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Geografia do Brasil A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa Dra Vivian Fiori Revisão Textual: Profa. Esp.Vera Lídia de Sá Cicarone. 5 • Introdução • Os meios geográficos e a formação do território brasileiro • A formação socioespacial Iniciando as discussões a respeito da formação do território brasileiro, trataremos da transição do meio natural para o meio técnico no Brasil. De acordo com Milton Santos, o homem interfere na disposição dos elementos naturais, transformando- os por meio do trabalho e, desse modo, produzindo o que chamamos de meio técnico. Quando pensamos em meio natural, logo temos referências mentais que associam tal conceito a imagens pré-concebidas: cachoeiras, árvores, praias, rios etc. Em muitos casos, tal associação não é feita de forma racional, mas baseada no senso comum, ou seja, numa visão socialmente preestabelecida. Dessa forma, nesta unidade, teremos uma visão de como o meio natural foi transformado, pelo trabalho humano, em meio técnico. Os elementos naturais são trabalhados por uma sociedade historicamente construída, e diversas bases técnicas são sobrepostas, à medida que a sociedade humana avança. Como foi constituído o território brasileiro? O que havia aqui antes? Que tipo de sociedade o construiu, e baseada em quais valores? Qual o modo de produção que se estabeleceu de forma preponderante? Como esses fatores contribuem para o entendimento da conformação atual de nossa sociedade em sua relação com o território? · Nesta unidade de Geografia do Brasil, trataremos da formação territorial brasileira. · Este é um tema fundamental para a compreensão dos processos que levaram à disposição atual dos elementos do nosso território, por explicar como o Brasil desenvolveu suas estruturas políticas, sociais e econômicas. A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico • O ouro e a urbanização em Minas Gerais • A Bacia Amazônica • A expansão cafeeira (século XIX) 6 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico Contextualização O que é território? Esse termo amplo encontra várias definições dadas por diversos ramos do conhecimento humano: na Biologia define-se o território das espécies, que se sobrepõe e contrapõe ao de outra; no Direito, há o conceito de território como um recorte espacial devidamente normatizado por leis e com governo próprio. E para a Geografia? Território é um conceito-chave na Geografia. Friedrich Ratzel determinou-o como sendo o espaço sobre o qual se exerce a soberania do Estado. Porém outros autores consideram-no como qualquer espaço envolvido por questões relativas ao exercício de poder e da apropriação social. Daí expressões como “território do tráfico”, “território Ianomami” etc. Para a finalidade deste estudo sobre a formação do território brasileiro, iremos considerar território numa definição mais próxima à escala nacional, sem, no entanto, desconsiderar as relações internas de poder que culminaram na criação de um território nacional chamado Brasil. A formação do Brasil foi, e continua sendo, um processo conflituoso, em que grupos e regiões se complementam e se opõe, de maneira que as atividades sociais, políticas e econômicas que se sobrepuseram no espaço nacional brasileiro nos deixam indícios e evidências de como processos ocorridos há séculos ainda interferem nos problemas atuais enfrentados pelo Brasil. Então, vamos começar a conhecer o processo da formação territorial do Brasil! 7 Introdução O homem, ao longo de sua existência, foi alterando os elementos da natureza de acordo com suas necessidades. Para tanto, valeu-se de ferramentas que pudessem operacionalizar essas alterações. Desde suas origens ancestrais, o ser humano foi, gradativamente, utilizando essas ferramentas, usando técnicas, construindo vilas, cidades e nações. No entanto, só a partir da difusão das técnicas de maneira mais acentuada é que ele abandonou o que poderia ser chamado de “meio natural’. Segundo Milton Santos: O meio natural era aquela fase da história na qual o homem escolhia da natureza aquilo que era fundamental ao exercício da vida e valorizava diferentemente essas condições naturais, as