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AGRESSIVIDADE Compreender a agressividade é essencial para uma atuação efetiva no ramo jurídico, uma vez que ela permeia várias condutas tipificadas como criminosas, além de ser uma das variáveis consideradas na determinação das penas. Nesse sentido, a psicologia traz grande contribuição para o contexto jurídico, especialmente nos ramos do direito penal, da família, civil e ambiental. Muitos autores estiveram envolvidos na formulação de uma definição de agressividade e agressão, a maioria deles reflete um consenso sobre os significados. Bandura (1973) levanta o conceito de agressão como um comportamento, devendo este ser prejudicial, destrutivo e socialmente definido como agressivo. Em geral, as definições de agressão referem-se à provocação do dano, seja a uma pessoa, animal ou a um objeto inanimado. Contudo, é importante esclarescer que agressividade não se confunde com violência ou agressão, embora seja possível encontrar muitos textos onde esses termos são usados no mesmo sentido. A agressividade é uma capacidade e a violência é uma expressão dessa capacidade. Dessa forma, pode-se afirmar que a agressividade é a capacidade que um indivíduo tem para provocar dano a outrem (pessoa, animal ou objeto) e que pode levar à prática de um ato agressivo. Já a violência ou agressão é o comportamento agressivo em si. Destarte, a agressividade nem sempre gera violência, mas a violência ou agressão é sempre uma expressão da agressividade e a maneira com que a agressividade se apresenta está ligada a vários fatores, como: biológicos, sociais, legais e culturais. PRINCIPAIS TEORIAS DA AGRESSIVIDADE 1- TEORIAS DO INSTINTO Essas teorias supõem que a origem da agressão é encontrada nos impulsos internos da pessoa. Assim, a agressão seria algo presente na pessoa desde o nascimento. Os principais defensores dessa visão pessimista são principalmente os teóricos da psicanálise, especialmente Freud, e por outro lado os etologistas, destacando-se a figura de K. Lorenz. 1.1 Psicanálise Não é possível falar sobre "a" teoria da agressividade em Freud, mas sim de três teorias ou momentos diferentes que correspondem ao desenvolvimento de sua teoria dos instintos. Freud considerava o homem como um ser social e sua teoria da agressividade foi evoluindo de forma que o viés social foi aumentando sua influência nos comportamentos agressivos. O primeiro momento é marcado pela importância reservada à sexualidade na gênese das neuroses. O papel reservado para a agressividade é apenas o de um elemento do impulso sexual, que se manifestará de diferentes maneiras em cada uma das três fases do desenvolvimento sexual: oral, anal e fálico. No segundo estágio da teoria dos instintos, Freud propõe uma teoria dualista, apontando de um lado, instintos sexuais destinados a obter prazer e, de outro, instintos do eu, dirigido à auto- preservação, apresenta um caráter de maior tendência reativa, “proteger a sua vida atacando a dos outros”. (legítima defesa?) Mais tarde, ele passou a defender a existência de dois instintos básicos presente em todos os seres humanos: Eros (instinto de vida) e Thanatos (pulsão de morte), o que explica a tendência biológica do organismo humano para a agressão, a destruição dos outros e até mesmo a sua própria. Segundo a psicanálise clássica, a agressão humana que surge exclusivamente do interior da pessoa como impulso, acumula-se gradualmente, até chegar um momento em que é necessário produzir uma descarga agressiva. De acordo com os postulados freudianos, a inibição prolongada da agressão pode produzir explosões patogênicas na pessoa. Para chegar ao terceiro momento, entre as razões que causaram uma mudança em relação à visão anterior, talvez a mais mencionada tenha sido o impacto da Primeira Guerra Mundial sobre Freud. Para Freud (1932) é ilusória a ideia de que a satisfação de todas as necessidades e o desenvolvimento da igualdade dos membros de um grupo poderia garantir que o mesmo tivesse sua agressividade eliminada e, portanto, se encontrasse imune a situações de conflitos. Para o médico psicanalista, é impossível extinguir a agressividade humana, mas é possível desviar os impulsos agressivos de maneira que estes possam ser expressos de uma forma diversa da guerra. A partir de nossa teoria mitológica dos instintos, encontramos facilmente uma fórmula que conter os meios indiretos para combater a guerra. Se a disposição para a guerra é um produto do instinto de destruição, o mais fácil será apelar para o antagonista desse instinto: Eros. Tudo o que estabelece laços afetivos entre os homens deve agir contra a guerra. Esses links podem ser de dois tipos. Primeiro, os laços análogos aos que nos ligam aos objetos do amor, embora desprovidos de propósitos sexuais. (...) O outro jeito de ligação afetiva é o que é feito por identificação. Quando você estabelece importantes elementos comuns entre os homens, desperta sentimentos de comunidade, identificações A estrutura da sociedade humana é largamente baseada neles. (FREUD, 1933, p.3213). Para Freud (1915) tudo aquilo que contribui para o desenvolvimento da cultura, com respeito à diversidade, atua contra as ideias de guerra e conflitos interpessoais. Um pouco mais tarde, Freud (1922) mostra a influência da cultura no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, uma vez que considera que o aparelho psíquico tem origem biológica, mas que sofre transformações a partir do contato com a realidade. Portanto, ser humano vai além do natural, é um ser que surge na cultura. 