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Biogeografia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Furlan Revisão Textual: Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti Biomas brasileiros • Introdução • Domínios morfoclimáticos e fitogeográficos · Caracterizar os biomas brasileiros, considerando a interligação entre os elementos físicos e humanos. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos aprender sobre um importante tema: os biomas brasileiros. Para melhor compreensão do que iremos tratar procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado, por favor, estude todos com atenção! As pesquisas de campo que puder realizar na região em que reside ou trabalha podem ser extremamente úteis para aplicar na prática as questões teóricas estudadas aqui. Exercite sua observação, faça anotações e reflita sobre a realidade, a partir do que estiver estudando. ORIENTAÇÕES Biomas brasileiros UNIDADE Biomas brasileiros Contextualização Vamos ler a notícia a seguir. Parceria com iniciativa privada traz benefícios para comunidades na Amazônia A Natura trabalha em parceria com comunidades na região amazônica e beneficia cerca de 2.171 famílias com subsídios, escolas e formação de lideranças locais. Há doze anos, a Natura incorporou ativos da biodiversidade brasileira na fabricação de produtos, unindo ciência e conhecimento tradicional de comunidades agroextrativistas com geração de oportunidades de trabalho e renda para centenas de famílias. Ao reconhecer a importância desse ecossistema para o país e o mundo, bem como para o desenvolvimento de uma nova plataforma de negócios, a Natura elegeu a região amazônica como um dos territórios prioritários de sua expansão. Dentro de um modelo sustentável, sem colocar em risco a maior floresta tropical do mundo, a empresa obtém insumos para seus produtos e, em contrapartida, oferece uma série de benefícios às comunidades extrativistas. Atualmente, a Natura tem projetos para melhorar a realidade socioeconômica de 25 comunidades. A fabricante de cosméticos oferece cursos de capacitação para formar lideranças e subsídios para formação de associações ou de cooperativas que intermediam a relação da comunidade com a Natura e com o restante do mercado. Além disso, a empresa ainda proporciona à população local capacitações técnicas de produção agrícola ou extrativismo e beneficiamento das matérias-primas cultivadas pelas comunidades. (...) Fonte: http://goo.gl/fjSNPr Os biomas brasileiros ainda não foram estudados em sua totalidade e muito do conhecimento que se tem deles é fruto da relação empírica (prática, experimental) das comunidades que neles vivem a muitas gerações. Nesta Unidade, estudaremos com mais profundidade a formação dos biomas brasileiros e algumas questões relativas à relação das sociedades com estes ambientes. 6 7 Introdução O território brasileiro, em função de sua grande extensão norte-sul (variação de latitude e climas) e diversidade pedológica, geológica e geomorfológica, apresenta um mosaico muito significativo de paisagens naturais, incluindo neste a existência de biomas únicos em termos mundiais. Segundo Aziz Ab´Saber (2003), os biomas brasileiros estão sob a complexa situação de duas organizações opostas e interferentes: a da natureza e a dos homens. Este autor classifica os biomas brasileiros em função da relação existente entre vegetação, clima e relevo e utiliza a denominação de domínios morfoclimáticos e fitogeográficos para caracterizá-los e analisá-los. Por se tratar da denominação mais difundida e aceita em Biogeografia, adotaremos para nossos estudos esta definição de Aziz Ab´Saber. O autor define o domínio morfoclimático e fitogeográfico como “um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de milhares a milhões de quilômetros quadrados de área – onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solo, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas”. Desta forma, o autor considera a existência de áreas core (onde predomina o domínio morfoclimático e fitogeográfico em questão) e áreas de transição. As áreas core são: 1. Domínio das terras baixas florestadas da Amazônia; 2. O domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados, cerradões e campestres; 3. O domínio das depressões interplanálticas, semiáridas do Nordeste; 4. O domínio dos “mares de morros” florestados; 5. O domínio dos planaltos de araucárias; 6. O domínio das pradarias (figura 1). Faixas de transição Pradarias Araucárias Caatinga Mares de Morros Cerrado Amazônico Figura 1 – Domínios morfoclimáticos, conforme Aziz Ab´Saber Fonte: Adaptado de iStock 7 UNIDADE Biomas brasileiros Aziz considera, ainda, que existem faixas