, executando suas tarefas como ajustamentos legítimos e ilegítimos do cotidiano policial. E isso, caro leitor, é mais uma verdade inconveniente do cotidiano policial. 2.3 A “VISÃO CRÍTICA”: O PARADIGMA CLÁSSICO, O DISCURSO DA MUDANÇA E A HUMANIZAÇÃO DA ATIVIDADE POLICIAL. Ainda que seja uma reflexão clichê entre os profissionais da segurança pública, é comum reconhecer como verdade a ideia de que, na prática, “trabalhar com segurança pública é caminhar numa linha tênue entre o certo e o errado!”. Não concordo e, diante disso, vou justificar minha posição narrando um dos muitos episódios profissionais que atestam a informalidade do serviço policial, a escolha individual dos sujeitos policiais e a faceta mais nefasta de suas práticas, protagonizada por homens cruéis que não deveriam fazer parte do quadro profissional da polícia. Todavia, ressalto que selecionar apenas um episódio que exemplifique o caráter mais danoso da instituição policial é mais difícil do que se possa imaginar, pois o universo de acontecimentos, numa carreira de onze anos de profissão em duas diferentes forças de segurança, é como um baú repleto de lembranças boas e algumas bem ruins. Contudo, julgo essencial narrar um episódio que, pela crueldade dos fatos, surgem nas páginas deste trabalho como uma denúncia necessária. Portanto, serei sucinto. Tarde da noite, ao patrulhar os arredores da Praia de Iracema, tradicional local de lazer da cidade de Fortaleza, minha equipe deparou-se com uma denúncia informal de possíveis assaltos no “espigão”, construção de contenção marítima localizada perto da Av. João Cordeiro. De pronto, nos deslocamos ao local informado e, lá chegando, desembarcamos da viatura. Com cautela, em virtude Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 45 da escuridão, caminhamos até o local e, ao verificar atentamente os arredores, nada encontramos. Não satisfeitos, avançamos um pouco mais no espigão em direção ao oceano. Todavia e para frustração ou “felicidade” da equipe, a noite parecia transcorrer na mais perfeita normalidade e, portanto, resolvemos retornar a viatura e continuar a ronda corriqueira. Contudo e quando caminhávamos de volta a praia, o comandante do grupo (policial mais antigo em serviço) observou um jovem casal namorando furtivamente no local. Naturalmente e por questão de privacidade, estavam em um local bastante ermo e escuro do paredão rochoso. Tomado pela curiosidade, o comandante caminhou até o casal e chegando a certa distância, percebeu se tratar de um casal homoafetivo. Imediatamente e sem qualquer razão aparente, partiu pra cima dos jovens com uma ferocidade irracional, motivada, a meu ver, pela mais injusta manifestação de homofobia. Em uma fração de segundos, o policial envolveu os jovens numa “abordagem” injustificada e demasiadamente violenta. Começou com gritos e, num piscar de olhos, já estava desferindo golpes violentos e desproporcionais com a “Tonfa” (bastão policial). Os namoradosforam agredidos a medida que se negavam a aceitar tamanha injustiça. Relutante, no estágio probatório e por medo de sofrer assédio moral posterior, intervi de forma tímida, mas o suficiente para cessar as agressões. De forma furtiva, orientei os jovens para que fossem denunciar o ocorrido na corregedoria da instituição, revelando o prefixo da viatura e o nome do agressor. No dia seguinte, procurei o supervisor imediato e relatei o fato, mas nada consegui, a não ser uma “suspeita” transferência de equipe. Nada mais soube a respeito, não recebi nenhuma convocação oficial da corregedoria e o assunto entrou no esquecimento. Contudo, o ocorrido marcoume intensamente e me fez perceber o quanto a minha atitude pode, de fato, gerar transformação. Prometi pra min, enquanto policial e ser humano, que jamais deixaria aquilo acontecer novamente. A polícia tem que fazer o certo e nada mais. 46 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada Tomando o desfecho do episódio acima como um relato espúrio de “ética corporativista” que, em verdade, é a própria negação da ética e a prova factual da existência de um paradigma policial que precisa ser superado, para o bem de todos e, sobretudo, para a valorização dos policiais de bem que ainda compõem a boa polícia, ecoa de dentro das organizações o desejo de mudança e de reconhecimento de uma nova forma ver a atividade policial. Na sua essência, a segurança pública é construída à luz da democracia, pois figura como um dever do Estado, como um direito e como responsabilidade de todos os cidadãos. Portanto, todos os brasileiros podem colaborar para o bom andamento das políticas de segurança, bem como opinar e contribuir para o desenvolvimento da polícia, da sua organização e dos aspectos profissionais que alcançam seus membros. Nesse sentido e diante da complexidade de seu campo profissional, a sociedade anseia da polícia uma concepção mais humana de suas práticas e um juízo inovador do seu sentido. Assim, na emergência do séc. XXI e diante dos muitos aspectos políticos que nos fazem crer no desenvolvimento da instituição policial, ecoa dos cursos de formação um julgamento essencialmente crítico da atividade policial que almeja marcar o fim do paradigma conservador e construir um novíssimo olhar sobre o significado que se atribui aos sujeitos policiais. Destarte e com a profissionalização constante da polícia, essa perspectiva avançou no final do séc. XX e se efetivou no século posterior como um conjunto de medidas que tomaram a agenda da Secretaria Nacional de Segurança Pública e postularam novas ações formativas para os profissionais de segurança pública. O que, dito de outra forma, movimentou o paradigma vigente sobre a polícia e produziu uma concepção mais humanizada, potencializando o caráter pedagógico, cidadão e ético do sujeito policial. Assim e sobre reflexão, Balestreri (1998, p. 8) afirma que: Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 47 como em outras profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade. Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado unicamente aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo. Destarte e a fim de estabelecer um parâmetro para o respectivo desafio, os primeiros projetos que ensejam o desígnio de conceber um plano de segurança progressista remontam a década de 1990 onde começaram os esforços sistemáticos de elaboração de políticas públicas de segurança baseadas numa perspectiva contemporânea, identificada com a combinação entre eficiência e direitos humanos (CARVALHO E SILVA, 2011). Todavia, foi apenas em 2002 que surgira o Programa Nacional de Segurança que, a meu ver, é a incipiente noção de um plano de segurança integrado e reflexivo, contemplando diversos setores sociais e dando voz a totalidade dos especialistas “não policiais” (CARVALHO E SILVA, 2011). Tal compreensão, despontando como um debate em processo de hegemonia, projetou a Nova Matriz Curricular que passou a vigorar em 2014 com o slogan de “novos tempos, novas medidas”. O projeto almejou caracteriza-se como um referencial teórico e metodológico para orientar as ações formativas, iniciais e continuadas, dos profissionais da segurança pública. Outro não, “[...] as ações realizadas nos espaços educativos deveriam estar voltadas para o desenvolvimento das competências profissionais necessárias à atuação do profissional de segurança pública no contexto em que as necessidades e as exigências sociais se estabelecem [...]”, ou seja, o novo olhar sobre a segurança pública rompe com o modelo reativo de polícia e oportuniza formar policiais adaptados as singularidades sociais. Em suma, é o projeto de um policial mais humanizado e sensível às condições dos outros, “não 48 | Segurança pública: análise e proposições Editora Via Dourada policiais” (BRASIL, 2014). Destarte e conforme Balestreri (1998, p. 11), a ideia era formar bons policiais que, para além dos atributos físicos e da destreza, entendessem seu papel social, ou seja, internalizassem a ideia de ser “[...] um verdadeiro policial, ciente de seu valor social [...]”. De forma geral e na opinião desse policial-pesquisador, o projeto em si não funcionou na totalidade daquilo que desejava. Todavia e como condição de transformação política, provocou o germe da mudança e fez surgir, dos cursos de formação, jovens policiais e novíssimas visões sobre o papel da polícia que justificam, atualmente, a visão crítica dos 22,20% dos colaboradores da pesquisa. Nesse sentido e conforme verifica-se na fala do Colaborador 01 (29 anos, Guarda Municipal) “[...] ser policial é servir a comunidade [...], a visão crítica da atividade policial promove a construção de sujeitos, cuja a identidade policial perpassa pelo desenvolvimento de uma concepção ampliada do papel da polícia. Outro não, atesta-se como um argumento reincidente nesse grupo, a ideia de encarar a missão policial como uma prática para além do policiamento criminal. Em suma, como um conjunto de ações que englobam certo amparo social e um contato mais humanizado com qualquer pessoa ou situação de conflito. “[...] A verdadeira missão policial é está sempre à disposição de qualquer cidadão para ajudar [...]” (COLABORADOR 23, 29 anos, Guarda Municipal). “[...] A Polícia é formada por agentes da lei que se designam a serem homens que promovem a justiça e protegem a sociedade [...]” (COLABORADOR 39, 25 anos, Policial Militar). Dito de outra forma, esses sujeitos policiais entendem a própria condição policial e, até o sujeito criminoso, a contrassenso dos modelos anteriores. Como evidenciado nas falas abaixo e a partir de uma visão crítica, os policiais acabam despertando uma consciência mais ampla das categorias que permeiam sua prática, Série Segurança pública, direito e justiça brasileira: Volume 6 Ledervan Vieira Cazé| 49 bem como do sentido que constroem de si. “[...] Não existe resposta certa. Muitos crimes são cometidos por pessoas que estão à margem da sociedade e não conseguem ter as mesmas oportunidades do que aqueles que têm toda uma base familiar e uma boa renda econômica [...]” (COLABORADOR 33, 23 anos, Policial Militar). “[...] Aquele que na sua vida sofre preconceitos, dificuldades, onde o Estado não está presente e isso acarreta problemas sociais, gerando violência e atingindo a sociedade [...]” (COLABORADOR 31, 27 anos, Policial Militar). “[...] (o criminoso) é um sujeito vulnerável nessa sociedade desigual e preconceituosa que fica a mercê de um sistema hipócrita
Compartilhar