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3. Comportamento sonoro O som é uma vibração, ou perturbação física de um meio material, que se propaga a partir de uma fonte sonora, na forma de ondas esféricas. Porém, quando se propaga, pode encontrar duas situações que dificultam este modelo simples: a presença de obstáculos na trajetória de propagação e a não uniformidade do meio, causada por ventos e/ou gradientes de temperaturas (o que pode acontecer em ambientes externos). Quando uma onda sonora incide sobre um obstáculo, a onda sonora propicia três situações: uma parte da onda é transmitida através do material, outra parte é absorvida pelo obstáculo e o restante é refletido. A parte da energia sonora que é absorvida depende do coeficiente de absorção e principalmente da natureza do material (veja Figura 3.1). Ao reter grande quantidade de ondas sonoras transformando-as em energia, diz-se que o material apresenta boa absorção acústica, ou seja, se trata de um material absorvente, e ao refletir grande parte da energia sonora, diz-se que o material se trata de um bom isolante acústico. Figura 3.1. Onda sonora ao incidir em um obstáculo. Assim, para especificar as formas e os materiais a serem aplicados em certo ambiente/espaço, primeiramente deve-se conhecer/compreender o comportamento do som, para então determinar o desempenho acústico do ambiente. O arquiteto com seu vasto conhecimento técnico em materiais para tratamento acústico pode trabalhar os espaços de forma adequada ao uso a que se propõe, atendendo as especificações de projeto e as necessidades que se refere ao conforto acústico. 3.1. Reflexão O som que ouvimos/percebemos é a composição do som que é emitido diretamente pela fonte sonora (chamado de som direto), mas também das reflexões sofridas pela onda sonora. Existe uma semelhança do comportamento do som com o comportamento da luz, lembrando que o comprimento de onda das ondas sonoras são menores que os da luz. No entanto, a reflexão sonora obedece às leis da reflexão da luz, ou seja, a reflexão do som ocorre da mesma forma que a reflexão da luz. A reflexão dos raios sonoros é muito importante para a análise da propagação acústica dentro de ambientes fechados, pois as superfícies que constituem o ambiente funcionam como espelhos acústicos que servem na distribuição dos raios de uma maneira mais homogênea e, possivelmente, intensificando os sons em pontos mais distantes da fonte sonora. Quando uma onda sonora se propaga em um obstáculo, como uma parede, incide sobre a barreira e retorna para o meio no qual estava propagando-se. Assim como a luz, ao encontrar uma superfície plana e rígida a onda sonora/raio sonoro é refletido segundo um ângulo de reflexão igual ao ângulo de incidência, o que permite estabelecer a direção das ondas refletidas (Figura 3.2). Desse acontecimento, originam-se três outros, o reforço, o eco e a reverberação, dependendo do intervalo de tempo entre a percepção do som direto e refletido. Para que ocorra reflexão é necessário que o espelho acústico tenha sua superfície maior que o comprimento de onda do som emitido. Chamamos de som direto o som que é captado pelo ouvido humano que parte da fonte e não se depara com obstáculos e suas reflexões subsequentes sofridas pela onda sonora em um ambiente. Figura 3.2. Reflexão de uma onda sonora. A reflexão em uma superfície é diretamente proporcional à dureza do material, ou seja, a quantidade de energia refletida depende da natureza mais ou menos absorvente do obstáculo. Superfícies “duras” são mais reflexivas, enquanto superfícies “macias” mais absorventes. Por exemplo, um muro coberto de vegetação refletirá menos energia que um muro de concreto. Paredes de concreto, mármore, azulejos, vidro, etc. refletem quase 100% do som incidente. Um ambiente que contenha paredes com muita reflexão sonora, sem um projeto acústico aprimorado, terá péssima inteligibilidade da linguagem. É o que acontece, geralmente, com grandes igrejas, salões de clubes, etc. O raio sonoro refletido tem seu ângulo em relação à superfície igual ao de incidência – como se fosse sua imagem em um espelho (veja Figura 3.3). Essa lei é válida tanto para uma superfície plana quanto para uma superfície curva. Figura 3.3. Reflexão em (a) superfície plana e (b) superfície