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História da Arte Contemporânea Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Rita Garcia Jimenez Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop • Neoexpressionismo • Arte Povera (Arte Pobre) • Arte Urbana / Grafite • Geração 80 – O Brasil Pós-Moderno • Jovens Artistas Britânicos (Young British Artists) • Neopop · Conhecer os aspectos conceituais, históricos e estéticos do Neoex- pressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop. · Apreciar, analisar significativamente, ler e criticar essas manifestações artísticas contemporâneas. · Valorizar a pesquisa sobre os aspectos conceituais, históricos e estéticos desses movimentos. · Valorizar a arte como construção de conhecimento e de cultura. OBJETIVO DE APRENDIZADO Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafi te, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Contextualização A história da arte contemporânea é dinâmica e recheada de idas e vindas. Ao mesmo tempo em que avança em novas linguagens, técnicas, abordagens, volta e meia mira o passado, fazendo um mix de releituras – uma das características da contemporaneidade. Assim, é importante entendermos a história e seus contextos para podermos fazer uma leitura desse caminho. Impossível dissociar a evolução, o pensamento e as atitudes do ser humano à arte. Não há verdade, mas, sim, verdades, por isso, não há limites para a arte. Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop marcaram o último quarto do século XX e, por isso, precisam ser estudados. Obras e artistas representam, cada vez mais, a arte, em detrimento de períodos/movimentos/estilos – que, você já pode perceber, se tornam cada vez menores. A vida dinâmica nos impõe grandes desafios e, ao mesmo tempo, grandes conquistas. Para tal, precisamos ampliar ao máximo nossos horizontes, conhecendo os artistas, afinal, são eles que fazem a arte. E, a multidisciplinariedade está aí para nos auxiliar nessa tarefa. Filosofia, Sociologia, Antropologia, Comunicação e Educação, entre tantas áreas, contribuem para que possamos ir adiante em nossas análises, entendimentos e interpretações. Ver o todo a partir do particular é um bom caminho. Vemos a questão do Neoexpressionismo que “resgatou” a pintura; da Arte Povera, que trouxe (novamente) a questão dos objetos; a Arte Grafite, urbana por natureza; a Geração 80 brasileira, fundamental no período e para o que somos hoje; além, dos jovens britânicos que chacoalharam o mundo. Não existe um caminho para o nosso estudo, mas vários caminhos. Aproveite, nesta Unidade você tem um desses bons caminhos. 8 9 Neoexpressionismo O que é belo numa obra de arte, o que muda a vida do espectador, está muito além do alcance de tal descrição. Chegue mais perto, leia histórias da arte mais detalhadas. Melhor, aproxime-se da própria obra. Melhor, ainda, crie alguma coisa. O que acontecer na arte daqui para a frente é com você. (Julian Bell, Uma nova história da arte, 2008) Após o declínio da abstração, na década de 1960, a pintura praticamente “saiu de moda”, enquanto surgiam, cada vez mais, movimentos que chamavam a atenção de críticos, público e colecionadores em um ambiente eclético como a Arte Conceitual e a Arte Povera. Entretanto, no final da década de 1970, na Alemanha, na Itália e nos Estados Unidos, a pintura ressurgiu com o Neoexpressionismo, que se caracterizou por obras com temáticas frequentemente violentas e muitas influências e fontes de inspiração, entre elas a obra dos expressionistas alemães das décadas de 1910 e 1920. Entretanto, o movimento ficou marcado mais pelo estilo do que pelos temas. As obras eram dramáticas, com objetos distorcidos e fortes contrastes de cor e de tonalidade. Os artistas aplicavam a tinta em empaste, com rapidez e de forma intencionalmente grosseira produzindo a aparência de uma execução espontânea. As telas eram, geralmente, de grandes formatos. Também costumavam incluir outros materiais na superfície de suas obras, como fragmentos de louças, chumbo, fotografias, metais... o que dificultava, em alguns momentos, a compreensão da imagem pintada. Os neoexpressionistas rejeitavam o trabalho austero e cerebral do Minimalismo e da Arte Conceitual dos anos 1960 e, por isso, voltaram suas pinturas à figuração como meio de expressão. Essas técnicas levaram os críticos a chamarem algumas obras de “pintura ruim”. Alguns artistas pretendiam chocar com técnicas não convencionais. A partir de 1969, o alemão Georg Baselitz (1938-) começa a pintar retratos, paisagens e personagens com a tela de cabeça para baixo, dizendo que esse era “o melhor jeito de libertar a representação do conteúdo”. Ele se rebelou contra a Arte Abstrata, mas também desprezava pinturas que aceitassem passivamente aparências externas como a Pop Art, sendo o grande líder do renascimento da pintura figurativa na Alemanha. Baselitz adotou o tradicionalmente menosprezado linóleo – porções solidificadas de óleo de linhaça, resina, cortiça em pó e, usualmente, pigmentos – para realizar sua obra, usando tinta em abundância a fim de criar uma interessante superfície áspera. 9 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Figs. 1 e 2 – Obras de Georg Baselitz: Elke (1971), óleo sobre tela (2,5 m x 1,9 m), e Adeus (1982), óleo sobre tela (2,5 m x 3 m) Fonte: themodern.org (1) e tate.org.uk (2) O trabalho de Baselitz influenciou os jovens expressionistas alemães do final da década de 1970 e início dos anos 1980. Destaquepara Jörg Immendorff (1945- 2007), conhecido pela série de pinturas Café Deutschland (1977-1984), que simboliza as tensões entre a então Alemanha Ocidental e Oriental. Immendorff foi aluno de Joseph Beuys (1921-1986) – artista da Arte Conceitual – no início da década de 1960. Ele e seus colegas questionavam se os artistas de sua geração deveriam ou não pintar. Beuys apoiava o pensamento de muitos de seus contemporâneos que consideravam a pintura um meio de expressão desacreditado. Porém, após concluírem seus estudos, Immendorff e outros artistas se voltaram à pintura. Outro nome importante do Neoexpressionismo é o também alemão Anselm Kiefer (1945-), cujas grandes telas são consideradas como as primeiras obras do movimento. Kiefer explorou a cultura alemã em seus primeiros trabalhos, mas, a partir da década de 1980, sua temática se expandiu para assuntos bíblicos inspirados na tradição da pintura histórica como em O mar vermelho, de 1984-85 (Fig. 4). Em 1980, Baselitz e Kiefer causam controvérsia na Bienal de Veneza com suas obras irônicas contendo referências nazistas. No início dos anos 1980, surgiu uma nova geração de artistas alemães conhecidos como Novos Selvagens, com forte influência do movimento, como Rainer Fetting (1949-). Entretanto, em meados da década de 1980, o ímpeto que impulsionava o Neoexpressionismo começou a arrefecer, embora os artistas continuassem a preservar suas ideias. 