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A Igreja vive enraizada na Trindade

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A Igreja vive enraizada na Trindade 
            Nesta série muitas vezes foi dito que a Santíssima Trindade é o mistério central da nossa fé cristã; mistério que foi revelado e experimentado pela Igreja na Páscoa: o Deus santo de Israel, Javé, a quem Jesus chamava de Pai, ressuscitou o seu Filho Jesus dentre os mortos, derramando sobre ele o seu Espírito Santo, que é Senhor que dá a Vida, Senhor que ressuscita! Foi assim que a Trindade foi revelada: Deus que é Ressuscitante (o Pai), Deus Ressuscitado (o Filho), Deus que é potência de Ressurreição (o Santo Espírito)! Dissemos também nestes tópicos que não é possível ser cristão sem viver profundamente mergulhado no mistério trinitário. Agora veremos como toda a Igreja vive mergulhada na Trindade, vive da vida da Trindade Santa: ela nasceu da Páscoa, nasceu da Trindade e vive na vida trinitária!
            Para manifestar o quanto a Igreja depende da Trindade dizemos que ela é Povo de Deus (Pai), Corpo de Cristo e Templo do Espírito. Note-se bem mais uma vez: ela tem tudo a ver com a Trindade Santa, está enraizada na vida da Trindade. Vejamos isto por partes:
            A Igreja é Povo de Deus. No Antigo Testamento este título é dado ao povo de Israel: ele não pertence a si mesmo, mas é propriedade particular de Javé, aquele Deus a quem Jesus mais tarde chamará deAbbá, Papai! Israel pertence somente a Javé, foi escolhido por ele dentre todos os povos para ser o seu povo, um povo santo, separado de todos os outros (cf. Ex 19,5; Dt 7,6; 19,5). Com este povo Deus fez uma aliança:“Vós sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus!” E Deus tratava o seu povo como um pai amoroso trata seu filhinho (cf. Dt 1,31; Os 11,1-3; Ex 4,22): “Não é ele o pai que te criou? quem te fez e te formou?” (Dt 32,6). Pois bem, isto que o povo de Israel era no Antigo Testamento, a Igreja será em plenitude no Novo Testamento: Israel, povo de Deus da antiga aliança era apenas uma preparação para o novo povo de Deus, que é a Igreja:”Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade... Vós que outrora não éreis povo, mas agora sois povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia, ma agora alcançastes misericórdia” (1Pd 2,9s). Assim, como na antiga aliança Israel era o povo de Javé, Pai de Jesus, a Igreja é este novo povo, povo da nova e eterna aliança, selada no sangue de Cristo. Por isso mesmo, pensando na Igreja, Paulo a chama de “Israel de Deus (Pai)” (cf. Gl 6,16). Que fique bem claro: a Igreja não é povo de Cristo, não é povo do Espírito Santo: ela é povo de Deus-Pai!
            A Igreja é Corpo de Cristo. Mas, fica um problema, uma questão a ser resolvida: como a Igreja é povo de Deus, se para pertencer a esse povo era necessário ser descendência de Abraão? São Paulo explica isto direitinho: Jesus é descendência de Abraão, mais ainda: ele é a Descendência verdadeira: ”As promessas foram asseguradas a Abraão e à sua descendência. Não diz: “e aos descendentes”, como referindo-se a muitos, mas como a um só: e à tua Descendência, que é Cristo” (Gl 3,16). Ora, tendo sido batizados em Cristo, nós fomos feitos membros dele, do seu corpo; participando da Eucaristia somos “con-corpóreos” e com-sangüíneos” com Cristo, somos descendência de Abraão muito mais que os israelitas! “O cálice de bênção que benzemos não é ele a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é ele a comunhão do corpo de Cristo? Porque somos um só pão e um só corpo apesar de muitos, pois todos participamos desse único pão (1Cor 10,16s).Assim, unir-se ao corpo de Cristo significa formar com ele um só corpo. Santo Agostinho, no rastro deste pensamento colocará na boca de Cristo estas palavras: “Quando tu comes de mim, não és tu que me transformas em ti, como o alimento se transforma em carne tua, mas és tu que és transformado em mim!Então, batizados em Cristo e comungando do seu corpo e sangue nós somos uma só coisa com ele, membros do seu corpo, e ele é nossa Cabeça, de quem nos vem a vida e a unidade: “Ele é a cabeça do corpo da Igreja; ele é o princípio, o primogênito dos mortos, para ter a primazia em todas as coisas. Agora me alegro com os sofrimentos suportados por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,18.24). Portanto, a Igreja é Corpo do Cristo ressuscitado, vive da vida do Ressuscitado e, porque está unida ao Ressuscitado, é Povo de Deus-Pai!