quais, sem grande modificação, constituíam a base material da existência do grupo. O fim do século XVIII e, sobretudo, o século XIX veem a mecanização do território: o território se mecaniza. Podemos dizer, junto com Max, Sorre (1948) e André Siegfried (1955), que esse momento é o momento da criação do meio técnico, que substitui o meio natural (SANTOS, 1994, p.70). Desse modo, nessa definição, o meio natural refere-se ao período da história no qual a natureza tinha um papel fundamental na existência humana e as técnicas eram bastante relacionadas aos elementos da natureza que o homem encontrava em seu meio. De acordo com Milton Santos, a definição a respeito do que venha a ser meio natural e meio técnico é relativa: Os pedaços da crosta terrestre, utilizados pelos grupos humanos para desenvolver sua base material nos primórdios da história, constituem o que estamos chamando de meio natural (ou pré-técnico). Todavia, a presença do homem já atribui um valor às coisas, que, assim, passam a conter um dado social. Por outra parte, como toda ação supõe uma técnica, a ideia de meio geográfico não pode ser desvinculada dessa noção de técnica (SANTOS, 2001, p. 28). Dessa forma, o uso do termo “meio natural” não significa que a natureza seja determinante em relação ao homem, pois a apropriação da natureza pelo homem dá-lhe um conteúdo social. Ao mesmo tempo, não é possível dizer que todos os povos do mundo, nem do Brasil, estejam sempre no mesmo estágio de produção e existência. Há sempre diferentes temporalidades sociais nos usos das técnicas. O espaço geográfico é organizado em função da sucessão dos meios geográficos organizados pelo homem. Desse modo, o meio técnico formou-se sobre uma base constituída pela acumulação pretérita de objetos inseridos em épocas anteriores. Ou seja, o trabalho vivo é organizado sobre o resquício de conteúdos e funções já organizadas no território anteriormente (SANTOS, 2001, p. 30). No período denominado meio técnico, com o início da Revolução Industrial (pós 1750), principalmente na Inglaterra, houve um contexto internacional que proporcionou o desenvolvimento das máquinas à vapor, o que permitiu a mecanização do território. Essa revolução nas técnicas aliou-se à ciência e a uma economia que alguns denominam de “economia mundo”, pois a revolução nos transportes ampliou as possibilidades de integração de várias regiões do mundo e possibilitou a ampliação das trocas comerciais. Nate Realce Nate Realce 8 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico No caso do Brasil, a chegada das linhas de navegação à vapor e a construção das ferrovias em algumas regiões do território brasileiro permitiram operacionalizar mudanças drásticas no território, com a inclusão de imensos espaços produtivos, a entrada de imigrantes, a ampliação dos ganhos de escala da produção agrícola e também o início dos processos que levaram à industrialização. Então, vamos entender um pouco desse processo, no qual se relacionam principalmente fatores relativos às dimensões políticas e socioeconômicas no espaço. Os meios geográficos e a formação do território brasileiro Meio natural ou pré-técnico são os termos pelos quais chamamos o meio geográfico habitado pelo ser humano desvinculado de técnicas mais elaboradas de trabalho e produção. Isso não significa que não houvesse técnicas, mas elas, em geral, não eram sistêmicas e quase sempre eram locais e relacionavam-se com a natureza ou com o que existia no meio no qual se produziam essas técnicas. No mapa do Brasil (fig. 1), observa-se a distribuição da produção no território brasileiro no final do século XIX, quemarca a transição entre o meio natural e o meio técnico. Destacamos a presença das ferrovias, cujos sistemas de objetos agregaram e integraram a produção de diferentes lugares e marcaram a distinção entre uma produção de base local e outra que demarca o que chamamos de território produtivo, sobretudo em porções do atual Sudeste. Fig. 1. Economia do território brasileiro, século XIX Fonte: THÉRY, Hervé; MELLO, Neli Aparecida de, Atlas do Brasil: disparidades e dinâmicas do território. São Paulo: Edusp, 2005. p. 41. 