de transição entre os domínios, onde se pode verificar a existência de vegetação resultante da intersecção dos domínios adjacentes. Existem ainda “enclaves” de vegetação de domínios distintos em meio a uma formação da qual não é originário. A potencialidade dos biomas brasileiros (ou domínios morfoclimáticos e fitogeográficos) não foi ainda compreendida em sua totalidade. Muitas áreas do vasto território brasileiro não foram estudadas em função da dificuldade de acesso e de incentivos a pesquisa nesta área, por falta de investimentos nesta área. Por outro lado, algumas características de nossos biomas são reveladas por pesquisadores de universidades estrangeiras, que financiam pesquisas em nosso território e acabam por se apropriar de informações e da nossa diversidade em detrimento de isso ser revelado por pesquisadores nacionais. Os conhecimentos das comunidades tradicionais são, muitas vezes, igualmente revelados por estes pesquisadores internacionais e a falta de incentivo à pesquisa nacional e de programas de manutenção das comunidades tradicionais em seus ambientes têm levado a destruição da diversidade cultural existente em nosso país. Domínios morfoclimáticos e fitogeográficos Domínio das terras baixas florestadas da Amazônia A Amazônia apresenta uma megadiversidade biológica e hidrográfica. Em função de sua posição geográfica, na faixa equatorial, há grande disponibilidade de umidade e luminosidade; a baixa amplitude térmica anual e ausência de estações secas propiciam a reprodução da fauna e da flora em sua plenitude. O relevo do domínio amazônico é formado essencialmente por depressões, baixos planaltos, planícies aluviais, Planalto das Guianas (ao norte), Planalto Central Brasileiro e o domínio de terras baixas. Os solos, no geral, apresentam baixa fertilidade natural, com exceção os solos de várzea: próximo aos rios e a terra preta de índio (solo fértil de origem antrópica). Os igarapés (caminhos de canoa) são cursos de água de primeira ou de segunda ordem, componentes primários de tributação dos rios pequenos, médios e grandes, ou seja, se iniciam nas nascentes dos rios e apresentam relativa mansidão. Os igarapés foram fundamentais para a ocupação indígena da Amazônia e durante o ciclo da borracha, a bocas dos igarapés eram sítios estratégicos para a instalação de barracões de seringais. 8 9 Para as populações locais, o igarapé é o lugar de onde se retira o peixe, a água de beber e de cozinhar, se as águas apresentarem condições adequadas de uso (figura 2). Figura 2 – Igarapé Água Branca: um dos poucos de Manaus-AM que têm água limpa Fonte: Wikimedia Commons Assim como diversos cursos de água pela floresta amazônica, os igarapés têm sofrido com o assoreamento, a ocupação irregular das margens e a poluição das águas (figura 3). Utilizado para diversas finalidadesno passado, se tornaram esgotos a céu aberto em muitas das cidades da região amazônica (especialmente as maiores). Figura 3 – Igarapé da Cachoeira em Manaus-AM, início da ocupação de degradação Fonte: www.portalamazonia.com 9 UNIDADE Biomas brasileiros O domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados, cerradões e campestres O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de cerca de 22% do território nacional, onde encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata), o que resulta em um elevado potencial aquífero e favorece a sua biodiversidade. O Cerrado apresenta extrema abundância de espécies endêmicas (que só existem ali), embora muitas não sejam ainda conhecidas e estudadas, pois até pouco tempo o Cerrado era considerado pobre em biodiversidade e não despertava interesse em que fosse estudado e preservado, fato que justifica a imensa destruição deste domínio nas últimas décadas. As áreas ocupadas pelo bioma Cerrado apresentam duas estações do ano bem definidas, sendo uma chuvosa e a outra seca. A vegetação, bem como a fauna, se adaptou a este ambiente através de um longo processo evolutivo. Segundo Aziz Ab´Saber, o domínio do Cerrado brasileiro se apresenta em uma posição zonal (ocupa uma faixa de leste a oeste – longitudinal) e ocupa uma posição interior no território brasileiro e sua composição florística com uma área central (core) constituída por padrões regionais de cerrados e cerradões é muito distinta das verdadeiras savanas existentes em território africano. A área denominada de cerrado em sentido amplo inclui formações cerradões e de campos ou de formações campestres. Figura 4 – Representação esquemática da distribuição das formações do Cerrado Fonte: www.agencia.cnptia.embrapa.br Os cerrados e os cerradões se repetem por toda a parte no interior e nas margens da área nuclear e as variações florísticas são mais do tipo de florestas- galeria. Os campestres são enclaves de campos tropicais em algumas áreas dentro deste domínio. O domínio dos cerrados (em sua área central) se localiza, predominantemente, nos planaltos dotados de superfícies de cimeira aplainados, além de um conjunto de planaltos sedimentares. 