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Trabalho e Sociabilidade Fernando Lothário da Roza João Nunes da Silva Nelson Russo de Moraes R893t Roza, Fernando Lothário da Trabalho e sociabilidade / Fernando Lothário da Roza, João Nunes da Silva, Nelson Russo de Moraes. 91 p.: il. 1. Trabalho – Aspectos sociais I. Silva, João Nunes da II. Moraes, Nelson Russo de II. Título CDD 331 Sumário 1. Trabalho nos diferentes momentos históricos | 5 2. Questão do trabalho no Brasil | 19 3. Contradições do trabalho no capitalismo | 31 4. Novas exigências ao trabalho na contemporaneidade | 41 5. Precarização do trabalho e a desresponsabilidade do Estado | 57 6. Trabalho e informalidade: a desestabilização dos estáveis | 67 7. Precarização do trabalho e os novos desafios ao serviço social | 77 Referências | 89 1 Trabalho nos diferentes momentos históricos Neste capítulo, vamos apresentar o conceito de trabalho, considerando as diferentes compreensões nas diversas socieda‑ des; verá como o trabalho foi desenvolvido ao logo do tempo, sua compressão para os povos primitivos, a influência da con‑ cepção de trabalho nas sociedades greco‑romanas, escravocratas, feudal e capitalista. Para que possamos realizar esse percurso, temos é preciso ter claro que o termo trabalho nos remete a uma reflexão do que ele representa para as nossas vidas. Já imaginou como seria a sociedade sem o trabalho? Será que existiria sociedade sem tra‑ balho? Afinal, o que significa esse termo e o que mesmo repre‑ senta em nossos dias? Trabalho e Sociabilidade – 6 – 1.1 Trabalho: conceituando As questões acima levantadas poderão nos ajudar a traçar um cami‑ nho para a compreensão do que é o trabalho. É importante imaginar que a nossa vida praticamente não seria nada sem que houvesse o que chama‑ mos de trabalho; mas por outro lado, tratar ou pensar sobre esse assunto exigiu uma disposição para que se tenha uma noção básica do que signi‑ fica na sociedade. Na Universidade, observe que, para sua existência é imprescindí‑ vel que várias pessoas estejam sintonizadas, exercendo alguma atividade que possa resultar na prestação de um bom serviço, na sua comodidade e, finalmente, no seu estudo e aprendizado. Façamos então uma rápida refle‑ xão, tentando visualizar os trabalhadores/funcionários que desenvolvem alguma atividade na universidade, por exemplo: os professores, web‑tuto‑ res, diretores, supervisores, auxiliares em geral, secretários, funcionários da limpeza, etc. Vejam quantas e quantas atividades podem ser relacio‑ nadas rapidamente. Agora imagine que, no dia a dia, as pessoas realizam diversas atividades para atender as suas necessidades e às dos outros; isso implica a divisão do trabalho social, como assegura Durkheim, sociólogo que estudou a sociedade a partir de uma visão positiva. Na concepção de Durkheim, cada pessoa, à medida que realiza uma atividade, depende do trabalho de outras pessoas, o que ele chama de soli‑ dariedade orgânica. Veja, portanto, que o trabalho, embora seja realizado, em determinados momentos, por uma só pessoa, na verdade, implica uma atividade de sociabilidade, isto é, o trabalho tem uma função social. Na concepção de Meksenas (1994, p. 21), trabalho “é o processo pelo qual as pessoas na criação de bens, transformam os elementos que com‑ põem a natureza”. Nem sempre o trabalho está relacionado ao bem‑estar, à harmonia, ao sucesso: a história nos mostra que, na verdade, a origem da palavra tão falada está associada a sofrimento, a tortura, a exploração, muito embora também esteja relacionada a instrumento de trabalho. Suzano Albornoz (1992, p. 10), sobre a definição trabalho, diz que se origina do latim tripalium, embora outras hipóteses a associem a trabaculum. Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no – 7 – Trabalho nos diferentes momentos históricos qual os agricultores batiam o trigo, as espigas de milho e o linho para rasgá‑lo e esfiapá‑los [...] ainda que originalmente o tripa‑ lium fosse usado no trabalho do agricultor, no trato do cereal, é do uso deste instrumento como meio de tortura que a palavra traba‑ lho significou por muito – e ainda conota‑ algo como padecimento e cativeiro. Deste conteúdo semântico de sofrer passou‑se ao de esforçar‑se, laborar, obrar. Na verdade, a partir do momento em que o ser humano necessita de alimento, de objetos e artefatos para viver, podemos perceber que o trabalho torna‑se presente. Mas é como a capacidade de transformar a natureza, por meio da sua ação, que o homem realiza o trabalho. Com isto, o desenvolvimento da humanidade e das sociedades passa a ser uma realidade sem precedentes. Na afirmação de Albornoz (1992, p. 12), o que distingue o trabalho humano do dos outros animais é que neste há consciência e intenciona‑ lidade, enquanto os animais trabalham por instinto, programados, sem consciência. Portanto são consciência e a intencionalidade usadas pelos homens que possibilitam a realização de profundas mudanças no âmbito social, econômico, cultural, físico e até mesmo psicológico. Se olharmos a história das sociedades, logo percebemos quantas mudanças ocorrem ao longo do tempo: basta lembrar