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R ap id E ye /iS to ck ph ot o. co m A violência que nos limita 02 M a r – 2 0 1 8 02 Edição Diante do medo e da insegurança, ampliar a discussão e refletir sobre as reais origens da violência crescente no país pode ser o caminho para combatê-la de maneira efetiva O direito de ir e vir Se não nos sentimos seguros, somos mesmo livres para nos deslocar por onde queremos e quando precisamos? O crime no Brasil O que a origem e a atuação das facções criminosas evidenciam sobre o sistema carcerário e as políticas públicas do país “Onde você aprendeu a sentir tanto medo?” A importância de dar voz às mulheres para combater a violência que deixa marcas em sua história Editorial Nesta edição E x p e d i e n t e A violência que nos limita Restringir”, “reprimir”, “não ir além de”. Essas são algumas das definições e sinônimos do verbo “limitar”. Ao que nos parece, o sentido da palavra se aplica bem à realidade que enfrentamos no Brasil quando o assunto é violência. Reprimidos pelo medo de uma situação enraizada, muitas vezes nos restringimos a pensar superficialmente sobre a questão, sem perceber que podemos ir além dos fatos aparentes para identificar a causa desse problema e, só assim, encontrar soluções seguras e efetivas. Mas é claro que a violência não é uma questão simples de ser resolvida, ainda mais quando se trata de uma sociedade tão complexa e desigual quanto a brasileira. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera, inclusive, a violência como um problema global de saúde pública. No documento “Relatório mundial sobre violência e saúde”, a OMS declara: Talvez a violência sempre tenha participado da experiência humana. Seu impacto pode ser visto de várias formas, em diversas partes do mundo. Todo ano, mais de um milhão de pessoas perdem suas vidas e muitas outras sofrem lesões não fatais, resultantes da violência auto-infligida, interpessoal ou coletiva. [...] Assim como ocorre com seus impactos, algumas causas da violência podem ser facilmente percebidas. Outras estão profundamente enraizadas no arcabouço cultural e econômico da vida humana. Diante desse assunto profundo e que tanto influencia a vida dos brasileiros, as seções desta edição do Leia Agora buscam trazer uma reflexão sobre os desdobramentos da realidade que enfrentamos (como medo, insegurança, individualismo), bem como sobre o que está além do que vemos nos noticiários, procurando estabelecer conexões com outros aspectos da sociedade, como as liberdades individuais, o sistema prisional, a eficácia das políticas públicas e a tão notória desigualdade que caracteriza o país. Seja ponderando a respeito da desigualdade que acompanha a história da sociedade brasileira, em “Parêntese”, seja conhecendo as marcas que a violência deixa na vida das mulheres, na crônica do “Extra!”, esperamos que, a cada texto, você reflita além do que se mostra superficial e imediatista, tomando consciência acerca da complexidade do problema da violência e considerando soluções reais e duradouras para resolvê-lo. Boa leitura! Equipe Leia Agora Direção geral Nicolau Arbex Sarkis Gerente editorial Emilia Noriko Ohno Coord. de projetos editoriais Diego da Mata Marília L. dos Santos G. Ribeiro Viviane Rodrigues Nepomuceno Edição / Texto Anaiza Castellani Selingardi Bruno Freitas Cláudio Leyria Edilene Faria Érica M. Bettoni Hayashibara Thaís Inocêncio Projeto gráfico Willyam Gonçalves Revisão Kemi Tanisho Marcia de Paiva Fernandes Diagramação Willyam Gonçalves Licenciamento Jade Cristina Bernardino 7 O DIREITO DE IR E VIR ENTRELINHAS Se não nos sentimos seguros, somos mesmo livres para nos deslocar por onde queremos e quando precisamos? 9 FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL: ORIGEM E ATUAÇÃOCONTEXTO O surgimento de grupos que sustentam o crime no país evidencia o precário sistema carcerário e a falta de políticas públicas efetivas 13 CARREIRA: POLÍTICAS PÚBLICAS ENTREVISTA O profissional que atua visando implementar ações que atendam o maior número de pessoas, visando ao bem coletivo “ 2 // N O TÍC IA S EM FO C O Brasil Ciência Economia Cultura Internacional Tecnologia $ Maior fornecedor de fuzis para o Brasil é preso nos Estados Unidos O brasileiro radicado nos Estados Unidos Frederik Barbieri foi preso na madrugada deste sábado (24) em sua casa, na Flórida. Além da prisão, a polícia americana conseguiu barrar o envio de 40 fuzis para o Brasil. Barbieri é acusado de ter enviado ao país, em maio do ano passado, uma carga de aquecedores de piscina recheada de fuzis. Foi a maior apreensão de armas feita no Brasil em 10 anos, o que levou investigadores a considerarem Barbieri o maior traficante de armamentos do país. 24 fev. 2018 – G1 Oscar vê na ternura de A Forma da Água a receita para as dores do presente A Forma da Água [que levou a estatueta de Melhor Filme], uma produção tenra sobre tolerância e inclusão, foi a resposta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood às demandas de um turbulento presente. Diversidade e representatividade foram as palavras-chave da noite. O filme Corra!, por exemplo, premiado em Roteiro Original, é uma sátira social aguda sobre o racismo. 5 mar. 2018 – IG Cientistas dos EUA avançam no uso de células-tronco para doenças incuráveis Cientistas da Universidade do Colorado obtiveram resultados positivos com células-tronco que têm “o potencial” de tratar com sucesso doenças até agora incuráveis. Os testes permitiram resolver a ineficácia registrada até o momento na hora de criar células-tronco a partir de células adultas. 25 fev. 2018 – Agência BrasilTemer assina decreto de intervenção federal na segurança do Rio O presidente Michel Temer assinou, nesta sexta- -feira (16), o decreto de intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro. A medida prevê que o general do Exército Walter Souza Braga Netto será o interventor no estado. Ele assume, até o dia 31 de dezembro de 2018, a responsabilidade do comando da Secretaria de Segurança, das polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e do sistema carcerário no estado do Rio. A intervenção já está em vigor; na prática, o Governo Federal assume o comando da segurança pública do estado, com a prerrogativa inclusive de reestruturar as instituições e demitir e contratar pessoas para atuarem na segurança. 