10 11 Embora as feições morfológicas sejam muito diversificadas, o domínio dos Cerrados apresenta os cerrados (sentido restrito) e os cerradões, predominantemente nos interflúvios e vertentes suaves dos diferentes planaltos regionais. A relação entre clima, relevo e solos propicia a variedade de formações dentro deste domínio. A vereda (figura 5) é um tipo de formação vegetal que apresenta como principal a palmeira arbórea (buriti), em meio a agrupamentos mais ou menos densos de espécies arbustivo-herbáceas. As Veredas são circundadas por campos típicos, geralmente úmidos, e os buritis são espalhados não formando o denominado Buritizal. A vereda surge em alguns setores estendendo-se continuamente pelos setores aluviais das planícies, onde ocorre o predomínio de sedimentos arenosos nos bordos das planícies de inundação e, por vezes, afloramento de lençol freático ou maior acúmulo de água (solos hidromórficos), formando um corredor herbáceo nos dois bordos da galeria fluvial. Figura 5 – Vereda – observe a concentração de água e a presença do buriti Fonte: Wikimedia Commons Além dos aspectos ambientais, o Cerrado tem grande importância social e cultural. Uma grande quantidade de populações sobrevive de seus recursos naturais, incluindo etnias indígenas, geraizeiros (população tradicional que vive no Cerrado no norte de Minas Gerais), ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros (povos ribeirinhos das caatingas e cerrados) e comunidades quilombolas as quais detêm um imensurável conhecimento tradicional de sua biodiversidade, utilizando as espécies vegetais para diversas finalidades, tais como para fins medicinais, para recuperação de solos degradados, como barreiras contra o vento, proteção contra a erosão entre outros. Muito das plantas do Cerrado é utilizado na culinária da população local, mas têm se espalhado para outras partes do país e até do exterior, tais como os frutos do pequi, a mangaba, o cajuzinho do cerrado entre outros. O Cerrado é o bioma brasileiro que mais tem sofrido, nas últimas décadas, com a ocupação humana (figura 6). 11 UNIDADE Biomas brasileiros Figura 6 – Destruição do Cerrado Fonte: www.ispn.org.br As atividades que têm se desenvolvido sobrepondo-se as áreas de Cerrado são a pecuária e a produção de grãos, especialmente a soja (figura 7). Para que essa produção possa ser escoada para os centros consumidores e corredores de exportação, toda uma infraestrutura é necessária, desde locais de armazenamento e de rodovias, o que contribui, também, para o desmatamento e a transformação das áreas florestadas. Figura 7 – Expansão da produção de soja sobre a área de Cerrado Fonte: www.revistaescola.abril.com.br 12 13 Um dos fatores que facilitam estas atividades é a presença de um relevo plano, em quase toda a sua extensão, o que facilita o avanço das máquinas agrícolas que rapidamente desmatam grandes áreas verdes. Compare os mapas da figura 7 e observe que a expansão da soja coincide com as áreas mais devastadas até o ano de 2002. O domínio das depressões interplanálticas semiáridas do Nordeste A região semiárida nordestina é uma das subdivisões que compõem a região Nordeste do Brasil (figura 8). Figura 8 – As sub-regiões do Nordeste Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons O semiárido é, fundamentalmente, caracterizado pela ocorrência do bioma da caatinga, que constitui o sertão nordestino (embora atinja, também, parte do norte de Minas Gerais que se localiza na região Sudeste – observe atentamente a figura 9). Este apresenta clima seco e quente, com chuvas que se concentram nas estações de verão e outono, sendo que os índices pluviométricos estão entre os menores registrados no país. A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro e ocupa cerca de 11% do território nacional. Além da região nordeste está presente no extremo norte de Minas Gerais. É um bioma muito importante do ponto de vista biológico por apresentar fauna e flora únicas, formada por uma vasta biodiversidade, rica em recursos genéticos e de vegetação constituída por espécies lenhosas, herbáceas, cactáceas e bromeliáceas, dispostas por toda a região do semiárido brasileiro. Por que existe uma região tão vasta com clima semiárido em nosso país que apresenta em torno de 90% de seu espaço dominado por climas úmidos subúmidos? 