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Ficcao-Cientifica-Fantasia-e-Horror-No-Brasil-1875-a-1950 Roberto-de-Sousa-Causo

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Ficção científicâ, fantasia e
1875 a 1950
horror no Brasil
[tí
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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE
| ilil! ililr il1il ilIil ilIil lilt ilIil ilil ilil |lilt ]il lilt ill
213001 33845
Roberto de Sousa Causo
Ficção científicâ, fantasia e horror no Brasil
1875 a 1950
Belo Horizonte
Editora UFMG
2003
SBD.FFLGH-USP
l fiil] lffi llffi llill lffi lllil lil ffi
253245
C374f Causo, Roberto de Sousa
Ficção científica, fantasia e horror no Brasil : 1875 a 1950
/ Roberto de Sousa Causo. - Belo Horizontc : Editora
UFMG ,, 2003.
337p. (Origem)
ISBN: 85 -7041-355-ó
I. Literanrra - Ficção - Brasil 2. Literarura cornparada
I. Título II. Série
CDD: 809
CDU: 82.09
Copyright @ 2003 by Editora UFMG
Este livro ou parre dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizaçíto esc'rit:r
do Eclitor
Oarakrgrrçíro n:r ;rublic:rção: Divisão de Planejamento e Divulgação da Biblioteca
Univcrsitírirr - Ul'MG
t INIVI:I(SIl)Al)L', FIIDL,RAL DE
NIINAS(;llltAIS
l(r'itt rr.r. Arr:r Lricirr Alme idl Gazzoltt
Virt'- l(citor'. M:rrcos l]orirto Virrr-ra
lrrlitor:r UIrM(i
Ar,. Arrrirnio Ortrlo s, 6627
Alrr clircit:r cl.r llit-rliotcca Ceutral - Térreo -
( )rr nr ptrs l'rrr-n pulhrr
31270-901 - llclo Horizoute/MG
I'cl.: (31) 3499-4650 Fax: (31) 3499-4768
cclitora@ufing.br
rvww. cd i tor:r. trf m g. br
Cclnsclho Irclitorill
Titularcs: Antôuio L.uíz Pinho Ribeiro,
Beatriz li.czende Dirutas, Carlos Antônio
Leite Br:rndíro, Hcloisa Maria Murgel
Starling, Luiz Otávio Fagundes Amaral,
Mirria cl:'rs Grrrçrrs Srtrta l)árbara, Maria
Helena L):rrnirsccuo c Silva Megale, Romeu
(lardoso (iuimar:1cs, Watrdcr Melo Miranda
(Prcsiclcntc)
Sult lerut c s: Cristi:rno Mrrchaclo Gontijo,
l)cnisc llibciro S()rrrcs) I.conardo Barci
(lrrstri«rt:r, [,trcrrs J<lsé I]rct:rs dos Santos,
M.rri:r Ap.rrccich clos Srurtos Paivit, Maurílio
Ntrncs Vicirrr, Ncrvton llignotto cle Souza,
Itc i n:r kk r M :r rt i rt i rt uo M rr rrltrcs, llicardo
(l:rst:tnlrci rrt l'i rttcntrr F igtrcircdcr
Editornção d.e Tbxtos: Ana Mari;r dc Moracs
Iletisão e Normaliza.çã.0: Maria Stel;r Souz:r Ite is
Revisã,0 d.e Provas: Alexandre Vascoucelos de
Melo, Lourdes da Silva do Nascimento
Projeto Grrifi.co: Marcelo llelico
Capa: Raquel Conclé
Produçãn Grdfica: Witrretr M. S:ttrtos
Formatação : M'arcelo l3elico, llrrqtrcI (l«rnclé
Para ]oão Lviz Machado Lafetá (L946-L996)
e Sam Moskowrtz (1920-1997)
Agradecimentos
Este livro é resultado de um Projeto de Iniciação Científica
reabzado entre junho de L995 e fevereiro de 1997, com bolsa forne-
cida pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo.
Mas é também e antes de mais nada fruto do interesse que o Prof.
loío Luiz Machado Lafetá, do Departamento de Teoria Literária e
Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, tomou pelo
assunto) ao me convidar para reabzar este trabalho. Eu tinha minhas
dúvidas de que a FAPESP iria patrocinar uma pesquisa sobre ficção
científica e fantasia) campo tão desprestigiado no meio acadêrnico,
mas para minha surpresa o projeto foi aceito e, durante a sua conse-
cução, avaliado de forma positiva pelos consultores da FAPE,SP
encarregados do seu processo. Certamente devo agradecimentos
ao anônimo acadêmico que deu o parecer final - foi um grandeincentivo.
Infelizmente, o Prof. Lafetá adoeceu durante o trabalho, vindo a
falecer ern polrco tempo, deixando-rne órfão de orientador. Mesmo
enquanto hospitalizado, o Prof. Lafetá encontrou tempo e interesse
para transferir minha "custódia" ao seu colega, o Prof. |oão Alexandre
Barbosa. O Prof. Barbosa ficou pouco tempo cornigo; logo r:ra o
Prof. ]oáo Adolfo Flansen que assumia minha custódia definitirrrr.
Além dessa tripla paternidade - os "Joães" virlcnlados à Faculdade
de Letras da lJniversidade de São Paulo - devo agradecer aos "tios"
Prof. Lynn Mário Tfindade Menezes de Souza e Prof. Fleitor Megirle,
tambérn da tlSP, gue, ao me revelarem aspectos da literatLlra cspccu-
lativa enriqueceram, além deste trabalho, â minha própria rrisão das
formas aqr-ri abordadas.
Agradeço ainda a Rutrens Teixeira Scavclne, por ter rne
franqueado seus livros de David §1., a enciclopédia de Picrrc
Versirrs, a alltologia Scien.ce Fictiott, of the Tbirties e unla cluzia de
outros volume que foram e serão úteis, por muito tcmpo rrinda. A
|esr-rs cte Paula Assis, por me ter sugerido Origins of Fwturristic
Fiction, d. Paul Alkon. A Mary E,lizaberh Ginway, por chamar
tninha atenção para o contato entre a ficção científica brasileira
clo começo do século XX, com o pensarnento eugenista e de higicnc
sttcial vigente no país, mesmo período. Libby Ginway também
rne enviou cópias de O Reino de lGnto e de Swa Excia. a presid.ente
do Brasil no a.no 2500, que estavam na biblioteca da Universidade
cla Flórida em Gainesville. Novamente ao Prof. FIansen, pelo
cxemplar de Mold,e nacionnl e ftrrna cíyica, de Marta Maria Chagas
dc Carvalho, estudo bastante útil justamente sobre esse tópico. A
Carlos Angelo, pelo empréstimo de Robert A. Heinlein: Arnericã. ã,s
Science Fiction, d. H. Bruce Franklin, e pela ajuda com o meu pc.
Ao Dr. Ruby Felisbino Medeiros) pelos livros garimpados nos
scbos de Porto Alegre, e que incluíram títulos de Afonso Schrnidt,
Albino José Ferreira Coutinho, Berilo Neves, Coelho Neto c
fcrônymo Monteiro. A Thereza Monteiro Deutschc e Sórgio
Motrtciro, filhos de ]erônymo Monteiro, pelo cmpróstirno c1c Fuga
pttrít. parte olgwrn,ã. e pelas informaçóes a respeito do pcrsotregcnl
l)ick Pctcr (sem falar do bolo com sorvete). E 11 Guurcrcinclo
ll«rcha Dorea) pelos livros de Stanton A. Coble ntz c pclrr c«llc-
tâttcrr dc Stanley G. Weinbaum, The Red, Peri - obres quc chcgrrranrrt clc etravés da boa vontade do "Mr. Sciencc Fiction", Forrcst |.
Ackcnnan.
Sc todos eles contribuíram, só um atrapalhor.r. Sc hí nrorir,,«>s c1c
rcProvação e censura neste livro, são responsabilidadc cxclusivrr-
nlcntc do autor.
Preciso agradecer ainda aos meus pais, Roberto Causo c Mrrria
Nircc Pinto de Sousa Causo, por cobrirem despesas dc a(llrisição
bibliográfica, quando a bolsa faltou ou encontrou seu lin-ritc (rr trolsa
me Proibia qualquer vínculo empregatício, durante a suat durrrção).
Minha esposa, Finisia Fideli, forneceu ainda valioso incentivo c irpoio,
enquento eu insistia em sucessivas revisóes e ampliaçóes dcstc livrcl.
Finahnente, à profa. Heloisa Starling, que resgatoLl os originrris
dc Literatwrn especwlatipa brasileira da pilha de trabalhos concorrcncl«r
iro Prêmio Cidade de Belo Horizonte) na categoria ensaio, c os
subrncteu à Editora UFMG.
Minha abordagem da ficção especulativa aqui é, penso eu) poLrco
ortodoxa. A bibliografia é um misto de livros em portuguêse inglês,
ediçóes antigas e modernas. (Após a menção de um título, segue
entre parênteses seu título original, se for tradução, e o ano de publi-
cação no país de origem.) O arcabouço crítico talvez deva mais às
práticas informais de crítica praticadas na comunidade de ficção
especulativa do que a uma determinada teoria ou escola em vigência
no mundo acadêmico. Não há contradição: a proposta sempre foi
investigar o gênero a partir de uma perspectiva que o considere como
tradição literária autônoma - ainda que os limites dessa autonomia
estejam abertos ao debate.
Os assuntos ficção científica, fantasia, horror e fantástico têm
muito pouca penetração nas universidades. A biblioteca da Faculdade
de Letras da USB por exemplo, possui menos volumes de e sobre
essas literaturas do que as bibliotecas pessoais de muitos fãs brasi-
leiros de FC e fantasia. A rninha biblioteca pessoal enriqueceu-se
muito com o projeto. Sou um bibliófilo e este é com certezaum livro
escrito para bibliófilos.
Como se pode ver pela data de publicação de muitos títulos
incluídos na bibliografia, continuei a expandir e aprofundar este
esrudo, após o final da bolsa concedida pela FAPE,SP. Não obstante,
deixo claro que nem tudo pôde ser apreciado integralmente. Como
todas as visóes críticas, este é wrn recorte) entre muitos possíveis.
Sou o primeiro a admitir seus limites - e a convidar outros pesqui-
sadores a expandi-los, desenvolvendo, discutindo ou contestando cada
idéia aqui presente. De fato, este livro é menos uma visão unificada
do que uma coleção de hipóteses que, longe de "esgotar o assunto",
lançam uma série de linhas investigativas à espera de mentes capazes)
que assumam os riscos de lidar com este objeto literário ainda nebu-
loso, a ficção especulativa brasileira.