de cidades que foram formadas, inclusive as grandes metrópoles, onde antes tudo não passava de um território denominado por florestas, ou até mesmo onde havia um verdadeiro deserto e, pela ação pensada e intencional do homem, determinadas regiões foram sofrendo grandes alterações. Além disto, o próprio comportamento humano (individual e coletivo) apresenta mudan‑ ças significativas, devido a realizações do trabalho. A mudança ocorrida na sociedade em função do trabalho tem sido controversa; quando o trabalho desenvolvido pelas pessoas resulta em crescimento material, intelectual e moral e que gera o bem‑estar de todos os indivíduos, é notório que o aspecto positivo é o mais evidente. Mas em contrapartida, são inúmeras as consequências negativas, quando a reali‑ zação do trabalho resulta em destruição do meio ambiente, por exemplo, humilhação e sofrimento humano, como tem demonstrado a história dos povos em geral. Trabalho e Sociabilidade – 8 – 1.1.1 Trabalho nas diferentes sociedades A maneira de o homem trabalhar a natureza provocou transformações profundas na vida das pessoas em geral, no ambiente natural e nas diver‑ sas sociedades. A agricultura e a pecuária constituem importantes desco‑ bertas para melhorar a vida de todos os povos. Nota‑se, nessas atividades, o uso da capacidade humana de pensar, de modo a alcançar seus objetivos. Nesse sentido, podemos afirmar que a busca de atender suas necessidades, como alimento e proteção, fizeram o homem realizar a atividade denominada como sendo trabalho. Será que o trabalho desenvolvido é visto pelos povos em geral da mesma maneira? O que os homens pensam sobre o trabalho? Qual o significado do trabalho para as diversas sociedades? Como os povos primitivos, por exemplo, rea‑ lizam e pensam o trabalho? Para obtermos respostas a essas indagações, torna‑se necessário que façamos uma leitura da história do trabalho na sociedade, para tanto temos que recorrer à historia da formação das sociedades. 1.1.2 O trabalho nas sociedades tribais O viver coletivamente trouxe ao homem o ato de se agrupar, primeiro por segurança, para se proteger contra os animais e da própria natureza. Para a sua sobrevivência a forma tribal se caracteriza como sendo uma das primeiras formas de organização social e divisão do trabalho social. Tomazi (2000, p. 36) afirma que as sociedades tribais, distribuídas pelos mais diferentes pontos da terra e com as mais diferentes estruturas sociais, políticas e econômicas, possuíam, e algumas ainda possuem, uma organi‑ zação do trabalho em geral baseada na divisão por sexo, em que homens e mulheres executavam atividades diferentes. Os seus equipamentos e instrumentos são, aos olhos dos estrangeiros, muito simples e rudimentares‑ ainda que se mostrem eficazes para oque deles se exige. A observação acima já demonstra uma diferença fundamental no que diz respeito às diferentes sociedades, principalmente às chamadas primitivas: observa‑se que nem todos os povos têm a mesma concepção de trabalho. – 9 – Trabalho nos diferentes momentos históricos Por exemplo: a concepção muito difundida de que o índio é pregui‑ çoso na verdade é puro preconceito, uma vez que os colonizadores, quando chegaram às terras brasileiras, tinham uma noção do trabalho voltada para o mercado, para a acumulação e para a riqueza, enquanto que, para os povos indígenas, essa não era a lógica; por isso, não se deixaram escravizar, o que teve como consequência uma postura preconceituosa dos ditos civilizados para com esses povos. Vejamos o que Tomazi (2000, p. 36) aponta sobre este assunto: a explicação para o fato de trabalharem muito menos está no modo como se relacionam como a natureza muito diferente do nosso. A terra é, além do lugar onde se vive um valor cultural, pois é ela que dá aos homens os seus frutos [...] o mundo do trabalho nas socie‑ dades tribais é, pois, algo que tem relação com todos os outros elementos de duas sociedades e com todo o meio ambiente em que vivem. Desse modo, nelas não se encontra a ideia de que se deve produzir mais para poupar ou acumular alguma riqueza. A sua está na vida e na forma como passam os dias. Considerando essa reflexão sobre o sentido do trabalho nas diferen‑ tes sociedades, os antropólogos contribuíram significativamente para der‑ rubar certos preconceitos como o apresentado anteriormente. Os estudos realizados em grupos tribais, muito distante da sociedade industrializada, permitem uma maior clareza e conhecimento das diferentes sociedades e de seus costumes. Tomazi (2000, p. 36), se reporta a antropologia, e em especial aponta a concepção do antropólogo norte‑americano Marshal Sahlins, que chama essas sociedades de sociedade do lazer, ou as primeiras sociedades de abundância, pois, ao analisá‑las, percebeu que elas não só tinham todas as necessidades materiais e sociais plenamente satisfeitas, como também dispunham de um mínimo de horas diá‑ rias vinculadas à atividade de produção (cerca de três ou quatro horas e nem sempre todos os dias). Os Yanomamis dedicam pouco mais de três horas diárias vinculadas a atividade produtivas; os guayakis, cerca de cinco horas, mas não todos os