13 UNIDADE Biomas brasileiros A explicação para a existência de tal área é um tanto complexa, pois são vários os fatores atuantes, dentre os quais se destacam e se combinam: 1. Circulação atmosférica - células de alta pressão atmosférica (com correntes de ar que transferem o calor para latitudes maiores) se formam nas áreas interplanálticas (sertões) do Nordeste, durante o inverno no hemisfério sul e impedem o avanço da umidade da massa de ar Tropical Atlântica (incluindo a atuação dos ventos alísios) sobre esta área, beneficiando com umidade a zona da mata. A entrada de frentes polares causa chuva, mas, como elas têm pouca força quando chegam ao Nordeste, predomina um quadro de estabilidade. Sazonalmente o clima do Nordeste também sofre a influência do: El Niño, que interfere principalmente no bloqueio das frentes frias vindas do sul do país, o que impede a geração de uma instabilidade condicional na região, e a formação do dipolo térmico atlântico. As chuvas (ou seca) mantêm, também, relação com o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sendo que é o balanço térmico na região equatorial entre as águas do Atlântico norte e do Atlântico sul que movimenta a ZCIT. Quando as porções equatoriais norte e sul do Atlântico estão com temperaturas diferentes forma-se um dipolo. Dipolo térmico do atlântico – dentro do processo de interação oceanos-atmosfera,o dipolo é o termo utilizado para a situação em que ocorre variabilidade de temperatura em larga escala entre o oceano Atlântico Norte e o Atlântico Sul. Estas variações de temperaturas do oceano Atlântico são favoráveis à formação das chuvas no Nordeste. O fenômeno ocorre quando a temperatura do Atlântico Sul está mais elevada do que aquela do Atlântico Norte (sendo considerada uma situação de anomalia). 2. Relevo - as elevações dos planaltos que existem paralelos à costa nordestina barram a passagem da umidade que sopra do oceano, fazendo com que a umidade seja descarregada na zona da mata (em maior quantidade) e no agreste (índices menores, embora maiores do que no sertão). Observe na figura a existência de relevo mais elevado (planaltos, serras e chapadas) circundando a depressão interplanáltica do Nordeste. O Planalto da Borborema, por exemplo, que atravessa vários estados, funciona como uma barreira para a passagem das correntes atmosféricas úmidas que partem do oceano para o interior (figura 10). Mesmo estando sob o Equador, a temperatura do mar nos litorais dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará é mais baixa em relação às áreas adjacentes, o que tem como consequência baixa evaporação e, portanto, menor disponibilidade de umidade. 14 15 PLANALTO 1 - Planaltos e chapadas da bacia o Paraíba 2 - Planalto de Borborema 3 - Chapada do Araripe 4 - Planaltos e serras do Atlântico-Leste-Sudeste DEPRESSÃO 5 - Depressão Sertaneja 6 - Depressão do São Francisco PLANÍCIE 7 - Planície Litorânea e tabuleiros Figura 9 – (Principais compartimentos do relevo nordestino) Fonte: Adaptado de ROSS, 2001 Figura 10 – Perfi l topográfi co direção leste-oeste de parte da região Nordeste do Brasil. Fonte: Adaptado de ROSS, 2001 A vegetação e os animais que enfrentam essa situação de escassez de água são bem adaptados, assim como se adaptou a população sertaneja que habita há milhares de anos esta área do semiárido brasileiro (figura 11). Figura 11 – Aspecto geral da Caatinga Fonte: Wikimedia Commons 15 UNIDADE Biomas brasileiros O clima condiciona a hidrografia, sendo que os rios no Nordeste, em sua maioria, não são perenes. A questão climática que dificulta a sobrevivência soma- se à estrutura agrária extremamente rígida, com a presença de imensos latifúndios e a população atrelada ao coronelismo e ao clientelismo que imperam no Nordeste desde os tempos coloniais. Por conta desses motivos, há um intenso fluxo migratório de uma parcela significativa da população sertaneja que busca em cidades maiores do país (por vezes da própria região Nordeste) melhores condições de vida. Assim, o Nordeste, e especialmente a região da Caatinga acabam sendo conhecidos, conforme Ab´Saber, como uma região geradora e redistribuidora de homens, em face das pressões das secas prologadas, da pobreza e da miséria. Nesta região a Caatinga sofre com pressões tanto das populações mais pobres como dos grandes latifundiários que têm investido em grandes plantações (irrigadas) de frutas para exportação. O desmatamento, a principal causa da destruição da Caatinga, deve-se à extração da mata nativa, que é convertida em lenha (utilizada pela população local) e carvão vegetal destinados principalmente aos polos gesseiro e cerâmico do Nordeste e ao setor siderúrgico de Minas Gerais e do Espírito Santo. Também foram desmatadas grandes