9 No caso da região Nordeste, observamos o domínio da cana-de-açúcar, mais associado à Zona da Mata, e o cacau, introduzido no sudoeste baiano, com forte impacto sobre a organização da produção dessa região. Onde hoje está a região Sudeste1, havia a mineração, sobretudo em Minas Gerais, que impulsionou a urbanização na região, e, posteriormente, o café, responsável pela incorporação de vastas áreas do território paulista antes intactas. Comparando-se as figuras 1 e 2, podemos notar que o bioma mais alterado pela ocupação do território brasileiro nos primeiros séculos foi a Mata Atlântica (fig. 2), nos ciclos econômicos da cana, do ouro e do café. A caatinga foi domínio da pecuária de corte, que supria as necessidades das regiões produtoras de cana no Nordeste. Já o cerrado e a Amazônia tiveram um processo de ocupação muito mais recente, embora não menos devastador. Essa disposição dos elementos produtivos bem como da população em função destes resultou em relações que ainda estão presentes no território brasileiro atualmente. Figura 2: Biomas Brasileiros Fonte: IBGE / Atlas Geográfico Escolar Apesar da imensidão e da continuidade do seu território e devido, principalmente, à grande dispersão e desconexão dos núcleos de povoamento, o processo de ocupação do território brasileiro fez surgir o que podemos chamar de “arquipélago econômico” (ANDRADE, 1999; SANTOS, 2001), com pouca integração interna entre as regiões brasileiras. Essa conformação revela-se por meio da análise de dois fatores: o político, ou seja, a maneira como ocorreu a apropriação do território brasileiro pela metrópole portuguesa; e o fator econômico, que mostra as formas de relação de produção estabelecidas. 1 Cabe lembrar que a divisão atual em 5 macrorregiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste), proposta pelo IBGE, é do século XX 10 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico A dimensão política do território No momento do descobrimento, em 1500, parte do território brasileiro já era português por direito, já que o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 (fig. 3) entre Espanha e Portugal, já estabelecia os limites de territórios descobertos ou que viessem a sê-lo. O meridiano de Tordesilhas cortava o Brasil desde as proximidades da ilha de Marajó, ao norte, até a região próxima à atual cidade de Laguna, em Santa Catarina. Em relação à política, a criação das capitanias hereditárias, iniciada em 1530-1549, revelou- se uma estratégia falha, na medida em que o comércio com as Índias ainda era muito mais lucrativo, o que provocou um desinteresse por conta dos donatários. E, ao mesmo tempo, o governo português queria centralizar um pouco a administração da colônia, por isso, em 1549, criou o Governo Geral e escolheu Salvador como sua capital, criando a divisão política denominada Capitanias (não mais hereditárias). Com isso, os núcleos de povoamento relacionaram-se, inicialmente, com as feitorias, que eram entrepostos de carregamento de madeira para exportação. Posteriormente, o cultivo da cana-de-açúcar levou à necessidade de criação de uma estrutura de maior controle sobre o território, que se deu pela divisão de terras no período colonial em sesmarias e pela criação de fortificações ao longo da costa, para garantir a segurança e a integridade da colônia. Percebe-se, quanto à economia do território, que prevaleceu uma relação econômica extravertida, com os núcleos conectados diretamente com o exterior e muito pouco entre si. Ao longo do tempo, o desenvolvimento de novos sistemas técnicos de movimento, como a navegação costeira (ou cabotagem) e a ferrovia, a partir do século XIX, permitiram uma mudança nesse quadro ao proporcionar a integração desses núcleos dispersos. Fig. 3. O Limite do Tratado de Tordesilhas e as Capitanias (Séc. XVI) Fonte: http://brasil500anos.ibge.gov.br, IBGE, 2010. 