dias, e os kungs do deserto de Kalahari, em média quatro horas por dia. Os estudos realizados por antropólogos brasileiros, como Darcy Ribeiro, por exemplo, reforçam essa visão de Sahlins: quando conviveu por um longo período (em torno de dez anos) com diversas tribos indíge‑ Trabalho e Sociabilidade – 10 – nas da Amazônia, pode perceber e demonstrar a riqueza dessas culturas e sua relação com o trabalho e com a vida. Em obras como O povo bra‑ sileiro (2002), Ribeiro descreve o modo de vida indígena e seu despren‑ dimento das riquezas. Em primeiro lugar, para os povos indígenas, está a vida, a natureza em si, o prazer pela graça da vida e a convivência com os seus pares. Antropólogos estrangeiros que tiveram a oportunidade de estudar os povos indígenas brasileiros, como Levi‑Strauss, descrevem as diversas maneiras de vida dos nossos índios. Em sua obra Tristes Trópicos (1996), esse antropólogo demonstra, inclusive com fotos, como os nativos traba‑ lham, relacionam‑se e se divertem, destacando a prioridade para o lazer e o descanso. 1.1.3 O trabalho na sociedade greco‑romana Nas sociedades greco‑romana, o trabalho pode ser visto de diferen‑ tes maneiras, como acentua Nelson Tomazi. Observe, no texto a seguir, como Tomazi (2000, p. 38) caracteriza a sociedade grega e sua relação com o trabalho. Os gregos faziam uma distinção clara entre trabalho braçal de quem labuta na terra, o trabalho manual do artesão e aquela atividade do cidadão que discute e procura, através do debate, resolver os problemas da sociedade. Conforme Hanna Harendt (1906‑1975), pensadora alemã, os gregos possuíam três concepções para a ideia de trabalho: labor, poiesis e práxis [...] por labor entende‑se o esforço físico voltado para a sobrevivência do corpo, sendo, por‑ tanto, uma atividade passiva ao ritmo da natureza. Em poiesis a ênfase recai sobre o fazer, o ato de fabricar, de criar alguma coisa ou produto através do uso de algum instrumento ou mesmo das próprias mãos. () A práxis, por sua vez, é aquela atividade que tem a palavra como seu principal instrumento, isto é, que utiliza o discurso como um meio para encontrar soluções voltadas para o bem‑estar dos cidadãos. É o espaço político da vida pública (p. 38). A compreensão do trabalho a partir das três concepções (poièsis, labor e práxis), apontadas por Harendt, permite‑nos ter uma visão ampla da realidade das sociedades em geral, até mesmo porque percebe‑se que não existe apenas uma concepção de trabalho que permeia todas as sociedades. No caso da nossa realidade industrial, tecnológica e buro‑ – 11 – Trabalho nos diferentes momentos históricos crática, observe que há uma forte tendência em limitar o trabalho a uma atividade meramente voltada à linha de produção, à fabrica, ou coisa desse tipo. Para maior compreensão dessas sociedades e de sua relação com o trabalho, é importante saber também a questão da escravidão. Tomazi (2000, p. 38) nos lembra que a condição dos escravos varia muito, pois havia não só o escravo que trabalhava a terra nas mais terríveis condições, mas também aquele incumbido de administrar e gerenciar todos os negócios do seu senhor e amo. Podia‑se, além disso, encontrar escravos exer‑ cendo a medicina, pois alguns médicos instruíam seus escravos e os libertavam para que continuassem o seu ofício. Apesar disso, contudo, o escravo era sempre alguém inferior por natureza, não importava que ofício tivesse ou quem fosse. A liberdade do cida‑ dão, as possibilidades de ele manter‑se sem ter que produzir dire‑ tamente o que consumia só era possível se existissem outros que trabalhassem para ele. A escravidão, já nessas sociedades, era considerada natural. Até mesmo grandes filósofos, como Platão e Aristóteles, embora tenham con‑ tribuído significativamente para a compreensão da sociedade, não deixa‑ ram de se apresentarem favoráveis a esse sistema. É importante saber que a base do sistema de escravidão nas sociedades nem sempre aconteceu devido ao preconceito racial, mas muitas vezes ocorria em função de conflitos, de guerras, de modo que aqueles indivíduos que eram domina‑ dos por outras etnias, ou grupos, ficavam submetidos aos seus senhores/ conquistadores. Para uma melhor compreensão desse tema, é interessante observar alguns filmes épicos e históricos, como Gladiador, de Ridley Scott, Spartacus, de Stanley Kubrick e Ben Hur, de Fred Niblo, os quais retratam aspectos da organização do trabalho nas sociedades antigas em que se percebe o trabalho escravo; observe que os famosos gladiadores eram também mão de obra escrava. 