10 11 Fig. 3 – Café Deutschland (1984), de Jörg Immendorff , óleo sobre tela (2,8 m x 3,3 m) Fonte: wikiart.org Fig. 4 – O mar vermelho (1984-85), de Anselm Kiefer, óleo, chumbo, xilogravura, fotografi a e goma-laca sobre tela (2,7 m x 4,5 m) Fonte: moma.org 11 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Neoexpressionismo Americano Nos Estados Unidos, os neoexpressionistas assumiram a luta contra o american way of life (modo de vida americano). Julian Schnabel (1951-) é um de seus mais significativos representantes. O artista conheceu a fama no final dos anos 1970, com pinturas que incorporavam objetos como chifres de cervos e galhos de árvores. Em 1979, começou a usar cacos de louça. Queria chocar se expressando em um estilo exagerado, gestual e extravagante. Suas obras eram grandes e ousadas e, uma vez ou outra, os cacos caiam das obras e se despedaçavam no chão. Ele também usou suportes não convencionais como tecido encerado, pele de animais e telas de teatro japonês. Schnabel trabalha com imagens de filmes, fotos, iconografia religiosa, entre outras, criando quadros vigorosos, pesados, que incorporam elementos como capachos, destroços, couro e – o mais famoso de todos – a louça quebrada. Na obra O estudante de Praga, de 1983 (Fig. 5) – semelhante a um tríptico tradicional – Schnabel usa imagens religiosas na forma de crucifixos sobre cacos de porcelana e rompe com o plano bidimensional da tela com uma superfície crua e irregular. A obra é uma visão perturbada de um mundo fraturado. Enquanto o trabalho do artista era considerado insolente, críticos afirmavam que os de seus colegas europeus tinham uma personalidade mais introspectiva e reflexiva. “Minhas pinturas ocupam a sala, opõem resistência. As pessoas sempre reagirão a isso. Algumas pessoas ficam inspiradas, outras ficam ofendidas. Mas isso é bom”, afirmou Schnabel, em 2003. Fig. 5 – O estudante de Praga (1983), de Julian Schnabel, óleo, folhas, chifres e massa sobre madeira (2,9 m x 5,7 m) Fonte: guggenheim.org 12 13 Transvanguarda: O Neoexpressionismo Italiano Após várias exposições internacionais, o Neoexpressionismo ganhou espaço e notoriedade, passando a abranger outros grupos importantes de artistas como a Transvanguarda, na Itália. O novo termo, utilizado para definir a obra de um grupo de neoexpressionistas italianos produzida nos anos 1980 e 1990, foi criado pelo crítico de arte Achille Bonito Oliva. Os artistas Sandro Chia (1946-), Francesco Clemente (1952-), Enzo Cucchi (1949-) e Mimmo Paladino (1948-), entre outros, marcaram o retorno a uma pintura caracterizada pela violência de expressão e tratamento e por um ar de uma nostalgia romântica. Os artistas da Transvanguarda se tornaram rapidamente conhecidos e aceitos no mundo internacional da arte a partir da inclusão de seus trabalhos em importantes exposições como na Kunsthalle, na Basileia (Alemanha), na Bienal de Veneza (Itália) e na Royal Academy, em Londres (Inglaterra), nos primeiros anos de 1980. Logo, foram realizadas várias exposições individuais na Europa e nos Estados Unidos. Coloridas, sensuais, dramáticas, as obras transmitem uma sensação de prazer pela redescoberta dos aspectos táteis e expressivos dos materiais. Eles se interessavam pela mitologia, lenda e histórias da arte. Entretanto, seus estilos eram diferentes entre si e iam da obra reflexiva de Clemente, influenciada pelo espiritualismo asiático, ao Expressionismo clássico de Paladino, que declarou que sua obra nascia de uma explosão psíquica transferida diretamente para a tela. As imagens de Clemente funcionam como autorretratos psicológicos, representando o artista como um herói incompreendido. Recorrendo a um amplo espectro de influências e fontes de inspiração, essas imagens mesclam o simbolismo religioso, a autobiografia, a história cultural e a história da arte em visões pessoais e eróticas. Fig. 6 – The Fourteen Stations XII (1981-1982), de Francesco Clemente, óleo e cera em linho (1,9 m x 2,3 m) Fonte: francescoclemente.net 13 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop A arte de Paladino também percorre tempos e estilos, mas de uma forma quase arqueológica. Suas pinturas e esculturas fundem o passado e o presente, os vivos e os mortos, os rituais católicos e os ritos pagãos, os símbolos, os seres humanos e os ani- mais. O senso de liberdade de Paladino está expresso em uma declaração sua, de 1985: A arte é um castelo com muitas salas com as quais não temos familiaridade, cheias de quadros, esculturas, mosaicos, afrescos, que descobrimos maravilhados, ao longo do tempo. O modo como a arte conceitual percorre esse castelo é definido com clareza. Meu modo não possui clareza, mas transita em paralelo e posso escolher. As velhas questões sobre imagem e representação foram deixadas de lado pela arte abstrata. Em minha pintura, relaciono Matisse e Malevich, sem que exista um relacionamento entre eles. Fig. 7 – Cordoba (1984), de Mimmo Paladino, óleo sobre tela (3 m x 4 m) Fonte: artgallery.nsw.gov.au A rejeição do conceito de um “caminho correto” para a arte e a adoção entusiástica da pintura, meio que tinha sido declarado como “morto”, exerceram um efeito liberador identificado nas obras e nas declarações dos artistas. Em 1983, o artista Sandro Chia escreveu: “Neste lugar, rodeado por minhas obras, sou um domador de leões entre suas feras e me aproximo dos heróis de minha infância, de Michelangelo, Ticiano e Tintoretto. Esculturas e pinturas dançarão com uma só perna, ao som da minha música e para meu prazer”. Na pintura do artista, imagens heroicas flutuam no tempo e no espaço – a Transvanguarda recorre à herança cultural da Itália, mitos, lendas e nos grandes mestres. A figura do artista, habitualmente presente em seus quadros, é ao mesmo tempo a de um herói e a de um palhaço, e as situações de que participa parecem exuberantes e, ainda assim, melancólicas. Um exemplo é a pintura Aquário (1981), de Sandro Chia (Fig. 8), que lembra a passagem dos livros apócrifos em que Tobias (Antigo Testamento da Bíblia) carrega um grande peixe ao viajar em busca de uma noiva. Frequentemente, o artista mostra figuras masculinas ligadas a alguma ocupação. 14 15 Fig. 8 – Aquário (1981),de Sandro Chia, óleo e pastel sobre tela (2 m x 1,7 m) Fonte: tate.org.uk Arte Povera (Arte Pobre) Arte Povera (ou Arte Pobre) foi um termo criado pelo curador e crítico italiano Germano Celant (1940), em 1967. A expressão faz alusão a materiais “humildes” e “pobres”, não pertencentes à arte, que os artistas usavam em suas instalações, assemblages e performances, como cera, cobre, granito, chumbo, terracota, tecidos, neon, aço, plástico, legumes e até mesmo animais vivos. Entretanto, esse nome não deve ser tomado de forma radical, uma vez que vários materiais empregados não são baratos e possuem tradição em outras linguagens. Assemblage: O termo tem origem na palavra francesa collage, que signifi ca colagem. Assim, assemblage signifi ca a acumulação ou a justaposição de qualquer tipo de objeto como elemento de construção de uma obra sobre um suporte bidimensional ou, então, na criação de uma obra tridimensional. O uso de objects trouvés (objetos encontrados) em obras de arte remonta ao fi nal da década de 1930 com o artista norte-americano Joseph Cornell (1903-1972) e a Jean Dubuff et (1901-1985), que cunhou o termo assemblage, em 1953. As primeiras assemblages foram infl uenciados pela colagem e, em certos aspectos, pelos readymades de Marcel Duchamp (1887-1968), e consolidados por Robert Rauschenberg (1925-2008) em suas combine paintings, na década de 1960. Os artistas criaram obras reunindo objetos descartados e materiais de sucata em caixas, construções e instalações. Muitas vezes, apresentavam os objetos sem nenhuma modifi cação, mas em um ambiente fora do seu contexto. Ex pl or 15 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop As criações se mostraram requintadas, complexas – muitas vezes extravagantes – e compostas de materiais pomposos. Os artistas eram oriundos do norte industrializado e próspero da Itália e não das regiões empobrecidas do sul. Suas obras não se referem à condição do pobre, mas enfatizam conceitos abstratos como, por exemplo, o empobrecimento moral de uma sociedade guiada pelo acúmulo da riqueza material. Organizador e teórico do grupo, Celant promoveu a primeira exposição de Arte Povera, em 1967, na Itália, e escreveu o manifesto Arte Povera: notas sobre a guerra de guerrilha. No texto, o crítico enfatiza a intenção dos artistas de “abalar os códigos culturais existentes” ao se preocuparem basicamente com as qualidades físicas dos meios expressivos e com a versatilidade dos materiais. As criações eram “pobres” no sentido de serem desprovidas de associações impostas pela tradição. Seria algo como “tecnologicamente pobre em um mundo tecnologicamente rico”. A inspiração para a Arte Povera veio do “Teatro Pobre” do diretor polonês