curva. onde N é a normal à superfície, 𝜃𝑖 é o ângulo de incidência e 𝜃𝑟 é o ângulo refletido. Contudo a forma da superfície – plana, convexa ou côncava – interfere na direção do raio refletido. Baseando-se nesse princípio, pode-se desenvolver estudos geométrico-acústicos simplificados observando para onde a onda sonora é refletida. A incidência do som sobre superfícies planas e convexas resulta em raios sonoros refletidos e bem distribuídos no interior das salas (Figura 3.4). Figura 3.4. Incidência e reflexão do som sobre superfície conexa. Entretanto, a incidência do som sobre superfícies côncavas faz com que as ondas sonoras refletidas tendam a convergir para um ponto em comum, o foco (Figura 3.5). Figura 3.5. Reflexão do som sobre superfícies côncavas. Resumidamente podemos dizer que as superfícies convexas tendem a realizar o espalhamento do som, enquanto as superfícies côncavas tendem a realizar a convergência do som. Porém, para raios convergentes há formação de um foco, o que é um elemento problemático quando se localiza na área de ouvintes (espectador) porque pode favorecer o aparecimento de eco no local, visto que promovem a concentração de reflexões num mesmo ponto (Figura 3.6a). Portanto, espaços onde o comportamento acústico é importante deve-se analisar com cuidado a inserção de superfícies côncavas para que não se tornem prejudiciais a função acústica do espaço. O arquiteto ao projetar uma superfície côncava em um ambiente qualquer tem que levar em consideração a distância entre a área de recepção sonora com a região de focalização dos raios, com isso, não perceberá o eco. Nesse sentido, a área de recepção sonora deve estar afastada da região de focalização dos raios para que o eco não seja percebido (Figura 3.6b), ou seja, nem a fonte nem o receptor devem estar dentro da projeção do círculo que contém a superfície côncava, a reflexão dessa superfície é acusticamente aceitável e pode agir como dispersora do som. (a) (b) Figura 3.6. (a) Concentração sonora em superfície côncava. (b) Área de recepção afastada da focalização da superfície côncava. Enquanto os raios sonoros tendem a se concentrar ao serem refletidos por uma superfície côncava, as superfícies convexas tendem a difundi-los. Esse fenômeno de espalhamento dos raios sonoros é chamado de difusão. Assim, quando ocorre a difusão dos raios sonoros (espalhamento) a área de abrangência dos raios refletidos é maior que aquela promovida por uma superfície plana (Figura 3.7). Figura 3.7. Difusão em uma superfície convexa. Obs.: A maior abrangência dos refletores convexos resultam em uma onda sonora refletida de menor intensidade que aquela promovida por um refletor plano. Isso ocorre porque a área de distribuição da energia sonora torna-se maior. No entanto, para o arquiteto, trata-se de um instrumento valioso (projetar espelhos acústicos difusores), porém sua curvatura não deve ser exagerada, para que a perda de energia não seja muito acentuada. Um exemplo desse recurso foi adotado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Explorando a plasticidade do concreto, utilizou a forma convexa interna na cobertura da Catedral de Nossa Senhora Aparecida em Brasília, permitindo, assim, a difusão dos raios por todo o ambiente (Figura 3.8). Figura 3.8. Forma convexa utilizada na Categral de Brasília. Outro fator importante que deve ser analisado é a frequência da onda sonora emitida, pois sons de alta frequência, portanto de pequeno comprimento de onda,tendem a sofrer reflexões mais comumente que os de baixa frequência, cujos comprimentos de onda são maiores, se comparados às superfícies/obstáculos. Assim, um som de alta frequência é facilmente refletido por pequenos objetos, provocando sombras acústicas nas regiões imediatamente posteriores a esses objetos (veja Figura 3.9). Figura 3.9. Sombra acústica e frequências sonoras. Em projetos, esse fato deve ser muito observado, para que os lugares onde há interesse na recepção sonora não sejam prejudicados pelas sombras acústicas. A reflexão deve ser explorada arquitetonicamente (forma e direcionamento) de modo a permitir o reforço e distribuição sonora aumentando a intensidade e a homogeneidade no ambiente. Em auditórios, esse recurso é muito utilizado, pois como o som direto tende a perder sua intensidade, principalmente