1.1.4 O trabalho na sociedade feudal A sociedade, durante muito tempo, adotou o modo de produção escra‑ vista. Muitas vezes, baseado simplesmente no preconceito, como no caso dos negros, como também, em função de guerras, conflitos e conquistas. Trabalho e Sociabilidade – 12 – Outro fator marcante para o fim da escravidão diz respeito ao pro‑ cesso da mercantilização dos escravos, pois uma vez que o mundo se orga‑ nizava e defendia o fim da escravidão, considerada desumana, essa merca‑ doria deixou de ser valiosa para ser onerosa, de modo que países como a Inglaterra, que comercializa escravos por toda a parte do globo, passaram a tomar outras iniciativas para por fim a essa mercantilização. Com o fim da escravidão, vem o período do feudalismo, isto é, o modo de produção feudal. Como o próprio nome já afirma, o feudalismo considera a terra, o feudo, principal elemento e moeda de compra e venda. Nesse contexto, em vez da figura escravo, surge o servo que, na realidade, significava um certo escravovendido juntamente com a terra. A diferença básica do escravo para o servo é que o primeiro não tinha direito a nada, a não ser à simples ração (comida) para se alimentar e reproduzir força de trabalho, enquanto que o servo já possui uma certa liberdade para plantar e colher, muito embora fosse submetido ao senhor feudal. A situação dos servos, por sua vez, não era das melhores, havia muita exploração sobre os mesmos como assegura Meksenas (1994, p. 34) “o servo, por sua vez, ao obter o direito ao cultivo da terra, passava a dever uma série de favores ao senhor feudal. ” Para maior compreensão do sistema feudal e de suas características, Meksenas (1994, p. 34) cita um trecho do livro História da Riqueza do Homem, de Leo Hubernman, em que se encontra o seguinte: cada servo era obrigado a dar parte de sua colheita ou ainda deve‑ ria trabalhar parte da semana nas terras do seu senhor, para só em seguida, cuidar da própria plantação. E se alguma tempestade ame‑ açava a perda da colheita, era a plantação do senhor que deveria ser salva em primeiro lugar. Se alguma estrada ou ponte necessitava de reparos, novamente o servo era encarregado desta tarefa. E se, ainda o camponês necessitava moer o seu trigo ou amassar suas uvas, teria que utilizar o moinho do seu senhor, e, para isso, pagava com parte de seus produtos. Nota‑se, na descrição feita por Huberman, as desvantagens de ser servo no período citado. Tal situação era comum na época, em razão da existência de um ideologia que mantinha o servo como uma simples fer‑ ramenta de trabalho, colocando‑o numa situação de humilhação e até mesmo em um grau de alienação que se torna aceito pela maioria. Vale ressaltar que, no feudalismo, a Igreja representava uma instituição fortís‑ – 13 – Trabalho nos diferentes momentos históricos sima ligada à nobreza, como podemos perceber nas palavras de Meksenas (1994, p. 36): além da camada dos senhores feudais e da camada dos servos (arrendatários dessas terras), existia ainda a camada do clero, [...] fica fácil perceber a existência de dominação dos nobres sobre os servos. Sabemos que durante a Idade Média, a Igreja Católica instituiu o tri‑ bunal do Santo Oficio, que ganhou o mundo como sendo a Inquisição, mais precisamente nos séculos XII ao XV, em repressão a qualquer ação considerada perigosa para a Igreja e seu desenvolvimento na sociedade; com isso; pensadores, cientistas, ativistas, mulheres, etc. , foram condena‑ das pelos representantes do clero e queimados na fogueira. No que diz respeito à ideologia dominante na época do feudalismo, a Igreja era a principal responsável por toda a forma de pensar e de orga‑ nizar a vida, a política, as leis e a cultura em geral. Podemos perceber claramente a força ideológica dessa instituição quando assistimos a deter‑ minados filmes que tratam da época medieval, como O nome da rosa, de Jean‑Jacques Annaud, baseado na obra homônima de Umberto Eco. Este filme retrata a preocupação da Igreja Católica em manter o conhecimento sob a sua tutela, de modo que aqueles que fugissem à regra eram punidos pela Inquisição. 1.1.5 O trabalho no capitalismo O modo de produção capitalista marca o fim do modelo de socie‑ dade baseada no feudalismo. O capitalismo nasce como uma característica central de comprar e vender a mão de obra humana baseada num sistema de assalariamento; o trabalhador, que antes realizava o seu trabalho de maneira artesanal e participava de todo o processo de produção, passa a vender a sua mão de obra. É certo que as condições de vida e de trabalho no feudalismo não eram nada boas, todavia, no capitalismo, a situação não vai melhorar tanto: o trabalhador passa a valer pelo que produz e a partir das condições estabelecidas no mercado. Nesse caso, o trabalho se carac‑ teriza pela separação do homem de seus meios de produção, como terras, máquinas e ferramentas. Trabalho e Sociabilidade – 14 – Conforme Meksenas (1994, p. 26) nos explica, a sociedade capitalista é uma organização de trabalho que se carac‑ teriza pela existência de, basicamente, duas classes sociais: os pro‑ prietários dos meios de produção e os proprietários apenas de sua capacidade de trabalho. Assim sendo, os trabalhadores trocam com os empresários (os donos dos meios de produção) a sua capacidade de trabalhar por um salário. Nessa sociedade, o trabalho industrial aparece como uma forma básica de produção de bens de consumo. Com a Revolução Industrial, muitos tinham a esperança de que a vida seria bem melhor, uma vez que, pelo trabalho, poderiam, com dinheiro para realizar seus desejos, adquirir produtos e serviços. Na verdade, isso não passou de um sonho que virou pesadelo porque a vida não vai ser tão simples assim, uma vez que a exploração vai ser