1.2. Etologia Etologia é a ciência que estuda comportamento animal em condições naturais e cujo principal representante é Konrad Lorenz. A teoria etológica considera que a agressão é uma reação baseada em impulsos inconscientes biologicamente adaptados. Agressão é herdada, não aprendida. Portanto, a agressão é uma reação espontânea da pessoa. Lorenz (1968) aponta que a agressão, na medida em que é um instinto, serve para a conservação da espécie e da vida. Essa agressividade humana constitui uma fonte inesgotável de energia e a pessoa pode manifestá-la espontaneamente, nem sempre como reação a estímulos externos. A agressividade é um impulso inato que precisa ser descarregado continuamente, o autor propõe uma reorientação da agressão como a maneira mais eficaz de lidar com ela. 1.3. Sociobiologia A sociobiologia foi definida como o estudo sistemático da base biológica de todo comportamento social e embora apresente semelhanças notáveis com a etologia, da qual é tida como uma continuação, as bases da sociobiologia podem ser encontradas na teoria sintética da evolução e na genética de populações. Os princípios que são extraídos dessas bases mostram que o comportamento é o resultado de um processo de seleção natural a partir de processos de mutação genética e essa seleção levará à sobrevivência dos melhores indivíduos treinados. A agressividade, compreendendo como tal os comportamentos competitivos para a obtenção de recursos, pode requerer um aprendizado, mas este será geneticamente programado. Anterior à teoria sociobiológica, a teoria genética sustenta que as manifestações agressivas são o resultado de síndromes patológicas orgânicas ou de processos bioquímicos e hormonais que ocorrem no organismo da pessoa. O papel dos hormônios no desenvolvimento da agressividade é fundamental nessa teoria. Um exemplo da influência hormonal na agressividade é o infanticídio –art. 123 CP (alterações psíquicas / estado puerperal). É certo que os fatores biológicos e fisiológicos têm influência no comportamento humano, especialmente nas alterações de humor, como nos casos da depressão e da tensão pré-menstrual, e nesses casos o tratamento medicamentoso aliado a exercícios físicos e psicoterapia podem ser suficientes para melhoria do quadro. (ver Art. 26 parágrafo único do CP: Redução de pena)2- TEORIA DA FRUSTRAÇÃO Os fundadores da Teoria da Frustração-Agressão (Dollard, Doob, Miller, Mowrer e Sears, 1939) defenderam como ideia principal que, a agressão é sempre o resultado de uma frustração e a frustração inevitavelmente leva à agressão. A frustração foi definida como o ato de impedir alguém de adquirir uma gratificação esperada. A explicação da agressão representa um problema imediato, consistente no fato de que, embora intuitivamente pareça fácil aceitar que a frustração é uma das os gatilhos da agressão, é mais difícil aceitar que a frustração sempre leva a uma agressão e que isso é sempre o resultado de frustração. Esta hipótese recebeu muitas das críticas nesse sentido, o que levou um dos formuladores da hipótese original, Miller, a fazer, já em 1941, uma reformulação dos postulados básicos da teoria, afirmando que, embora a agressão seja sempre causada pela frustração, seu efeito não necessariamente seria uma agressão; o que a frustração causaria seria um estado de incitamento à agressão, mas outros tipos de respostas também poderiam ser dadas. Essa ideia baseia-se nas funções que o processo de socialização realiza, o que permite reprimir, deslocar ou canalizar sentimentos negativos, para que eles não se manifestem de maneira agressiva. 3- TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL Desde os anos sessenta, Albert Bandura (1986) vinha desenvolvendo o que se chama de teoria da aprendizagem social, embora tenha abandonado esse rótulo para adotar outro: Teoria Cognitivo Social. Por muitos anos, as teorias explicativas sobre a agressão foram limitadas a atos individuais realizados para causar danos. O postulado básico da teoria da aprendizagem social considera que o comportamento agressivo é o resultado da aprendizagem que é feita através da imitação e observação. Por isso, não é necessário que exista uma frustração para desenvolver comportamentos descritos como agressivos. De fato, respostas agressivas ocorrem na ausência de frustrações. Bandura (1973) aponta que a frustração não gera um impulso que precisa ser descarregado por meio de comportamentos prejudiciais, mas provoca um estado de ativação emocional, do qual uma série de comportamentos (dependência, realização, agressão, resignação) ocorreriam dependendo das diferentes maneiras pelas quais a pessoa aprendeu a lidar com situações estressantes. O comportamento humano é explicado, nessa perspectiva, como o resultado da interação recíproca entre a pessoa e o ambiente, de tal forma que, ao longo da vida, ele pode adquirir repertórios de comportamento agressivo por meio da observação de modelos ou experiências. No entanto, não exclui completamente os fatores biológicos ou genéticos: (...) esses novos modelos de comportamento não são formados apenas pela experiência, seja direta ou observada. Obviamente, a estrutura biológica impõe limites aos tipos de respostas agressivas que podem ser aperfeiçoadas e a dotação genética influencia a velocidade com que a aprendizagem progride (BANDURA; RIBES, 1975, p.312). A observação de um modelo, que é recompensado pela execução de comportamentos agressivos, produzirá um aprendizado desse comportamento, que levará a um aumento no número de respostas agressivas de observadores nos casos em que intervém qualquer um dos tipos de reforço. Bandura (1986) afirma que é realmente um processo de determinismo recíproco em que cada um dos três fatores (personalidade, ambiente e comportamento) que entram em jogo estão influenciando os outros e sendo influenciados por eles. A agressividade na infância Enquanto alguns estudos suportam a existência de predisposições biológicas para os comportamentos desadaptados, o fato é que os fatores ambientais têm grande apoio no que tange à gênese do desenvolvimento agressivo na infância. Esses fatores ambientais seriam determinados especialmente pela influência da família. Independentemente do repertório com o qual a criança nasce, muitos comportamentos agressivos são gerados na família. Padrões de comportamento violento na família servem como modelo, além do treinamento, para o futuro comportamento antissocial dos jovens. Primeiro o comportamento é observado, posteriormente é imitado e depois se torna o caminho para estabelecer relações interpessoais. Em suma, pode-se afirmar que comportamentos agressivos são aprendidos imitando ou observando o comportamento de modelos agressivos, assim, especialmente as crianças aprendem a imitar os modelos comportamentais que lhe são apresentados. A reação de cada criança dependerá de como ela aprendeu a reagir a situações conflitantes. Se ela vive cercada por modelos agressivos, tende a adquirir um repertório comportamental caracterizado por respostas agressivas a situações da vida cotidiana. TEORIA DO LINK: DO ABUSO DE ANIMAIS À VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS Casos de violência contra animais instigaram muitos pesquisadores na busca pela compreensão do assunto. Muitas pesquisas já foram feitas nesse sentido e através dessas informações sabe-se que alguns dos mais violentos assassinos em série já vistos frequentemente se divertiam ao torturar animais enquanto crianças. Por exemplo, o serial killer canibal Jeffrey Lionel Dahmer (1960- 1994) era adepto de tal prática, como descreve o escritor norte-americano Michael Newton: Aos 10 anos, Dahmer fez “experimentos” com animais mortos, decapitando roedores, descorando ossos de galinha com ácido, pregando carcaças de cachorro a uma árvore e montando sua cabeça em uma estaca. Em junho de 1978, dias após a sua formatura do ensino médio, Dahmer cruzou a linha de “experimentos” mórbidos para a dos assassinatos. (NEWTON, 2008, p. 102). Um viés da exploração e do sofrimento animal é a possibilidade da pessoa que maltrata um animal vir a agir violentamente contra a sociedade posteriormente, inclusive uma das primeiras leis francesas, acerca desse assunto, surgiu para proibir os maus-tratos a animais no intuito de evitar tais comportamentos. No livro “Child Abuse, Domestic Violence and Animal Abuse: Linking the Circles of Compassion for Prevention and Intervention” 1 , Frank R. Ascione e Phil Arkow, ambos psicólogos, mostram que há uma conexão entre abuso infantil, violência doméstica e crueldade animal, os autores enfatizam que os programas de prevenção da violência são aprimorados quando se inclui práticas de proteção animal e reconhecem que os maus-tratos contra animais são também uma questão de bem estar humano. Um manual internacional sobre abuso de animais foi publicado por Ascione (2008) e fornece análises conceituais, revisões de pesquisas e novas pesquisas empíricas sobre abuso de