para os lugares afastados da fonte, os espelhos acústicos colaboram na intensificação do nível sonoro (Figura 3.10). Figura 3.10. Reforço e distribuição sonora. A queda de intensidade sonora não ocorre apenas em decorrência da distância, mas também em função da absorção sonora dos materiais. Ao incidir sobre uma superfície, parte da energia sonora é refletida, enquanto outra parte é absorvida pelo material (Figura 3.11). Normalmente, quanto mais poroso o material, maior a absorção. Cada vez que o raio sonoro sofre uma reflexão, tende a perder energia, numa porcentagem que varia em função do material que reveste a superfície. A Tabela 1 mostra o coeficiente de absorção de alguns materiais. Tabela 1. Coeficiente de absorção de alguns materiais para determinadas frequências. Materiais Coeficiente () 125 Hz 250 Hz 500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz Reboco áspero 0,03 0,03 0,03 0,03 0,04 0,07 Chapas de mármore 0,01 0,01 0,01 0,02 - - Tapete de 5 mm sobre base de feltro 0,07 0,21 0,57 0,66 0,81 0,72 Uma pessoa com cadeira 0,33 - 0,44 - 0,4 - Público em ambientes muito grandes, por pessoa 0,13 0,31 0,45 0,51 0,51 0,43 Janela aberta 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 Lã mineral de 50 mm coberta de papelão denso 0,74 0,54 0,36 0,32 0,30 0,17 Por exemplo, um coeficiente = 0,01 significa absorção de 1% da energia do raio sonoro, e devolução de 99% para o ambiente (por reflexão). Enquanto um coeficiente = 1,0 significa uma absorção de 100% de energia do raio sonoro e devolução para o ambiente de 0%. A janela aberta é um exemplo de absorção igual a 100%. Portanto, quanto maior é o número de reflexões sofridas por um raio sonoro, menor a sua intensidade (Figura 3.11). Figura 3.11. Som direto e primeiras reflexões. Assim como os materiais, as pessoas também agem como elementos absorvedores sonoros; por isso, no caso de espaços como auditórios, grande parte da absorção sonora se deve à presença da plateia. A absorção sonora dos materiais é nitidamente percebida quando, por exemplo, distribui-se móveis em um ambiente. Enquanto com o ambiente vazio pode-se notar reflexões excessivas, tornando o som confuso, com o ambiente ocupado por móveis essas reflexões passam a ser absorvidas por eles, facilitando a inteligibilidade sonora (Figura 3.12). Figura 3.12. Reflexão e absorção nos ambientes. 3.1.1. Defeitos acústicos A vibração sonora que chega ao receptor é a composição do som direto e das reflexões (Figura 3.13). Figura 3.13. Som direto e som refletido. O intervalo de tempo que existe entre a chegada do raio sonoro direto e a chegada dos raios refletidos é decorrência da distância percorrida por cada um desses raios. Como, normalmente, o raio direto percorre menor distância, é o primeiro a alcançar o receptor. Chamamos de persistência sonora o mínimo intervalo de tempo necessário para que o ouvido humano consiga perceber sons emitidos por fontes sonoras distintas. O tempo de persistência sonora é de 0,1 s. 3.1.1.1 Eco Ocorre eco quando o som refletido por um obstáculo atinge o receptor em um tempo superior ao tempo da persistência sonora (0,1 s), ou seja, um som é produzido, ele vai atingir um obstáculo e vai retornar ao receptor em um tempo superior a 0,1 s (tempo de persistência sonora) (Figura 3.14). Se ouve o som original e depois o som refletido. Figura 3.14. Eco. Existe uma distância mínima para ocorrência do eco. Podemos considerar a velocidade do som 340 m/s e usar a ideia de velocidade média, tal que: 𝑣 = 2. ΔS Δt 340 = 2. ΔS 0,1 2. ΔS = 34 ΔS = 17 m Portanto, quando você pensa em eco e, por exemplo, numa casa vazia como cômodos vazios e você gritando e ouvindo sua própria voz não é eco. 3.1.1.2. Reverberação Em um ambiente fechado, onde ocorre múltiplas reflexões sonoras, manifesta-se também o fenômeno reverberação. Ocorre reverberação quando o som refletido atinge o receptor em um tempo inferior a 0,1 s. O efeito causado na reverberação é um prolongamento do som original, ou seja, não dá tempo do receptor (ouvido) realizar a distinção entre os dois sons. Cada ambiente terá o seu tempo de reverberação próprio, em função do seu volume e da composição dos seus materiais de revestimento. Por influência das reflexões, a intensidade do som será maior e o estímulo sonoro será percebido por um período de tempo mais longo. A reverberação é um fenômeno que possui importância na avaliação da sonoridade de salas de aula, auditórios, teatros, salas de concerto, etc. A equação de Sabine traduz o tempo de reverberação: 𝑇𝑟 = 0,16. 