11 Durante o período da União Ibérica (1580-1640), houve um afrouxamento na política de disputas territoriais entre Portugal e Espanha. Além disso, a entrada em cena de novos países coloniais na disputa por territórios, como Holanda, Inglaterra e França, impulsionou os portugueses a apropriarem-se adequadamente dos novos territórios conquistados. Diante disso e por conta de uma política de expedições exploratórias, Portugal já havia se apoderado de uma grande quantidade de território antes pertencente à Espanha. Isso demandou o estabelecimento de novos acordos de fronteiras na América do Sul, que resultaram no Tratado de Madri, de 1750 (Quadro 1). Leia atentamente o quadro a seguir: Quadro 1: Tratados Envolvendo as Fronteiras Brasileiras Nome Ano Características Tratado de Tordesilhas 1494 Definiu as áreas de domínio de Espanha e Portugal fora da Europa. Tratado de Lisboa 1681 Tratou da devolução da Colônia do Sacramento (atual Uruguai) à coroa portuguesa, o que ocorreu efetivamente em 1683. Tratado de Utrecht 1713 Delimitou as fronteiras entre a Guiana Francesa e a Capitania do Cabo Norte, atual Amapá. Segundo Tratado de Utrecht 1715 Acertou uma nova devolução da Colônia do Sacramento a Portugal. Tratado de Madri 1750 Redefiniu as fronteiras entre América Portuguesa e Espanhola, anulando Tordesilhas. Portugal assegurou-se da sua presença na Bacia Amazônica, enquanto Espanha dominou a Bacia Platina. Foi o primeiro tratado a considerar o uti possidetis, princípio pelo qual a terra pertence a quem primeiro a domina. Tratado de Santo Ildefonso 1777 Confirmou o tratado de Madri e devolveu a ilha de Santa Catarina a Portugal, ficando a Espanha com a Colônia do Sacramento e os Sete Povos das Missões. Tratado de Badajós 1801 Incorporou a região dos Sete Povos das Missões ao Brasil Tratado de Petrópolis 1903 Negociado com a Bolívia, incorporou o Acre ao Brasil, na forma de Território Federal. Fontes: Enciclopédia do Estudante, OESP, 2008; Wanderley Messias da Costa, 2000. A evolução para um quadro territorial como o exibido no mapa (fig. 4) foi, portanto, o resultado de uma série de processos políticos nos três primeiros séculos da colônia. As disputas entre Portugal e outras potências coloniais, como Espanha, França e Inglaterra, tiveram influência, ainda, de fatos ocorridos na Europa, como a União Ibérica, em 1580, que juntou, durante 60 anos, Portugal e Espanha sob um mesmo governo; ou, ainda, as guerras napoleônicas, que promoveram a aliança político-militar de Portugal com a Inglaterra, fato que influenciou a formação territorial do Brasil. Observe que, se comparado ao mapa (fig 3), essa ocupação havia adentrado o território, e o Tratado de Madri (1750) praticamente deu uma configuração territorial próxima à atual, com algumas exceções, tais como o atual Acre (incorporado em 1903) e algumas regiões do Nate Realce 12 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico atual Rio Grande do Sul (Sete Povos das Missões) e a Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), ver Quadro 1. Fig. 4: Provável limite entre as Capitanias, século XVIII Fonte: IBGE, 2010. A inexistência de um sistema de vias internas fez com que o desenvolvimento das atividades econômicas pelos colonizadores portugueses se baseasse numa organização de escala local, voltada à satisfação das necessidades da metrópole. As bandeiras, expedições criadas com o intuito de apropriar-se do vasto território e suas riquezas, foram as primeiras a promovera integração nacional, ainda que sua base tenha sido, majoritariamente, por meio da espoliação. A formação socioespacial Entende-se por formação socioespacial o resultado da realização das ações do modo de produção de acordo com as possibilidades oferecidas pelo território. Cada etapa do modo de 13 produção pode ser analisada por meio do processo de formação socioespacial, já que, por esta análise, pode-se ter uma visão de como ocorreu a superposição das formas, ocorridas em períodos históricos distintos, e como essas formas interagem com as situações atuais no espaço geográfico (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p.29). Segundo Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 30-34), tudo que é resultado da produção num dado momento torna-se pré-condição em outro dado momento. Os agentes hegemônicos demandam a produção de novas formas, ou a renovação das antigas, de acordo com suas necessidades. Quando isso não é possível, adaptam as formas existentes a novos processos. Diálogo com o Autor O que é formação socioespacial? A formação