áreas para a agricultura destinada à produção de plantas para biocombustíveis, além da pecuária bovina. Ocorreu, ainda, o desmatamento para a implantação de projetos de fruticultura irrigada (figura 12). A riqueza gerada por estas atividades econômicas (especialmente a fruticultura) têm transformado a paisagem de muitas cidades do agreste e do sertão nordestino, com a expansão da mancha urbana (aumentando a pressão sobre a caatinga) e da oferta de serviços e comércio para uma parcela da população que tem aumentado seu poder aquisitivo. Mas isso beneficia somente uma parcela da população, pois não foram criados programas econômicos significativos para atender as necessidades de geração de renda da população mais pobre, o que a mantêm em condição de vida muito precária. Figura 12 – Plantação de uvas para produção de vinho no semiárido nordestino. Fazenda Ouro Verde, da Miolo, localizada no município de Casa Nova, na Bahia Fonte: Wikimedia Commons 16 17 O (polêmico) projeto de transposição das águas do Rio São Francisco tem como objetivo a integração deste rio (perene) aos rios temporários do semiárido, por meio de canais artificiais nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Desta forma, de acordo com o projeto, uma parte significativa da população local seria beneficiada pela presença da água, podendo ampliar suas atividades agropecuárias. A questão que colocamos para reflexão é: Esse fato aumentaria a pressão sobre a caatinga levando a uma redução ainda maior de sua extensão, uma vez que a legislação de proteção da caatinga prevê que somente 35% da vegetação nativa da área de uma propriedade deve ser mantida no momento em que a vegetação for removida? Estudos apontam que a caatinga pode estar extinta até 2070, se nada for feito para preservar esse bioma, pois poucas áreas de preservação foram criadas nas últimas décadas. O domínio dos “mares de morros” florestados As matas atlânticas fazem parte do segundo maior complexo de florestas tropicais biodiversas brasileiras e estendiam-se (no início da colonização brasileira), desde Santa Catarina até o Rio Grande do Norte, ocupando uma faixa em direção do interior do país em torno de 50 quilômetros no estado da Bahia, chegando até 600 quilômetros Minas Gerais adentro. Esta área em sua maior extensão apresenta altos índices pluviométricos e temperaturas elevadas no verão e mais baixas no inverno, o que possibilitou à vegetação uma grande adaptação a estas variações e a formação de uma imensa biodiversidade. Este bioma, denominado de florestas tropicais (figura 13), recobre o domínio morfoclimático denominado por Aziz Ab´Saber como “mares de morros” e apresenta uma variedade imensa de ecossistemas, desde os costeiros até os de campos de altitude (figuras 14 e 15), pois atravessa uma extensa área de diferentes altitudes, que variam de 0m (nível do mar) até acima de 2.000m nas regiões serranas do Sudeste. Figura 13 – Mata (ou Floresta) Atlântica no estado de São Paulo Fonte: Wikimedia Commons 17 UNIDADE Biomas brasileiros Figura 14 – Manguezal Fonte: Wikimedia Commons Figura 15 – Campos e altitude Fonte: iStock/Getty Images Em função de sua localização e de seus atributos (riqueza de flora e fauna) este é o bioma que mais sofreu devastação em nosso país (figura 16), bem como sofreram as populações tradicionais habitantes a centenas de anos destas áreas. A ocupação do território brasileiro se deu da área litorânea para o interior do país, com o surgimento de vilas e de cidades que surgiram em função do desenvolvimento das atividades econômicas (ligadas à extração de recursos naturais - madeira e minérios - e a agropecuária) foi a grande responsável pelo nível de devastação desse bioma. Figura 16 – Comparação da área ocupada pelas florestas atlânticas em 1500 e 2014 Fonte: www.infograficos.estadao.com.br 18 19 Observe na figura 17, a distribuição da população brasileira. Podemos identificar que a maioria da população está concentrada em uma faixa (extensa, hoje) ao longo do litoral brasileiro. Figura 17 – Distribuição da população brasileira. Fonte: IBGE Vamos agora observar a figura 18 e a comparar com a figura 17. Figura 18 – Distribuição das comunidades indígenas em 2010 Fonte: IBGE O que podemos concluir a partir dessa comparação? Podemos perceber que as áreas menos ocupadas no país (por cidades, indústrias e atividades agropecuárias) são aquelas onde as populações tradicionais conseguiram se permanecer com seu modo de vida. A região dos mares de morros (faixa próxima ao litoral) é um exemplo disso. Somente as áreas de difícilacesso em serras e nos mares de morro, no domínio do bioma de floresta atlântica, permaneceram não ocupadas, permitindo que as comunidades tradicionais se mantivessem nestes locais. 