16 fev. 2018 – G1 Ataque a tiros em escola na Flórida deixa 17 mortos Um atirador abriu fogo em uma escola de Ensino Médio na Flórida na tarde desta quarta-feira (14), matando 17 pessoas, entre estudantes e adultos. O atirador, um ex-aluno de 19 anos identificado pelo nome de Nikolas Cruz, foi detido. Ele havia sido expulso da escola por razões disciplinares. 14 fev. 2018 – UOL Cientistas detectam sinais da origem das estrelas Um estudo revela que as primeiras estrelas surgiram cerca de 180 milhões de anos depois do Big Bang, um período que coincide com as primeiras evidências da existência de hidrogênio no Universo. Astrônomos do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e da Universidade do Arizona, nos EUA, captaram, com uma antena de rádio, no oeste da Austrália, sinais tênues de gás hidrogênio procedentes da origem do Universo. 1 mar. 2018 – UOL Supergrão africano sem glúten pode ser solução para fome e seca Sem glúten, com quatro vezes mais proteína, três vezes mais fibra e quase o dobro do ferro do arroz integral, além de um baixo índice glicêmico, o fonio é, muitas vezes, chamado de supergrão. Precisa de pouca água para crescer, pode ter três colheitas por ano, e seu extenso sistema de raízes ajuda a combater a erosão do solo. 1 mar. 2018 – UOL 3 *Todas as notícias foram adaptadas e todos os sites foram acessados em 5 mar. 2018.*Todas as notícias foram adaptadas e todos os sites foram acessados em 5 mar. 2018. // N O TÍC IA S EM FO C O Em 3 horas, Receita Federal recebe 125,6 mil declarações A Receita Federal informou que recebeu 125.628 declaraçõesde Imposto de Renda até as 11h desta quinta-feira (1). O prazo foi aberto às 8h de hoje e termina em 30 de abril. De acordo com o supervisor nacional do IR, o auditor-fiscal Joaquim Adir, a expectativa é de que 28,8 milhões de contribuintes entreguem a declaração, 340 mil a mais do que o registrado no ano passado (28,5 milhões). Deve declarar o IR neste ano quem recebeu rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2017. 1 mar. 2018 – G1 $ App dá recompensas para estu- dantes ficarem longe do celular Um aplicativo que recompensa estudantes pelo tempo que eles ficam longe do celular está sendo lançado no Reino Unido. O Hold ajuda a combater o problema da distração provocada pelo celular. Os estudantes acumulam 10 pontos para cada 20 minutos sem usar o telefone. Os pontos podem ser trocados por produtos e serviços. 1 mar. 2018 – BBC PRF apreende 12 fuzis e 33 pistolas que seriam levadas à Maré A Polícia Rodoviária Federal apreendeu, na manhã de hoje (26), 12 fuzis, 33 pistolas, uma granada, 106 carregadores e 40 mil munições, em um veículo que trafegava na BR-116. Os policiais fizeram a blitz na altura de Seropédica, na Baixada Fluminense. Com auxílio de cães farejadores, foi possível descobrir o carregamento de cilindros que estava na caçamba do veículo. O motorista confessou que trouxe o material de Foz do Iguaçu, no Paraná, e tinha como destino a comunidade de Nova Holanda, no Complexo da Maré. 26 fev. 2018 – Agência Brasil Campanha da Fraternidade 2018 traz superação da violência como tema A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou, nesta quarta-feira de cinzas (14), a Campanha da Fraternidade 2018, com o tema “Fraternidade e Superação da Violência”. Os números crescentes revelados pelas pesquisas sobre a violência, além da sensação de insegurança vivida pela população em várias regiões brasileiras, mostram a necessidade de reflexão sobre o tema. O presidente da CNBB, Dom Sérgio da Rocha, diz que a campanha combate todo tipo de violência, inclusive a corrupção. 1 mar. 2018 – EBC Brasil Ciência Economia Cultura Internacional Tecnologia $ Rio fechou quase 20 mil postos de trabalho no turismo em 2017 Fo nt e: A gê nc ia B ra si l e C N C Le re m y/ S hu tte rs to ck .c om Queda livre No ano passado, o Rio de Janeiro fechou 19.628 postos de trabalho no setor turístico, que, em 2016, já tinha perdido 18.591 vagas. Violência Para a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que divulgou a pesquisa, a violência e a crise financeira no estado afetaram o setor. Enquanto isso... Em 2017, estados como São Paulo, Goiás e Paraná criaram vagas no setor de turismo. Brasil Em todo o país, o turismo emprega 2.921.314 pessoas. O setor perdeu 12.690 postos de trabalho no ano passado no Brasil, mas a queda foi bem menos intensa que nos anos anteriores. Em 2015, o setor perdeu 51 mil funcionários e, em 2016, 87 mil. Outras baixas Além do Rio de Janeiro, perderam mais de mil postos de trabalho no turismo os estados Pará (–1.916), Bahia (–1.644) e Rio Grande do Sul (–1.541). 4 Russia’s Putin unveils “invincible” nuclear weapons Russia has developed a new array of nuclear weapons that are invincible, according to President Vladimir Putin. Mr. Putin made the claims as he laid out his key policies for a fourth presidential term, ahead of an election he is expected to win in 17 days’ time. The weapons he boasted of included a cruise missile that he said could “reach anywhere in the world”. He said of the West: “They need to take account of a new reality and understand ... [this]... is not a bluff.” Mr. Putin used video presentations to showcase the development of two new nuclear delivery systems that he said could evade detection. 1 mar. 2018 – BBC La UE insta a May a que aporte “una idea mejor” para evitar una frontera en Irlanda En un momento de altísima tensión en las negociaciones del Brexit, Theresa May ha recibido este jueves al mediodía en Londres a Donald Tusk, presidente del Consejo Europeo, que ha instado a la primera ministra británica a presentar “una idea mejor” a la propuesta por Bruselas, y rechazada por Londres, para evitar una frontera física entre la república de Irlanda e Irlanda del Norte. 1 mar. 2018 – El País MADRI El País LONDRES BBC Todas as notícias foram adaptadas e todos os sites foram acessados em 1 mar. 2018. 