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A Trindade revelada foi experimentada pela Igreja

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A Trindade revelada foi experimentada pela Igreja - I 
            Vimos, no tópico passado, que Javé é o Deus eterno, o Deus de Israel; mas ele, o Deus único, não é um Deus solitário: ele é o Pai eterno do eterno Filho, que é Deus com ele e como ele! E mais: com o Pai e o Filho existe eternamente o Santo Espírito, Deus como o Pai, Deus como o Filho! Na Páscoa, o Pai ressuscitou o Filho, divinizando-o, glorificando-o, na potência divina do Santo Espírito!
            Ora, esta revelação da Trindade, acontecida na Páscoa, a Igreja foi experimentando dia após dia, na sua vida concreta; experimentando a Trindade, adorando a Trindade e, pouco a pouco, compreendendo a Trindade. O próprio Jesus havia dito que o Espírito Santo iria levar seus discípulos à verdade plena: “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14,26); “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará...” (Jo 16,13).
Um dos sinais mais fortes da fé da Igreja na Trindade é o batismo. Desde o início ele é conferido em nome da Trindade Santa: “Então Jesus se aproximou e lhes disse: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,18s). Um antiquíssimo texto cristão do século III, escrito por Santo Hipólito de Roma, sacerdote e mártir, mostra como o batismo era conferido em nome de Trindade:
Assim que o que vai ser batizado desce à água, diga-lhe aquele que batiza, impondo sobre ele a mão:
“Crês em Deus Pai Todo Poderoso?”
E o que é batizado, responda: Creio.
Imediatamente, com a mão pousada sobre a sua cabeça, batize-o (= mergulhe-o) aquele uma vez. E diga, a seguir:
“Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria e foi crucificado sob Pôncio Pilatos e morreu e (foi sepultado) e, vivo, ressurgiu dos mortos no terceiro dia e subiu aos Céus e sentou-se à direita do Pai e há e vir julgar os vivos e os mortos?”
Quando responder: Creio, será batizado (= mergulhado) pela segunda vez.
E diga novamente:
“Crês no Espírito Santo, na santa Igreja e na ressurreição da carne?”
Responda o que está sendo batizado: Creio.
E seja batizado pela terceira vez. 
Lembrem-se que a palavra batizar significa mergulhar. O cristão é, portanto, mergulhado no Pai criador, no Filho salvador e no Espírito Santo, presente na santa Igreja como força de ressurreição.
            Mas, além do batismo, se olharmos com atenção, um número enorme de textos do Novo Testamento falam de Trindade. Note-se bem: estes textos não são uma explicação do mistério trinitário, mas sim uma mostra claríssima de como a Igreja vivia na Trindade. Um peixe não se preocupa em explicar o mar, em compreendê-lo, apesar de viver mergulhado nele! Assim foi a Igreja com a Trindade: ela cria, adorava e experimentava o Deus uno e trino. Basta! Vejamos alguns desses textos. Há diversidade de dons mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades mas um mesmo é Deus que realiza todas as coisas em todos (1Cor 12,4-6). Aqui aparece claramente que toda a vida da Igreja, seus dons, ministérios e atividades, é vivida trinitariamente: um mesmo Espírito, um mesmo Senhor (Jesus) e um mesmo Deus (Pai). Aqui é importante notar que quase sempre que o Novo Testamento fala em “Deus”, está se referindo a Deus Pai; Jesus é quase sempre chamado de “Senhor”. “Em Cristo sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus, no Espírito” (Ef 2,22).
Mais uma vez a Trindade na vida dos cristãos: eles são edificados em Cristo (o Filho) como habitação pertencente a Deus (Pai) porque estão cheios do Espírito Santo. “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus. Pois não recebestes um espírito de escravos para recair no medo, mas recebestes um Espírito que faz de vós filhos adotivos com o qual clamamos ‘Abbá, Pa’i” (Rm 8,14s). A idéia, aqui, é belíssima: o cristão é filho de Deus (Pai) porque recebeu o Espírito Santo derramado pelo Filho ressuscitado; é este Espírito Santo do Filho que nos faz dizer Pai a Deus: “E porque sois filhos, enviou Deus aos vossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, Pai!” (Gl 4,6). Assim, segundo o Apóstolo, é o Santo Espírito quem ora, quem geme em nós. E a sua oração é a do próprio Filho Jesus: “Abbá, Pai”! Por isso mesmo Jesus, o Filho amado do Pai, dizia: “O Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem” (Lc 11,13).