Jerzy Grotoesky (1933-1999), que tentara redefinir o relacionamento entre o ator e o espectador ao remover todas as barreiras não-essenciais como figurinos, maquiagem e efeitos de luz e som. Celant divulgou o movimento em seu livro Arte Povera, publicado em 1969, em italiano e em inglês. A nova arte foi rapidamente incluída em exposições internacionais de Arte Conceitual. Embora tipicamente italianas, as obras se referiam a preocupações e interesses compartilhados com artistas de outros países como o alemão Joseph Beuys (1921-1986), o francês Bernard Pagès (1940-), os escultores britânicos Richard Deacon (1949-) e Bill Woodrow (1948-), que reciclam detritos urbanos produzidos pelo homem, transformando-os em esculturas altamente coloridas colocadas em paredes ou no chão. Os artistas que Celant promoveu, como os italianos Giovanni Anselmo (1934-), Michelangelo Pistoletto (1933-), Mário Merz (1925-2003) e Marisa Merz (1931-), Giulio Paolini (1940-) e Luciano Fabro (1936-2007), e o grego Jannis Kounellis (1936-), se destacaram em um período de prosperidade econômica, de mercantilização cada vez maior no mundo da arte e altamente politizado com revoltas estudantis e operárias em 1968 e 1969. Pistoletto foi um dos membros fundadores do movimento. O artista queria retirar a arte do santuário do museu ou da galeria e levá-la para o mundo real. Em 1966, ele fez uma experiência com essa ideia, levando uma gigantesca bola de um metro de diâmetro que fizera com jornais. Chamada Esfera de Jornais, levou sua obra para um “passeio” pelas ruas de Turim (Itália) na companhia de pessoas que foram se agregando à performance. 16 17 Vênus dos trapos (1967-1974), de Michelangelo Pistoletto (1933-), é uma das obras icônicas do artista. Composta por uma estátua clássica de tamanho natural de uma deusa romana, posicionada de costas para o espectador, e de frente para uma grande pilha de roupas coloridas amontoadas no chão. O rosto e o corpo da estátua estão levemente encostados contra a pilha de tecidos. Assim, a frente da estátua fi ca encoberta. Pistoletto fez várias versões da Vênus dos trapos. Na primeira, mostrada em 1967, o artista usou uma Vênus de cimento que estava em um jardim de uma casa e a cobriu com uma camada de mica para criar uma superfície cintilante. Em 1980, uma versão com uma modelo viva, substituindo a estátua, foi apresentada em São Francisco, nos Estados Unidos. Ao combinar a estátua de inspiração clássica com trapos empilhados o artista traz para a arte aspectos da vida cotidiana. A obra cria uma imagem icônica da Antiguidade justaposta aos detritos da sociedade moderna. Figura central da Arte Povera, Pistoletto comentou, em 1967: “Todas as formas, materiais, ideias e meios disponíveis são para serem usados”. O artista propõe uma questão ambígua: o passado idealizado e perfeito é preferível ao colorido e ao caos do presente? Ex pl or Fig. 9 – Vênus dos trapos (1967-1974), de Michelangelo Pistoletto, instalação (mármore e têxteis), 2,1 m x 3,4 m x 1,1 m Fonte: tate.org.uk 17 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop A Arte Povera foi a resposta italiana ao espírito geral que predominava na época, sob o qual os artistas faziam recuar as fronteiras da arte, expandiam o uso de materiais e questionavam a natureza e a própria definição de arte, bem como seu papel na sociedade. As criações do estilo se caracterizam por inesperadas justaposições de objetos e imagens, pelo uso de materiais contrastantes e pela fusão do passado com o presente, da natureza com a cultura, da arte com a vida. Os diálogos com a história estão presentes em muitas criações. Jannis Kounellis também desconstruiu crenças anteriores como a da antiga Roma e da Grécia com o propósito de investigar significados simbólicos e as associações que sobrevivem através dos tempos. A exposição Cavalos (Fig. 10), de Kounellis, realizada em 1969, na Galleria L’Attico, em Roma, é um exemplo. O artista mostrou 12 cavalos vivos amarrados dramatizando o eterno e contínuo relacionamento entre a natureza, representada pelos cavalos, e a cultura (representada pela galeria de arte), o passado (o cavalo como símbolo do passado clássico) e o presente (a galeria toda pintada de branco). Ele queria que a galeria se transformasse em um teatro onde a realidade e a ficção se fundissem com os cavalos evocando heroicas estátuas equestres. Kounellis estava reagindo contra a comercialização da arte ao produzir uma obra efêmera, invendável e que sujaria as imaculadas paredes brancas do espaço de arte moderna. Fig. 10 – Sem título (Doze cavalos vivos), 1969, de Jannis Kounellis, instalação com 12 cavalos Fonte: fabiosargentini.it As assemblages de Giovanni Anselmo – feitos com legumes e blocos de granito – revelam os efeitos das forças ocultas como a gravidade e a deterioração, questões oportunas no final da década de 1960 e início dos anos 1970, período marcado por maior conscientização em relaçãoao meio ambiente. O interesse pela passagem do tempo também está presente na Arte Povera. Em Sem título (Estrutura que come), de 1968, Anselmo pendura uma cabeça de alface entre duas pedras de granito desiguais amarradas por um fio de cobre. Quando a alface murchava, o bloco menor de granito caia, criando uma escultura ao mesmo tempo frágil e viva. 18 19 Na série Itália, de Luciano Fabro – relevos do mapa da Itália em materiais ricos e diversificados como bronze folhado a ouro, pele ou vidro, dependurados de cabeça para baixo – chama a atenção para a riqueza econômica e cultural de seu país e para um mundo que enlouqueceu ou que virou de cabeça para baixo (outra interpretação seria a de que o artista colocou o norte rico no lugar do sul pobre). Sobre sua obra Ouro Itália, ele explicou: “O ouro é um excelente disfarce para qualquer forma. Uma forma de suspensão não é muito autoritária”. Figs. 11 e 12 – Sem título (Estrutura que come), 1968, de Giovanni Anselmo; pé de alface entre dois blocos de granito fi xado por um fi o de cobre e serragem no chão Fonte: moma.org Fig. 13 – Ouro Itália (1968-1971), de Luciano Fabro, bronze folhado a ouro Fonte: exibart.com 19 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Já Mario Merz é conhecido por ter realizado uma série de obras em forma de iglu (casa/abrigo de gelo utilizado por esquimós) construídos com materiais naturais e artificiais, utilizados por nômades, que mostra a forma como a natureza se liga à vida cotidiana. Desde 1968, essas obras de Merz têm sido interpretadas de diversas maneiras: como referência a um passado perdido, quando o homem e a natureza estavam em harmonia; como um memorial às antigas tribos nômades que invadiram a Itália e fundiram a cultura dos bárbaros com a requintada decadência de Roma; ou como uma visão pós-apocalíptica depois de um holocausto nuclear, entre outras interpretações. Em Objeto, esconda-se (1968), o texto em neon Objet cachê-toi reproduz o slogan dos estudantes franceses em protestos que tomaram as ruas de Paris, em 1968. Fig. 14 – Objeto, esconda-se (1968), de Mario Merz, instalação (barras de ferro, malha de ferro, sacos de linho com lã e neon), 2.1 m x 1,1 m Fonte: kunstmuseum-wolfsburg.de Os artistas associados com a Arte Povera trabalharam em muitos caminhos de expressão em diferentes manifestações. Eles pintaram, esculpiram, fotografaram, fizeram performances e instalações, criaram e desenvolveram trabalhos envolven- do o uso de uma enorme ocupação de presença física e espaço, assim como tam- bém trabalharam as questões de pequena escala, pouca proporção e de menor ocupação espacial. A Arte Povera se dissipou na década de 1970, quando o próprio Celant declarou considerar a classificação “um clichê repetitivo e restritivo para o desenvolvimento de suas poéticas individuais”. A denominação, no entanto, ganhou força novamente a partir da década de 1980 com a exposição The knot Arte Povera at P.S.I., organizada em Nova York, em 1985, que reuniu os artistas que acabaram se consolidando como os principais representantes do movimento: Giovanni Anselmo, Luciano Fabro, Jannis Kounellis, Mario e Marisa Merz e Michelangelo Pistoletto, entre outros. Nas décadas seguintes, a arte italiana dá uma guinada rumo à pintura, ofuscando, de certa forma, a Arte Povera, que ainda continua ativa e influente. 