CnpÍrulo I
CnpÍrur-o II
CapÍrurc III
Sumário
Iuncr,xs...... ...... 13
PnrrÁcro
Joã,0 Ad.olfo Hansen . f5
Ivrno»uçÃo
Mito, realidade e ficçáo especulativa ... 25
PnoroucçÁo ESPECULATIVA 51
Rouaxcr crENrÍuco L23
A,. purP ERA euE NÃo HouvE .233
PArÁvnAS FTNAIS ... .....295
NorAS ............ ...... .... 299
nrrrnÊNCTAS BrBl-roctúncns . 323
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Imagens
Six Weeks in The Chwd., por
'Noname" (Luis P. Senarens) .....2L5
L n gaerr e aw uingtiàrne sià cle,
de f887 2L6
O afterw.ath deAgwerra dns ru.undot,
de H. G. Wells, na visão do artista
brasileiro Henrique Alvim Corrêa -
L876-r910... ....2L7
Florror e sensualidade: ilustração cle
Alvim Corrêa para a sua edição de
190ó de A guetrn. dos rnwndns . ... 2 18
Ilustração de Watson Charlton para o
romanceA Son of the Stars, de Fenton
tuh - L907 .2L9
Revista semanal Argogt All- Story
Weekly: fusão de duas publicações
controladas por Frank A. Munsey -
rB54-L925... ....220
Arnazing Stories - Wells, Verne e Poe: três
"prir" da ficção científica. .. - 1926 .....22L
AArnazônia rnisteriosa, de Gastão
Cruls - L925: um clássico da ficção
científica brasileira .. ..222
Sécwlo XXI, de Berilo Neves -
L934 ....223
Arnazing Stories, effi que aparece ulx
romance planetário de Edgard fuce
Burroughs - I94l ...22+
7.
8.
9.
r0.
14 . FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
II.
12.
r3.
t4.
Agaerrn dns nuendot, de H. G. Wells,
iltrstrado por Frank R. Paul - 1927 ....225
Fantastic - primeira rerrista brasileira de
ficção científica - 1955 .... .....226
Número I de Gakíxia 2000 - segundrr
revista nacional de ficção científica -
l9óB ....227
Terceiro número de Goltíxin 2000,
em que o contista brasileiro Fausto
Cunha aparece entre os cientistas-
escritores Fred Hoyle e Isaac Asinrov -
1968 ....228
.FSF reencarna no Brasil cm l970
como Magazine de Ficçao CienttJicn,
editado por )erônyrno Montcir«r,
1908-1970. 22e
Últi*o número de Mngnzinc dc bicçno
Cierutíf.cã,.)no qual aprtrccc o grrúch«r
Fernando G. Sampaio ...230
Núrnero L2 de Isaac Asiruov Mannzhtc.,
vers ão.,4 situnv ts S cien c e F ic tion, P ri n r c i « r
atrazer uffr conto brasileiro - l99l .... 231
Quark - prirneira revist;r brrtsilcirrr ckr
gênero que não era versão dc trur
título norte-americano, utcs nt( )
contando com alttores estrarlgciros -
2001 ....232
Prefácio
(...) os leitores de ficção científica estão preParados
para muitos futnros".
CARD, Orson Scott. "science Fictiott, in the l990s'
Conheci Roberto Causo anos atrás, quando me procurou no
curso de Literatura Brasileira cla USB por indicação de um colega
e amigo,loío Alexandre Barbosa, que passara a orientar tempo-
rariamente seu trabalho de Iniciação científica após a morte de seu
primeiro orientador, o João Luiz Machado Lafetá. Eu gostava do
Lafctá e assumir a orientação da pesquisa - Roberto tinha uma
bolsa da FAPESP - era urn 
jeito de lembrá-lo. Só depois de muita
conversa, fiquei sabendo que o rapaz era escritor de Íicção científica,
com vários textos) alguns premiados, publicados aqui e no exterior.
Desde o início, percebi que era tão informado quanto inteligente)
conhecendo como ninguéffr o que se fazia na ficção científica fora e
dentro do país. Mas como era (e é) muito na moita, para provocá-lo
e fazê-lo falar passei a lhe perguntar, toda vez que nos encontrávamos,
o que achava da opinião de que a ficção científica é subliteratura ou
kitsçh. Propôs-rne, certa vez) o que agore dcscnvolve muito efrcaz'
mente neste livro: o conceito de "fantástico" só tem vigência em
relação a urr conceito particular de "real". Como realutente ninguérn
sabe o que é a realidade, pois só há interpretaçóes múltiplas da mesn-Ia)
também o far-rtástico é Llm diferencial, varianclo historicamente .
Na boa ficção especulativa, afirma o Roberto) o fantástico é meio
de pluralizar e relativrzu a racionalidade dorninante. A expressão
"ficção especulativa", gue prefere a "ficção científicrl", indictrria o
que caracterrza nuclearmente o gênero: a especulação sobre os limites
da noção de "rei1l".
Achei satisfatória a hipótese, pois era antropológicrl, atentll à
particularidade histórica das representaçóes, e politizava o estudo.
r5.
I6.
L7.
18.
16 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BMSIL
Como eu nada conhecia do assunto) a não ser os indefectíveis )úlio
Verne e FI. G. Wells, e pensando que em geral as histórias literárias
brasileiras não contemplam o gênero, propus-lhe fazer uma pesquisa
sobre a ficção científica no pú. Iàmbém lhe propus que discutiríamos
à medida que redigisse um texto gue, mais tarde, depois de terminar
a Graduação, poderia vir a ser a célula inicial de um Mestrado. Falamos
algumas vezes da sua pesquisa sobre o mito e fontes medievais da
ficção especulativa, como o ciclo arturiano e a matéria da Bretanha.
Passei-lhe textos) como o de Henry Thomas, sobre as novelas de
cavalaria espanholas e portuguesas) ou o de William J. Enrwistle,
sobre a lenda arturiana nas literaturas da Península Ibérica. Mas
também conversamos algumas vezes sobre o romance gótico e o
simbolismo da sua ambientação decadente e cormpta; o Frankenstein,
de Mary Shelley; o Drrículo, de Bram Stoker; I{oite nn tatterna, de
Alvares de Azevedo; os contos de Poe; as teorias de Lovecraft sobre o
horror; o terrível de Burke; o gênero fantástico de Luciano de Samósata. . .
Por sua vez) o Roberto me passou textos de darkfantasy de Stephen
I(ing, contos de Asimov e mais publicaçóes em que também era
,,uto. Me lembro de um texto diveitido, em que a flóresta amazônica
marcha sobre as cidades, que me lembrou a cena da floresta que
anda, do final de Macbeth. Af;íbula de muitos textos que li me pareceu
ruirn e convencional, poré*, quando os personagens e os conflitos
eram alegorias de arquétipos, o Bem e o Mal, esquemáticos e con-
formistas. E, acima de tudo, me desagradava o evolucionismo positi-
vista dos autores: se a Grande Pirâmide de Gizé tem pedras de trinta
toneladas, só foi possível erguê-la, segundo muitos narradores)
porque os egípcios tiveram o auxílio de racionalíssimos entes extra-
galácticos) deuses do vimana talvez portadores do vril de Madame
Blavatsky ou de mais gad,gets de Spielberg como meio técnico qlre
inseminou o pólen da inteligência que fez as pedras levitarem.Ou
teria sido o Oitavo Raio Boorsoomiano modulado de mantras budis-
tasl Em toda a parte do exótico, do passado e do fururo, o Outro era
nruittrs vczes o Mesmo. A organizaçáo social das civilizaçóes perdidas
crn sclvas e planetas fantásticos, distantíssimos no tempo-espaço,
tlmbérn não tinha nenhuma imaginação: presidentes ou, pior ainda,
Prefácio -
reis, classe dominante e dominada, trabalho escravo, religião, sexua-
lidade masculina e feminina e até dinheiro. Barthes já falara disso nos
anos 50, tratando dos marcianos. Divertia-se, então, dizendo que a
Llnião Soviética era urn mundo entre a Terra e Marte.
Apesar de minha suspeita inicial de que fosse hitsch, a coisa me
interessava como prática. Quero dizer: me interessava a possibilidade
de tratar antropologicamente a fusão de elementos mitológicos,
medievalizantes, mágicos, arcaicos e regressivos com elementos
"científicos", tecnológicos, energias fulminantes e seres alienígenas
com sutis corpos de lagarto) mentes sem corpo, teletransporte e
dobras temporais. A que corresponderia) no imaginário contempo-
râneo, a fusão do arcaico do mito com a livre especulação sobre
imagens estereotipadas das ciências da natureza e da tecnologia
astronáutica| A ficção científica era sempre iluminista e utópica) como
o Roberto me tinha dado a entender, produzindo o estranhamento
das convençóes interpretativas do "real"| Ou também seria um futu-
rismo regressivo, propondo a força incondicionada como resolução
de problemasl Ou, ainda, uma espécie de alegoria política do Outro,
o pobre, o negro, o comunista soviético-cubano-vietnamita-chinês, a
ideologia exótica da ditadura de 64, o fundamentalista islâmico de
hoje, reconhecível imediatamente no monstruoso da sulfurica gosma
verde insidiosa e dissolvente dos marcianos dos filmes B, no tempo
da Guerra Fria, formigóes sem alma marchando em hordas socialistas
contra a Civilizaçáo Ocidental Cristã, defendida como sempre pelos
EUAI Essa espécie de metáfora pnp do retorno do recalcado do puri-
tanismo ianque, tão fundamentalista e psicótico quanto terrorisra)
até que era e é inteligível quando, por exemplo, a genre pensa na
evidência do imperialismo baseado materialmente no desenvolvimento
científico e tecnológico dos gringos. Mas qual era a condição de
possibilidade da existência da ficção científica em Botucaru ou São
Paulq valnos dizê-lo assim, como perguntei ao Roberto algumas vezes)
quero dizer, em lugares como o Brasil, a Bolívia ou Angola, que aré
ontem foram colônias de metrópoles carolas, inimigas do empirismo
e do chamado método experimental, lugares onde o horror é instiru-
cional e o máximo da imaginação ainda é a discussáo do preço do
L7
1B - FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
sapato, algum lobisomem esporádico e sempre o abusão da genealogia
familiarf Gabriel Garcia Márquez disse certa vez que o maior desafio
para os escritores latino-americanos foi a insuficiência dos recursos
convencionais para fazer crível a vida que se leva por aqui.