            Note-se bem: de tudo que aqui foi apresentado, vai aparecendo claramente que a Igreja sempre viveu na Trindade; a Trindade é seu fundamento, seu chão, seu horizonte, o ar que ela sempre respirou. Antes mesmo de conseguir encontrar palavras exatas para exprimir este mistério tão grande, a Igreja o viveu, o experimentou profundamente. É sempre assim que acontece nas coisas mais importantes da vida: primeiro se vive, se experimenta... só depois é que se tenta conceituar, explicar por palavras. Por agora terminemos com mais uma palavra de Paulo, palavra trinitária, de extrema beleza: “Eu dobro os joelhos diante do Pai... para pedir-lhe que ele conceda que vós sejais fortalecidos em poder pelo seu Espírito no homem interior, que ele faça habitar Cristo em vossos corações pela fé” (Ef 3,14-17). Isso mesmo: tendo o Espírito do Filho em nós, Espírito que o Filho manda de junto do Pai, o cristão tem o Filho habitando em si: o Espírito habita em nós; como é Espírito do Filho nos faz filhos e, assim, nós podemos chamar a Deus de Abbá... como Jesus chamava!
            No próximo tópico vamos continuar a meditar sobre outros textos do Novo Testamento que falam da Trindade e vamos ver como foi que a Igreja, logo após a morte da primeira geração de cristãos, a geração apostólica, continuou a viver a sua fé na Trindade e procurou explicar melhor este mistério estupendo.  
A Trindade revelada foi experimentada pela Igreja - II
            Já vimos o quanto a Igreja foi vivendo o mistério trinitário. Apresentamos vários textos do Novo Testamento mostrando que a Igreja sempre teve a forte consciência de viver na Trindade. No presente tópico continuaremos ainda a refletir sobre alguns textos das Escrituras que falam da Trindade e sobre os primeiros três séculos do cristianismo.
            Comecemos apresentando ainda alguns textos do Novo Testamento. São Paulo mostra de modo profundo o quanto a ressurreição nossa será obra da Trindade Santa: “Se o Espírito daquele (= do Pai) que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, quem ressuscitou Jesus Cristo dos mortos (= o Pai) também dará vida a vossos corpos mortais por virtude do Espírito que habita em vós” (Rm 8,11). Aqui o Apóstolo faz duas afirmações importantes: 1) a ressurreição de Jesus é um acontecimento trinitário: foi o Pai quem ressuscitou Jesus dentre os mortos derramando sobre ele o Santo Espírito, que é Espírito de Ressurreição; 2) do mesmo modo que Jesus ressuscitou nós ressuscitaremos - trinitariamente: o mesmo Espírito do Pai que ressuscitou Jesus será derramado sobre nós por causa de Jesus e nós seremos feitos pelo Espírito Santo imagem viva e ressuscitada de Jesus! Portanto, nosso destino é trinitário! Esta união com o Senhor ressuscitado já começa agora. São João diz na sua Primeira Carta: “Quem é o vencedor do mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus (Pai)? E é o Espírito que testemunha, porque o Espírito é a verdade. E o testemunho é este: Deus (Pai) nos deu a vida eterna e esta vida está em seu Filho” (1Jo 5, 5a.6b.11). A afirmação de João é clara: nós já temos a vida eterna, a vida que o Pai nos deu pelo seu Filho. Quem nos garante isto? O Espírito que é “Senhor que dá a vida” e habita em nós e testemunha no íntimo do nosso coração. Tudo isso aparecerá claro no final dos tempos. Escutemos o Apocalipse. Aí várias vezes aparece a Trindade Santa: “João às sete igrejas que há na Ásia:convosco estejam a graça e a paz da parte dAquele que é, que era e que vem, e dos sete Espíritos que estão diante do seu trono, e de Jesus Cristo, a  testemunha fiel, o primogênito dos mortos, o príncipe dos reis da terra (Ap 1,4s). Este texto é do comecinho do Apocalipse: é a saudação de João às sete comunidades cristãs da Ásia. A saudação é “da parte dAquele que é, que era e que vem” (refere-se ao Pai), “dos sete Espíritos que estão diante do trono” (refere-se ao Espírito Santo: o número sete indica perfeição, plenitude, superabundância; trata-se do Espírito “septiforme”, o Espírito doador dos sete dons, o Espírito dado nos sete sacramentos) e “de Jesus Cristo, a testemunha fiel” (naturalmente, trata-se do Filho). Portanto, logo no início, João deixa claro que escreve em nome da Trindade Santa! Também no final do livro aparece a Trindade. Depois de falar da Jerusalém gloriosa do final dos tempos, que simboliza a Igreja glorificada, João vê, no meio dela e a ela dando vida, a Santa Trindade: “E mostrou-me então um rio de água da vida, pura como cristal. Saía do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1). Do trono de Deus (Pai) e do próprio Cordeiro (o Filho, aquele que fora traspassado) brota um rio de água viva, pura como cristal (é o Espírito, simbolizado tantas vezes pela água – cf. Jo 7,39). Assim, a Igreja da glória, todos nós, viveremos na vida da Trindade Santa!