5 Fe rn an d o Fr az ão /A gê nc ia B ra si l O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, disse que não está nos planos de seu gabinete a realização de ocupações permanentes em favelas da região metropolitana. Segundo o general, as operações serão pontuais e com tempo determinado para terminar. Além disso, as Forças Armadas continuarão a participar de operações integradas fazendo o cerco no entorno de comunidades, e as polícias estaduais se mantêm responsáveis pelas ações no interior dessas áreas. 27 fev. 2018 – Agência Brasil // IMAGEM EM FOCO 6 7 ENTRELINHAS O direito de ir e vir Os números crescentes dos casos de violência em diversas cidades brasileiras interferem diretamente nos direitos fundamentais dos cidadãos e aumentam a sensação de insegurança. O dia a dia da população carioca é constantemente impactado por episódios de violência. Segundo informações do Instituto de Segurança Pública (ISP), no ano de 2016, mais de 6 mil pessoas morreram de forma violenta no estado, uma média de uma morte violenta a cada 90 minutos. Essa dinâmica de violência também pode ser percebida no município do Rio. Até o mês de maio [de 2017], já foram contabilizadas mais de 500 mortes violentas, segundo o ISP. Contudo, é importante situar esses óbitos e salientar o impacto dessa violência na vida dos estudantes do estado. No mês de fevereiro, mais de 20 escolas localizadas no Complexo da Maré tiveram suas aulas interrompidas. Esse episódio também se repetiu em março, levando 14 escolas desta localidade a suspenderem as aulas. Como saldo final, mais de 10 mil alunos tiveram suas aulas paralisadas nesses dois meses. Somam-se a isso os graves episódios de violência que resultaram na morte de crianças e adolescentes dentro de instituições de educação, ou mesmo próximo a elas. O caso de Maria Eduarda, baleada dentro de seu colégio em Acari e morta aos 13 anos, ilustra com precisão o atual cenário de insegurança no Rio. Nesse panorama, não restam dúvidas sobre a necessidade de políticas estruturais capazes de reverter a situação de insegurança e violência no Rio de Janeiro. “Educação em alvo: os efeitos da violência armada nas salas de aula”. FGV DAPP. Disponível em: <http://dapp.fgv.br/educacao-em-alvo-os- efeitos-da-violencia-armada-nas-salas-de-aula/>. Acesso em: 5 mar. 2018. Não é preciso ter sido vítima da violência para sentir medo dela. [...] O medo da violência independe de a pessoa ser sua vítima. Tornou-se uma questão que preocupa tanto quanto a violência propriamente dita. [...] Segundo uma pesquisa britânica, o British Crime Survey, realizada em 2002 e 2003, o medo da violência pode gerar perda de confiança, insônia, depressão e ansiedade ou pânico. “As fobias atingem não só quem vivencia o estresse, mas quem vê também”, diz a psiquiatra Analice Gigliotti, do Rio. Isabel Clemente, José Fucs, Solange Azevedo e Suzane Frutuoso. Época. “A violência na vida dos brasileiros”. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76141-6009- 451-1,00-COMO+A+VIOLENCIA+AFETA+A+MENTE+E+A+VIDA+DE +TODOS+NOS.html>. Acesso em: 5 mar. 2018. TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC nº 45/2004) [...]XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Não é preciso ter sido vítima da violência para sentir Não é preciso ter sido vítima da violência para sentir TEXTO02 O dia a dia da população carioca é constantemente O dia a dia da população carioca é constantemente TEXTO03TEXTO01 8 ENTRELINHAS A N Á L I S E A questão da segurança pública é um dos principais desafios a serem enfrentados pelo Brasil, e, nos últimos anos, o tema vem ganhan- do amplo destaque na mídia, entre os especialistas no assunto e entre o público em geral. O aumento das taxas de criminalidade em todo o território nacional, sobretudo nos centros urbanos, a precariedade do sistema carcerário brasileiro, os casos de violência policial, a falta de ações protetivas aos cidadãos e outros tantos fatores contribuem para que a sensação de insegurança esteja cada vez mais presente no dia a dia dos brasileiros. Pensando em ampliar a discussão acerca do assunto, o Leia Agora deste mês propõe uma reflexão sobre o tema. Dando início à nossa análise, o texto 1 traz um trecho da Constituição Federal de 1988 e diz respeito à garantia da liberdade, ou seja, ao direto das pessoas de ir e vir com autonomia e segurança. Na Carta Magna, podemos encontrar também outros trechos ligados à temática, como o Art. 6º, que se refere aos direitos sociais, entre eles a segurança, e o Art. 144, que diz que a segurança pública, “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” através dos órgãos militares. O texto 2 fala sobre como a violência impacta no cotidiano das pessoas, independentemente de elas serem ou terem sido vítimas diretas. A matéria na íntegra apresenta a influência que a sensação de insegurança causa nos cidadãos, uma vez que eles são afetados psicologicamente e, como consequência, mudam as suas rotinas e adotam diferentes medidas protetivas. Por fim, a reportagem enfatiza que o medo da violência, gerado pelo clima de insegurança, é tão grave quanto a própria violência. Já o texto 3 é um excerto do estudo “Educação em alvo: os efeitos da violência armada nas salas de aula”, realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas. No recorte apresentado, podemos observar números surpreendentes sobre os casos de violência no estado do Rio de Janeiro, um dos mais afetados por essa situação no Brasil, e perceber como milhares de alunos que frequentam as escolas cariocas foram prejudicados nos últimos anos. Também é preciso mensurar o triste fato de uma jovem estudante que foi atingida por uma bala perdida na escola em que estudava. Por fim, o trecho reforça a importância de se pensar em maneiras de reverter essa realidade. Integralmente, o mapeamento traz informações detalha- das de como os tiroteios e disparos de armas de fogo atrapalham a vida de muitas crianças, impedindo o aces- so delas a outro direito fundamental que está previsto na Constituição: a educação. Vale destacar que a questão da insegurança e da violência pública é um problema que afeta não apenas os municípios do Rio de Janeiro, mas grande parte das cidades brasileiras, trazendo prejuízos para a educação e lesando também outros direitos individuais e coletivos, como saúde e lazer. Nesse contexto, podemos refletir sobre como a violência, cada vez mais recorrente, afeta o próprio direito que temos à liberdade. Afinal, se temos direito de ir e vir, mas temos medo ou somos impedidos de exercê-lo; se não conseguimos nos deslocar para onde queremos e quando precisamos, até que ponto somos livres? Recomendamos que você leia atentamente os textos apresentados, que os procure na íntegra e que busque outras fontes de informação para ficar ainda mais por dentro do assunto. Além disso, para que você demonstre seus conhecimentos e exercite a constru- ção de argumentos consistentes, que tal elaborar um texto dissertativo a partir do tema: “Ir e vir: como a violência interfere no direito à liberdade?”