Roberto lembra que urna das primeiras obras brasileiras de ficção
especulativa, O Doutor Benignws (1875), de Augusto Emílio Zal:uar,
não faz dessa insuficiência uma questão crítica ou política posta na
base da invenção da forma. A maioria das obras escritas depois também
não. O texto de Zaluar tem menos ação fisica que os romances de
Júlio Verne e seu enfoque da ciência e da tecnologia é exterior: elas
são objetos de descrição e contemplação, não de transformação ime-
diata da natvreza. Num país de ciência tênue, em que à literatura
coube a tarefa de compor as metáforas formativas da confusão perene
clc público/privado, como já disse um nacionalista, Cruz Costa, que
scria a "ficção científica")
É inviável, nurn texto introdutório como este) dar conta da tota-
liclrrclc das análises desenvolvidas pelo Roberto, pois escreve fazendo
ur)l 1-rtrrtrlelo entre a ficção especulativa estrangeira e a brasileira,
r.lclurlLllando inúmeros exemplos de obras, descrições de enredos,
rcfbrências a obras críticas estrangeiras e brasileiras especializadas
no rlssunto e dados factuais. Prudentemente) reconhece que o gênero
"ficção especulativa" é escorregadio. Para dar conta dele, ordena o
livro em três grandes articulaçóes complementares: investigtr as teorias
do fantástico e suas definiçóes; reconstitui elementos da história
antiga e moderna do gênero; comenta obras) estrangeirtrs c l-rrtrsileiras,
antigas, medievais, renascentistas) românticas, modernas c contem-
porâneas, dos três subgêneros que propóe como constinrtivos clrr "ficção
especulativa": a ficção científica, a fantasia e o horror. Digrulros brc-
vemente que o subgênero da "ficção científicâ", como tr dcfltrc, 1'rõc
em cena metáforas da ciência e da tecnologia, geraln-rcntc cnr Lur-rr.l
narrativa de "viagem fantástica" por espaços-tempos inconrur'rs)
profundeza da Terra, interior do corpo humano) pla,nctrrs dc ()utros
sistemas, florestas ou desertos primitivos) o passado dc civilizrrçõlcs
lendárias, Lemúria, Atlântida, Manoq ou o improvável funrro lltuttru'to,
devastado por guerras nucleares e civilizaçóes cruéis c sllnguinrírirrs
ou absolutamente pacificado sob a direção ilustradíssimrr clc frl«'rsofos
Prefácio -
e cientistas realizando a coisa assustadora que é a república platônica.
A narrativa do subgênero "fantasia" relaciona-se a matrizes populares
e cultas da narrativa de magia e sobrenatural, recuperando tópicos
medievais, principalmente) caso do rei Artur e a Távola Redonda, as
lendas em que aparecem o mago Merlim e a bruxa Morganq associados
a práticas pré-cristãs) como os cultos celtas do vegetal e da fertilidade
estudados por Frazer em The Gold.en Bough, e incorporações, no caso
do Brasil, do espiritismo kardecista e de culturas indígenas e africa-
nas. O subgênero do "horror", finalmente) relaciona-se ao que Freud,
falando de Os elixires d"o diabo, de Hoffinann) chamou de "sinistro" ou
Unheirnlich, o espectral não-familiar, indeterminação e medo do ino-
minado grotesco) que rompe os hábitos cotidianos com uma força
incontrolável de angústia sem explicação.
Tkatando com muita eficácia analítica da expressão brasileira
desses subgêneros já no século XIX - por exemplo, analisando l{oitena tave?'na,) de Alvares de Azevedo (1878); O Dowtor Benignws, de
Augusto Emílio Zaluar ( 1875); o conto "O imortal", de Machado de
Assis (L872; 1882); entre L920-1950 - por exemplo, O presid.entenegrl ou O choque d.ns rã,ça,s., de Monteiro Lobato (L926), analisado
por André Carneiro em urn estudo pionei ro, Introd,wça.o ao estwd.o d.a
"Science Fiction" (L967);Af,lha d.o Inca ou A República 3000 (f 930),
de Menotti del Picchia; "O homem silencioso" (1928) e Znnzahi e
Reino d.e Dews (1938), d. Afonso Schmidt; "O mistério de Highmore
Flall", "Makiné" e "Kronos kai Anagke" (L929-1930), de loáo
Guimarães Rosa, redescobertos por Braulio Thvares na Biblioteca
Nacional; A cidad.e perüd.a, de |erônymo Monteiro ( I94B), além de
vários textos contemporâneos dos anos f9B0 e 1990 -, Robertoestuda as matrizes dos subgêneros) começando por discutir se as
obras de gênero fantástico de Luciano de Samósata e suas imitaçóes,
dos séculos XU, XWI e XWII, por Francis Bacon, Campanella,
More, Cyrano de Bergerac, |onathan Swift etc., podem ser conside-
radas "protoficçáo científica". A noçáo de "proto" é, obviamente)
antecipatória. Roberto sabe dessa teleologia e propóe a especificidade
histórica, mítica, religiosa e poética, de antigos textos narrativos de
viagens, em que aparecem elementos fantásticos, como o épico
19
20 _ FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
sumério-babilônico de Gilgamesh e Enkidu ou a Od.isséia, eviden-
ciando que se tornam "protoficção científica" quando apropriados
em programas de usos do passado que inventam tradiçóes. Ou que as
destroeffi, como ocorre exemplarmente com Machado de Assis, em
quem vamos nos deter um poucor para ainda falar do "fantástico".
Em 1882, ele republicou "O imortal", conto de L872, em que
narra a vida de um personagem que vive mais de 250 anos. O conto
parodia e desmontao romanesco romântico da aventura e do amor)
elegendo uma tradição antiga, a de Luciano de Samósata) grego do
século II d. C., autor de obras satíricas e paródicas relacionadas à
chamada Segunda Sofística. Caso de l{isaírin v erd.ad.eira, runa paródia,
informa Flenrique Murachco, das narrativas de Odisseu na corte do
rei Alcino) nos cantos IX e seguintes da Od.isséia.r Como outros
textos de Luciano, I{istória tterd.ad,eira se caracteriza pela improba-
bilidade das ações e dos eventos narrados, improbabilidade que
Roberto analisa tratando do "fantástico". O gênero) demonstra, foi
usado por autores conhecidos de Machado de Assis, como o Swift de
Viagens d,e Gulliver) olr o Cyrano de Bergerac de Wagern à Lwn. Tem
regras específicas: é uma ficção falsa, ou seja, ficção sobre coisas
impossíveis e improváveis. Para especificá-la, podemos repetir a
pergunta de Espinosa: A narração de tiln evento que não ocorreu em
parte alguma é falsa ou fictícia| Há dois tipos de critérios para res-
ponder, o de existência e o de essência. Quando a narração se refere
a algo que realmente existe e o relaciona com um evento que não
ocorreu em parte alguma) tem-se a "ficção primeira". Por exemplo,
com a referência de uma pessoa que realmente existiu, Machado de
Assis, podemos inventar a ficção 9.3lgo que nunca ocorreLr) como
uma viagem dele à Inglaterra) onde faz contatos com umrl brasileira
de belos olhos, leitora assídua de Otelo., chamada Capitolina. Tcrn-se
a "ficção segunda" quando a narração se refere somentc à cssôr-rcia
dos seres; com a referência à essência, é possível inventrlr umi.r ficção
verdadeira, como 'perã, f,ctio, e uma ficção falsa, conro fnlsa f,ctio.
Como exemplo desta última, imaginemos uma história rrbstrrclrr cnr
que um inseto infinito voa num espaço 9ue, teorictrmcntc', dcvcrií
estar todo ocupado por seu corpo; ou urn personagem com rulrrl rrlnrtr
quadrada. O*, ainda, um homem imortal. A distinção pcnnitc
Prefácio 2L
conceber operacionalmente a "ficção verdadeira" como a narração
que relaciona a existência ou a essência verdadeira de algo com eventos
que não aconteceram. E também definir a ficção de algo falso, que
não é nem existe, como história que relaciona o não-ser com aconte-
cimentos que nunca ocorreram. Afalsaf,ctio inventa algo impossível
de ser ., .rti.r, de acontecer. Em amboi os casos, verdãa.i- e falso,
o termo "ficçío" define uma operaçáo da imaginação, uma técnica,
uma forma e um efeito aplicados ora ao conhecimento de existência,
ora ao conhecimento de essência.
O exame que Roberto faz das inúmeras obras é funcional e visa,
justamente) a definir a imaginação, a técnica) a forma e os efeitos da
"ficção especulativa". O qre caracterízanuclearmente o gênero espe-
culativo e seus subgêneros é, com o dí2, o interesse pela figuração do
Outro. No caso estrangeiro, é possível datar de fins do século XWII
e início do XIX as obras de "ficção científica" no sentido do
subgênero que metafortza a ciência e a tecnologia como referência
principal - e, ainda, de horror e de fantasia, que figuram o Outro.No caso brasileiro, a coisa se rare faz. Como sugeri antes) Roberto {r:
avança hipóteses explicativas dessa rarefação: a primeira delas associa-se
ao quase nenhum desenvolvimento da filosofia e da ciência num país
que continuou agrarista e escravista por muito tempo depois da sua
independência política. Como diz Antonio Candido) em Forrnnçã.0 d.a
literaturo brasileirnrz desde os árcades existe uma posição, que se
sistematiz,ou no país durante o Romantismo, de considerar a atividade
das letras como prática constitLrtiva da nacionalidade. Obviamenre
interessado, esse pragmatismo implica até agora a diminuiçáo da
imaginação, dado o interesse pela apropriação política da literarura
como meio de representar imediatamente a experiência humana e
social, fixada por vezes no pitoresco mediado pelo favor que restringe
a universalização do valor estético. Os usos da literatura como ins-
tmmento de formação da nacionalidade teriam preferido a docu-
mentação realista e naturalista orientada pelas ideologias do progresso
e do determinismo. Nesse sentido, aqui a ficção especulativa teria
sido praticada, preferencialmente) nas formas do subgênero "horror",
como ocorre emA noite na ta;pe?Tta,)de Alvares de Aíevedo; ou como
sátira, em A lantemo rnrigica (1844), de Araújo Porto-Alegre; em
22 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
paródias byronianas) como O elixir d,o pnjá, de Bernardo Guimarães,
c nrais invenções, como o Thtwtwreru,a e O inferuo d.e Whll Street, de
Sousândrade. E, ainda) com a tópica da viagem fantástica a mundos
perdidos no interior do território, caso de vários textos do início do
século XX escritos por Menotti del Picchia) como Afilha d,o Inca, ou
Gastão Cruls, A Arnazônia rnisteriosn (L925). O sucesso brasileiro de
textos que representam mundos perdidos, propóe Roberto, teria sido
condicionado pela imensidão, exotismo e desconhecimento do proprio
território nacional. No início do século XX, num momento em que
vários projetos políticos de controle das populações proletárias de
negros e imigrantes aplicam ideologias eugenistas) racistas, tayloristas
e fordistas à organrzaçáo racional do trabalho ern centros urbanos
como Rio de |aneiro e São Paulo, a ficção especulativa tornou-se
meio para a propaganda das medidas. Algumas publicaçóes desse
tempo) como a revistaA Bond.eh,o, publicada pelo Club dos Bandei-
rantes) do Rio de ]aneiro, tinham capas futuristas; num número de
A Band.eira do início dos anos 20.,a Baía de Guanabara aparece como
que defendida por uma muralha de arranha-céus de centenas de
andares ligados por passarelas, cenário que lembra o planeta Mongo
do Flash Gord.on. dos anos 30, por onde multidóes militarizadas, que
descem de zeppelins, balóes e aeroplanos) marcham em ordem
unida, provavelmente à espera de um Duce ou Führer imitados pelos
galinhas verdes de Plínio Salgado e logo conc rettzados por Vargas e o
Estado Novo. Caso também de Monteiro Lobato, 9ue louva a discri-
minação racial norte-alnericana em O presid,ente negro e que, nas certas
que escreve a Anísio Teixeira, imagina o futuro do Brasil como um
cenário de ficção científica; ou de Albino |osé Ferreira Coutinho,
autor de A liga d"os planetns (1923), em 9ue, colxo Roberro aponra
com agudeza, o narrador compensa o imobilismo sociarl apclando
para o discurso patriótico, quãndo viaja à Lua e faz conrrlros, r'ra
qualidade de embaixador brasileiro, com os povos de Vênus c Martc.