20 21 Arte Urbana / Grafi te A Arte Urbana se originou no final da década de 1960 e início dos anos 1970, na Filadélfia (Estados Unidos), onde grafiteiros pioneiros como Cornbread e Cool Earl trabalhavam, e ganhou notoriedade em Nova York, onde grafiteiros como Taki183 e Stan153 deram vida à Escola Nova-Iorquina de grafite moderno. Na década de 1980, o grafite – tido como a mais antiga forma de arte urbana – é guindado como o mais recente produto do mundo artístico. No princípio, o grafite se concentrava nas “marcas”, um pseudônimo resumido inscrito em qualquer superfície pública disponível nas cidades. Em pouco tempo essas marcas foram evoluindo para “peças” ou “obras” – grandes ilustrações cali- gráficas e extremamente complexas feitas com latas de tinta spray – cuja principal mídia era o sistema de transporte público, principalmente o metrô de Nova York. Esse período inicial do grafite se inspirava na cultura popular e nos desenhos ani- mados – famosos, por exemplo, na obra do artista pop Roy Lichtenstein (1923- 1997), criando uma cultura social e estética única com a produção de imagens ilegais e efêmeras. Fig. 15 – Filhos da sepultura novamente, parte 3 (1980), de Dondi White, grafi te no metrô, Nova York Fonte: widewalls.ch Considerada ilegal e efêmera, no início da década de 1980, a nova arte sofreu na mão das autoridades de Nova York, que travaram uma verdadeira “batalha” contra os “vândalos” grafiteiros, enquanto que galerias e instituições artísticas começavam a apreciar essa nova forma de arte. Trabalhos dos principais líderes da cena nova- iorquina, entre eles Futura 2000 (Leonard Hilton McGurr, 1955-) e Dondi White (1961-1998), causaram impacto no mundo da arte contemporânea e a arte das latas de tinta spray começou a se materializar. 21 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Fig. 16 – Kel 1st (1980), de Futura 2000, grafite no metrô, Nova York Fonte: teamrex.org Usando não apenas as paredes, mas também locais móveis como os vagões de trem, que levavam a obra do centro da cidade para o subúrbio e além dele, a arte do grafite rapidamente se tornou uma presença difusa em todos os Estados Unidos e na Europa. O oportunismo dos grafiteiros que usavam qualquer superfície vazia conveniente disponível para realizar pinturas com spray de grande expressividade – provocativos murais de maior urgência e impacto que os produtos comportados e democráticos dos projetos de arte comunitária – estavam em sintonia com o mercado. A tática, bastante simples, era oferecer aos grafiteiros – ou, pelo menos, aos que tinham maiores ambições – uma superfície dentro de uma galeria para pintar, em vez de uma parede externa. Artistas como Jean-Michel Basquiat (1960-1988) e Keith Haring (1958-1990) também fizeram parte dessa comunidade artística alternativa, nas ruas, metrô e casas noturnas de Nova York, antes de serem totalmente aceitos pelo mundo da arte institucionalizada sob a caracterização de “Arte do grafite”. Para eles, era o estilo dos grafites que deveria servir como objetivo expressivo em suas obras. Entretanto, quando eles passaram a expor em galerias, seus trabalhos mudaram radicalmente. Basquiat e Haring surgiram na esteira de Lee Quiñones, nascido em Porto Rico, cuja exposição na Galleria Medusa, em Roma, em 1979, apresentou a arte das ruas de Nova York ao mundo. Fig. 17 – Sem título (1982), de Lee Quiñones, tinta spray em tela Fonte: leequinones.com 22 23 Quem é você, Banksy? É o mais celebrado artista britânico do grafi te. A partir do início dos anos 1990, Banksy (1973/1974?) começa a criar imagens bem-humoradas e subversivas em estêncil, quase sempre com mensagens políticas. Suas obras têm aparecido nas ruas de diversas cidades do mundo, mas, como, em geral, o grafi te é ilegal, ele mantém rigorosamente seu anonimato. Em 2004, lançou notas de 10 libras nas quais o rosto da princesa Diana substituía o da rainha Elizabeth e, em 2006, colocou na Disneylândia, na Califórnia, a réplica de um prisioneiro de Guantánamo usando um macacão de paraquedista. Banksy não está no Facebook e no Twitter e não é representado por nenhuma galeria comercial. Quando faz exposições, Banksy coloca obras para vender, mas quando faz um grafi te na rua, não – o que não impede as obras de serem vendidas. A partir de2007, tornou-se cada vez mais comum seus trabalhos saírem dire- tamente dos muros e paredes para as casas de leilão. Embora avesso a badalações, especula-se que o artista já tenha lucrado mais de R$ 12 milhões com a venda de suas obras. http://banksy.co.uk/ Fig. 18 – Banksy apareceu em Jerusalém, em 2003, e produziu um de seus trabalhos mais conhecidos: Atirador de fl ores. Para muitos é um símbolo de paz e esperança em face da adversidade e da destruição. O mascarado está jogando não um coquetel Molotov, mas um ramo de fl ores. Fonte: banksy.co.uk Fig. 19 – Artista de rua pinta Banksy em local e data não divulgados Fonte: banksy.co.uk Fig. 20 – Este seria Banksy: Robin Banks, nascido em Bristol (Inglaterra), em 28 de julho de 1973, de acordo com o jornal inglês Daily Mail. Essa informação não foi confi rmada Fonte: dailymail.co.uk Ex pl or 23 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Jean-Michel Basquiat O período mais criativo da curta vida e da carreira meteórica do norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), filho de pai haitiano e de mãe porto-riquenha, situa-se entre 1982-1985 e coincide com a amizade com Andy Warhol (1928- 1987). Na época, o artista produziu colagens e quadros com mensagens escritas, que lembram o início de seu trabalho com o grafite no bairro Soho, em Manhattan (Nova York), e que remetem às suas raízes africanas. É também o período em que começa a participar de grandes exposições. Em 1982, com a mostra Anatomy, foi o mais jovem artista da famosa exposição Documenta, de Kassel (Alemanha) e, em 1983, o mais jovem artista da Bienal do Whitney Museum, de Nova York. Daí em diante, participa de centenas de exposições e passa a ter trabalhos espalhados em importantes museus do mundo. Fig. 21 – Basquiat como SAMO, grafitando nas ruas de Nova York no final da década de 1970 Fonte: burnaway.org A pintura de Basquiat remete à apa- rência inacabada do grafite. Seus temas eram autobiográficos, com referências à história da arte, esportes, lendas, hip- -hop, jazz e racismo, personagens es- queléticos, rostos apavorados, masca- rados, carros, edifícios, policiais, ícones negros da música e do boxe, cenas da vida urbana, além de colagens, junto a pinceladas nervosas, rabiscos, escritas indecifráveis, sempre em cores fortes e em telas grandes. Quase sempre o ele- mento negro está retratado em meio ao caos. Há também uma dessacralização de ícones da história da arte, como a sua Mona Lisa, uma figura monstruosa ris- cada no suporte. Fig. 22 – Mona Lisa (1983), de Jean-Michel Basquiat, óleo sobre tela (1,2 m x 0,9 m) Fonte: basquiat.com 24 25 As pinturas de Basquiat invariavelmente le- vam a uma áspera crítica aos Estados Unidos contemporâneo e a posição que os negros ocupam no país. “Os negros nunca são re- tratados de maneira realista, ou melhor, nem sequer são retratados na arte moderna, e eu estou feliz por fazê-lo”, afirmou. Em 1980, o artista parou de usar o pseudônimo SAMO, começou a trabalhar para a galeria Annina Nosei em Nova York e, quatro anos depois, transfere-se para uma das mais destacadas e elegantes galerias da cidade da época, de propriedade de Mary Boone, vendendo suas pinturas por cem mil dólares cada. No ano seguinte, trabalhou em parceria com Warhol