. Que você tenha uma boa prática textual! Editorial Incolumidade: isenção de perigo, de dano; segurança. B A B A R O G A /S hu tt er st oc k. co m C riado no dia 31 de agosto de 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC), a princípio, designava apenas mais um time de futebol entre tantos outros que participavam de um campeonato no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, conhecido como Piranhão. O presídio de segurança máxima, no interior de São Paulo, já se tornara célebre pelas péssimas condições impostas aos presos. Vinte e cinco anos depois, o PCC assumiria o posto de maior organização criminosa brasileira, distribuindo drogas em quase todos os estados do Brasil e no exterior. O massacre da Casa de Detenção do Carandiru, ocorrido quase um ano antes da fundação do PCC, em outubro de 1992 – quando 111 presos foram mortos por policiais militares chamados para acabar com uma rebelião no Pavilhão 9 –, seria constantemente lembrado pelo grupo e ajudaria a dar força à ideia de união dos detentos contra “o sistema”. “Temos que permanecer unidos e organizados para evitar que ocorra novamente um massacre, semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudarem a prática carcerária desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões”, afirmava o 13º artigo do estatuto de fundação do PCC. Aos poucos, a facção se impôs como garantidora de um regime de autogestão da população carcerária, uma massa humana submetida à rotina de um sistema penitenciário que amontoava – e continua a amontoar – presos em espaços exíguos. Sem regras, organização e controles criados pelos próprios detentos, o convívio não seria possível nas celas. Muito sangue foi derramado até que uma nova ordem fosse imposta. A conquista dessa hegemonia nas prisões fez parte da primeira fase de crescimento do PCC. À medida que os presídios paulistas foram sendo dominados e as regras estabelecidas, a população carcerária passou a seguir uma espécie de pacto de não agressão, imposto pelo grupo. sa kh or n/ S hu tt er st oc k. co m POR BRUNO PAES MANSO Facções criminosas no Brasil: origem e atuação O surgimento do Primeiro Comando da Capital, conhecido como PCC, e de outros grupos que sustentam o crime no Brasil evidencia o precário sistema carcerário brasileiro e a falta de políticas públicas efetivas. 9 Até 1993, havia em São Paulo 36 unidades penitenciárias, concentradas sobretudo na capital e em municípios próximos. Nas décadas seguintes, ocorreria um processo de descentralização. Em 2017, eram 166 unidades, em geral de tamanho menor do que aquelas do passado, boa parte espalhada pelo interior do estado, em cidades que ficam a até oito horas de ônibus da capital. O problema é que, simultaneamente a esse investimento na construção de novas cadeias, o número de presos também aumentou, em uma taxa explosiva. Em 1993, havia 32 mil detentos em São Paulo; em 2017, eram 230 mil. As prisões – chamadas pelos presos ironicamente de “faculdades” – se tornaram, cada vez mais, escritórios do crime, responsáveis por um crescente controle da atividade não só dos prisioneiros, mas também dos criminosos que atuavam fora da cadeia. Como o controle que o PCC exercia sobre as atividades dos criminosos livres aumentava, também cresciam os recursos repassados ao grupo e, consequentemente, o seu poder financeiro. No começo do novo século,o PPC se consolidou como o grande “sindicato” dos presos e criminosos em São Paulo. A partir daí, passou também a se lançar para o lado de fora das cadeias, tornando-se o principal empreendedor criminal brasileiro. Em algumas comunidades, passou a agir como mediador de conflitos e vendedor de drogas. Muitos bailes funks e “pancadões” são promovidos por seus integrantes para aumentar a venda de drogas. Em compensação, a capacidade de gerir e regular esse mercado – que sempre foi violento – criou uma situação aparentemente paradoxal: as vendas de droga aumentaram, mas os conflitos e os homicídios em São Paulo nunca alcançaram taxas tão baixas. Essa transformação na cena criminal e o avanço do PCC dependeram de uma mudança tecnológica crucial, ocorrida no final dos anos 1990 – a populariza- ção do telefone celular. A organização feita a partir de São Paulo permitiu que a facção alcançasse as fronteiras e passasse a ganhar mais dinheiro no atacado das drogas, ampliando seus canais de distribuição para o resto do Brasil. O resultado desse avanço foi sentido nas ruas das cidades. Nos últimos anos, o mercado da cocaína no Brasil se tornou um ponto fora da curva em relação ao que se passa no restante do mundo. Enquanto o consumo vem registrando quedas sucessivas em nações da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá – fenômeno que é acompanhado pela tendência de queda na produção da droga na Colômbia –, o mercado consumidor na América do Sul, puxado pelo Brasil, teve aumento de mais de 50% entre 2010 e 2012, segundo as pesquisas feitas pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O crack também se espalhou por quase todos os municípios do Brasil. D iv ul ga çã o/ S ér gi o A nd ra de /P re fe itu ra S ão P au lo /A B r Em 2002, após 46 anos de funcionamento, o complexo do Carandiru foi demolido. M ar ce lo C am ar go /A B r Em 2013, estudantes de Direito da Universidade de São Paulo (USP) colocaram 111 cruzes em frente ao prédio da faculdade para lembrar o número de presos mortos por policiais militares no Carandiru, em 1992. “A facção se impôs como garantidora de um regime de autogestão da população carcerária, uma massa humana submetida à rotina de um sistema penitenciário que amontoava – e continua a amontoar – presos em espaços exíguos.” 