socioespacial corresponde à delimitação do território nacional de acordo com seu uso, o que necessita de uma base material – as formas geográficas naturais, acrescidas das formas criadas ou transformadas pelo homem – e também de uma base normativa, além das práticas territoriais informais (SANTOS, 2006, p. 229). O conjunto de processos relativos à produção, circulação, distribuição e consumo de mercadorias, por exemplo, representam formas de uso do território que estão diretamente relacionados à formação socioespacial de um país. Assim sendo, a análise temporal e territorial desses processos, conjuntamente, determinam as peculiaridades de cada território (SANTOS, 1977, p.87). Um dos pilares do sistema de produção colonial brasileira, a cultura da cana-de-açúcar desenvolveu-se na região da Zona da Mata nordestina. Tal atividade foi instalada no contexto da concessão de capitanias, num primeiro momento (1530-1549), e de sesmarias a pessoas de prestígio junto à coroa e foi favorecida pelas condições naturais da região, como o clima quente e chuvoso e a fertilidade das terras. Esse sistema produtivo levou à expropriação das terras indígenas e à escravização desses povos. A escassez de mão de obra para a produção açucareira levou os portugueses a recorrerem à escravidão africana. A cultura da cana levou ao surgimento de uma atividade agrícola marginal de subsistência e também ao desenvolvimento da pecuária. O agreste e o sertão nordestinos representaram um grande suporte à economia canavieira, e grandes estados hoje, como o Piauí, devem sua existência à expansão da pecuária. 14 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico Fig. 5. Pintura “O engenho”, Franz Post (1668) Havia uma demanda muito grande por animais de tração, como burros e mulas, além de bovinos para movimentar as rodas dos engenhos. Além disso, a alimentação e a manutenção do sistema escravista eram mantidas por essa produção, inicialmente em áreas próximas ao engenho. Com o passar do tempo, essas atividades migraram para o agreste e o sertão. Pode-se dizer que a pecuária foi a atividade que melhor contribuiu para a ocupação do território brasileiro. A criação do gado era feita em grandes extensões de terra, as sesmarias, que muitas vezes se estendiam por milhares de hectares. A administração dessas grandes extensões de terra ficava a cargo de pessoas contratadas ou, então, de posseiros e rendeiros que encurralavam os animais e pagavam pelo uso da terra. A implantação de feiras e mercados para os produtos agrícolas levou ao surgimento de grandes cidades, como Feira de Santana (BA) e Campina Grande (PB). A expansão da atividade pecuária direcionou-se a novas regiões, como o sul do país, principalmente em virtude do surgimento da atividade de mineração. A descoberta de ouro em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso ocorreu não apenas em decorrência das expedições exploratórias – como as entradas e bandeiras – mas também em virtude da expansão populacional em áreas associadas ao desenvolvimento da pecuária. 15 O estabelecimento de rotas interioranas de comércio, principalmente entre os séculos XVII e XVIII, ainda que não quebrasse o isolamento provocado pelas grandes distâncias entre regiões, promoveu um maior intercâmbio populacional entre sistemas produtivos distintos. Ainda assim, a cana-de-açúcar continuou a ser um importante produto agrícola no mercado internacional, ainda que com a competição de novas áreas de produção nas Antilhas. A partir do século XVII, entretanto, o aumento das descobertas de ouro fez com que esta atividade prevalecesse, o que ocasionou uma importante mudança demográfica. Na figura 6, há uma ilustração de como se deu o processo de ocupação do território. No século XVI, houve o início da ocupação, com a instalação da estrutura produtiva da cana-de- açúcar no Nordeste. As expedições para captura de índios e busca por minerais, especialmente a partir do século XVII, propiciaram a transposição da barreira imaginária de Tordesilhas, valendo-se da falta de fortificações ou de alguma outra barreira física que impedisse a entrada em território espanhol. Fig. 6. Expedições de reconhecimento e expansão territorial nos séculos XVII-XVIII Fonte: J. Jobson Arruda. Atlas Histórico. São Paulo: Ática, 1997, p. 39, adaptado por Vivian Fiori, 2014. Com o passar do tempo e novas delimitações acertadas em novos tratados, os portugueses expandiram seus domínios apoiados no princípio do uti possidetis. Ou seja: era dono do território aquele que efetivamente o ocupasse. A partir do Tratado de Utrecht, os portugueses procuraram evidenciar os limites de seus domínios por meio da construção de fortes na fronteira brasileira. 