e apareceu na capa do suplemento domini- cal do jornal The New York Times sentado em seu estúdio usando um terno Armani e com os pés descalços. Em 1988, Basquiat morre vítima de uma overdose de drogas. Fig. 23 – Pyro (1984), de Jean-Michel Basquiat, técnica mista sobre tela (2,1 m x 1,7 m). Fonte: indulgy.com Keith Haring Contemporâneo e amigo de Jean- Michel Basquiat, Keith Haring (1958-1990) também “bebia” da mesma fonte: o grafite e acreditava que a arte devia se integrar à vida da cidade. Ele também vivia em Nova York, embora originário de mundos distintos. Em 1980, começou a fazer desenhos nas estações de metrô e clubes underground da cidade, usando giz branco sobre painéis de propaganda vazios cobertos de papel preto. Produziu centenas desses desenhos afirmando que o metrô era um “laboratório” que o ajudava a desenvolver seu estilo espontâneo. Também desenhava sobre objetos que encontrava na rua como portas de refrigerador, berços descartados e até animais empalhados. Seus desenhos foram tornando-se populares e seu trabalho foi um dos grandes responsáveis por conceder ao grafite o título de modalidade artística. Fig. 24 – Keith Haring e um de seus desenhos no metrô de Nova York, no início dos anos 1980 Fonte: gq.com 25 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Em 1986, Haring abriu uma loja, a Pop Shop, no Soho, onde comercializava a preços populares camisetas, brinquedos, cartazes e imãs com imagens de seus trabalhos. Os desenhos de seres humanos e animais com contornos marcados aca- baram identificando o estilo de Haring. O rápido reconhecimento de seu trabalho o levou à fama e a expor pinturas e esculturas em conceituadas galerias nova-iorqui- nas como as de Leo Castelli e de Tony Shafrazi. Ele começou a trabalhar com tinta acrílica, tinta para marcadores de texto e tinta fluorescente, criando telas de cores vivas povoadas por figuras bem delineadas e padrões exuberantes. Haring também desenhava para campanhas publicitárias e beneficentes, em especial as relacionadas com a aids, de que morreu em 1990, com apenas 31 anos. Um ano antes, ele criou a Keith Haring Foundation, para financiar organizações de combate à doença. O artista realizou trabalhos de animação para o outdoor Spectacolor, da Times Square, conduziu projetos comunitários com jovens da periferia, contribuiu para projetos comerciais de relógios e de bebidas, além de produzir vários murais públicos. Fig. 25 – Ignorance = fear (1989), de Keith Haring, pôster (0,6 m x 1,1 m) Fonte: haring.com Para Keith Haring, a arte urbana não era apenas uma oportunidade de expor seus trabalhos no mundo “real”, mas também dizia respeito à comunicação com a sociedade como um todo e compreendia uma mensagem de libertação e de paixão pela vida. Crack é uma droga, de 1986, está ao longo da autoestrada FDR, em Nova York. Haring pintou o mural original (Fig. 26) ao lado de uma quadra de handebol abandonada para exprimir sua indignação quanto à ineficiência do governo em reagir à crescente epidemia da droga na cidade. A obra chamou ainda mais a atenção depois que as pessoas ficaram sabendo da prisão do artista. Haring foi condenado – mas não preso – por “transgressão”, e o mural “ilegal” foi apagado. Entretanto, diante do clamor da comunidade local, as autoridades da cidade permitiram ao artista refazer seu trabalho (Fig. 27). Atualmente, o departamento de parques preserva o lugar, que se tornou um destino dos apreciadores da arte de Haring. Ex pl or 26 27 Fig. 26 – Crack é uma droga (1986), de Keith Haring, mural original pintado em uma quadra de handebol, em Nova York Fonte: haring.com Fig. 27 – Crack é uma droga (1986), de Keith Haring, mural repintado na mesma quadra de handebol, em Nova York Fontes: sartle.com Geração 80 – O Brasil Pós-Moderno O panorama dos anos 1980, que marca a transitoriedade da era moderna para a pós-moderna, se configura internacionalmente – e também no Brasil – por pro- fundas mudanças políticas, sociais e tecnológicas. A União Soviética começa a se desestruturar e o muro de Berlim cai, finalmente, reunificando a Alemanha. A aber- tura política brasileira coloca fim ao regime militar. Cresce no país a oferta e o con- sumo relativos à indústria cultural; a tecnologia chega forte ao consumo doméstico com CDs, canais de TV por assinatura,microcomputadores... Apoiados por leis de incentivo à cultura, proliferam exposições de arte de grande porte, espetáculos de teatro, de dança e música. A grande força dos meios de comunicação de massa influencia fortemente jovens artistas, que formam a chamada Geração 80. 27 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Conforme Katia Canton (Novíssima arte brasileira, 2001), “As grandes telas e pinturas vigorosas, que caracterizam a produção dessa geração, incitam um reencontro com o prazer e com a emoção provocados pelos gestos das pinceladas e pela cor, combatendo um certo tédio provocado pela linguagem considerada hermética ou cifrada que caracteriza o projeto da Arte Concreta ou Conceitual”. Para a autora, as obras da nova geração “se nutrem de comentários e questionamentos fora do âmbito da arte, que se referem à realidade cotidiana e social brasileira”. Coincidindo com o pluralismo político que nascia no Brasil a partir do início da década de 1980, os jovens artistas co- meçaram a representar em suas obras a arte até então abafada durante o perío- do militar. O grupo não aceitava mais a repressão à imaginação e à criação ar- tística. Mostras coletivas como A pintu- ra como meio, em 1983, no Museu de Arte Contemporânea, em São Paulo, e mais contundentemente em Como vai você, Geração 80?, em 1984, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque do Lage, na cidade do Rio de Janeiro, foram fundamentais. A partir desse momen- to, foi retomada a comunicação entre o observador e a arte frente ao clima de fadiga da produção artística dos anos 1970, com suas poéticas de resistência e suas obras herméticas, ancoradas no experimentalismo e pensadas em oposição ao mercado. Fig. 28 – Cartaz da coletiva Como vai você, Geração 80?, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, em 1984 Fonte: bex.art.br O entusiasmo dos artistas pela expressão, ainda que ingênua, aflorava em escolas de arte como a Fundação Armando Alvares Penteado, a Faap, em São Paulo, e a Escola de Artes do Parque do Lage, que investiu, na época, em uma política educacional renovadora e experimental, cujo intuito era transformar o ensino e a divulgação das artes plásticas no Brasil. Professores e alunos enxergavam a cultura como um meio de transformação social, contando com a mobilização e a participação popular. Participaram, também, artistas de Minas Gerais, provenientes da Escola Guinard e da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. A exposição Como vai você, Geração 80? expressou a vontade de abertura, de comunicação e de aproximação entre artistas e público. Os curadores Marcus de Lontra Costa e Paulo Roberto Leal afirmaram: 28 29 “Está tudo aí. Todas as cores, todas as formas, quadrados, transparências, matéria, massa pintada, massa humana, suor, aviãozinho, geração serrote, radicais e liberais, Transvanguarda, punks, panquecas, pós-modernos, neoexpressionistas (...).”