Caso ainda de O Reino de lOato (Irtopa,es da.verdade) (L922), de Iloclolpho
Theofilo, que narra a história de King Paterson, nortc-rlmcricano
descobridor da Novrovicina, sedativo homeopático, guc chcga il
Kiato, sociedade que havia abolido os três principais malcs da humtr-
nidade: o áIcool, o fumo, â sífilis. Em Kiato tem de tudo, ó oLrrrtl
Prefácio - 23
civilização. Lár "...o cidadáo vive e procede de acordo com a educação
cívica e moral que recebeu".
Ponto alto do livro do Roberto é o terceiro capítulo, 'APulp Era
que não houve", em que trata da produção de revistas) pulp yna,gil,zines,
divulgadoras da ficção científica e fantasia, na Europa e nos EUA
nos anos L920-I950. Elencando títulos de obras estrangeiras e
nacionais e datas de ediçóes, casas editoras brasileiras e meios de
distribuição da ficção especulativa no país, esse capírulo transcende o
assunto de que trata) pois interessa imediatamente para uma história
cultural das práticas de leitura no país. Por que não se formou uma
pulp fi,ction ou uma palp erã, por aquif , pergunta. De modo geral,
evidencia, se já é diÍícil editar textos da literatura sancionada por
críticos, historiadores literários e pela instituição escolar, mais difícil
ainda é publicar literatura especulativa não sancionada no cânone
literário. As editoras brasileiras preferem traduzir obras de ficção
especulativa estrangeiras gue, por existirem em grande quantidade e
já terem recebido direitos autorais em seus lugares de origem) saeln
mais baratas que o texto de autor nacional. Além disso, como aponta
olrtroestudioso do gênero) Braulio Tavares) por aqui não houve
grandes obras prod,riorm de imitaçóes, nem rê orgnt iro., nenhum
grupo de autores unidos no projeto de inscrever a ficção especulativir
na história literária do país. A ficção especulativa vive do interesse de
um público por assim dtzer especiahiado, que a edita e consome
hoje em fanzines, como Megalon,; revtstas) como Dragã.0 Brasilrolr ne
coleção MlNlbolso-Futurama) da editora Opera Graphica. Público
mínirno e) não seria preciso dizê-lo, sujeito como tr-rdo o rnais à
instabilidade econômico-política do país.
Não obstante, como diz o Roberto no final do texto, "coisas
estranhas e instigantes acontecem e nos fazem sonhar com o que a
ficção especLllativa brasileira poderi a fazer, adaptando influências
estrangeiras, descobrindo estratégias para a representação dtr reali-
dade local, se as condiçóes fossem outras". Este livro é uma dessas
coisas estranhas e instigantes.
Ioan AdoW Hansen
Mito, realidade e
Introd ução
ficção especu Iativa
E possível afirmar que o objeto deste estudo literatura espe-
culativ existe e sempre existiu sob a forma de narrativas orais: o
que era contado à volta das fogueiras nos campos e cavernas do paleo-
lítico deviam ser narrativas de deuses e demônios, fantasmas e avatares
cujas açóes podiam promover o desenvolvimento ou a destmição de
uma comunidade. Em termos de crítica literária, eram narrativas
próximas ao que Northrop Fry. chamou de "miro", denrro de sua
"Teoria dos modos" (em A nnatornin da. wítica lAna,tnril.y of Criticisrn,
I9571), "Se superior em cond.içã,0 tanto aos outros homens como ao
meio desses outros homens, o herói é um ser diviro, e a [história] sobre
ele será um rnitorno sentido comum de uma história sobre Lun deus."r
I)e modo semelhante, é possível argumentar que o elemento
fantástico da literatura especulativa está presenre também na cons-
ciência individual do ser humano. Sigmund Freud fala do "animismo",
em sua abordagem do "sinistro" - ou "estranho", como algunsprefcrem chamar. Freud define o animismo como
caracterizado pela proliferação de espíritos humanos no mundo,
pelo subestimar narcisista dos processos psíquicos, pela onipo-
tência do pensarnento e pela técnica da rnagia que nela se basêia,
pela atribuição de forças mágicas, minuciosamente graduadas a
pessoas estranhas e objetos ( . . .), e finahnente por todas as criaçóes
mediantes as quais o ilimitado narcisismo desse período evolu-
tivo se defendia contra a inegável força da irrealidáde. Parece qlre
no curso de nosso descnvolvimento individual passamos por
uma fase correspondente a esse animisrno dos priàritivos (.. .) .
quando hoje (algo) nos parcce "sinisrro" lerra à condição de
evocar esses restos de uma atividade psíquica animista, estimu-
lando-os a manifestar-se.2
26 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HORROR NO BRASIL
Do argumento de Freud se deduz a concepção positivista de
que a evolução humana no sentido do racional superou o irnpulso
animista, deixando-o apenas como um resquício a ser estimulado
pelo gênio dos autores) evocando dessa fonte subconsciente o
"sinistro" ou o "estranhamento".
Segundo Laure nce Coupe, effi Myth (1997), o criador da
psicanálise teria sido influenciado pelo folclorista Sir |ames Frazer,
autor de The Gold,en Bowgh ( I9I 1- f 9 f 5 ), visto como "muito próximo
do positivismo) encarando a humanidade como tendo progredido
da magia, passando pela religião, até a ciência".3 E ainda:
Como Frazer, [Freud] é um racionalista que vê o mito conlo
uma espécie de erro rudimentar. Para um [Frazerf, a depen-
dência da magia da fertilidade significâ que o mito é urna espécie
de falsa ciência ( ..). Para o outro [Freud], mito e religião são
invalidados a partir do momento ern que são reconheciclos
como neuróticos.a
A questão do mito se torna central, flo debate em torno da literar-
tlrra fantástica, especialmente quando o mito assume um caráter dc
possibilidnd,e. Coupe:
I*lTli,'lH:,fr l':ffi'tr§:,ll?Í':âiif:i'.t1*lH:5['i:
perfeita, também carrega consigo a prornessa de um outro rnoclo
ff t':Tl:nffiTtrtríii:iflli:ff il[,i:,t'§,ilH::ri::csEIc
Escapanclo da visão positivista e racionalista, a crirrção clc nritcr
("mitopéia") na literatura e a leitura mítica da litcratLrrrl ("nritcl-
grafia") encontram função como dispositivos literários. A ccntrrrli-
dade que o conceito asslrme é expressana afirmativa finrrl clc Coupc:
"O mito pode ser apreciado como sendo aquele moclo llrr rativo clc
compreensão que envolve uma dialética contínua do lncsmo c clcr
outro) da memória e do desejo, da ideologia e da utopia, d. hicrrrrcluirr
c clo horizonte) e do sagrado e do profano."6 Ao citar Frank I(cnr-rodc
Introdução - 27
(autor de Pwzzles and Epiphanies., L962), K. K. Ruthven tende a
concordar: "Esse é o diagnóstico de Kermode: 'no território do mito',
ele escreve) 'podemos curto-circuitar o intelecto e liberar a imagi-
nação que o cientismo do mundo moderno suprime; e esta é a posição
central modeÍnd."7
Apoiado em Fry. e em Frederick )ameson) Coupe nos fornece
um contexto de mitopéia viva e operante em nosso tempo e lugar,
não relegada ao passado e a culturas "primitivas". Scott McCracken,
autor de Pulp: Read,ing Popwlar Fiction (1998), partilha da minha
desconfiança com relação à visão freudiana do Sinistro:
O (. . . ) problema com a teoria de Freud do Sinistro se relaciona
com a sua discussão das culruras "primitivas". (. . .) Ao descrever os
funcionamentos do Sinistro, ele buscou suas origens num passado
inventado, 9ue, dtziaele, estava ainda evidente nos ritos "primi-
tivos" das culturas pré-modernas.s
E é esse contexto que fenômenos literários relativamente recentes)
como a literatura pós-colonial ou world literatwre (como em world,
rnwsic) e a literatura nativa-americana (realizada pelos indígenas das
Américas), vêm contestar por meio de novas perspectivas. Em tais
novos exercícios, a orntwrae de certas culturas se torna literária (o.t
"letrada") e traz para o plano literário internacional crenças ainda
vivas, gue nossa compreensão ocidental veria como "resquícios
animistas" de um pseudo-desenvolvimento evolucionário humano,
mas que convivem culturalmente conosco.
Assim) o romance vencedor do prestigioso Booker Prize inglês,
The Faru,ished. Road,, do nigeriano Ben Okri, foi resenhado na
revista Locws - The Newspa.per of the Scien,ce Fiction Field. como "um
exótico amálgama de fantasia e romance rnainstrea,rn" rr0 quando,
para o autor) a sua narrativa pode muito bem representar a trans-
posição literárrade crenças interpretadas por ele e por seus conter-
râneos como a mais pura realidade, e não "fantasia". (Embora)
no caso de Okri, aceitemos que possa haver uma forte autocons-
ciência literária no emprego dessas crenças.)
28 - FICÇÃo cIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Ocorrência semelhante se dá com a novela de Amos Tutuola
(L920-L997),The Pnlrn-Wine Drinkard. (L952) ) montagens de narra-
tivas orais nigerianas "em épicos em prosa frouxamente construídos,
que improvisam sobre temas tradicionais encontrados em narrativas
folclóricas iorubás", mas que não o impediram de ser definido como
"autor de fantasias ricamente inventivas".II
As novas regras de nosso mundo multicultural nos obrigam a
compreender outras culturas como soluções igualmente válidas de
cxistência social e de cognição da realidade. Elas também nos obrigam
a reavaliar afirmativas como a de Freud, gue, dentro da nova perspec-
tivrr, talvcz nos parecesse hoje tão etnocêntrica quanto positivista e
"cronocêntrica" (no sentido de propor um único tempo evolutivo, o
«rcidcntal europeu, para toda a humanidade).