10 O impacto nas taxas de violência variou. Foi pequeno no caso de São Paulo, terra do PCC, onde a concorrência foi eliminada nos anos 1990 e começo dos anos 2000, e também no Rio de Janeiro, onde até recentemente a disputa entre as grandes facções havia se tornado mais difícil e custosa, com a ocupação de muitos territórios pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Entre 2004 e 2014, São Paulo e Rio apresentaram as duas maiores reduções nas taxas de homicídio entre as 27 unidades da Federação. No Rio de Janeiro, a situação voltou a degringolar depois da crise fiscal e da prisão do ex-governador. Funcionários públicos tiveram seus salários atrasados, e as facções voltaram a disputar o mercado de drogas, assim como aumentou a violência policial. Em muitos outros lugares do Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, as taxas de homicídio se multiplicaram nesse mesmo período. Os aumentos foram liderados por estados como Rio Grande do Norte (308%), Maranhão (209%), Ceará (166%), Sergipe (107%), Pará (93%) e Amazonas (92%). Nos anos 1980 e 1990, essas mesmas unidades da Federação estavam entre as menos violentas do país. O salto dos conflitos nesses locais fez com que o Brasil passasse a registrar quase 60 mil mortes por ano. Somos hoje o lugar no mundo onde mais se morre por homicídio. Assim, surgiram grupos como o Bonde dos 40, no Maranhão, que protagonizou o conflito que culminou na decapitação de dois presos no Presídio de Pedrinhas, em 2013; a Firma, em Alagoas; o Comando da Paz, na Bahia; os Guardiões do Estado, no Ceará; o Bala na Cara, no Rio Grande do Sul. É também esse o caso da Família do Norte, facção do Amazonas que se beneficia do acesso privilegiado à cocaína, vinda por rios e florestas das divisas com o Peru e a Colômbia. Os conflitos se multiplicaram nos bairros mais pobres das cidades brasileiras, que testemunham a expansão do mercado de crack e a explosão das taxas de homicídio. Atualmente, são mais de 61 mil homicídios no Brasil, a marca mais elevada da história. “As prisões – chamadas pelos presos ironicamente de ‘faculdades’ – se tornaram, cada vez mais, escritórios do crime, responsáveis por um crescente controle da atividade dos criminosos que atuam dentro e fora da cadeia.” Lu iz S ou za /S hu tte rs to ck .c om Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. 1111 As facções surgiram como um efeito colateral inesperado de anos e anos de erros em políticas públicas. Apostou-se na política de guerra ao crime, com incursões policiais nos bairros mais pobres, prendendo jovens em grande quantidade. Nas prisões, as lideranças criminosas se fortaleceram e passaram a organizar esse grupo inimigo, abastecido pela raiva dos garotos contra o sistema violento e pelo dinheiro do tráfico de drogas. O tráfico continua a seduzir muitos jovens para esse caminho. A luta é para mostrar a eles que a vida do crime é uma ilusão. A vida com escola, emprego, diversão, arte, esporte, amor e conhecimento pode ser muito mais benéfica. Contudo, o Estado não pode fazer esse convencimento pelo uso da violência, porque o efeito colateral é o que vemos hoje. Arquivo pessoal/ Bruno Paes Manso Bruno Paes Manso é graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Atualmente, realiza pesquisas sobre homicídios, confi ança institucional e legitimidade pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP. A intervenção federal no estado do Rio de Janeiro é um tema que tem causado muita polêmica nas últimas semanas, especialmente porque é a primeira vez que essa medida é empregada desde 1988, quando foi promulgada a nossa atual Constituição, a chamada Constituição Cidadã. A intervenção federal em um estado da União está prevista nesse documento, porém é uma medida extrema, excepcional. Em outros momentos, como na segurança da Copa do Mundo e das Olimpíadas e na ocupação das favelas cariocas pelas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), foi aplicada a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autoriza as Forças Armadas a atuar na segurança interna do país. No entanto, nessas ocasiões, a atuação do Exército, requisitada pelo governador do estado, deu-se em parceria com as polícias; a intervenção, por outro lado, ocorre quando o Governo Federal assume a segurança pública. Assim, o secretário de Segurança Pública e o governador não mais respondem pelo efetivo policial (Polícia Militar, Civil e Corpo de Bombeiros). No Rio de Janeiro, esse comando ficará a cargo de um interventor, o general do Exército Walter Souza Braga Netto. Não se pode negar que o Rio de Janeiro vive uma situação complicada em relação à violência, problema que não é de hoje, nem apenas nesse estado. Para citar apenas um exemplo, a cidade de Fortaleza, em 2017, registrou mais de cinco mil assassinatos, e, em janeiro de 2018, houve uma chacina em que 14 pessoas foram mortas. O Brasil assiste a um desmonte acintoso das instituições e a um ata- que a diversos direitos da população, que ainda enfrenta um alto nível de desemprego. Não podemos, portanto, desvincular o aumento da violência no país – nesse caso, no Rio – do contexto geral de crise econômica e institucional. Outro ponto que deve ser analisado se refere ao momen- to político em que essa intervenção está acontecendo. No final do mês de fevereiro, seria votada no Congresso a reforma da previdência, que é bastante impopular. Com a intervenção, nenhuma medidaque estabeleça uma mudança na Constituição, como seria o caso, pode ser votada. Des- sa forma, o governo pode ganhar tempo para fazer novas articulações. Assim, será que a intervenção é a solução, visto que ela não ataca a causa do problema? Do mesmo modo como aconteceu no período das ocupações das favelas pelas UPPs, os chefes do tráfico nos morros aca- bam se espalhando para outros estados até que o Exército saia da cidade. Quem fica e acaba morto é o menor de idade que foi aliciado; quem sofre é a