. Fig. 29 – O pátio interno do Parque Laje, no Rio de Janeiro, local da coletiva Como vai você, Geração 80?, realizada em 1984 Fonte: bex.art.br A exposição reuniu 123 artistas de idades e formações distintas como Alex Vallauri (1949-1987), Ana Maria Tavares (1958-), Beatriz Milhazes (1960-), Cristina Canale (1961-), Daniel Senise (1955-), Elizabeth Jobim (1957-), Frida Baranek (1961-), Jorge Eduardo Guinle (1947-1987), Karin Lambrecht (1957-), Leda Catunda (1961-), Leonilson (1957-1993), Luiz Zerbini (1959-), Luiz Pizarro (1958-) e Nelson Felix (1954-). Substituindo a característica mental da Arte Concreta e a agenda política da Arte Conceitual, a arte da Geração 80 está recheada de comentários sociais ligados à realidade cotidiana do país, mas que se expressam de forma individual em cada artista. Muitas obras revelam figuras que demonstram a sensibilidade dos cartuns e do grafite, espelhando as grandes cidades brasileiras da época. E, os grandes formatos das pinturas, especialmente, se relacionam com a uma necessidade rápida e instantânea de chamar a atenção do público. O tema clássico da história da pintura sugere a percepção do mundo através do olhar, no entanto, há na exposição uma comunicação direta e subjetiva com o espectador, bem como liberdade crítica das leituras das obras, ou seja, as obras pertencem ao seu próprio olhar e imaginação. Este é um processo tipicamente contemporâneo que provoca o olhar e impulsiona a integração entre arte e vida. A arte vive um momento de compromisso com as vivências pessoais da cada artista e cada espectador. 29 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Fig. 30 – Resta pensar em seu vagar e seu encontro: o amor de Anita (1985), de Karin Lambrecht, óleo sobre tela (1,7 m x 3,1 m) Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br Os jovens e talentosos pintores da Geração 80 produzem telas comerciáveis e se integram ao sistema mercadológico de arte. Os happenings e mostras, que aconteciam em locais alternativos, estabelecidos fora do circuito comercial são, aos poucos, substituídos por exposições institucionalizadas em galerias e casas de leilão, comprovando o fortalecimento do mercado. Através de tintas, muitas vezes ordinárias e telas sem molduras, eles buscaram temas do cotidiano e se apropriaram de imagens e signos da comunicação, para subverter seus sentidos e lhes acrescentar elementos subjetivos e/ou irônicos. Seus trabalhos desembocaram em um diálogo com a história da arte ao abusar de citações, hibridismos, diferentes suportes e materiais tridimensionais. Questionando continuamente a experimentação no ato de pintar e um fazer rudimentar incrementado pela tecnologia, esta geração de artistas refletiu sobre as relações que abarcavam imagens, suportes, técnicas, estilos, materiais, gestos, formas, cores, figuras, etc. Artistas como Leda Catunda, em São Paulo, e Daniel Senise, no Rio de Janeiro, tornam-se focos da mídia. A consagração veio em 1985, quando esses artistas, mais Nuno Ramos (1960-) e Rodrigo Andrade (1962-), entre outros, participaram da XVIII Bienal Internacional de São Paulo. Daniel Senise A obra do carioca Daniel Senise (1955-) é uma das mais representativas do período conhecido como Geração 80, sendo a comprovação de que a pintura retornou à cena artística fora das regras vigentes. Enquanto a grande pintura brasileira, expressada em Alfredo Volpi (1896-1988), Iberê Camargo (1914- 1994), Arcangelo Ianelli (1922-2009) e Tomie Ohtake (1913-2015), entre outros, com sua discussão cromática e problematização da forma, progredia no projeto moderno, enquanto Carlos Vergara (1941-) e Antonio Dias (1944-) retomavam a pintura sem abrir mão da base conceitual, o jovem Daniel Senise usava e abusava da história da arte. 30 31 No início da carreira, Senise produz obras com formas volumosas, que ocupam a quase totalidade da tela. O artista revela e oculta, ao mesmo tempo, imagens de objetos que se aproximam daqueles cotidianos, mas não podem ser facilmente identificados. A dramaticidade de suas obras iniciais é determinada pela forma como ele articula as imagens com um tratamento volumétrico vigoroso e uma gama cromática soturna. Fig. 31 – Loba (1984), de Daniel Senise, acrílica sobre tela (2,2 m x 1,8 m) Fonte: danielsenise.com A exemplo dos italianos da Transvanguarda e dos neoexpressionistas alemães, cujas obras eram uma resposta ao desejo dos modernos pelo novo, Senise nutria- se do passado. Suas telas de grandes proporções não hesitavam em recuar até os afrescos descascados, semelhantes aos que se encontram nas ruínas de Pompéia, ou a imagens clássicas mais recentes. Vejamos o que Agnaldo Farias escrevesobre Senise: A citação heterodoxa é uma constante: de um afresco de Giotto (Morte de São Francisco, 1325), o artista recolhe as marcas das várias interferências que ocorreram ao longo dos séculos e transfiguraram a obra original; uma imagem perspectivada de linhagem renascentista pode conviver com outra pertencente a outro sistema, símbolos que se equilibram instavelmente graças ao uso de uma tinta prateada, industrial, ou à textura proveniente da técnica de monotipia. Neste último caso, a novidade consiste em imprimir a pintura em processo contra o chão do ateliê, para depois voltar a trabalhá-la a partir não só dos elementos que se colaram a ela, mas também daqueles que lhe foram arrancados. A obra de Senise encontra-se, de fato, muito distante da pintura tradicional, pelo menos na superfície. Muitos dos trabalhos mais recentes do artista não são “pintados”, mas construídos a partir de camadas de materiais diversos como 31 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop ferrugem, resina, cola ou poeira. Na realidade, muitas de suas obras não usam tinta. A partir do final da década de 1980, o artista passa a adotar, entre outros procedimentos, o uso de pregos de ferro, que deixam nas telas as marcas da oxidação. Em outras obras, emprega tintas prateadas, industriais, porque evocam uma memória distante e a sensação da imagem fotográfica. As pinturas de Senise estabelecem uma relação direta com a história da arte, com o universo das imagens e a maneira como este universo é percebido. Ao incorporar à tela a rugosidade do piso, objetos de uso cotidiano, pó de ferro, objetos de chumbo ou tecidos como voile, algumas obras apresentam superfícies densamente trabalhadas, enquanto outras possuem camadas de tinta quase imperceptíveis. Fig. 32 – Sem título (1992), de Daniel Senise, acrílica e óxido de ferro sobre cretone (1,4 m x 1 m) Fonte: danielsenise.com Fig. 33 – Fronteira do Canadá (2010), de Daniel Senise, monotipia em tecido e médium acrílico sobre alumínio (1,5 m x 1,5 m) Fonte: danielsenise.com Leda Catunda O rápido reconhecimento que a paulistana Leda Catunda (1961-) teve como artista remonta a 1983 (dois anos antes de ela ter se formado em Artes Plásticas na Faap, em São Paulo). Neste ano, juntamente com os colegas Ana Tavares (1958- ) e Sergio Romagnolo (1957-), ela participa de dois eventos de arte promovidos pelo Museu de Arte Contemporânea-USP, na capital paulista. No ano seguinte, inicia sua trajetória internacional ao participar da I Bienal de Havana (Cuba). Em 1985, ano de sua formatura, foi igualmente importante para sua carreira: realiza individuais no Rio de Janeiro e em São Paulo e participa da coletiva Todays art of BrazilI, no Hara Museum of Contemporary Art, em Tóquio (Japão). 32 33 Aluna de Nelson Leirner (1932-), Leda herda o interesse do mestre pela apropriação de objetos, os quais utiliza como suporte para um tipo muito particular de pintura, que pode ser tanto figurativa quanto abstrata e que é realizada por meio de tintas e pincéis, combinadas com práticas tradicionalmente femininas, como a costura e o bordado. A partir de 1986, leciona na Faap e, em seu ateliê, até meados dos anos 1990. Fig. 34 – Cobertor (1983), de Leda Catunda, acrílica sobre cobertor (1,1 m x 0,8 m) Fonte: ledacatunda.com.br Fig. 35 – A cachoeira (1985), de Leda Catunda, acrílica sobre plástico e tecido (6 m x 4 m x 7 m) Fonte: ledacatunda.com.br Com o tempo, a artista foi ampliando o campo de sua poética. Suas pinturas passaram a despojar-se das figuras, ou mesmo da integridade formal que fazia do material que lhe servia de suporte um objeto reconhecível. Em seu lugar, Leda Catunda passou a experiências mais concentradas nos mesmos materiais, tirando partido de suas propriedades, suas tramas e texturas, cores e flexibilidade. Ela realiza figurações a partir do agrupamento de objetos e suportes inusitados. Junta tecidos recortados, costura-os e sobrepõe elementos pouco usuais à pintura. Suas obras ficam entre a pintura e o objeto. A artista lida também com motivos figurativos presentes na cultura popular. Na década de 1990, aprofunda o interesse pela constituição e característica dos materiais com que trabalha. A partir da sobreposição de tecidos e outros meios planos e coloridos, a artista passa a criar superfícies pictóricas. Trabalha com elementos diferentes, como tule, veludo, plástico, acolchoados, lona, couro e fórmica. O modo de agrupá-los por vezes é abstrato. Em outros trabalhos, como os relevos, a composição guarda familiaridade com imagens recorrentes e a motivos simples, como o desenho da lua, insetos, gotas e partes do corpo. 