            A Igreja é Templo do Espírito. A Igreja é Povo de Deus-Pai porque foi enxertada pelo Batismo e a Eucaristia no Corpo do Cristo ressuscitado. Resta-nos ainda uma questão: como se dá este enxerto? Como nos tornamos uma só coisa com Cristo, a ponto de sermos membros seus, vivendo a própria vida dele? Isso é uma realidade, uma coisa concreta, ou somente uma idéia bonita? A resposta é: a Igreja é realmente Corpo de Cristo porque é toda habitada, guiada e transfigurada pelo Espírito do Ressuscitado, o mesmo Espírito Santo que Cristo lhe deu no dia da ressurreição (cf. Jo 20,19ss). A Escritura nos diz muitas vezes que Cristo foi ressuscitado no Espírito Santo; ora, este Espírito, ele o deu à sua Igreja, que é seu corpo! Como o corpo físico do Cristo ressuscitado é todo pleno do Espírito, assim também o seu corpo místico, que é a Igreja! É interessante com o Evangelho de João mostra isso: “Respondeu-lhes Jesus: ‘Destruí este templo e em três dias eu o levantarei’ ... Ele, porém falava do templo do seu corpo. Assim, quando ele ressuscitou dos mortos seus discípulos lembraram-se de que dissera isso e creram na Escritura e na palavra dita por Jesus’ (Jo 2,19.21s). A idéia é profunda: o verdadeiro templo não era aquele de Jerusalém, mas é o corpo de Cristo ressuscitado, que vai ser reconstruído após três dias. Como vai ser reerguido? Pelo Espírito que habitará nele, ressuscitando-o dos mortos, como a Glória (= o Espírito de Javé) habitava no templo do Antigo Testamento! O Corpo do Cristo ressuscitado é o verdadeiro Templo do Espírito. Ora, se a Igreja é o corpo de Cristo, ela é também Templo do Espírito: o Espírito habita nela desde a Páscoa, a orienta, a torna viva da vida de Cristo, sobretudo nos sacramentos (de modo especial no Batismo e na Eucaristia). Basta recordar os Atos dos Apóstolos, como o Espírito dirige a Igreja! Assim, a Igreja é Povo de Deus porque está unida à sua Cabeça Cristo, de quem ela é Corpo. E como é Corpo de Cristo? É Corpo de Cristo porque o Espírito do Ressuscitado a invade e a possui, habitando nela, vivificando-a, como Templo seu!
            Pois bem, Povo de Deus(Pai), Corpo de Cristo e Templo do Espírito, a Igreja vive enraizada na Trindade, vive dentro dela, vive já agora a vida da Trindade; não vive por si mesma, mas vive da vida divina que procede do Pai através do Filho na constante força do Espírito: ela é Igreja que vem da Trindade e que pertence continuamente à Trindade: não se pertence a si mesma, mas é toda na Trindade e para a Trindade! A Trindade Santa é o horizonte, a atmosfera, a vida da Igreja!
            No próximo tópico vamos continuar e veremos como a Trindade está enraizada em cada membro da Igreja, em cada cristão individualmente! Até lá! 
A Igreja vive da Vida da Trindade 
            A fé na Trindade Santa não é uma teoria abstrata, distante e inútil: ela nos toca pessoal e intimamente, ela envolve e dá sentido a toda a vida da Igreja. Vimos que a Igreja está enraizada na Trindade: ela é Povo de Deus Pai, é Corpo de Cristo, o Filho ressuscitado, é Templo do Santo Espírito, o mesmo que impregnou Jesus e nele habita em plenitude desde a Ressurreição. Assim, a Igreja vem da Trindade e nela vive. No presente tópico, vamos aprofundar um pouco este modo trinitário que a Igreja tem de ser e de viver.
            Como é que a vida divina do Deus uno e trino é dada à Igreja? De vários modos: na pregação da Palavra, na comunidade dos irmãos, nas obras e gestos de amor... mas, sobretudo, nos sacramentos, aqueles sete gestos, sete momentos principais da nossa fé.
            Você já sabe:sacramento é um sinal da graça que Cristo nos dá, dá à sua Igreja: quando você recebe um sacramento é a Igreja toda que o recebe, pois somos membros uns dos outros, membros do Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,12-27). Este sinal, que é o sacramento, realmente torna a graça presente, atuante em nós e na Igreja; por isso dizemos que o sacramento é um sinal eficaz, efetivo, concreto, real da graça de Deus. Mas, como nos vem esta graça? Quem a dá? De que modo? Como age em nós esta graça? Já vimos que o Autor de toda a graça e de toda vida trinitária é o Pai – ele é a Fonte, o Amante: “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do Alto e desce do Pai das luzes (Tg 1,17). 