16 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico O ouro e a urbanização em Minas Gerais O eixo central, tanto da produção econômica quanto da concentração populacional brasileira, deslocou-se da Zona da Mata nordestina para a região mineradora de Minas Gerais. Com isso, a importância relativa de cidades como Olinda, Recife e Salvador foi gradualmente reduzida. Concomitantemente, cidades como Vila Rica (atual Ouro Preto) e Rio de Janeiro (capital da colônia a partir de 1763) – por onde escoava a maior parte do ouro mineiro – desenvolveram- se, atraindo cada vez mais população. Nesse período, acentuou-se a urbanização, com a criação de diversos núcleos urbanos, como Vila Rica (Ouro Preto), Diamantina, São João del Rey, Vila Boa de Goiás e Cuiabá. A natureza da atividade mineradora, que demanda um intercâmbio comercial entre regiões produtoras e compradoras, favoreceu o surgimento de cidades onde a produção era comercializada. Além disso, nas cidades havia o aparato governamental, destinado à fiscalização da atividade e também à cobrança de tributos. A produção era transportada em tropas de mulas até os portos, o que ocasionou a criação de importantes vias de comunicação através do território. No aspecto político, essa transformação levou o reino português a transferir a sede política de seus domínios no Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763. A Bacia Amazônica Outro movimento muito importante, no século XVIII, para a expansão territorial do Brasil foi a ocupação da Bacia Amazônica. Inicialmente houve a busca pelas drogas do sertão – especiarias que existem na floresta amazônica, como cacau, guaraná, baunilha, castanha-do- pará etc. Durante o período da União Ibérica (1580-1640), em que as coroas de Portugal e Espanha estiveram unidas, houve um afrouxamento das tensões territoriais nessa região. Após a restauração da coroa portuguesa, houve a assinatura do Tratado de Madri (1750) entre Espanha e Portugal, consagrando a figura do Uti possidetis. Ou seja: quem possuía o território de fato, iria possuí-lo de direito. Assim sendo, Portugal procurou garantir sua expansãoterritorial na Amazônia por meio de expedições exploratórias, demarcando a região, principalmente, por meio da criação de fortes. A pouca importância relativa desse espaço para a coroa espanhola (cujos interesses se concentravam especialmente na exploração do ouro do Peru e México) facilitou o processo gradual de ocupação por Portugal. 17 Portanto, a ocupação da região amazônica pelos europeus sempre teve como objetivo a exploração econômica de matérias-primas diversas, cujo valor era estabelecido por fatores externos ao Brasil. Segundo Roberto Lobato Correa (2006), houve alguns importantes períodos na ocupação amazônica. Houve um período inicial de ocupação, com a implantação da cidade de Belém e início da conquista territorial. Nos séculos XVII e XVIII houve uma expansão na criação de fortificações e criação de aldeias missionárias, que serviram de embriões para futuras cidades, em torno das margens e confluências do rio Amazonas tais como: em Santarém (rio Tapajós), em Óbidos (rio Trombetas), em Tefé (Rio Japurá) e nas aldeias missionárias de Alenquer, Gurupatiba (Monte Alegre), Mariuá (Barcelos) etc. No século XVIII, foi criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, durante a administração do Marquês de Pombal, e voltada para compra e comércio de escravos africanos bem como para a centralização do comércio da região. Na transição do século XVIII para o XIX, houve um período de estagnação econômica, que só se encerrou com a valorização da borracha no mercado internacional. No século XIX, o desenvolvimento do