19 UNIDADE Biomas brasileiros Fato interessante que pode ser percebido neste domínio das florestas atlânticas é a presença de matas de cerrado e da caatinga em áreas específicas que não apresentam características climáticas para a existência destas formações na atualidade. Como é possível encontrarmos vegetação típica da caatinga e do cerrado em algumas áreas do estado de São Paulo? Responderemos essa questão mais adiante, quando discutirmos a Teoria dos redutos e relictos. O domínio dos planaltos de araucárias e das pradarias mistas Planaltos de araucárias No Brasil meridional, podemos identificar que ocorre uma queda de temperatura em relação às médias verificadas no restante do território brasileiro. Essa condição propiciou a existência de um domínio de natureza extratropical, constituído por araucárias que emergem acima do dossel de matas subtropicais, é a Floresta Ombrófila Mista (figura 19). Dossel: É a denominação dada ao extrato superior de uma formação vegetal. É composto pelas árvores mais altas, adultas, que recebem toda a intensidade da luz solar que chega à superfície do planeta. Ex pl or Figura 19 – Aspectos gerais do domínio das araucárias (nome científico: Araucária angustifólia) Fonte: Wikimedia Commons Em sua área de ocorrência original se localizava nas partes mais elevadas dos planaltos de solo fértil dos estados da região Sul do Brasil, em redutos florestais de serras da região Sudeste, como nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa formação vegetal, típica de climas com temperaturas moderadas a baixas no inverno, praticamente desapareceu, pois estava “no caminho” do avanço da fronteira agrícola do Sul do país, especialmente, nos planaltos ondulados da vasta hinterlândia dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com predominância de climas temperados úmidos de altitude. 20 21 Trata-se de um dos biomas menos preservados no país e a criação de áreas de proteção de remanescentes desse domínio encontra resistência dos proprietários rurais e ocorrendo, ainda, a falta de estrutura do governo federal na delimitação e fiscalização destas áreas. A ocupação do século XIX por projetos de colonização italiana e alemã, principalmente, abriu caminho para a devastação deste bioma. Mas foi no século XX que o desmatamento ocorreu de forma intensa e rápida, conforme afirma Carvalho (2011). As transformações políticas, econômicas, sociais e culturais por que nosso país passou durante o século XX são as causas da destruição da floresta de araucária. Conforme afirma Carvalho (2011), as atividades agropecuárias (como o cultivo do café em extensas áreas do estado do Paraná, no final do século XIX e meados do século XX, por exemplo) são os fatores que mais impactaram a floresta de araucária, pois para a utilização da terra para plantações e pastagens a floresta era totalmente eliminada. Figura 20 - Área de ocorrência de araucárias e áreas remanescentes protegidas (parques, reservas e estações ecológicas) Fonte: Adaptado de www.folha.com.br Se o domínio das araucárias é típico de climas temperados a frios presentes no Brasil, como é possível encontrarmos esse tipo de vegetação em áreas que, no geral, apresentam temperaturas mais elevadas como nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro? Antes de respondermos a esta intrigante questão, analisaremos o último dos domínios morfoclimáticos e fitogeográficos, conforme classificação de Aziz Ab´Saber: as pradarias mistas. 21 UNIDADE Biomas brasileiros As pradarias mistas Bioma que ocorre no Sul do Brasil instalado nas coxilhas, topografia típica das Campanhas Gaúchas, onde o relevo se apresenta, em geral, de forma plana com suaves ondulações, se estendendo pela Argentina e pelo Uruguai. Também denominado como Pampa, só foi reconhecido como bioma brasileiro em 2004. Por não ser considerado como uma área de grande biodiversidade como as florestas e de haver a crença de ser um bioma pobre foi negligenciada e ocupada de forma predatória. Além da paisagem natural, a área ocupada por este bioma é dotada de uma grande importância histórica e cultural para o povo gaúcho. Somente em 2009, a região das pradarias mistas do Sul do Brasil foi incluída na lista de biomas protegidos pela Constituição, junto ao Cerrado e à Caatinga. A composição das pradarias mistas é, predominantemente, de plantas herbáceas, principalmente as gramíneas (bem adaptadas ao clima seco e frio, com baixa pluviosidade e as características morfoclimáticas), sendo que as condições climáticas não favorecem o desenvolvimento de vegetação de grande porte, embora o solo seja, em grandes áreas das pradarias, naturalmente