Os novos fenômenos aglutinam o duplo desafio representado
lx)r c:ssc "fantástico" que confronta tanto o paradigma dipercepção
rlrr rcaliclade quanto o paradigma literário do mero efeito de estranha-
r)lcnt(). Eles oferecem tun desafio aos limites dos modos de pensar
trcidcntais, inclusive e especialmente aqueles expressos na literarura
c nrl crítica cultural. O caráter subversivo do fantástico - quenos cnvolve em uma realidade alternativaà nossa - é empregadoduplarnente.
Compreendendo as contradiçóes implícitas no atrito entre o fato
ou "evento fantástico" e o paradigma racionalista do Ocidente, e
entre as possíveis concepçóes de real e irreal, facrual e imaginário,
muitos autores têm produzido obras que procurarn) propositúnente,
atenuar essas fronteiras. No conto "Las ruínas circulares", de Jorge
Luis Borges (f 899-198ó), há essa inversão de um determinado para-
digma do real, com a transformação do protagonista que se imagina
criador) em objeto criado.
Outro exemplo instigante é o conto 'A formiga elérrica", do
norte-americano Philip K. Dick (I928-I9S2), autor que se caracre-
rizou por levar a extremos os jogos de realidade, incluindo mundos
irreais e alternativos (é famoso o seu romance O l,tornern. d,o castelo nlto,
ou Tbe Man in the HAh Castle, L962), percepçóes esquizofrênicas,
Introdução - 29
simulacros de seres humanos) figuras messiânicas guiadas por prin-
cípios deterministas de atemporalidade (como em Pnssageiros pa,ra.
Vênws, ou The World, Jones Mod,e, de L956, no qual o Protagonista
]ones, apresentado como o líder messiânico de um movimento
fascista futuro, se diz guiado por previsóes nas quais ele simplesmente
vê a si mesmo executando atos e decisões, sem vontade própria), e
intervençóes de figuras deificadas.
Em 'A formiga elétrica", conto claramente inspirado em A
rnetarnorfose (Die Wrwand.lung,Igl5) de FraruKafka, o protagonista
Garson Poole acorda no hospital após um acidente automobilístico,
para descobrir que é uma "formiga elétrica" - um andróide ou "robô
orgânico" (como é definido no conto). Poole descobre ainda que
dentro de seu peito há um "dispositivo fornecedor de realidade", fita
perfurada que se desenrola lentamente de um carretel que passa
diante do leitor ótico. Todas as percepçóes de Poole, sua própria
consciência, são condicionadas por esse dispositivo. Não se trata de
programação de comportamento) mas de toda uma formulação da
realidade que deve por ele ser apreendida.
Poole decide intervir sobre o dispositivo, para testar suas possi-
bilidades. Bloquear alguns orifícios da fita com vernizproduz o desa-
parecimento de uma parte de Manhattan. Cortar e emendar uln ftrg-
mento não-perfurado da fita diante do leitor ótico produz algumas
horas de total escuridão, sem o menor inpwr de sensações. Ao intro-
duzir novos furos na fita, surgem diante de seus olhos uma revoada
de patos) um velho lendo jornal num banco de jardim...
Finalmente o personagem decide cortar um trecho da fita, de
modo que o leitor ótico nada encontre para ler. Poole acredita que
assim lerá um lampejo da total;id,ad.e - uma visão do que seria colhertodo um espectro de sensaçóes e não apenas um recorte momen-
tâneo.l2 De fato, isso ocorre) mas o resultado final é a "morte" da
formiga elétrica.
Mas o conto não termina aí. A secretárrade Poole, Sarú Benton,
que ele considerava ser apenas mais um elernento da realidade perfu-
rada no dispositivo, testemunha sua morte. "Ele me considerava como
il
30 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL
um fator de estímulo em sua Íita de realidade", ela pensa, para, logo
a seguir, ir desaparecendo gradarivamenre.
Ambos os contos de Borges e Dick - ou talvez devamos nosreferir a um "tipo" de narrativa - fazem parte de uma exploraçãobastante comum na ficção científica e fantasia. Mesmo um autor
pouco ativo - ainda que apreciado - no campo, como RichardMcKenna) escreveu trabalhos como "The Secret Place" (19óó)) ven-
cedor de um Prêmio Nebula póstumo. É 
^história 
de run oficial do
exército americano) encarregado de investigar a presença de urânio
nos arredores de uma cidadezinha do Estado de Oregon. A única
evidência da presença do material estratégico ali viera de um rapaz
encontrado morto em circunstância misteriosas. O oficial rapida-
mente reconhece a inexistência do material no lugar) mas não pode
abandonar a operação. Para se entreter, ele contrata como secretária
Helen, irmã do rap az morto. Durante os trabalhos de campo, ela lhe
fala de um mundo mágico que partilhava com o irmão. Aos poucos o
oficial penetra nesse mundo de fantasia e descobre 9ue, de algum
modo comandado pelas forças da imaginação, eles recuam no rempo
até o paleolítico, quando a região continha o urânio.
Em outra história, "Casey Agonistes", homens que se encon-
tram prisioneiros, aparentemente em quarentena por contaminação
radioativa, esperam a morte. Thmbém para se entreterem ou fugirem
do seu contexto desesperador, eles de algum modo se auto-hipno-
tizam, criando "Case/', um macaco que percorre os seus dias, entra-
mando-se tão fortemente na consciência dos homens a ponto de se
tornar tuna espécie de expressão coletiva de suas ansiedades e temores)
e válvula de escape por meio do cômico.
Em "Ffunter, Come F{ome", Lrma noveleta, um casal se depara
com uln planeta consciente) que está disposto a abrigá-los, se aceitarem
fundir suas mentes a um toão maior, q". os aceiiará como Adão e
Eva (o mito do casal primordial) de um paraíso do qual nunca serão
expulsos e sempre estarão integrados. Também de McKenna) "Mine
Own Ways" propóe que rituais baseados na dor poderiam ligar os
homens (mas não as mulheres) a um passado comuffi, a uffr incons-
ciente coletivo que é necessário para o surgimento da inteligência
Introdução - 31
rlutoconsciente.lá a sua novela "Fidler's Greert'' fala de um grupo de
náufragos que descobre - através de um deles, um certo 
Iftuger -
uma maneira de encontrar um espaço que os abrigue. Para atingi-lo
eles também passam por um processo hipnótico) mas a especulaçáo
de Mcl(enna é a de que a realidade é fruto de um consenso) e que o
próprio isolamento dos náufragos e a absoluta confiança que depositaln
na fantasia de Kruger determina a transição deles para um espaço
alternativo, que cresce continuarnente com a adesão de outras pessoas,
gue, por um motivo ou outro) se encontram alienadas da nossa
geografia do real. O protagonista, Kinross) consegue escapar da
utopia de lftuget, mas a um custo terrível.
Todas as investigaçóes de McKenna sobre a natureza do "ser" e
da realidade - o campo filosófico da ontologia - 
são fascinantes e
bern escritas) sem abandonar a atmosfera e os temas e motivos que a
ficção científica fornecia ao autor. Seu interesse maior está na impor-
tância que dá às paixóes humanas como motivadores do coutato com
els realidades alternativas. Isso garante à sua ficção não apenas as
qualidades do estranharnento e da especulação intelectud, mas também
teor clramático muito consistente) às vezes faltante em Ilorges e em
seus imitadores.
Na novela'Últim o Gentlernan",deClifford D. Simak (I904-I9BB),
Flollis Harrison é Lrm renomado romancista que descobre, ao
senrir que esgotara sua fonte literária (pot "ter dito tudo o que
havia para scr dito"), que a realidade à qual estava habitr-rado
i1refluâ-se diante de seus olhos. Harrington, para realizar o tipo
de literatlrra que produzia, neccssitarra compor ao seu redor ulrl
contcxto de situaçóes de elegância e bom gosto, guc sLra vida nãct
comportava. A história se desenrola a partir da dúvida do protll-
gonista, de ter ele próprio construído ir ilusáo, ou de ela ter sido
implantada ncle . A conclusão escolhe a segunda hipótese) dentro
c1a premissa de urna rnanipulação da humanidade, por meio d;r
seletiva inclusão de idéias no plano cultural, condicionando deseu-
r,,olvimelltos nos campos da política c da idcologia. Essa mrrnipu-
lação seria feita por uma espécie alienígena que coabita o nosso
planetâ, e que Harrison vem a expor.
32 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
Perspectiva semelhante é sugerida no conto "O homem que hip-
notuzava" (196I), de André Carneiro. O protagonista) insátisfeito
com sua existência, cria para si uma nova realidade, pelo recurso da
hipno_se. A medida que a realidade se intromete nas ilusóes constrúdas,
ele reforça novas auto-hipnoses) do mesmo modo que urn viciado em
t
drogas necessitaria de doses maiores) com o passar do tempo.
A novela de Simak, além de ffatar das ilusõeshumanas e de
questionar a Percepção da realidade, evidencia ainda uma interiori-
zaçáo da vivência literária, elemento também presente no conto de
Borges. Neste, investiga-se a relação criador-criatura) que se expressa
na criação do personagem ficcional. Na obra de Simãk, trrrr-se da
necessidade de uma vivência sinton izada com a criação) com o
aspecto ficcional condicionando a realidade.
Essa metalingüística tem se expressado em ffabalhos recentes)
caracterizados pela Presença do próprio autor e de índices de sua
vida pessoal, como parucipes da narrativa imaginada. No conto "Leica,
modelo L932", de Rubens Teixeira Scavone) ele próprio, e membros
de sua família - assim como a paisagem paulisianã onde vivem -
:ão personagens. A história fala de uma máquina fotográfica rece-
bida como Presente pelo protagonista, possuidora da cipacidade cle
revelar, a cada chapa, momentos do passado ou do futuro. A presença
do autor e de aspectos de sua vida agregam à narrativa uma sugestiva
irnpressão de verossimilhança e de estranhamenro.
No polêmico "Lost Boys", do norte-arnericano Orson Scott Card,
o autor e sua família são parte de um drama suburbano (e que é
também uma história de fantasmas) marcado pela inadaptação dê urn
filho (ficcional) à mudança da família Card- à Greepsboio, cidade
onde de fato os Cards se fixaram. Em paralelo ocorre uma série de
desaparecimentos de crianças.