E, no entanto, o Pai não tem outra graça para nos dar a não ser aquela que nos deu no seu Filho Amado: amando-o, o Pai nos amou e agraciou, de modo que toda graça (desde aquela dada ao primeiro homem!) vem-nos através de Jesus Cristo morto e ressuscitado: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo... ele nos agraciou no Amado” (Ef 1,3.6). Que graça é esta que o Pai derramou sobre o “homem Jesus” ressuscitado e ele, por sua vez, derramou sobre nós da parte do Pai? Esta graça não é uma coisa, um objeto; esta graça é o Santo Espírito: “Nele (em Cristo) também vós... fostes selados pelo Espírito da promessa, o Espírito Santo, que é o penhor da nossa herança para a redenção do povo que ele adquiriu” (Ef 1,13s); “A este Jesus, Deus o ressuscitou. Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou” (At 2,32). E o que faz este Espírito em nós? Faz uma só coisa: nos cristifica! Já vimos isto nos tópicos anteriores: sendo Espírito dado pelo Cristo ressuscitado, ele nos transfigura em Cristo Jesus, ele nos vai fazendo ter os mesmos sentimentos e atitudes do Filho eterno feito homem, morto e ressuscitado. Assim, cada sacramento é um momento no nosso processo de cristificação, até que, na nossa morte, sejamos totalmente conformados ao Cristo ressuscitado para a glória do Pai! Vimos isso direitinho nos tópicos sobre escatologia!
            Pois bem: cada sacramento que a Igreja celebra é um encontro com a graça, com a vida que o Pai nos dá pelo Filho no Espírito! Em cada sacramento o Pai, na força do Espírito, vai nos tornando mais semelhante ao Filho Jesus – a nós e a toda a Igreja, pois, como já disse, quando recebemos o sacramento é toda a Igreja que o recebe; quando o celebramos é toda a Igreja que o celebra! De modo bem sintético, vejamos isso em cada sacramento:
            No Batismo somos mergulhados na água que é símbolo do Espírito do Ressuscitado. Antes do Batismo, o celebrante pede ao Pai que derrame o Espírito de Cristo sobre aquela água, de modo que os que nela forem mergulhados, recebendo o Espírito de Cristo, sejam cristificados, tornando-se filhos de Deus Pai no único Filho, Jesus. Assim, no Batismo, somos feitos pelo Espírito, uma só coisa com o Filho Jesus, de modo que podemos chamar de “Pai” o nosso Deus! O Batismo é, portanto, nossa iniciação, nosso mergulho na vida da Trindade Santa: o Espírito do Filho ressuscitado habitando em nós, faz-nos seu Templo e membros do Corpo de Cristo que é a Igreja, Povo de Deus Pai.
            Na Confirmação o Espírito, Vida divina que recebemos no Batismo, é-nos dado como Força divina para que testemunhemos o nome de Jesus, o Filho, e trabalhemos na difusão do seu Evangelho para a glória do Pai. Recebendo a crismação na cabeça somos ungidos como Jesus foi ungido (a palavra messias, cristo, significa ungido) pelo Espírito Santo para a missão: somos, agora sacerdotes, profetas e reis, como Jesus, para a glória do Pai: “Ele fez de nós um reino e sacerdotes para Deus, seu Pai” (Ap 1,6).
            Na Eucaristia a Igreja, pela imposição das mãos do sacerdote, impõe as mãos sobre o pão e o vinho, suplicando ao Pai, fonte de toda a santidade, que derrame o Santo Espírito sobre os dons; o Espírito de Cristo transforma o pão e o vinho no Corpo e Sangue do Senhor morto e ressuscitado. Comendo deste Pão e bebendo deste Vinho, recebemos o Cristo cheio do Espírito. Este Espírito nos une plenamente a Cristo e nos faz participantes da oferta que Jesus fez ao Pai num Espírito eterno (cf. Hb 9,14): unidos a Cristo no Espírito, com Cristo oferecemos ao Pai a nossa vida! E dando-nos Jesus ressuscitado na Eucaristia, pleno do Espírito, o Pai nos dá a sua Vida plena!
            Na Penitência, com a imposição das mãos, o sacerdote pede ao Pai que derrame o Espírito do Senhor Jesus para a remissão dos pecados: “Deus Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição do seu Filho enviou o Santo Espírito para a remissão dos pecados... te conceda o perdão e a paz!” É pela ação do Espírito do Ressuscitado, enviado pelo Pai, que os pecados nos são perdoados e renovamos em nós a graça do Batismo.
            Na Ordem, pela imposição das mãos do Bispo e a sua oração, a Igreja pede ao Pai que derrame sobre o que foi escolhido, o Espírito do Cristo Cabeça da Igreja; este Espírito configura o que é ordenado a Cristo Cabeça e Esposo de sua Igreja, de modo que aquele que foi ordenado possa agir “na pessoa de Cristo Cabeça (in persona Christi Capitis).

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