bastante fértil. Constitui as formações típicas de campos temperados (figura 21). Figura 21 – Pradarias mistas Fonte: Wikimedia Commons Originalmente as pradarias mistas, com florestas-galeria subtropicais, recobriam grandes espaços da Campanha Gaúcha. Estas áreas foram ocupadas por imensos arrozais, implantados em todas as planícies das depressões sul-rio-grandenses e recentemente, a soja prolifera intensamente na paisagem agrária das áreas de solo originário do basalto (naturalmente fértil). Em algumas áreas, o desmatamento da vegetação das pradarias mistas para o plantio de soja, bem como o manejo inadequado do solo e o uso intensivo de máquinas agrícolas pesadas, provocaram erosão, deixando exposta a formação sedimentar, fazendo com que o vento retrabalhasse esse sedimento criando um grande areal onde a recuperação do solo exigirá imensuráveis investimentos (processo de arenização - figura 22). 22 23 Figura 22 – Aspecto de área em processo de arenização Fonte: www.ufrgs.br Essas áreas foram estudadas por Dirce Suertegaray, da UFRGS, em que foi possível verificar que estava ali instalado um processo de arenização. As rochas sedimentares que formam o substrato desta região do Rio Grande do Sul são resultantes da compactação de areias que formaram um deserto que ali existia há milhares de anos atrás. A mudança climática ao longo do tempo geológico modificou, também, a vegetação permitindo a existência das pradarias nesta parte do país e fazendo com que formações vegetais se contraíssem e se expandissem pelo território nacional. A explicação para que vestígios (redutos, relictos ou enclaves) de formações vegetais típicas de um determinado ambiente apareça em outro, é o que discutiremos a seguir. Teoria dos refúgios Vejamos os casos a seguir, que são alguns dos exemplos dentre tantos outros que poderíamos citar. Figura 23 – Fisionomia de caatinga no Boqueirão Fonte: Commons Wikimedia 23 UNIDADE Biomas brasileiros Figura 24 - Araucárias em Campos do Jordão-SP Fonte: iStock/Getty Images Na figura 23, podemos observar a vegetação típica da caatinga em área de domínio do bioma de florestas tropicais (Mata Atlântica) com ocorrência de clima úmido e na figura 24, observamos araucárias típicas do Sul do Brasil em área de domínio de florestas tropicais (Mata Atlântica). Cerrados e caatinga no domínio amazônico são, também, outro exemplo de enclaves de vegetação. A partir destes exemplos, vamos responder a seguinte questão: De que forma pode ser explicada a existência de uma formação vegetal fora de sua área de ocorrência? Primeiramente precisamos ter claro que o clima do planeta mudou ao longo do tempo geológico. Áreas que foram florestas no passado são desertos hoje (como o Saara, por exemplo) e áreas que foram desérticas (como o grande deserto que existiu nos oeste da região Sudeste até o Sul do Brasil) são úmidas e vegetadas no período geológico atual. As formações vegetais se adaptam ao clima do momento e se ocorre alguma mudança climática as formações vegetais são afetadas e tendem a recuar (em sua área de existência) e seestabelecer onde o clima lhe propiciará sobrevivência. 24 25 Quando há menos umidade e calor disponível, o desenvolvimento das florestas fica prejudicado e elas recuam para áreas onde estas condições estejam presentes, mas as plantas (e os animais) adaptadas a climas mais secos se espalham e ocupam os lugares deixados pela vegetação em recuo. Assim as formações vegetais se expandem e recuam em função das condições favoráveis ou não. No caso dos exemplos citados acima, temos as seguintes situações: há milhares de anos, extensas áreas do estado de São Paulo eram ocupadas por um imenso deserto e suas bordas, de clima semiárido, ocupadas por caatinga. Com a mudança do clima de seco para úmido, as caatingas recuaram e as florestas tropicais ocuparam as áreas “deixadas para trás” pela caatinga. Mas, nem toda caatinga desapareceu desta área, restando alguns redutos (refúgios ou relictos) dessa vegetação onde esta encontrou condição de sobrevivência (como em solos arenosos e topos de morros rochosos). Estes redutos podem ser interpretados como uma formação que estaria aguardando o momento de nova mudança climática para novamente se expandir. No caso das araucárias, a explicação teórica é a mesma: uma formação de clima frio que encontrou, no passado, condições ideais para se expandir e ocupar imensas áreas. Com a mudança do clima, restringindo-se a mais frio no Sul do Brasil e em topos de serras no Sudeste, as araucárias recuaram deixando para trás redutos que indicam até onde o clima mais frio existia no passado. Estudos indicam que esse processo atuou no final do Pleistoceno (cerca de 11 