Como o autor fazdesse filho ficcional vítima de um serinl killer,
o conto gerou todo tipo de reação controversa. A escritora Pat
Murphy chamou-a de uma "mentira" que ia além da mendra que a
ficção deveria ser. Em resposta) outro autor, Andrew Weiner, adinite
que o trabalho de Card realizotro milagre de instaurar nele a dúvida
entre os limites da realidade e da ficção:
Introd ução -
Orson Scott Card. poderia facilmente ter escriro "Losr Boys"
do modo convencional. Chamar o narrador, digamos, de Péte,
dar-lhe um emprego de, digamos) engenheiro áe software (...)
A história ainda funcionariá. Ela aindã entraria dentro da vida
Hl'H"o: ,;?,ft:';,ff :,H1".:'ffil:i J; J *H[t : f, à';
seria um dos contos mais poderosos-de Card. (..:) Mas você
teria perdido alguma coisa. Você teria perdido aquela momen-
tânea suspensão da descrença, quandolê as últimas páginas da
história e se pergunta: Isto realmente aconteceulr3-
"Lost Boys" realíza um jogo de realidade nã, stt,ã, prtípria arti-
culnçã,0 d.e leitwra - trabalhando sobre a expectariva do leiror emencontrar um artefato literário, um produto, por definição ficcional,
transformado subitamente em uma confissão, e entáo, novamente
em relato imaginado. O resultado é tanto o embaçamenro dos
limites, quanto a confrontação com um objeto que parecerá ao
leitor mais verdadeiro, mais essencial do que aqueles cómportados
dentro das fronteiras já conhecidas. Trata-se de um efeiio básico
da ficção especulativa construção de uma realidade que é ao
mesmo tempo próxima e distante da percepção do leitor, de modo
que a sua percepção crítica possa ser recuperada. Em essência,
uma realidade alternativa por meio da qual o leitor acessa a sua
própria realidade de modo renovado.
:
Essa tendência de ter autores como personagens de criaçóes
claramente ficcionais incorpora na articulação de produção e leitura
do texto literário algum nível de dissociação usualmente percebido
como claro limite enffe ficção e fato. Como na narrativa de Borges,
"Borges y Yo" (1960), nâ qual um Borges (o homem) comenra seu
relacionamento com outro Borges (a figura literária), chegando a
um ponto de absoluta incapacidade de distinção enrre urn e outro. O
produto transformando o criad mas levando igualmente à idéia
33
34 - FrcÇÃo crENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
de que a experiência existencial do escritor passa a ocorrer em asso-
ciação direta com a experiência literária - e suas próprias percepçóes
tornam-se uma lente polida pela vivência da ficção.
No centro dessas narrativas está a tentativa de criar realidades
alternativas que vêm relativtzaÍ a nossa própria. Exatamente o que
tenta fazer a literatura especulativa - especular sobre a realidade,
fornecendo paradigmas que relativizaÍn as compreensóes estabelecidas .
Neste estudo tentaremos abordar a protoficção científica ou
protoficção especulativa, definida aqui como uma visão retrospec-
tiva partindo do observador contemporâneo e deslocando-se para o
passado) em busca de obras com run teor que as identificaria como
expressões especulativas. Nosso objetivo é encontrar pistas dos
elementos formativos da literatura especulativa (que especula sobre a
realidad.)) mas sempre tendo em mente que as obras que os contêm
podem não ter sido produzidas dentro dessa chave. Veremos que
o autor moderno de ficção especulativa) se não é de fato o fruto de
uma tradição literária que vem da antigüidade e deságua no mar da
especulação, muitas vezes retorna ao passado para apropriar-se dessa
herança e transformá-la em urn novo produto. Tâmbém nesse novo
objeto muitas vezes entrelaçam-se fato e ficção, sob ulna nova luz,
em uma constante reconstrução da realidade, nessa tentativa relativi-
zadora e de compreensão indireta dos nossos modos de percepção e
interação com o real.
Àr 
".res 
a ficção científi ca é chamada de "mitologia modernâ",
o que nos obriga a retornar à questão do mito. A escritora de FC e
fantasia L]rsula K. Le Guin afirma:
"Mito é uma tentativa de explicar) em termos racionais, fatos que
ainda não são racionalmente entendidos." Essa é a definição
proporcionada pela mentalidade científica redutora) da prirneira
Introdução - 35
[**lltr**#Hrf'jx§]Hi#]T*il
compreendido como sendo uma bola de fogo muito maior que a
Terra, e que seu comportamento seja descrito por um sistema de
leis científicas, a velha pseudo-explicação mitológica se esvazia (. . .)
Ficção científica é a mitologia do mundo moderno - ou uma der.,T mitologiT - embora seja Lrma fo1ml de arte altamente intelec-tual, e a mitologia seja um modo não-intelectual de apreensão.
Pois a ficção científica usa a faculdade de criação de mitos para
:tr#:f#ffii?:,fr Hi:'xil::h,]ffi ffiJ:'#**f i::il
(. . .) Mitos, símbolos e imagens não desaparecem sob o escnrtínio
do intelecto; nem urn exarne ético, ou estético, ou mesmo religioso
deles faz com que encolham e desapareçam. Ao contrário: Quanto
mais você olha, mais eles são. E quanto mais você pensa, mais
eles significam.r5
Le Guin deixa claro que a visão positivista de que a crença ani-
mista será atenuada até urna condição de traço inconsciente, com o
avanço intelectual e científico, não eliminará a dimensão do rnito
como modo legítimo de apreensão não-intelectual da realidade. A
afirmativa vem ao encontro à visão do folclorista ]oseph Campbell:
A mitolngl, tem sido interp,:etada pelo intelecto moderno como
um primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo da natu-
reza (Frazer); como um produto da fantasia poética das épocas
pré-históricas, mal compreendido pelas sucessivas geraçóes (MiiLller) ;
como um repositório de instruçóes alegóricas, destinadas a adaptar
o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho grupal,
sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior da
psique humana (Iung); como veículo tradicional das mais
profundas percepçóes metafisicas do homem (Coomarswmy); e
como a Revelação de Deus aos Seus filhos (a Igreja). A mitologia
é rudo isso. Os vários julgamentos são determinados pelo ponto
de vista dos juízes. Pois, a mitologia, quando submetida a um
escrutínio que considera não o que é, mas o modo como funciona,
o modo pelo qual serviu à humanidade no passado e pode servir
hoje, revela-se tão sensível quanto a própria vida às obsessóes e
exigências do indivíduo, da raça e da época...ró
36 - FICÇÃo CIENTÍFIcA, FANTASIA E HoRRoR No BMSIL
As múltiplas faces do mito na narrativa) a oratLrra e a transfor-
mação dos mitos e seu uso corrente pela ficção especulativa serão
importantes para um estudo da associação enrre a ficção científica e
a chamada "protoficção científicâ", que nós chamaremos neste
trabalho de "protoficção especulativa",pois agrupamos dentro da
literatura especulativa os gêneros da ficção científica e ficção de
fantasia (science f,ction e fantasy f,ction). "Porque o rermo 'ficção
esPeculativa', como agora mais freqüentemente usado, não define
claramente nenhuma limitação genérica, ele veio a incluir [além da
ficção científica] também a fantasia como um todo [incluindo o
horror]."'7 Esperalnos poder desenvolver melhor as implicaçóes dessa
associaÇão, no primeiro capítulo, especialmente no que diz respeito
aos usos) pela ficção especulativa, do poder criador do mito, tanto na
obtenção de seus efeitos técnicos na narrativa, quanto na afirmação
do seu modo peculiar de representação da realidade.
Ficção científica e fantasia agrupam-se pelo denominador
comum de uma certa - e paradoxal - intenção realista de ambas.Nas palavras de André Carneiro, "(...) Poder-se-ia caracrerrzar a
difcrença entre a literatura fantástica e a [ficção científica] pela
impressão de arbitrário geralmente colocado pela primeira, a
sensação pela sensaÇão, sem nenhuma tentariva de situar possibi-
lidades reais, embora longínquas."'* Erquanto o senso comum
em torno da fantasia afirma que ela
é situada em um mundo afastado da experiência comum)
alguns ou todos os seus personagens são diGrenres de qualquer
criatura conhecida, o mundo de fantasia rem sllas prófrias
regras e lógica e é usualmente bem-ordenado dentro dehs, e
qualquer personagem comum que entre nesse mundo derre
conformar-se com o novo modo de vida. Por ourro lado,
criaturas fantásticas podem entrar no mundo conhecidcl, e
quando o fazem o seu poder freqüentemenre prevalece (.. .),,
Essa intenção realista da ficção especulativa, embora estando no
centro de seu interesse como literatura) dificulta o trabalho dos teóricos.
Fry., por exemplo, afirmou que
Introdução - 37
a ficção científica tenta imaginar, freqüentemente) como seria a
üda nurn plano tão acima de nós como estamos acima da selvageria;
seu cenário é amiúde de um tipo que nos parece tecnologicamente
miraculoso. É assim .,* *ddo ãe [nar?ativa] romanesca) com
forte e inseparável tendência ao mito.20
|á vimos que a "forte e inseparável tendência ao mito" é obser-
vável, mas ao mesmo tempo a intenção realista, aliada à tradição
popular da ficção especulativa, faz com que ela se aproxime de um
outro modo posrulado por Fry., mas não registrado por ele em seu
comentário sobre a ficção científica: o imitativo baixo, no qual o
herói não é "superior aos outros homens e seu meio", e onde são
exigidos "os mesmos cânones de probabilidade que notalnos em nossa
experiência comurn". Esses cânones são às vezes violados de uln modo
suave) ou são paulatinamente reformulados em um novo contexto
(como ocorre no ramo do horror conhecido como d.arh famtasy, e em
grande parte da fantasia contemporânea, isto é, ambientada eln
contexto contemporâneo). Tânto que os autores de ficção especulativa
comumente rejeitam a acusação de que seus mundos ficcionais são
desinteressantes porque neles "tudo pode acontecer". Ao contrário,
para cada mundo ficcional é criada uma lógica com a qual o leitor
deve familiarizar-se, enquanto o autor se obriga a mantê-la.
O modo imitativo baixo aparece igualmente quando com-
preendemos que uma grande parte da ficção especulativa descende
do scientifi,c rlrna,n.ce à moda de H. G. Wells e de Jules Verne,
contemporâneo do surgimento do romance realista e naturalista,
no século XIX, enquanto e quase simultaneamente) desenvolvia-se
o planeta.ry rlr'nã,nce) à moda de E,dgar Rice Burroughs, effi que
prevalece o aventuresco - ou a história romanesca, oâ teoria cle Frye.