uma das principais carac‑ terísticas desse sistema. a) Marx e o trabalho no capitalismo Quem estudou a sociedade capitalista de maneira crítica foi o pensador alemão Karl Marx (1818‑1883). Para esse teórico, o trabalhador é bastante explorado no capitalismo e, muitas vezes, devido à necessidade de sobrevivência e às condições de vida, a alienação consiste na forma com que esse sistema se reproduz. A primeira forma de alienação do trabalhador é quando ele é sepa‑ rado do seu meio de produção. Em um segundo momento, vem a alienação pela falta de conhecimento da realidade de exploração que está vivendo. Na verdade, para o capitalismo é importante que o trabalhador não pense, mas apenas realize o trabalho para o qual foi desig‑ nado. Se nos reportamos ao cinema, em uma cena do filme Tem‑ pos Modernos, de Charles Chaplin, o ato de apertar parafusos na linha de montagem e, posteriormente, ser engolido pelas engre‑ nagens, revela uma das faces do capitalismo e o filme demonstra criticamente esse quadro. b) A mais‑valia A partir de seus estudos sobre o trabalho no capitalismo, Marx chegou à conclusão de que o trabalhador não recebe justamente – 15 – Trabalho nos diferentes momentos históricos o seu salário, o qual deveria suprir suas necessidades de alime‑ nação, vestuário, lazer e bem‑estar de sua família. Este teórico crítico do capitalismo descobre que o salário pago ao trabalha‑ dor não corresponde ao tempo gasto no processo de produção, de modo que a maior parte do lucro produzido fica em poder do dono dos meios de produção, isto é, do capitalista. A esse cenário, Marx chamou de mais‑valia. Vejamos uma explicação do que é mais‑valia. Nelson Tomazi (2000, p. 50) assinala que o trabalhador, ao assinar um contrato para trabalhar numa deter‑ minada empresa, está dizendo ao seu proprietário que se dispõe a trabalhar; por exemplo, oito horas diárias, ou quarenta horas semanais, por determinado salário. O capitalista passa, a partir daí, a ter o direito de utilizar essa força de trabalho no interior da fábrica. O que ocorre, na realidade, é que o trabalhador, em cinco ou seis horas de trabalho diárias, por exemplo, produz um valor que corresponde ao seu salário total, sendo o valor produzido nas horas restantes apropriado pelo capitalista; quer dizer, dia‑ riamente o empregado trabalha duas horas de graça para o dono da empresa, o que se produz nessas duas horas a mais se chama mais‑valia. São as horas trabalhadas e não pagas que, acumu‑ ladas e reaplicadas no processo produtivo vão fazer com que o capitalista enriqueça rapidamente. As ideias apresentadas por Marx chamaram a atenção de muita gente, de trabalhadores a capitalistas; esses, por sua vez, fica‑ ram preocupados e até irritados com tudo o que foi demonstrado claramente sobre mais‑valia, o que dividiu nitidamente os que defendiam o capitalismo e os que se colocaram contrário a esse modelo. Não é por acaso que as ideias marxistas incomodam muita gente que vive da exploração, por isso é que vários movi‑ mentos sociais, muitas vezes, são até discriminados por defen‑ derem ideias como as de Karl Marx. Quem é alienado não per‑ cebe a exploração em que vivem os trabalhadores, de modo que criticam grevese movimentos sociais em geral que se colocam em defesa de melhores salários e de melhores condições de vida. c) Como o trabalho se transforma em mercadoria Parece uma coisa complicada imaginar que o trabalho se trans‑ forma em mercadoria. No capitalismo é assim que funciona, Trabalho e Sociabilidade – 16 – pois o trabalhador, para atender suas necessidades básicas (como alimentação, vestuário e lazer), precisa trabalhar e, em troca, receber um salário que possa atender seus objetivos. À medida em que o trabalhador se coloca à disposição do mercado para trabalhar em troca de um salário, ele se torna também uma mercadoria, ou melhor, seu trabalho passa a ser uma mercadoria, pois ele o vende: o trabalho é um produto de compra e venda no capitalismo. Isto vale para qualquer tipo de trabalho, seja no campo ou na cidade, na indústria, no comércio ou no setor de serviços em geral. Podemos considerar uma situação como a do professor que ministra as suas aulas numa determinada escola: na realidade toda a relação de trabalho se dá a partir de um contrato estabelecido pelas leis do mercado, entre o trabalhador (no caso o professor) e o empregador; o produto espe‑ rado são as aulas cujo cliente ou beneficiário é o aluno. Esse material que se tem em mãos só se torna possível devido à relação de compra e venda da força de trabalho. Pensar nessa situação parece uma coisa fora do comum ou fora de lógica ou que não se encaixa na realidade educacional, mas este é o modelo de produção e de funcionamento do capitalismo; o que muitas vezes pode se tornar uma relação conflituosa, e também desrespeitosa, quando o pro‑ fessor é visto pelo aluno como sendo apenas mero vendedor de sua força de trabalho e não como um intelectual a favor do conhecimento, do apren‑ dizado e da cidadania. Por outro lado, quando o aluno, numa instituição privada, coloca‑se como simples cliente, afasta toda possibilidade de uma educação primorosa e de