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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e eventos comunicativos. In: SIGNORINI, Inês (org.). Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. p.23-50. - Pano de fundo O texto Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e eventos comunicativos de Luiz Antônio Marcuschi tem por objetivo esclarecer em que sentido a linha de trabalho adotada no Projeto Integrado “Fala e Escrita: características e usos”, desenvolvido na UFPE, distancia-se da visão dicotômica entre oralidade e letramento. O autor defende a idéia de que se pode trabalhar a questão do letramento e da oralidade no contexto das práticas comunicativas, assumindo o letramento como prática social situada. - A questão central e seu desenvolvimento histórico Marcuschi, assim como Hasan (1996), considera que a expressão letramento acha-se hoje semanticamente saturada. Ele concorda com Constanzo (1994) quando afirma que a expressão apresenta tantas definições quanto as pessoas que tentam defini-la. E frisa que só é possível investigar as questões relativas ao letramento a partir de uma perspectiva crítica, uma abordagem etnograficamente situada e uma inserção cultural das questões dos domínios discursivos. Portanto, investigar o letramento é observar práticas lingüísticas em situações em que tanto a escrita como a fala são centrais para as atividades comunicativas em curso. Trata-se, como observam Bledsoe & Robey (1993), de resolver o dilema instalado entre o potencial técnico da escrita e suas funções sociais, isto é, trata-se do alto potencial ideológico do letramento. Até os anos 50, não havia um interesse maior pelas questões envolvidas com o uso social da língua. Dos anos 50 aos 80, insistiu-se na supremacia da escrita e sua condição de tecnologia autônoma. Surgem, então, segundo Street (1993), os expoentes do modelo autônomo de letramento. A partir dos anos 80, nos EUA e na Inglaterra, estudos sugerem uma relação contínua entre letramento e oralidade, mas esta posição ainda fica presa à ‘grande divisão’. Em contrapartida, Street (1984) propõe o modelo ideológico (em 1993, modelo ideológico de letramento) que insere os estudos da relação fala e escrita ao contexto das práticas de letramento e às relações de poder inerentes a qualquer sociedade. Assim, o modelo sugerido por Marcuschi para tratar dos problemas do letramento é o que parte da observação das relações entre oralidade e letramento na perspectiva do contínuo das práticas sociais e atividades comunicativas, envolvendo parcialmente o modelo ideológico e observando a organização das formas lingüísticas no contínuo dos gêneros textuais. - A visão do continuum fala-escrita e a crítica de Street Nos anos 80, foram variados os estudos sobre uma nova visão das relações entre fala e escrita (Tannen, 1982; Nystrand, 1982...), visão que considerava principalmente as relações de semelhança entre elas, evitando as dicotomias em sentido estrito. No entanto, de acordo com Street (1995), persistiam ainda certos mitos, como: a- a escrita codifica lexical e semanticamente os conteúdos, enquanto a fala usa os elementos paralingüísticos como centrais; b- o texto escrito é mais coesivo e coerente do que o oral, sendo a fala fragmentária e com uma conexão marcadamente interacional; c- a escrita conduz os sentidos a partir da página impressa e a fala se serve do contexto e das relações face a face. - Por uma nova visão do continuum fala-escrita Marcuschi admite como postulado central que todo sentido é situado e todo uso lingüístico é sempre contextualizado em universos socioculturais. Defende a noção de contínuo como uma relação escalar ou gradual em que uma série de elementos se interpenetram, seja em termos de função social, potencial cognitivo, práticas comunicativas, contextos sociais, nível de organização, seleção de formas, estilos, estratégias de formulação, aspectos constitutivos, formas de manifestação e assim por diante. - Eventos de letramento e práticas de letramento Marcuschi retorna à idéia de Street (1993) sobre o modelo ideológico e acrescenta que este teórico toma a noção de ideologia como o lugar da tensão entre a autoridade e poder, de um lado, e a resistência e criatividade, de outro lado, seguindo Bourdieu (1976). Para Street, tal visão evitaria a polarização da ‘grande divisão’. No tratamento da relação entre oralidade e letramento, Street sugere que se usem, no contexto do modelo ideológico, certas noções que são utilizadas por Marcuschi para oferecer o modelo que inclui a visão do contínuo na relação de gêneros textuais, modalidades lingüísticas e práticas comunicativas no contexto dos eventos e das práticas de letramento socialmente situados. São elas: a- eventos de letramento – são eventos comunicativos mediados por textos escritos. b- práticas de letramento – são modelos que construímos para os usos culturais em que produzimos significados na base da leitura e da escrita. c- práticas comunicativas – são as atividades sociais através das quais a linguagem é produzida. - Domínios discursivos e práticas comunicativas Na visão de Street (1995) não há um Letramento, mas múltiplos letramentos tratáveis em seus contextos sociais e culturais nas sociedades em que surgem, considerando-se também as relações de poder ali existentes. Ele sugere a inserção dos estudos do letramento no âmbito da etnografia e da análise do discurso acoplados e apresenta algumas visões dos múltiplos letramentos. Marcuschi adota em sua investigação a visão que sugere observar os múltiplos letramentos com base nos domínios discursivos, isto é, trata o letramento na relação com domínios tais como família, trabalho, escola, religião etc. Isto confirma que a distribuição e os papéis da escrita não são os mesmos em todos os contextos ou situações e a própria colaboração se manifesta de forma diferente. - Modalidades comunicativas e gêneros textuais Marcuschi distingue tipo textual de gênero textual: a- tipo textual (ou tipo de discurso) – É o construto teórico que abrange a narração, argumentação, exposição, descrição, injunção e diálogo. Os tipos textuais não têm uma existência empírica. b- gênero textual (ou gênero discursivo, gênero do (de) discurso) – É uma forma textual concretamente realizada e encontrada como texto empírico, materializado. Por exemplo, o telefonema, a lista de compras, a fofoca, o e-mail, a piada, as instruções de uso etc. Os gêneros são formas textuais estabilizadas, histórica e socialmente situadas. São cristalizações lingüísticas de práticas sociais. Muitas vezes um gênero é uma prática mais abrangente que envolve letramento e oralidade simultaneamente. Marcuschi propõe três conjuntos de gêneros textuais (GT): a- GT tipicamente orais [GTO]; b- GT tipicamente escritos [GTE]; c- GT produzidos na interface [GTO-E] ou [GTE-O]. - Conclusões provisórias Marcuschi afirma, com segurança, que do ponto de vista das práticas sociais não há uma dicotomia real entre a fala e a escrita. Ambas são realizações enunciativas da mesma língua em situações e condições de produção específicas e situadas. E, finalmente, considera que letramento é uma prática social diretamente relacionada a situações de poder social e etnograficamente situada. Por Ana Dilma de Almeida Pereira - UnB