população pobre e negra da favela que tem sua vida invadida, sua casa revistada e seu nome fichado. Mas, afinal, é mais fácil fazer uma intervenção imediata ou a prevenção sistemática e contínua com políticas públicas? O ideal é investir em saúde, educação e também em segurança, uma vez que a situação da polícia nos estados é insustentável. Violência no Rio de Janeiro: intervir ou prevenir? T O Q U E D O E S P E C I A L I S T A Ciências Humanas e suas Tecnologias História HA BILI DA DES O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) estabelece competências e habilidades norteadoras do estudo dos conteúdos exigidos para o Ensino Médio. Por meio do texto “Facções criminosas no Brasil: origem e atuação”, foram trabalhadas as seguintes competências e habilidades da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias. Competência de área 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais. H11 – Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço. H12 – Analisar o papel da justiça como institui- ção na organização das sociedades. H13 – Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder. H15 – Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história. POR AMANDA CHAVES RAPOSO 12 CARREIRA: Políticas Públicas Gabriela possui graduação em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo e especialização em Controladoria Governamental pela Escola Superior de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales, instituição pertencente ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Atuou na Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão e, atualmente, trabalha como Assessora Especial no Núcleo Técnico de Contratações de Serviços de Saúde, na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. A rq ui vo p es so al / G ab rie la T av ar es d e A gu ia r P eo p le Im ag es /i S to ck p h o to .c o m E N T R E V I S TA | Gabriela TavaresE N T R E V I S TAE N T R E V I S TA 1313 ? Equipe Leia Agora: Como é a grade curricular do curso superior de Políticas Públicas? Quais devem ser as habilidades e preferências do candidato a essa área? A grade curricular é bastante diversa e interdisciplinar. É formada tanto por Filosofia e Sociologia, que ajudam a entender a arte da política, quanto pela parte de Ciências Humanas Aplicadas (Administração, Conta- bilidade, Economia e um pouco de Estatística). Tudo isso para o aluno entender o que são políticas públicas e ter capacidade para avaliá-las. As habilidades necessárias são, além de paixão pela área pública, a vontade de fazer política pública e a consciência de que se trabalha pelo todo, que se trabalha pelo público. Equipe LA: Um profissional de Políticas Públicas atua apenas no setor público ou seria possível ingressar no setor privado? Por quê? Política pública é qualquer tipo de política que atenda o maior número possível de pessoas, visando ao bem maior. Então, diretamente, o Estado é o maior executor de políticas públicas; mas, em um segundo momento, existem empresas do terceiro setor – as ONGs e as OSCIPs – que também têm interesse público. Há ainda setores de grandes instituições, como alguns bancos, que tencionam fazer políticas públicas através de melhorias pontuais, mas que, sobretudo, revelam interesse público. Equipe LA: Como fazer parte desse mercado de trabalho? O curso exige que o estudante faça estágios? O mercado de trabalho para quem é formado em Políticas Públicas é muito amplo, você pode trabalhar tanto no setor público quanto no privado. O curso exige que se faça estágio para se formar e também há a possibilidade de ingressar em projetos de iniciação científica. Equipe LA: Essa graduação é relativamente nova; sendo assim, quais são os principais desafios da área? O curso tem aproximadamente 11 anos, então existem muitos desafios. O primeiro deles é o próprio órgão público reconhecer quem é formado em Políticas Públicas como um especialista; isso tem sido feito através de alguns concursos. Vários professores da própria graduação lutam para que o curso seja visto como capaz de sanar brechas que existem nas áreas pública e privada hoje em dia. Por isso, em suma, o reconhecimento é o maior desafio. Equipe LA: Além da graduação, de que forma o estudante poderá se especializar e dar continuidade à vida acadêmica? Eu, por exemplo, após me formar, fiz uma especialização em Controladoria Governamental e agora começarei um mestrado em Políticas Públicas, mas existe quem vá para as áreas de Cultura, Assistência Social, Sociologia ou até invista em um MBA. Quem se forma em Políticas Públicas, que é uma área ampla, pode se formar em diversas áreas específicas, se assim desejar. Equipe LA: Quando falamos em políticas públicas, logo vem à mente a área da política propriamente dita. O profissional desse setor, necessariamente, trabalhará com políticos? Não necessariamente. Existem técnicos, como é o meu caso, que não trabalham diretamente com a área política. A partir de diretrizes amplas de uma secretaria, trabalhamos formulando, implementando e avaliando políticas públicas. Não existe uma relação direta com a persona política. Contudo, tem quem vá para a área da Assembleia Legislativa ou trabalhe diretamente com parlamentares. Existe a possibilidade, inclusive, de o profissional ser o próprio político, afinal, tem uma formação mais específica e mais elaborada do que qualquer político que esteja atuando hoje. “Política pública é qualquer tipo de política que atenda o maior número possível de pessoas visando ao bem maior. O graduado pode trabalhar tanto no setor público quanto privado” 14 Equipe LA: As políticas públicas envolvem muito mais áreas dentro de uma administração municipal, por exemplo. Quais são os subsetores dessa área? É preciso tornar a política pública mais interdisciplinar, mais intersecretarial, e hoje isso não ocorre de fato, especialmente na política municipal de São Paulo [onde Grabriela atua]. Contudo, no programa Redenção, que é o novo programa de combate às drogas, existe uma necessidade de relação direta com o Governo do Estado. Dentro das próprias secretarias de saúde e educação, há muita conversa, porque, para garantir que a pessoa tenha uma melhor