qualidade, pois como o aluno está pagando uma mensalidade, às vezes se sente no direito de desrespeitar a metodologia do professor, isto quando não cria uma situação para afastar o professor de uma determinada disciplina simplesmente porque não gostou do seu jeito. Devido às diversas situações, como as mostradas anteriormente no tocante as relações de trabalho, podemos afirmar que, principalmente nas sociedades em que a exploração se mostra de maneira patente, essas rela‑ ções são constituídas por conflitos. No caso do capitalismo, a situação é claramente conflituosa: de um lado está o capitalismo querendo atingir o maior lucro possível, às vezes até pela exploração, desrespeito aos direitos – 17 – Trabalho nos diferentes momentos históricos dos trabalhadores e, por outro lado, este último tenta a todo custo sair de uma situa ção de exploração e de humilhação, o que nem sempre conse‑ gue; desta feita, há um maior número de pessoas querendo pelo menos um emprego qualquer, contando que lhe garanta o mínimo de sustento. Assim encontramos trabalhadores se submetendo a situações deprimentes, como as encontradas nos trabalhos escravos nas fazendas por aí a fora. Quando os trabalhadores tomam conhecimento e encontram meios e se organizam, passam a lutar por seus direitos. No campo, temos as organizações dos trabalhadores, como já houve no Brasil no século XX as chamadas Ligas Camponesas, cuja bandeira era a Reforma Agrária. Tais movimentos se estenderam por vários estados do Brasil, sendo seu ponto mais forte na Paraíba e em Pernambuco. A partir da década de 1980, temos os movimentos dos trabalhadores rurais sem terras‑ MST que se asseme‑ lham às ligas camponesas, em defesa da reforma agrária e por melhores condições de vida e de trabalho para o homem do campo. Nas cidades, temos vários movimentos formados por várias categorias de trabalhadores como os da construção civil, os metalúrgicos, os profes‑ sores, os comerciários, dentre outros, os quais se organizam e reivindicam melhorias para os seus pares. A partir de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista fizeram manifestações e greves por melhores condições de trabalho e de salário; nas bases desse movimento surgiram novas centrais sindicais, como a CUT, que fez frente à CGT, assim como o ressurgimento de partidos políticos, como o PTB, o PC do B, o PCB, o PSB e o surgimento de novas correntes partidárias, entre elas o Partido dos trabalhadores. Em síntese, o conceito de trabalho, de forma geral, refere‑se à maneira como os seres humanos realizam atividades, transformando a natureza e desenvolvendo a cultura da sociedade. As diferentes sociedades constitu‑ ídas ao longo do tempo nos mostram como o trabalho assume caracterís‑ ticas distintas. Por isso, é muito importante saber que o desenvolvimento das sociedades depende da forma como os homens realizam o trabalho, inclusive para que não se adote uma postura preconceituosa, quando nos deparamos com culturas diferentes da nossa. As concepções dos teóricos da sociologia, como Durkheim e Karl Marx, demonstram como o tema requer conhecimento amplo, afinal cada Trabalho e Sociabilidade – 18 – teoria é fruto de um concepção de mundo, de uma ideologia. Se você se ligar apenas a uma concepção, como se fosse a única, ficará limitado (a), de modo que, a partir das diferentes teorias, terá condições de perceber como se organiza o trabalho na sociedade atual, quais as transformações ocorridas e qual a perspectiva da sociedade daqui para frente. Enquanto teóricos como Durkheim fazem uma abordagem da sociedade e do tra‑ balho, fundamentando o capitalismo, Karl Marx apresenta‑se como um crítico do sistema capitalista. Veja, portanto, que essas diferentes análi‑ ses do trabalho nos remetem a vários questionamentos sobre as condições estabelecidas nas relações de produção. Pensar sobre o trabalho é pensar a forma de como os homens vivem, as suas contradições, suas virtudes e defeitos. O tipo de sociedade que temos é construído por nós e por nossos ancestrais. Assim vale pensar que tipo de evolução houve e o que ainda precisa ser melhorado no campo do trabalho. Conclusão Vimos, neste capítulo, o conceito de trabalho e como o trabalho se desenvolveu ao longo do tempo nas diversas sociedades como a primitiva, a Greco‑romana, a feudal e a capitalista. No que diz respeito ao capita‑ lismo, vimos que o trabalho assume uma característica bastante diferen‑ ciada da que se encontrava em outros modelos de sociedades. A partir das ideias de Karl Marx, pudemos perceber como o capitalismo se apresenta como um sistema de exploração por meio da mais‑valia. 