processo de vulcanização da borracha, pelos EUA, revolucionou a economia amazônica. Houve uma aceleração dos processos de transporte, por conta da necessidade de ligação com as áreas industriais norte-americanas. Isto levou ao surgimento da navegação à vapor e ao desenvolvimento de cidades como Manaus e Belém. Esse período de crescimento econômico estendeu-se, principalmente, entre 1850 e 1920. A expansão cafeeira (século XIX) O café, introduzido no Brasil no século XVIII, desenvolveu-se rapidamente graças às condições favoráveis – o clima e o solo, especialmente. O transporte da produção dava-se por meio de tropas de muares, que desciam a Serra do Mar rumo aos portos. As rotas, muitas vezes, eram as mesmas utilizadas anteriormente para o transporte do ouro de Minas Gerais. A cultura desenvolveu-se, inicialmente, no Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba do Sul. Com a alta demanda pelo produto nos mercados internacionais, houve uma gradual expansão da produção pelo interior do Estado de São Paulo. No Vale do Paraíba, a produção assentava-se no trabalho escravo, e a produção era transportada por tropas de mulas até as regiões portuárias, como Paraty e Ubatuba. Posteriormente, houve a expansão territorial dessa produção para o Oeste Paulista. 18 Unidade: A Formação Territorial do Brasil: do Meio Natural ao Meio Técnico l ao Meio Técnico Nesta nova fase, iniciou-se o emprego de mão de obra assalariada, formada, principalmente, por imigrantes europeus. Conjuntamente com a chegada das estradas de ferro, esse tipo de organização do espaço agrícola tornou-se muito mais rentável que o trabalho escravo, criando, com o decorrer do tempo, uma vasta rede urbana, no interior do Estado de São Paulo, em torno das ferrovias instaladas. As férteis terras da região central e oeste de São Paulo também contribuíram para o desenvolvimento dessa estrutura produtiva, levando ao surgimento de importantes cidades, como Ribeirão Preto, Araraquara, Campinas, São Carlos, Rio Claro e São Jose do Rio Preto. A cultura do café desenvolveu-se simultaneamente à gradual extinção do trabalho escravo e à sua substituição pelo trabalho imigrante, realizado especialmente por europeus, contratados pelos fazendeiros paulistas e que, posteriormente, contribuíram para o processo de industrialização. Com a abolição do tráfico negreiro (1850) e da escravidão, o governo brasileiro incentivou, gradualmente, a implantação do trabalho assalariado no país, especialmente em função dos interesses ingleses, que queriam criar novos mercados para seus produtos. Logo, podemos tratar do empreendimento capitalista do café, que coexistia com formas não capitalistas de trabalho, caso do sistema de parceria, em que alguns ganhavam por produção, não sendo, portanto, apenas assalariados. Havia também as figuras do barão do café, de investidores, banqueiros, comerciantes que fizeram das cidades de São Paulo e Santos as novas centralidades da época. Nesse sentido, afirmamos que esse período entre o final do século XIX e início do século XX constituiu o período técnico no Brasil, que se desenvolveu particularmente nas regiões que estavam inseridas na economia mundial, as quais são, principalmente: a Amazônia com a borracha; a região cafeeira, sobretudo em São Paulo; e o sertão do Nordeste, com o algodão, produzindo para a Inglaterra e suas indústrias têxteis. Apesar de essas regiões estarem inseridas num processo global, elas tinham pouca integração interna no território brasileiro. 19 Material Complementar Livros e Artigos: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria L. O Brasil: território e sociedade no século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. SOUZA, Maria Adélia de. Geografias da desigualdade. São Paulo: HUCITEC, 1994. ______. Política e território: a Geografia das desigualdades. Brasília, Fórum Brasil em questão, Mesa Redonda, UNB, 2002. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/planodiretor/ pdfs/Politica_Territorio_Texto_MARIA_ADELIA.pdf. Acesso em 16/06/2014. THÉRY, H. MELLO, N.A. Atlas do Brasil. Disparidades e dinâmicas do território. São Paulo, Edusp, 2005. 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