concepção de saúde, é necessário inserir, na área de educação, conceitos de como se cuidar. Existem pequenas interfaces entre as secretarias que poderiam ser mais bem exploradas caso elas conversassem mais de perto. Equipe LA: Qual é a diferença entre os cursos de Políticas Públicas, Políticas Sociais e Administração Pública? Eu entendo que quem é formado em Políticas Públicas está mais envolvido na parte da gerência, de formulação, implementação e avaliação de política pública, que é uma outra ênfase com relação à das Políticas Sociais, as quais têm mais a ver com os estudos e resultados dessas políticas. Já a Administração está ligada a “como fazer”, o que envolve os trâmites legais e processuais, e ao que precisa ser feito para atingir uma política pública. Isso torna Políticas Públicas uma área mais ampla do que asoutras duas, porque estas estão dentro daquela. Equipe LA: O curso é da área de Humanas, mas é preciso ter domínio em outras áreas. Quais são elas? Não é necessário ter um domínio vasto, mas é importante não ser avesso à área de Exatas, pois, para avaliar uma política pública, pode ser necessário fazer análises quantitativas, que dependem um pouco da capacidade estatística. Não que seja necessário fazer cálculos, mas é preciso analisar resultados. Contabilidade, por exemplo, que, apesar de não ser Exatas, pertence à área de Humanas Aplicadas, é uma disciplina em que se lida com números, com caixa etc. Então, eu diria que não se pode ser avesso a outras áreas para que isso não o impeça de realizar o trabalho. Equipe LA: Por que você recomendaria essa carreira? É uma área incrível, é apaixonante estar em um mundo cheio de problemas e buscar várias soluções. Essa carreira exige que você seja criativo e inteligente, tenha visão, seja estrategista, saiba lidar com a política e tenha jogo de cintura. Não é um curso muito fácil, principalmente no campo prático, mas é uma delícia ver uma política pública funcionando, com avaliação positiva. Ver seu trabalho dar frutos e cuidar das pessoas é gratificante e enriquecedor. m ag ic p ic tu re s/ iS to ck p ho to .c o m Política pública é qualquer tipo de política que atenda o maior número possível de pessoas, visando ao bem coletivo. 1515 A violência que amedronta a população de tantas cidades brasileiras parece não ter limites, e, como consequência, a população pode ficar descrente de um futuro melhor. Em 2016, por exemplo, o Brasil bateu recorde de mortes violentas: 61.619 pessoas morreram vítimas de homicídios, latrocínios (roubos seguidos de morte) ou lesões corporais, um crescimento de 3,8% em comparação com 2015, sendo o maior índice de mortes violentas na história do país, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Em contrapartida, os dados sobre emprego e escolaridade não seguem a mesma proporção. Em 2017, a economia fechou 20.832 postos de trabalho com carteira assinada, segundo o Ministério do Trabalho. A taxa média de desemprego chegou a 12,7% no Brasil, a maior em cinco anos, de acordo com a pesquisa Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os desempregados estão pais e mães de família que, muitas vezes, precisam da ajuda dos filhos na manutenção financeira de suas residências bem antes da hora. A exemplo disso, um outro número destaca-se: 1,5 milhão de jovens com idade entre 15 e 17 anos estão fora da escola, de acordo com o Ministério da Educação. Seriam adolescentes que precisaram abandonar os estudos para trabalhar? Jovens que migraram para o mundo do crime movidos por uma promessa enganosa de melhores condições de vida? Com disparidades sociais tão evidentes, talvez não seja preciso ser especialista para afirmar que um país com oportunidades escassas tende a apresentar problemas sociais, entre eles a violência. A desigualdade reflete nas mais diversas áreas, e, com menos emprego e mais gente sem acesso à educação, muitas pessoas acabam procurando resultados duvidosos para fugir dessa equação. Outro reflexo da desigualdade é a distribuição desleal de renda. O Brasil tem, atualmente, cinco bilionários com patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população. Os mais ricos aumentam seus rendimentos de maneira fácil, principalmente por meio de heranças e monopólios. Já os mais pobres precisam se contentar com salários que, por vezes, não atingem o mínimo. Diante de tantas diferenças, até que ponto a violência pode ser considerada consequência apenas de uma segurança pública frágil? Quantas famílias acabam aliciadas pelo tráfico de drogas, pelo roubo e pelo estelionato, quando se veem sem alternativas financeiras e sem perspectivas de melhoria? Talvez, ao existirem oportunidades mais promissoras e menos dependência de caminhos escusos, a violência possa dar espaço à evolução social e à vida digna que todo cidadão merece. Parafraseando Renato Russo, na música Índios, “quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante”. Violência e desigualdade social caminham juntas? P A R Ê N T E S E Po r Ed i l ene Fa r ia Celso Diniz/Shutterstock.com Favela de Paraisópolis, ao lado do bairro Morumbi, um dos mais nobres da cidade de São Paulo. 16 Nana Queiroz. Presos que menstruam. Rio de Janeiro: Record, 2015. O livro-reportagem conta a história de sete personagens reais: mulheres que acabaram na criminalidade, na maioria das vezes por falta de oportunidade, e vítimas de violência doméstica. A precariedade dos presídios femininos também é retratada e levanta uma questão: é possível se ressocializar em meio à violência que parte de quem deveria proteger a sociedade? POP STARS DA VIOLÊNCIA No mundo do crime, especialmente em comunidades pobres e com poucas oportunidades, é comum nos depararmos com bandidos no poder. Eles comandam a rotina, o comércio e até mesmo a segurança das favelas. Enfrentam o governo e as autoridades e, inevitavelmente, assumem papel de pop stars. Sobre a realidade vivida no Rio de Janeiro, dois livros traduzem bem esse tema. O livro-reportagem Abusado – o dono do morro Santa Marta, publicado em 2003, tem uma narrativa investigativa que mostra a rotina de Márcio Amaro de Oliveira, conhecido como Juliano VP – traficante que nasceu na favela Santa Marta. A