2 Questão do trabalho no Brasil Neste capítulo, vamos apresentar a realidade do trabalho no Brasil, com ênfase na formação da classe trabalhadora, a partir do processo de escravização dos indígenas, dos negros e das pés- simas condições de vida e de trabalho dos imigrantes que aqui se estabelecem. Pode-se perceber como o Brasil se insere na divi- são internacional do trabalho baseado num sistema de exploração da mão de obra, cuja situação continua dramática até os dias de hoje: enquanto isso, a elite aqui formada se configura a partir da concentração fundiária que obriga os trabalhadores a saírem de seus locais de origem em busca de melhores condições na cidade. Toda essa situação se consolida por meio das políticas estatais as quais beneficiam cada vez mais os mais ricos, enquanto os pobres continuam cada vez mais pobres. A realidade das desigualdades regionais demonstra de que forma o Brasil construiu todo um processo de relações sociais de tra- balho de maneira injusta, excludente, o que se apresenta de maneira incisiva com a informalidade, o desemprego e o êxodo rural. Trabalho e Sociabilidade – 20 – 2.1 A inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho A realidade do trabalho no Brasil deve ser vista a partir do processo de relações de produção desenvolvida ao logo do tempo, mais precisa- mente, a partir da colonização iniciada no Século XVI pelos portugueses.Sabe-se que esse processo foi desencadeado pelas grandes navegações, os descobrimentos de novos mundos, em função da necessidade de desenvol- vimento mercantilista. O contato dos colonizadores portugueses, no Brasil, com os povos indígenas marca profundamente uma relação de exploração de todas as nos- sas riquezas naturais e humanas. Conforme acentua Tomazi (2000, p. 60): quando os portugueses descobriam as terras que depois vieram a se chamar Brasil, encontraram povos que havia muito tempo habitavam esse território. E não eram poucos. Tratava-se de mui- tos habitantes, tanto em número quanto em diversidade cultural. Pode‑se afirmar, conforme as avaliações feitas por antropólogos, que existiam cerca de 5 milhões de indígenas distribuídos por todo o território que hoje faz parte do Brasil. Atualmente, estima-se que existiam somente 200 mil índios. A contribuição dos antropólogos que se debruçam sobre as terras indí- genas desse continente brasileiro é que possibilitou desmistificar muita coisa em relação à forma como o processo de trabalho foi desenvolvido a partir das etnias: branca, negra e índia. Merecem destaque os estudos realizados por Darcy Ribeiro, cujo resultado contribuiu para que hoje se tenha mais respeito àquele que, na, verdade, deve ser considerado como o dono dessas terras: os povos indí- genas brasileiros. A chegada dos portugueses no Brasil acontece em função da busca frené- tica pela riqueza fácil. Para Darcy Ribeiro (2002), as terras brasileiras, como várias da América Latina, há muito tempo, já possuíam riquezas invejáveis e, nesse sentido, as empresas colonizadoras iniciadas pelos lusitanos desenvol- vem-se inescrupulosamente em nome da cristianização e da civilização. O trabalho desenvolvido pelos povos indígenas brasileiros não se adequou à realidade forçada pelos colonizadores, uma vez que a con- – 21 – Questão do trabalho no Brasil cepção de trabalho na cultura nativa não corresponde àquela do branco, cujo princípio está na exploração para a obtenção de riquezas. Quando aqui chegaram, os colonizadores tentaram escravizar os indígenas, obri- gando-os ao trabalho pesado. Veja que contradição, pois os nativos viviam tranquilamente, desen- volvendo um trabalho conforme as suas necessidades, sem nenhuma pre- ocupação com dinheiro, ou poder, conforme podemos perceber no relato de Nelson Tomazi (2000, p. 61): o trabalho nas sociedades indígenas no Brasil, não obstante as diferen- tes formas de organização social, econômica, política e cultural dos diversos grupos tribais, têm um traço comum, marcado pelas relações de parentesco, pelas obrigações ri tuais e míticas, que é a não existên- cia de uma separação entre as atividades produtivas e outras. O tempo de trabalho varia quando se passa de uma sociedade indí- gena para outra, em função do tipo de atividade, formas de cooperação e divisão de tarefas. No entanto, não se tem notícias de trabalho extenuante e sem intervalos em sociedades tribais (JUNQUEIRA, 1999). Considerando, portanto, o texto acima, percebe‑se que o conflito sem dúvida foi inevitável entre brancos e povos indígenas. Ao refletir sobre os costumes e o modo de vida dos povos indígenas antes da chegada dos colo- nizadores, é fácil observar as raízes do preconceito que se fazem primitivas e, erroneamente, de selvagens, principalmente quando se fala de trabalho. A mão de obra indígena foi usada pelos colonizadores, por meio de um sistema de escravidão. Se, antes, os primeiros habitantes brasileiros viviam naturalmente e organizavam sua vida conforme seus costumes, agora, passam a ser escravizados, vilipendiados, massacrados, para aten- der aos ditames da coroa portuguesa; isto é, a cultura indígena, em nenhum momento, durante esse processo, foi respeitada, muito pelo contrário, os indígenas foram obrigados a negar a sua cultura, em função de uma ideo- logia colonizadora, predatória e mercantilista. 