33 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Fig. 36 – Camadas com peixes (1999), de Leda Catunda, acrílica sobre tecido e plástico (1,5 m x1,5 m) Fonte: ledacatunda.com.br Fig. 37 – Gotas com estampas (2015), de Leda Catunda, acrílica sobre tela, voile e plástico (1,2 m x 0,8 m) Fonte: ledacatunda.com.br Jovens Artistas Britânicos (Young British Artists) Fig. 38 – A impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo (1991), de Damien Hirst, tubarão-tigre, vidro, aço, silicone e solução de formol Fonte: damienhirst.com O fenômeno britânico que surgiu no final da década de 1980 não tem manifesto, estilo em comum, nem objetivo claro. Sua prática é diversificada e vai desde as fotografias e vídeos de Gillian Wearing (1963-), passando pelas pinturas extremamente bem-acabadas de Mark Wallinger (1959-), até as carcaças de animais desmembradas de Damien Hirst (1965-) – um dos expoentes do grupo. Os Jovens Artistas Britânicos (YBAs, na sigla em inglês – Young British Artists) têm muito em comum com os artistas da Pop Art: são íntimos da moda, da cultura e da música pop contemporânea e, assim como outros grupos artísticos, costumam exibir suas obras em conjunto. 34 35 A primeira mostra do grupo Freeze, realizada em 1988, em Londres, teve a curadoria de Hirst, que ainda estudava em uma escola de arte com Sarah Lucas (1962-), Gary Hume (1962-) e Abigail Lane (1967-). Encorajados pelo tutor e também artista Michael Craig Martin (1941-), 16 alunos da escola exibiram obras, sendo que a maioria deles desenvolveu a carreira de artista. A exposição focava em obras de materiais diversos. Hume mostrou uma de suas características portas pintadas; Matt Collishaw (1966-) expôs Buraco de bala, uma fotografia em cibachrome – ampliação direta de slide em papel fotográfico – de uma cabeça sendo perfurada por uma bala, colocada em 15 caixas de luz (Fig. 39); e Hirst contribuiu com sua primeira pintura local, que realizou pintando diretamente sobre a parede. Fig. 39 – Buraco de bala (1988), de Matt Collishaw, fotografi a em cibachrome montada em 15 caixas de luz (2,4 m x 3,6 m) Fonte: matcollishaw.com A exposição chamou a atenção por ter sido organizada em um prédio abandonado da região portuária de Londres, dando início à utilização de espaços alternativos para exposição de arte, como armazéns. O grupo cresceu rapidamente quando outros artistas jovens se juntaram a eles em exposições coletivas. A obra desses artistas chamou a atenção especialmente pela utilização de materiais incomuns como esterco de elefante, sangue e legumes, expressando os detritos da vida e uma atmosfera reducionista temperada por um humor mordaz. O tubarão em formol (Fig. 38), de Damien Hirst, exibido na primeira mostra dos Jovens Artistas Britânicos, em 1992, na Galeria Saatchi, em Londres, foi manchete dos jornais dando início a uma tendência dos artistas do grupo de causar polêmicas. Hirst é indicado ao Prêmio Turner – distinção criada em 1984,pela Tate Gallery, para celebrar os novos desenvolvimentos e contribuições para a arte contemporânea. Em 1995, ele, finalmente, ganha o Prêmio Turner com Mãe e filho, divididos (1993) (Fig. 40), instalação com uma vaca e um bezerro cortados ao meio. 35 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Fig. 40 – Mãe e filho, divididos (1993), de Damien Hirst, vidro, aço pintado, silicone, acrílico, aço inoxidável, vaca, vitela e solução de formol Fonte: damienhirst.com Em 1993, a YBA Rachel Whiteread (1963-) se torna a primeira mulher a ganhar o Prêmio Turner com a escultura Casa, uma obra controversa, especialmente pela sua localização. A partir desse momento, a artista passa a ser amplamente conhecida do público. A casa foi moldada em gesso no número 193, da Grove Road, em um bairro vitoriano, em Londres, tendo como pano de fundo uma antiga residência. A obra gerou debates em vários setores da sociedade e se tornou um marco para a arte contemporânea britânica. Destruída pelo Conselho do Distrito de Tower Hamlets em 11 de janeiro de 1994, Casa vive apenas em fotografias. No mesmo ano, porém, ela também recebe o Antiprêmio Turner, da Fundação K, formada por dois ex-membros do grupo pop britânico The KLF, críticos do Prêmio Turner. Rachel foi considerada a pior artista do Reino Unido, representando as contradições e polêmicas que a arte dos jovens artistas suscitou na época. Fig. 41 – Casa (1993), de Rachel Whiteread, escultura Fonte: artangel.org.uk Apesar de grande notoriedade, o caráter provocador do grupo YBA gerou um debate sobre o que constitui uma obra de arte. A instalação de uma tenda intitulada Todas as pessoas com as quais eu dormi 1963-1995 (1995; destruída pelo fogo em 36 37 1994), de Tracey Emin (1963-) e Champmanworld (1996), esculturas de manequins nus com as genitálias no rosto criadas pelos irmãos Jake Champman (1966-) e Dinos Champman (1962-), foram atacadas pela mídia por serem de mau gosto. Alguns visitantes das exposições reclamaram. A pintura Myra (1995), de Marcus Harvey (1963-), exibida na mostra Sensação, na Royal Academy de Londres, em 1997, que retrata um infanticídio, foi extremamente atacada pela crítica, gerando protestos no local do evento. Manifestantes jogaram tinta e ovos na obra. Fig. 42 – Todas as pessoas com as quais eu dormi 1963-1995 (1995; destruída pelo fogo em 1994), de Tracey Emin, barraca enfeitada, colchão e luz Fonte: Wikimedia Commons A instalação Minha cama (1998), da YBA Tracey Emin (1963-), apresentada na exposição Every Part of Me’s Bleeding, na galeria Lehmann Maupin, em Nova York, foi indicada para o Prêmio Turner de 1999. A instalação consiste na cama de Tracey – desfeita e com os lençóis sujos – em cima de um carpete encardido cheio de garrafas de vodca vazias, bitucas de cigarro, camisinhas e outros detritos. Especialistas do mercado de arte acreditam que esse trabalho é tão icônico que atualmente poderia atingir um montante de 1,5 milhão de dólares. Ex pl or Fig. 43 – My bed (1998), de Tracey Emin, instalação Fonte: Wikimedia Commons 37 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Não há dúvida que os YBA revigoraram a arte britânica e ajudaram muitas formas de arte contemporânea a se tornarem mais acessíveis. O sucesso dos artistas fez com que fossem aceitos pelos círculos oficiais e passaram a ser conhecidos individualmente como artistas. Neopop O Neopop, outra corrente que reagiu à dominação do Minimalismo e da Arte Conceitual, refere-se à obra de artistas que surgiram no final da década de 1980, em Nova York, como os norte-americanos Jeff Koons (1955-) e Alan McCollum (1944-), o israelense Haim Steinbach (1944-) e Ashley Bickerton (1959-), nascido em Barbados. Os artistas utilizaram métodos, materiais e imagens da Pop Art como ponto de partida, mas também uma herança – mesmo que não assumida – da Arte Conceitual, em um estilo irônico e objetivo. Essa dualidade pode ser vista na fotografia, baseada em imagens da mídia, do americano Richard Prince (1949-) (Fig. 44); em obras que abordam a linguagem, de Jenny Holzer (1950-); nos objetos pintados de McCollum (Fig. 45) e no uso de imagens populares por Koons (Fig. 46). Fig. 44 – Sem título (Cowboy) (1989) de Richard Prince, fotografia (1,2 m x 1,9 m) Fonte: richardprince.com Fig. 45 – Individual Works (1987-1988), de Allan McCollum, objetos Fonte: allanmccollum.net Fig. 46 – Aqui Bacardi (1986), de Jeff Koons, óleo sobre tela (1,1 m x 1,5 m) Fonte: jeffkoons.com 38 39 As prateleiras revestidas de fórmica de Haim Steinbach exibem objetos comprados e dispostos com reverência comentam uma veneração pelos bens materiais e o modo pelo qual os escolhemos como parte de nossa identidade. Ao recordar as esculturas minimalistas, bem como as prateleiras de lojas, as obras do artista realçam o quanto a Pop Art e o Minimalismo foram apropriados por estruturas culturais mais amplas. Fig. 47 – Supremamente preto (1989), de Haim Steinbach, instalação Fonte: haimsteinbach.net Jeff Koons adquiriu notoriedade a partir dos anos 1980 por dar ao kitsch – algo de mau gosto, popular, brega, cafona – o status de arte elevada. Seu Cachorro-balão (1994-2000) é uma escultura de aço, de três metros, cuja escala e detalhe de construção ofere- cem um contraste com o tema e, ain- da assim, lhe conferem uma presença impressionante. Uma das versões da obra foi arrematada em um leilão por 58 milhões de dólares, em 2013. Ao evocar a monumentalização irônica da Pop Art, praticada, por exemplo, por Claes Oldenburg (1929-), Koons trans- formou um efêmero brinquedo infantil em um monumento sólido e durável. As declarações do artista são quase tão conhecidas quanto suas criações: “Ini- cialmente um espectador pode enxergar ironia em minha obra. Eu, porém, não vejo nada disso. A ironia provoca um excesso de contemplação crítica”, afirmou. “Artistas que eu admiro muito e, a meu ver, conseguiram expressar algo muito profundo, foram Pablo Picasso e Marcel Duchamp. Unir o trabalho deles é o tipo de arte que eu busco”, afirmou Koons à revista Veja, em 2011, quando esteve no Brasil para participar da abertura da coletiva Em nome dos artistas, em comemoração aos 60 anos da Bienal de São Paulo. Fig. 48 – Relacionados e diferentes (1985), de Haim Steinbach, instalação Fonte: haimsteinbach.net 39 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Jeff Koons é o financista que se tornou artista, casou com a estrela pornô italiana Cicciolina (Ilona Staller) com quem teve um filho, e fundou uma fábrica à maneira de Andy Warhol, onde legiões de assistentes produzem esculturas e pinturas segundo suas especificações, enquanto ele supervisiona as operações como o diretor de criação em uma agência de publicidade. É o artista-empresário. Talvez ele tenha retomado o ponto de onde Warhol parou. Fig. 49 e 50 – Cachorro-balão e Cachorro magenta (1994-2000), de Jeff Koons, esculturas Fonte: jeffkoons.com No final do século XX, outros artistas criaram obras que tenderam à Pop Art como o americano Cady Noland (1956-), os russos Vitali Komar (1943-) e Aleksandr Melamid (1945-), e os britânicos Damien Hirst (1965-), Gary Hume (1962-) e Gavin Turk (1967-). A obra Pop (1993), de Turk, é um autorretrato de cera, em tamanho natural, representado como se fosse Sid Vicious (da banda punk Sex Pistols), na roupa que usou para cantar My way, de Frank Sinatra, na pose de Elvis Presley como caubói, conforme retratado por Andy Warhol, e encerrado em uma caixa de vidro. Fig. 51 – O Google Doodles, logotipo apresentadono navegador, do dia 30 de abril de 2008, é uma criação de Jeff Koons Fonte: google.com Fig. 52 – Pop (1993), de Gavin Turk, instalação (2,7 m x 1,1 m x 1,1 m) Fonte: gavinturk.com 40 41 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Acervo digital da Fundação Iberê Camargo Documentos e obras que compõem um importante patrimônio artístico e cultural brasi- leiro alimentam constantemente publicações, pesquisas e curadorias de âmbito nacional e internacional, e estão disponíveis para estudos sobre a vida e a obra de Iberê Camargo. Imagens em alta resolução, fichas técnicas, históricos e informações relacionadas a cada uma das obras da coleção estão, agora, disponíveis para consulta gratuita. https://goo.gl/FXO1LA Domínio Público Biblioteca digital desenvolvida pelo Ministério da Educação, contém arquivos sonoros, imagens, textos e vídeos. Entre os destaques estão obras de Machado de Assis, Joa- quim Nabuco e Leonardo Da Vinci. https://goo.gl/OCdlEz MAC Virtual Cerca de oito mil obras, entre óleos, desenhos, gravuras, esculturas, objetos e traba- lhos conceituais estão disponíveis no website do Museu de Arte Contemporânea da USP. São obras de artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, Tarsila, Rego Monteiro, Portinari, Oiticica, De Chirico, Modigliani, Boccioni, Picasso e Cha- gall, entre outros. https://goo.gl/Eef7kA Livros Banksy - Por trás das Paredes ELLSWORTH-JONES, Will. Banksy – Por trás das paredes. Curitiba: Nossa Cultura, 2013. Leonilson: São Tantas as Verdades LAGNADO, L. Leonilson: são tantas as verdades. São Paulo: Melhoramentos, 1998. Anos 80 – Embates de uma Geração CANONGIA, L. Anos 80 – Embates de uma geração. Rio de Janeiro: Barleu/ Francisco Alves, 2010. 41 UNIDADE Neoexpressionismo, Transvanguarda, Arte Povera, Arte Grafite, Geração 80 (Brasil), Jovens Artistas Britânicos e Neopop Vídeos Jeff Koons https://goo.gl/k6eVD3 Leonilson https://goo.gl/imUFm2 Leda Catunda https://youtu.be/IEuJx9HCyy8 Filmes Jean-Michel Basquiat – A Criança Radiante Documentário, 88 min, cor. Estados Unidos. Diretora: Tamra Davis. Visite Instituto Cultural Inhotim Um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo e uma coleção botânica que reúne espécies raras e de todos os continentes. Os acervos são mobilizados para o desenvolvimento de atividades educativas e sociais para públicos de faixas etárias distintas. Rua B, 20, Brumadinho/MG, fone: 31 3571-9700. Terça a sexta- feira: 9h30 às 16h30; sábado, domingo e feriado: 9h30 às 17h30. www.inhotim.org.br Fundação Iberê Camargo A Fundação Iberê Camargo foi criada em 1995, com o objetivo de preservar e divulgar a obra do artista. Além de aproximar o público deste que é um dos grandes nomes da arte brasileira no século XX, procura incentivar a reflexão sobre a produção artística contemporânea. Endereço: Av. Padre Cacique, 2000, Porto Alegre / RS, telefone: 51 3247-8000, cultural@iberecamargo.org.br / site@iberecamargo.org.br. Horário de funcionamento: terça a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h. Ingresso gratuito. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC) O museu foi criado em 1963 quando a Universidade de São Paulo recebeu o acervo do antigo MAM de São Paulo. De posse desse rico acervo composto, entre outras, por obras de Amedeo Modigliani, Pablo Picasso, Joan Miró, Alexander Calder, Wassily Kandinsky, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Lygia Clark e uma estupenda coleção de arte italiana do começo do século XX, o museu atende aos principais objetivos da Universidade: busca do conhecimento e sua disseminação pela sociedade. MAC USP Ibirapuera, Av. Pedro Álvares Cabral, nº 1301, São Paulo/SP. Visitação: terça a domingo, das 10 às 18 horas. Telefone: (11)2648.0254. Entrada gratuita. www.mac.usp.br 42 43 Referências ARCHER, M. Arte contemporânea – Uma h istória concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ARGAN, G. C. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BELL, J. Uma nova história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007. CANTON, K. Novíssima arte brasileira. São Paulo: Iluminuras: São Paulo, 2001. CANTON, K. Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. CAUQUELIN, A. Arte contemporânea – Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. CHIARELLI, T. Leda Catunda. São Paulo: Cosac Naif, 1998. DEMPSEY, A. Estilos, escolas e movimentos – Guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2003. FARIAS, A. Arte brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2002. FARTHING, S (org.). Tudo sobre arte – Os movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. 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