𝑉 𝐴 Onde 𝐴 = ∑ 𝑆. 𝛼𝑠; A é a área de absorção equivalente (m²); S é a área das superfícies que compõem o ambiente (m²) e 𝛼𝑠 é o coeficiente de absorção acústica Sabine. É fácil observar a ocorrência de reverberação, se for considerada a emissão de uma fonte sonora (voz humana) em um campo aberto, isento de superfícies verticais, e se for comparada a mesma fonte sendo emitida no mesmo terreno, porém dentro de uma edificação (Figura 3.15). Por influência das reflexões, o som percebido será de maior intensidade, apesar de a potência da fonte continuar a mesma, e o estímulo sonoro será percebido por um período de tempo mais longo. Figura 3.15. Propagação ao ar livre e no interior de uma edificação. 3.2. Difração É a mudança sofrida na direção de uma onda sonora devido ao seu encontro com um obstáculo. O fenômeno dependerá da relação entre o tamanho do obstáculo e o comprimento de onda da onda. Como as superfícies devem ser grandes em relação ao comprimento de onda, para que atuem como refletoras, no caso dos sons de baixa frequência (grande comprimento de onda), é mais comum que ocorra, em vez da reflexão, o fenômeno da difração. A onda sonora se comporta como se o objeto apenas redirecionasse sua propagação e contorna o obstáculo. As arestas do objeto atuam como um novo centro de propagação, de forma que a onda sonora se altera/modifica, como se o obstáculo fosse uma nova fonte, e continua sua propagação. Por conta deste fenômeno o som passa por pequenas frestas ou orifícios, por cima de muros, contorna anteparos e colunas. Um exemplo para fácil entendimento, é o de ondas planas geradas num tanque de onda, incidindo sobre uma barreira que tem uma abertura pequena frente ao comprimento de onda, . Depois de superada a barreira, as frentes de onda são circulares, centradas na abertura. Esse encurvamento da frente de onda é a difração (veja Figura 3.16). Figura 3.16. Difração numa cuba de ondas. É o fenômeno que explica o funcionamento das barreiras acústicas, muito importantes para o controle de ruído urbano. 3.3. Refração Recebe o nome de refração a mudança de direção que sofre uma onda sonora quando passa de um meio de propagação para outro. Essa alteração de direção é causada pela variação da velocidade de propagação que sofre a onda (pois a velocidade de propagação do som muda em função do material em que a onda sonora se propaga) e, portanto,ocorre essa alteração na direção de propagação. Ao ter sua direção de propagação modificada de um meio para o outro, a onda terá sua intensidade diminuída. A atmosfera não é um meio homogêneo para a propagação do som, e a medida que aumenta a altitude, a temperatura diminui, podendo ser considerada como uma composição de diversas camadas (“faixas” horizontais), sendo cada uma delas um meio diferente. Então, quando uma onda sonora se propaga por ela, ela sofre o fenômeno de refração (ao passar de uma faixa para a outra), tendo sua direção alterada para cima, pois quanto maior a altura menor a velocidade de propagação do som e quanto maior a temperatura do ar, maior a velocidade de propagação do som. Em uma manhã fria, acima da superfície de um lago, ocorre o inverso: devido ao fato do lago estar mais frio do que a terra, a temperatura do ar próximo à superfície do lago cresce com o aumento da altitude (até um certo ponto). E o som é refratado para baixo. 3.4. Interferência Quando a frequência de uma fonte provoca a vibração de outra, ocorre ressonância Ressonância Essas ondas podem ser consideradas defeitos acústicos, porque elas provocam distorçam do som e com isso uma grande diferença de intensidade. Como as ondas sobrepõem-se, percorrendo direções opostas, vai existir regiões do ambiente onde a vibração é nula (pontos de nós, que serão fixos e que se anulam acusticamente). Já as fases que são coincidentes se somam causando uma sensação de som mais intenso. O que isso quer dizer? Que existiram regiões que podem estar lado a lado, basta um pequeno deslocamento do receptor para ou observar o dobro de intensidade ou a anulação completa da intensidade sonora.