animais, incluindo o colecionismo e a bestialidade, a partir de diferentes perspectivas profissionais como psicologia, psiquiatria e direito. O link apresenta um adulto que abusa uma criança ou animal como resultado de ter sido abusado ou testemunha de um abuso. Portanto, a violência doméstica, o abuso infantil e a crueldade contra animais estão inter-relacionados e o círculo de violência continuará até que seja quebrado. A teoria do link não aponta a ocorrência simultânea das três variáveis (crueldade contra animais, abuso infantil e violência familiar) para a construção um adulto violento, todavia, mostra que a presença das variáveis, juntas ou isoladas, são sinais de alerta para a tomada de providências para romper o ciclo e evitar sua perpetuação na família. 1 Abuso Infantil, Violência Doméstica e Crueldade Animal – Conectando os Círculos da Compaixão para a Prevenção e Intervenção. A teoria do link faz a ligação da violência contra humanos e animais, mas a evolução da agressão contra animais por crianças progredindo para a violência contra pessoas quando atingida a fase adulta é uma contribuição da psicologia comportamental. A preocupaçãocom o bem-estar animal é, às vezes, um obstáculo para as vítimas de violência doméstica que buscam segurança em abrigos. Ascione (2000) mostra que instituições que atuam contra a violência tem tentado remover este obstáculo oferecendo abrigos para animais domésticos vítimas de violência, e pondera que há uma tendência emergente, nos EUA, de aprovar legislações que incluam animais de estimação vítimas de violência em instituições de proteção. Atualmente, já existem estados norte-americanos que aceitam simultaneamente pessoas vítimas de maus-tratos e seus animais de estimação nos abrigos, porque já se comprovou que algumas vítimas retardaram sua saída de casa para salvaguardar seus animais, temendo que algo ruim ocorresse com eles na sua ausência. Um animal de estimação maltratado em um ambiente familiar não é apenas o objeto material de um crime, ele é, também, um indicativo de que naquela família pode haver outras vítimas em risco e que as crianças e adolescentes expostos a esses atos de maus-tratos podem aprender com seus pais, adquirindo deles aquilo que mais adiante se tornará um transtorno mental, exposto por meio de violência contra pessoas e animais. Portanto, desde a infância, intervenções que visem quebrar o círculo ou evitar que ele se complete constitui o passo mais importante no combate à perpetração da agressão contra pessoas e animais domésticos. A zoofilia como uma forma de abuso animal também está recebendo mais atenção que anteriormente. Níveis elevados de abuso sexual de animais em jovens residentes em hospitais psiquiátricos e jovens que foram vítimas de abuso sexual foram relatados por Ascione, Friedrich, Heath e Hayashi (2003). No Brasil, a zoofilia não é tipificada especificamente, sendo enquadrada no roll dos crimes de maus-tratos contra animais na Lei 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais). Estudos recentes apontam: Em uma análise inicial, mostra-se recorrente a zoofilia não só em cidades interioranas ou rurais, mas em outro viés, é cada vez mais comum, possuindo alarmante índice de registro, sua prática em grandes centros, entretanto, de forma mais “velada”, contando não só com agenciamento, mas com o confinamento desses animais, comércio sexual, entretenimento vulgarizado e satisfação sexual com os próprios animais de estimação. (BIZAWU; RAMOS e NEPOMUCENO: 2017, p. 98) Nesse sentido, há o link também em crimes sexuais: (...) um estudo conduzido pela Universidade de Iowa, descobriu que 96% dos jovens que tinham tido relações sexuais com animais não humanos, também admitiram crimes sexuais contra humanos e relataram vários outros delitos, isso pode ser forte indicio de que o sexo com animais pode ser um importante indicador de potencial com ocorrência de crimes sexuais contra crianças, mulheres, seres humanos em geral. (BIZAWU; RAMOS e NEPOMUCENO: 2017, p. 98) Atualmente, o Direito brasileiro trata os animais de maneiras muito distintas, especialmente quanto aos animais domésticos, que por vezes são tratados como coisas (código civil) e por vezes como integrantes da família. Têm se tornado frequentes as demandas relativas à guarda de animais de estimação no judiciário e como não há lei especifica para o assunto, têm sido decididas conforme o direito de família. Texto adaptado de: GOMES, Liliana Maria. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ANIMAIS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: um estudo psicojusfilosófico dos maus-tratos contra animais domésticos a partir da senciência. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Proteção dos Direitos Fundamentais, Universidade de Itaúna – 2018.
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