a 18 mil anos atrás), momento em que houve a retomada da umidificação do clima em grandes áreas. Esse mecanismo de expansão e o recuo das formações vegetais explicam também a grande biodioversidade encontrada nos biomas brasileiros, pois nessas “idas e vindas” da vegetação ocorreu a intersecção e a combinação de diferentes plantas, resultando em plantas muitas vezes endêmicas (existentes somente naquele local) dos biomas brasileiros. No caso da Floresta com Araucária, acredita-se que esta começou a se formar no Sul do Brasil, após a última glaciação (momento de início do Holoceno há 11 mil anos atrás) e atingiu seu ápice há aproximadamente 2.200 anos. Além das mudanças climáticas outros fatores podem influenciar a existência de redutos de vegetação e da fauna. Segundo Geraque (2012), análises genéticas indicaram que, além da Teoria dos Refúgios, outro processo importante – e anterior – de mudança na paisagem amazônica foi determinante para a diversificação das formigas na região. Há 15 milhões de anos, antes de o rio Amazonas se formar, o aumento do nível dos oceanos fez as águas marinhas invadirem a região, o que teria iniciado o isolamento de certas áreas amazônicas, que viraram verdadeiras ilhas. A fragmentação do ambiente, depois, teria então sido realçada pelos refúgios. De acordo com esse trabalho, a grande diversificação de espécies de formigas ocorreu entre 14 milhões e 8 milhões de anos atrás. 25 UNIDADE Biomas brasileiros Outro fato interessante sobre esta teoria pode ser corroborado pelo fato de espécies de animais e plantas serem encontradas tanto na Floresta Amazônica quanto na Mata Atlântica, o que leva os pesquisadores a afirmar que houve a existência de uma única e grande floresta que se estendia de norte ao sudeste do país há milhares de anos atrás. Desta forma as formações vegetais e a fauna que nela se instala mudam com o passar do tempo, deixando registros de sua existência para além das áreas em que são encontradas na atualidade. 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Moradores esperam as mudanças com a transposição do Rio São Francisco Estea artigo trata de uma reportagem feita a partir de entrevistas com moradores das áreas que estão como futuras beneficiárias pelo projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Bastante interessante, pois demonstra a realidade e as expectativas da população local em relação à chegada da água http://goo.gl/3Zh1P0 Arenização no RS: um problema que cresce. Entrevista especial com Dirce Suertegaray O artigo traz uma entrevista com a Profª Drª Dirce Suertegaray da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre o processo de arenização que vem ocorrendo em uma extensa áre do Rio Grande do Sul. Muito interessante para compreender de que forma as práticas agropecuárias mal planejadas podem causar a destruição ambiental (dos biomas, dos solos e da economia local). A professora explica, também, a diferença entre arenização e desertificação. http://goo.gl/XgLKOB Vídeos Parque Nacional das Emas TERRA DA GENTE 02. O vídeo, muito interessante, mostra a área do Parque Nacional das Emas, área de preservação do Cerrado e as atividades agrícolas que foram desenvolvidas nos espaços devastados desse bioma. Mostra ainda de que maneira foram criadas ações de recuperação ambiental e a proteção de uma das nascentes do Rio Araguaia. https://goo.gl/qir4pR Domínios Morfoclimáticos - Mares de Morros Vídeo muito interessante e bastante didático sobre a formação geológica e geomorfológica da formação dos Mares de Morros. Mostra ainda a degradação ambiental desse domínio https://goo.gl/hRf9XJ 27 UNIDADE Biomas brasileiros Referências AB´SABER. A. Os domínios de natureza no Brasil – potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. CARVALHO, M. M. X. de. Os fatores do desmatamento da Floresta com Araucária: agropecuária, lenha e indústria madereira. UFSC: Revista Esboços, v. 18, n. 25 (2011). Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/ view/2175-7976.2011v18n25p32/21531 Acesso em 23/05/2016. ESCOBAR, A. A colonialidade do saber. In: LANDER, E. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. [s.l]: CLACSO Livros, 2005. GERAQUE, E. Um lagarto da Amazônia estudado por Vanzolini reforçou a proposta de geólogo alemão sobre refúgios florestais. Revista Fapesp, maio de 2012. MAGALHÃES, M. P. O mito da natureza selvagem. In: FURTADO, R. (Org.). Scientific American Brasil. São Paulo: Dueto Editorial, 2008. (Coleção Amazônia. Origens). MMA. Ministério do Meio Ambiente. O bioma Cerrado. Disponível em: http:// www.mma.gov.br/biomas/cerrado Acesso em: 04/05/2016. ROSS, J. L. S. (Org.) 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