Sobre a relação da ficção científica com o momento realista e
naturalista, James Gunn afirma gue,
Por trás das assunçóes dessa história clo futuro [coletivatnente
:[x3fl:',*'::ffi xi,"rilr..'úT,;",?iJ:Pfl:*nâ'#r?x;
que cresceu a partir dos movimentos literários e científicos do
38 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTAsTA E HoRRoR No BMSrL
século dezenove e do início do século vinte : realismo e natura-
!smo, do lado literário, darwinismo, sociologia, marxismo e
freudianismo no lado científi co.22
Além dessas consideraçóes) soma-se ainda o fato de muito da
literatura especulativa depender fortemente do modo irônico de
Frye, na qual o protagonista é visto de cima, como centro de
"uma cena de escravidão, malogro ou absurdez". Isso é particu-
larmente forte em autores que empregam a forma da tragédia, com
ótimos resultados. São nomes como Card, Theodore Sturgeor,
Dan Simmons e Stephen King, em 9ue, paradoxalmenre, existe
também um forte senso mítico inalienável.
Em O jogo d,o exterw,inad.or (Ender's Garne, I9B5), de Card, o
Personagem Andrew "Ender" Wiggin é uma criança brutalizada em
uln campo de treinamento de soldados espaciais, cujo objetivo maior
é encontrar uma mente genial que apreenda algo dos modos de ação
e reação da espécie alienígena que está em guerra com a humanidade.
Mas quando Ender obtém o grande fcito de destruir completamenre
o inimigo - em um jogo virtual onde o lúdico e o real se confundem
-) o evento marca o ápice final de sua própria brutalizaçáo. QuandoEnder se reconstrói, ao final do romance) contando a história dos
alienígenas e a verdadeira face da sua destruição, ele abandona o
modo irônico e se projeta diretamenre para o mítico.
Com Sturgeor, emViolentaçã,0 cdsrnica (The Cosrnic Raper l95B),
algo semelhante se dá com o protagonista Gurlick, um vagabundo
contaminado pelo esporo espacial da "Medusâ", uma consciência
coletiva invasora do nosso planeta. Para alcançar seu objetivo, a
Medusa deve fazer da espécie humana também uma consciência
plural. Ao fazer isso, a humanidade se transforma em um oponente
maior que o esperado, e o invasor é expulso. Mas fica a consciência
partilhada por todas as individualidades) e seu momenro mais expres-
sivo é prota gonizado pelo vagabundo Gurlick, até enrão inserido no
modo irônico) mas gue, pelo amor e pela união física com uma
mulher (também ela títere da ironia até então), se projeta para uma
representação dessa nova realidade humana.
Introdução - 39
"Death in Bangkok" (1993), de Simmons, é uma noveleta de
horror, ambientada na capital da Tâilândia e envolvendo um vete-
rano do Vietnã que ali estivera de licetrÇâ, com seu comPanheiro
de unidade, um autodidata em esoterismo que o leva a testemunhar
um estranho ritual de felação , realízado pela reencarnação de um
dos demônios hindus que tentaram Buda no famoso episódio sob
a árvore sagrada. O amigo do protagonista morre com a exPe-
riência) e quando entendemos que ele retorna a Bancoc décadas
mais tarde para passar pelo mesmo ritual, entendemos que ele
busca a própria morte em troca de um prazer sexual máximo.
Mas Simmons mais adiante inverte o sentido da narrativa - o
protagonista é um homossexual gue, na época) apaixonara-se pelo
companheiro de armas) e agora retorna a confrontar-se com o
demônio para exercer uma vingança motivada por amor.
Mas é em Stephen King, mais do que nos outros, 9ue esse giro
entre o irônico e o mítico se efetua com maior impacto e constância.
O melhor exemplo talvez seja o médico protagonista de O cernitério
(Pet Sernotaryr|g\3). Nesse romance run homem se envolve na tenta-
tiva de reviver seus entes queridos, por meio dos poderes de um
cemitério indígena (escondido atrás de um cemitério de animais
domésticos). As tentativas são malfadadas porque a criatura revivida
retorna transformada. Seres humanos voltam perversos ao extremo.
Ainda assim o homem persiste, e o leitor sabe o tempo todo qual será
seu destino - ainda assim o suspense é inevitável. 
Mais importante)
o leitor compreende o que o motiva, e é incapaz de desvencilhar-se
da identificação com ele.
A solução para o paradoxo da aparente contradição da litera-
tura especulativa desenrolar-se em todo o espectro dos modos
literários de Frye - e náo em uma faixa estreita entre a história
romanesca e o mito, como ele o interpretou - é oferecida nova-
mente em A anatornia da crítica,) onde se afirma que "(...) A ironia
descende do imitativo baixo: começa com o realismoe a observação
imparcial. Mas, ao fazer isso, move-se firmemente em direção ao
mito :)23 Esse ciclo se estabelece quando
40 - FrcçÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL
l,'Jtri:fi :'ilh:,t3:Íi.iáx":i:,:H:i:ff ,T::'Il'iiÍ;,i:,'.11
o 9Pe lhe acontece (...) Se há ulna razáo para escolhê-la para a
catástrofe, é uma razáo inadequada e suscitimais objeçõer ,io qur:
esponde.2a
Laurence Coupe, lendo Frye, sugere gue,
com o modo narrativo final nós somos forçosunenre lembrados
de que o modo primeiro e fundador, o mito propriamenre dito,
xiil,r:#'i:T:Jffi ::mTHffi ;fl H:;::,?;il,',;:y,n);,),
do mesmo modo a ironia retorna ao rnito.25
A ligação da ficção especulativa com a idéia do mito, de uma
"qualidade mítica", de uma função mitopéica do campo, aparece
muito nos seus debates internos, nos quais mito e mítico perdem
muito da rigidez anatômica de Frye e adquirem uma conoração mais
flexível, que nós taMez devamos chamar de "qualidade mírica", a
título de distinção. C. S. Lewis, Ursula K. Le Guin, Orson Scott
Card e Stephen I(ng, de um modo ou de outro) discutiram o mito
colno uma forma corporificada na própria experiência da leitura da
ficção especulativa (entre outras). Pode-se dizer) num senrido, que a
experiência de leirura assume o papel de um ritual, e o ritual é ence-
nação, de algum modo reparadora, do mito. Na litertrtura popular,
esse movimento corresponde ao que Coupe chama de "tipologia
radical", tipologin sendo o processo em que um prirneiro rnito é
sancionado Por uln discurso dogm arizador. Difere-se dela a tipologia
radical, gue liberta o mito do dogffia, e o recondvz ao campo da
imaginação, realizando um movimento do sagrado para o profano.2ó*[M]itos refazem outros mitos, e não há razáo para que não devam
continuar afazê,-lo, sendo o impulso mitopéico infinito."27
Irwis defendeu a qualidade mítica - e com grande eloqüência -,effI seu pioneiro ensaio sobre a recepção, An. Experiruent in. Criticisrn
(19ól), . perdoem-me por citá-lo longamente) chamando a atenção
para o segundo parágrafo:
Introdução - 4L
Este, até onde eu possa ver) é o valor específico da literatura
considerada como Locus (histórir); ela nos admite a outras
experiências além das nossas. Elas não são, lão m-ais que nossas
experiências pessoais, todas igualmente válidas. Algumas) como
dizemos) nos "interessam" mais que outras. As causas desse
interesse são naturalmente e extremamente variadas e diferem de
um homem para outro; pode ser o típico (e nós dizemos "como
é verdadeiro!") o., o anórmal (e dizemos "como é estranho!");
pode ser o belo, o terrível, o que inspira espanto,_g euforizante,
o patético, o cômico) ou o meramente picante. I iteratura dá a
enltrée a todas elas. Aqueles de nós que iêm sido leitores verda-
deiros durante todas ãs nossas vidas raramente entendem Por
completo a enorme extensão do nosso ser que devemos aos
autores. (...) O homem que está satisfeito em ser apenas ele
mesmo, e portanto menos que um ser) está em Lrma prisão.
Meus própiios olhos não me bastam) eu verei através dos olhos
dos oütrôs. Realidade, mesmo vista através dos olhos de
muitos, não é o bastante. Verei o que os outros inventaram.
Mesmo os olhos de toda a humanidade não são o bastante.
Lamento que os brutos não possam escrever livros. Com muita
gratidão eu aprenderia qual a face com que as coisas se aple-
senram a um camundongô ou a uma abelha; com maior gratidão
ainda eu perceberia o mundo olfatório carregado com todas
âs informaçóes e emoções que ele leva a um cão.
A experiência literária cura a ferida) sem minar o privilé_gio, a
individualidade. Há emoçóes de massa que clrram a ferida,
mas elas destroem o privilégio. Nelas as nossas consciências
separadas são emboladas e nós afundamos de volta a uma subin-
dividualidade. Mas lendo grande literatura eu me torno mil
homens e ainda permaneço eu mesmo. Como o céu noturno
no poema grego, vejo com uma mrríade de olhos, mas ainda
sou eu mesmo quem vê. Aqui, como na adoração, no amor)
na ação moral, e no conhecimento) transcendo a mim mesmo;
e nunca sou mais eu do que quando o faço.28
Orson Scott Card e Stephen King são dois autores de grande
representatividade nos campos da ficção científica e fantasia, que
se integram a essa posiçáo de Lewis. Card, por exemplo, tem sua
própria descrição dos modos de leitura, primeiro expresso em
seu ensalo "Fantasy and the Believi.g Reader". São três os seus
modos, â partir do nível de crença do leitor) na história que está
42 - FrcÇÃo clerurÍncA, FANTASTA E HoRRoR No BRASTL
lendo: Mythick, epick e criticá, sendo que o mais superficial seria
justamente o último, o modo crítico,
li;'::ffi ;;',::,'iÍl3i::H:"ffi :3frffi #tf :H:i;**:
de um grupo. Antes, os leitores críticos avaliam o sentido ou a
verdade da história conscientemente . Em geral separando o sentido
da história em si.2e
Ainda na sua definição, uma história que se reali za na dimensão
de epick é aquela que "é recebida por run grupo como se foss
como uÍna verdade d,essegrwpl" r30 e a que se realiza no nível de rnythick,
é a que é "recebida pelos leitores como verdade de todos os seres
humanos".3r Assim como emAn Experirnent in Criticisrn, de Lewis,
na visão de Card está no leitor a determinação do valor literário, a
partir da recepção particular de cada um.