obra, do jornalista Caco Barcellos, revela o emocional do criminoso em questões como o relacionamento com a comunidade, o tráfico de drogas, a infância sem oportunidades e a postura perante a polícia. O escritor narra a influência de Juliano VP no Comando Vermelho, uma das principais facções criminosas da capital carioca, e o retrata como um “mito”. A empatia com o personagem parece ser inevitável. Outra obra tem um nome parecido: O dono do morro, do jornalista britânico Misha Glenny. Ele narra a ascensão e a queda de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, ao poder na favela da Rocinha, também no Rio. Foram dez entrevistas na prisão com o traficante, descrito pelo jornalista como alguém benevolente, que diminuiu as taxas de homicídio na favela e que levou o status da Rocinha ao de maior produtora de cocaína da capital carioca – além de destino turístico de artistas famosos e visitantes de várias partes do planeta. Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro. Direção: José Padilha. Brasil, 2010. Dez anos depois do primeiro enredo, o agora coronel Nascimento está fora do BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro. Ele tornou-se subsecretário de Inteligência na Secretaria de Segurança Pública e se vê diante de uma nova missão, tão difícil quanto enfrentar as facções criminosas: combater a formação de milícias nas favelas e a corrupção entre os policiais. Silêncio das Inocentes. Direção: Ique Gazzola, 2010. O documentário explica como funciona a Lei Maria da Penha. Considerada uma das três legislações mais completas sobre violência contra mulheres no mundo, a lei carrega o nome da bioquímica e farmacêutica cearense que ficou paraplégica depois de ser baleada pelo marido. Vítimas de violência doméstica e especialistas na área intercalam depoimentos, para ampliar a discussão sobre o tema. Acesse: <https://youtu.be/GZAOoVxTQus>. Mosaico Cultural • A G E N D A • SEGURANÇA Feira Internacional de Segurança Pública e Corporativa De 10 a 12 de abril ONDE: Transamerica Expo Center – São Paulo. O encontro reunirá empresas e órgãos públicos de 12 países para apresentar as novidades do mercado e discutir o setor. Além dos estandes, haverá palestras sobre segurança e reuniões com conselhos e colégios de segurança pública. INFO: <www.laadsecurity.com.br>. ARTE Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência Até 11 de junho ONDE: MASP – São Paulo. Maria Auxiliadoranasceu em Minas Gerais e cresceu em São Paulo, em uma família de artistas autodidatas que integravam o movimento negro. Em suas telas, ela exalta o protagonismo negro, por vezes deixado de lado na arte brasileira. INFO: <https://masp.org.br>. VÍDEO “Sonho de preta conta”. Direção: Viviane Ferreira. Brasil, 2017. Permanente ONDE: Internet. Doze mulheres negras, doze sonhos. A websérie reúne vídeos de curta duração como resultado de uma ação coletiva entre organizações de mulheres negras que atuam no combate ao racismo e ao sexismo, em quatro capitais brasileiras: São Paulo, Recife, Brasília e Rio de Janeiro. INFO: <www.oxfam.org.br/sonho-de-preta-conta>. C S A Im ag es /iS to ck p ho to .c om 17 Serena só se deu conta de que estava acompanhada ao escutar a frase pronunciada pelo rapaz sentado à sua frente. Ele estampava uma tristeza profunda no olhar ainda fixo na mão de Serena, que recuava sobre a toalha impecavelmente limpa. A pergunta se repetia no pensamento da moça. Por impulso, culpou primeiro a avó por tê-la criado com tantas restrições, por não tê-la deixado sair sozinha, falar com estranhos, entrar em um elevador só com homens ou andar na rua à noite. “É para sua segurança, minha filha”. Mas ela era jovem, não queria sentir-se segura, queria viver. Insatisfeita com o comportamento da neta, a avó passou a contar histórias terríveis sobre mulheres que “se descuidaram”, convencendo Serena a evitar tais sofrimentos a qualquer custo. “Você não quer acabar como a sua mãe, não é?”. Não queria, mas, mesmo assim, foi impossível fugir do triste destino. Em um dia de distração, notou tarde demais que um homem estava grudado em seu corpo no vagão lotado do trem. Invadida pela culpa, manteve-se calada durante todo o expediente, vestindo a roupa impregnada pelo pecado daquele homem mau. Aliviada por não terem reparado nas manchas em sua calça, voltou para casa com pressa, despiu-se e lavou a roupa e o corpo em segredo. A avó nunca soube daquela nem de tantas outras violências sofridas pela moça – como no dia em que não foi promovida no trabalho porque o chefe queria mais do que uma mera secretária. Serena recusou os avanços do patrão em silêncio e também se calou quando o doutor a demitiu, dizendo: “mulher é bicho que sangra, com emoções complicadas demais”. Traumas como aquele formaram pequenas rachaduras em seu coração inocente, que só pensava em ser livre e viver em paz. Quanto mais fugia do medo, mais ele a perseguia, mais o perigo espreitava, com seus trajes masculinos e mãos brutas, sedento pelo corpo e pela alma de Serena. Era refém da sensação de que aconteceria de novo, de que um dia a tocariam sem o seu consentimento, de que, como sua mãe, seria levada dessa vida “em nome do amor”. Que amor é esse, que mata e sufoca? Serena concluiu que o amor também era culpado pelo medo que a paralisava e, como medida de proteção, decidiu vestir com orgulho uma carranca ameaçadora. Aposentou os sorrisos e parou de fazer jus ao seu nome, vivendo em constante estado de apreensão. O nervosismo passou a acompanhá-la como um carrapato a sugar suas energias. — Onde você aprendeu a sentir tanto medo? – perguntou a si mesma, já sabendo a resposta. Com os olhos baixos e o coração apertado, Serena teve a certeza de que aquele encontro jamais se transformaria em algo além de um simples jantar. Pediu licença, levantou-se e partiu, sem olhar para o rosto tristonho do rapaz incrédulo. Lembrou-se de uma citação de alguém cujo nome era uma incógnita: “A sombra do medo paira constante sobre a vida da mulher”. Quem quer que tenha escrito aquilo tinha razão. “Onde você aprendeu a sentir tanto medo?” EXTRA! P o r M a ri a n a Z a m b o n B ra g a 18
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