            Penso que estes exemplos bastem para deixar bem claro o quanto a Igreja viveu sempre esta profunda experiência trinitária.
            Nos dois primeiros séculos após a era apostólica os cristãos continuaram a professar a Trindade Santa. Quem queria ser cristão tinha que ser batizado no nome da Trindade, como vimos no tópico passado, e deveria professar a “Regra de Fé”, quer dizer, um conjunto de verdades que era a essência do cristianismo. Eis alguns exemplos dessa Regra de Fé: “A regra de fé consiste em crer que há um só Deus, só um o Criador do mundo, o qual pelo Verbo (o Filho), criou todas as coisas. Cremos que este Verbo, chamado seu Filho, em nome de Deus (Pai) apareceu de muitas maneiras aos patriarcas, fez sempre ouvir a sua voz por meio dos profetas e, finalmente, por meio do Espírito Santo e a potência de Deus (Pai) desceu na Virgem Maria... com o nome de Jesus Cristo... foi crucificado e ressuscitou ao terceiro dia... em seu lugar enviou o poder do Espírito Santo como guia dos crentes” (Tertuliano, teólogo cristão que viveu no século II e início do III). Portanto, para Tertuliano, a Regra de Fé dos cristãos é crer em um só Deus Pai, no Verbo, Filho de Deus, pelo qual o Pai tudo criou e nos salvou, e no Espírito enviado pelo Filho como guia dos crentes. E Tertuliano ainda afirma em outro lugar: “Nós cremos indubitavelmente que há um só Deus (Pai), porém sabemos que também existe um filho deste único Deus, seu próprio Verbo, que saiu dele... foi ele que, segundo sua promessa, enviou o Espírito Santo, o Paráclito, de junto do Pai, Espírito que é santificador da fé de quem crê no Pai, no Filho e no Espírito Santo”. Isto mesmo: ser cristão é crer igualmente no Pai, no Filho e no Espírito Santo!
            Um outro autor, da mesma época de Tertuliano, Orígenes de Alexandria, grande teólogo, apresentava a Regra de Fé: “Um é o Deus que criou e ordenou todas as coisas, aquele que do nada deu o ser ao universo... Em segundo lugar, Jesus Cristo, vindo e nascido do Pai antes de todas as criaturas... Finalmente o Espírito Santo associado em honra e dignidade ao Pai e ao Filho”. Pai, Filho e Espírito Santo associados na mesma honra e dignidade, porque são um só Deus.
            Poderíamos citar muitos outros exemplos da Igreja Antiga, mas não queremos tornar este tópico cansativo! Que fiquem claro, no entanto, os seguintes pontos: 
1)       Desde o Novo Testamento a Igreja viveu e professou um único Deus, e o confessou como Pai, Filho e Espírito Santo;
2)       Nos três primeiros séculos do cristianismo esta fé nas três pessoas divinas continuou firme e imutável. Isto aparece claro nos vários escritores que apresentam resumos da fé cristã, chamados de Regra de Fé.
3)       Apesar da firme fé na Trindade Santa a Igreja não tinha ainda uma linguagem técnica, teológica para falar da Trindade. Por exemplo: não existia ainda a palavra “trindade”, as expressões “três pessoas”, “uma essência”... tudo isto somente vai surgir no século IV.

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