A perspectiva de Lewis está igualmente bem viva e de modo
bastante claro - e com emprego metaficcional - em Ros e Mnd.d,er(1995), de Stephen King, urn romance de d.ork fantasy no qual a
protagonista, Rosie Daniels, é uma mulher fugitiva, renrando escapar
de seu marido psicótico. O tema central é o abuso físico e sexual da
mulher) mas I(ng fala antes de mais nada da capacidade que teria a
arte popular de fornecer um espaço mítico reparador, e de elementos
para que o sujeito possa se situar, diante de um mundo em constante
transformação. Vai ao encontro da tese de Scott McCracken:
O texto) â narrativa popular em si, é produzida no mundo e se
torna parte do mundo. Mas uma narrativa ficcional é mais do que
apenas uma parte do mundo; é também uma reflexão projetáda
sobre esse mundo. O relacionamento entre texto e mundô envolve
um proçTso de mão-dupla que requer um leitor para ser posro em
efeito. O leitor é também uÍn prodúto do mundó) mas) ao lnesrro
tempo, ela ou ele é um agente nesse mundo, mudando-o através
de suas açóes. A despeito do fato de freqüentemenrc a pensarrrros
como Lrma atividade passiva e prlramente recreacional, ã leitura de
textos populares é parte desse processo de mudança. A ficção
popular pode nos fornecer as narrativas de que precisalnos para
Introdução - 43
#,xlx{Tr?il'J§.:}#l3?.H i::-;
Enconffamos mecanismo semelhante descrito Por Orson Scott
Card, no que drz respeito à ficção científica, em seu ensaio "Science
Fiction in the I9B0s", gue serve de introdução à antologia Futwre
on Fire ( I99I):
Não que os leitores de ficção científica estarão preparados Para
m[f*{r*m*m*f**'-'r'"*
ll'3fff nl?j#r';..."slt;*iffi ;:j:ll$}*:d
reconitruir uma visáo do modo como as coisas são, que inclua e
acomode as antigas contradiçóes; inventar o seu próprio papel na
1il3;li:Iàlãx.,Í' 
acordo com o seu novo papel e sua nova
O romance ao mesmo tempo mitopéico e mitógrafo de l(ing se
articula em torno de um quadro comprado por Rosie, uma represen-
tação mitológica grega, aparentemente uma versão corrompida da
lenda de Demétriõ e Éerséiorr.. O quadro é definido por todos como
"arte ruim" (assim como os romances de love story lidos pelas amigas
de Rosie)) mas ele tem o poder de admitir Rosie à "realidade do
quadro". Nesse espaço mítico é que ela se confronta finalmente com
o marido abusador, Norman Daniels, vencendo-o e adquirindo auto-
suficiência. Mas essa ascensão da mulher abusada à mulher inde-
pendenre rem um preço - a incorporação da 
violência sofrida e a
tendência a passá-la adiante, dirigida contra a família e os colegas de
trabalho. Para evitar a violência, Rosie tem de fechar o ciclo e trazer
o ritual reparador encontrado na "arte ruim", para a sua realidade.
Esse ritual ela encontra em tun bosque, ondeplanta uma árvore que
simboltza suas memórias e suas dores, e onde ela deve ver crescer.
44 - FICÇÃo CIENTÍFICA, FANTASIA E HoRRoR No BRASIL
Para I(ng, o fator essencial é a capacidade da arte - 
((§sa" 
ou "ruim"
- de arrastar o espectador ou leitor para fora do "mundo real" e paradentro de um mundo alternativo que funciona como espaço mítico e,
portanto, reparador.
A ficção especulativa é um objeto escorregadio. Para o observador
iniciante parece ser um gênero "fechado" em suas possibilidades e
estnrturas) como é para alguns a ficção de detetives (detective f,ction).
Mas logo o desenvolvimento do gênero começa a imporrar variaçóes
que não se encaixam nos modelos teóricos.
Patrick Parrinder, no seu especialmente lúcido Science Fiction:
Its Criticisrn and Tbachinq, esclarece que seu livro perrence aos
trabalhos de "crítica de gênero", e que "(...) No presenre estado
confuso da teoria literária, não é surpresa que haja várias conside-
raçóes competidoras quanto ao que é crítica de gênero." Ainda
segundo Parrinder: '?\mbos o crítico teórico e o semiótico prova-
velmente terão problemas em demonstrar que a ficção científica,
como eles a definiriam, é o mesmo animal (...) que atende por
esse nome junto aos seus escritores e leitores."34
Parte do problema parece estar no fato de a literatura. especula-
tiva ser um objeto que resiste à dissecação. Tome o caso de Darko
Suvin e sua teoria da ficção científica como a literatura do "esrranha-
mento cognitivo", uma teoria que nega o interesse da fantasia, quanto
mais uma articulação dela com a ficção científica. Mas quando a
fantasia começa a misturar-se com a ficção científica (uma das
tendências mais em voga atualmente), o "animal" descrito por Suvin
começa a contorcer-se) libertando-se da rede conceirual. Parrinder
afasta-se habilmente das armadilhas escolhendo um viés historicisra,
partindo do scient'ifi,c rnrna,nce até a new wa:t2e (movimento caracterís-
tico da década de t9ó0), . em seguida discutindo a FC como ficção
Introdução - 45
de gênero) como rnrnnnce) como fábula e como épico. Parrinder não
tenta domar o "animal", tendo até mesmo a ousadia de absorver
e empregar parte dos conceitos surgidos dentro do gênero) que se
define por uma consciência rara e combativa.
Meu esrudo é uma investigação teórica e histórica do fantástico
(,rm termo que engloba) no meu emprego, a ficção especulativa effI
um exffemo, e, noutro, o fantástico como "a sensação pela sensação,
sem a rentativa de situar possibilidades reais, embora longínquas",
conforme definiu André Carneiro) e sua expressão brasileira em um
período ideal que compreende meados do século XIX à década de
t9+0, confrontada com a produção internacional. O objetivo é esta-
belecer parâmetros de como a literatura fantástica estabeleceu-se no
Brasil, e de como os literatos e escritores locais a assimilaram.
Minha perspectiva é a da ficção especulativa como uma tradição
diferenciada, que bebe de fontes míticas, satíricas, utópicas, roma-
nescas e mesmo científicas, para reabzar-se como uln corPo multifa-
cetado de possibilidades ficcionais, existindo em interaçáo com o
rnninstrearn literário, mas não em uÍna chave de inferioridade artística.
LJma expressão dessa perspectiva de uma tradição relativamente
autônoma e autoconsciente é o modo como vêm brotando intensa-
rnenre) nos ultimos anos) formas de ficção especulativa que se dirigem
aos formadores dessa herança, em um diálogo com os elementos
formativos do gênero) encontrados principalmente no scientffic
rurna,nce e no planetary rnrnã.nce) além da sátira social e política do
século XIX e anteriores.
Exemplo seminal é o romance The Dffirence Engirue (L99I), de
William Gibson e Bruce Sterlirg. Ambientado no século XIX, é uma
história de realidade alternativa, especulando sobre os caminhos
históricos que poderiarn ter sido tomados com a alteraçáo de deter-
minados acontecimentos. Neste caso) o computador analítico a
vapor, constmído pelo inglês Charles Babbage naquele século, e nunca
operacionalizado. No universo alternativo de Gibson & Sterling, o
"Difference Engine" de Babbage funciona, atirando os ingleses na
era do cartão de crédito, dos telégrafos individuais, da comPutação
46 - FrcÇÃo crENTÍFrcA, FANTASTA E HoRRoR No BMSrL
aplicada à engenharia etc. O clima da narrativa bebe muito, é claro,
dos scientifi,c ?'nrna,rrces de Wells e Verne (Sterling é um grande fã de
Verne), bem como das descriçóes sombrias de Charles bickens.
Não é à toa que dois dos autores mais gtobalistas e multicul-
turalistas da ficção especulativa tenham se unido para compor o
romance inaugural do stearnpunk, termo "cunhado no final do anos
oitenta, em analogia a cyberpun\ para designar um subgênero
moderno, cujos eventos de FC têm lugar contra tun pano-d.-frt do
do século XIX".35
Se a world literature nos obriga a entender outras culturas
contemporâneas como resPostas autônomas às solicitaçóes de inserção
de gruPos sociais humanos em geografias e modos de existência
social diversos, a literatura especulativa voltada para o século passado
(o,, sécuhs passados) nos obriga a reabilitar está§ios culrurais iiruados
em ulna linha de ternpo, conferindo legitimidade às suas soluçóes
tecnológicas, senão sociais ou políticas. A teoria pós-modernista
sugere que a subjetividade (como modos particulares de cognição)
varia de acordo com culturas que se distribuem nurn sentido rirrtrO-
nico (sirnultâneo à cultura dominante). A ficção científica sugere que
a subjetividade varia igualmente nuÍn sentido diacrônico 1ãispoito
nlrma linha de tempo), porque culturas se sucedem e modos dê vida
assumem novas configuraçóes. Essa perspectiva deve se manter na
mente do leitor) se o que buscamos é , .ó*pr.ensão dos efeitos do
gênero, ro plano dos estudos culturais e na relação entre expressóes
hegemônicas e periféricas; muito além, portanto, dos remas) morivos
e convençóes específicos da FC, ou da sua mera articulação em torno
do discurso científico.
Nesse sentido, a ficção especulativa deve ser compreen,Cida como
uma tradição literária autônoma, e não apenas como lun arranjo de
temas e modv observação que serve também para todos os
outros gêneros literários. Citando Scott McCracken nórrrmenre:
Gêneros são melhor entendidos, então, não em termos de elementos
básicos, mas como históricos e relacionais. São históricos por defi-
nirem urna forma em termos do que se passou anter . do que
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poderá vir depois. São relacionais por darem a definição de uma
forma que mostra como ela difere de outras formas literárias.3ó
McCracken também assrune a volatilidade das definiçóes: "Cada
rlovo exemplo de tun gênero em particular pode modificar e alterar o
que se compreende pela classificação a que ele pertence."37
Bruce Sterling, em entrevista, coloca a consciência cla linha
história do gênero em perspectiva: "Se você vai extrapolar seriamente)
tem que olhar para os exemplos que já tivemos", afirma. "Tecnologias
nascem, se desenvolveffi, e as vezes morreffi, atravessaln certos estágios
específicos) de modo que eu estava olhando para as raízes de onde
surgiu a ficção científica [.o idealizar The Dffirence Engine7.""
A relatlizaçáo do cronocentrismo dos nossos tempos, que
pretende ver nosso momento histórico como o justo desenvolvimento
de estágios anteriores - e inferiores - de cultura) aparece em TheDffirence Engine quando o protagonista Ed Mallory afirma: "Não há
história - há somente a contingência!"3e E mais adiante um outropersonagem admite, sombrio: "Não há nada na história. Nem
progresso) nem justiça. Apenas horror aleatório."aO
O cronocentrismo tem precedente na expressão de C. S. Lewis,
"esnobismo cronológico", definido como
a aceitação acrítica do ambiente intelecrual comum à nossa época e
a suposição de que t rdo aquilo que ficou desatualizado é por isso
"Ti,xi'dH'il!';f.!ii,iT:*'::fl lHIi.:,?H:xi:Tlliliff â,por quem, onde e até que ponto)), ou merarnente morreLl) como
ffin*x',H:*ff T[ffit'it1x[1;,âJ'it*:txxx
conta disso, passamos à percepção de que nossa

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