2.2 O negro e as relações de trabalho Insatisfeitos com o trabalho dos povos indígenas, uma vez que esses resistiram o quanto puderam e não se adaptaram à forma como foram Trabalho e Sociabilidade – 22 – forçados a trabalhar, os colonizadores foram buscar na África a mão de obra que pretendiam para a realização das atividades, principalmente na agricultura, nas fazendas de café, na plantação de cana-de-açúcar. No que diz respeito à escravidão negra do Brasil, conforme relato de Tomazi (2000, p. 62): a alternativa que restou, diante da resistência dos índios, foi pro- curar mão de obra para o trabalho em outro local. Esse local foi o continente africano. Quanto a essa questão, cabe a pergunta: por que se desenvolveu a escravidão negra no Brasil? Muitos afirmam que ela aconteceu porque havia escassez de mão de obra, o que em parte é real, pelo menos no início da colonização portuguesa. Outros dizem que era muito difícil escravizar os indígenas, o que também só em parte é verdadeiro, uma vez que milhares e milhares de indígenas foram escravizados. Porém, existe também o fato de que eles não aceitavam a condição de escravos e reagiam com luta contra tal situação. Mas adiante Tomazi (2000, p. 64) faz a seguinte leitura sobre o final do período escravista na sociedade brasileira: Somente há pouco mais de cem anos é que se convive com a liber- dade formal do trabalho. Nunca é demais lembrar, também, que o Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão. Inicia-se, assim, um novo tempo, uma nova labuta, agora tendo como vítima os negros africanos para a realização do trabalho forçado. A resis- tência da parte dessa gente também se fez presente, por meio de lideranças negras que surgiram em defesa de seu povo; os quilombos demonstram a luta do povo africano para se livrar do jugo estabelecido pelo colonizador. Quilombos, como o de Palmares, chegaram a ter cerca de 20 mil habi- tantes, e o de Campo Grande, em Minas Gerais, com 10 mil habitantes, conforme Tomazi (2000, p. 63), que destaca: a explicação mais plausível para a escravidão negra se encontra em um conjunto de fatores que se interligam. O primeiro deles e o mais determinante, é o fato de os portugueses estarem interessados em encontrar um meio de obter lucros nas novas terras descober- tas. A produção de uma mercadoria que tivesse grande aceitação no mercado europeu, no caso o açúcar, que, para ser produzido exi- gia muita mão de obra, se aliava ao lucrativo comércio de escravos e com a utilização de sua força produtiva. – 23 – Questão do trabalho no Brasil Os vários livros que tratam da escravidão negra no Brasil, especial- mente os de cunho antropológico, sociológicos e históricos, retratam a difícil ida do negro africano, submetido a condições desumanas, enquanto a elite se deleitava com toda riqueza produzida pela mão de obra escrava. Sabemos que a história da escravidão negra no Brasil foi estabelecida pelo trabalho e fundamentada no preconceito e na ganância pelo enrique- cimento por parte da elite brasileira. 2.3 O trabalho livre e a mão de obra imigrante O fim da escravidão negra marca uma nova era, a partir do final do século XVIII. Agora é preciso investir na força de trabalho estrangeira. Embora a força de trabalho do imigrante tenha vindo às terras brasilei- ras, em sua maior parte, após a abolição oficial da escravatura, sabe‑se que, anteriormente, já havia muitos estrangeiros imigrantes trabalhando no país, conforme Tomazi (2000, p. 65) destaca: a primeira experiência de utilização da força de trabalho formal- mente livre e estrangeira foi realizada pelo senador Vergueiro, grande fazendeiro da região Oeste de São Paulo, que em 1846, trouxe 364 famílias da Alemanha e da Suíça. 1000 colonos por ano. Isso era feito com a ajuda financeira do governo da Província de São Paulo, que arcava com os custos da importação e ainda sub- vencionava as empresas agenciadoras de mão de obra estrangeira. Além da região do oeste paulista, sabe-se que vários imigrantes se estabeleceram no sul do país em busca demelhores condições de vida: os italianos, poloneses, alemães, dentre outros formaram colônias na região sul do país. A experiência da imigração no Brasil, evidentemente, apresentou, também, muita exploração dessa mão de obra, cujas situações de moradia, trabalho e saúde era problemáticas. Na opinião de Tomazi (2000, p. 65): as famílias que aqui chegavam assinavam um contrato nos seguin- tes termos: o fazendeiro adiantava uma quantia necessária ao trans- porte e aos gastos iniciais de instalação e sobrevivência dos colo- nos de sua família. Estes, por sua vez, deviam plantar e cuidar de um número determinado de pés de café. No final da colheita, seria feita uma divisão com o proprietário. Os colonos eram obrigados Trabalho e Sociabilidade – 24 – a pagar juros pelo adiantamento e não podiam sair da fazenda, enquanto não houvessem saudado sua dívida, o que demorava muito, uma vez que esses adiantamentos eram sempre maiores que os lucros advindos do café. E essa dívida, muitas vezes, passava do pai para o filho. A situação demonstrada por Tomazi é conhecida como parceria de endi- vidamento. Tal sistema demonstra como a exploração se faz presente, pois os trabalhadores não recebem um salário justo para que possam pagar as dívidas e viver com dignidade. Não podemos esquecer que, ainda hoje, encontra-se, em algumas regiões do país, esse sistema, o que caracteriza trabalho escravo. Atualmente nos deparamos com o trabalho análogo ao escravo, cujas características centrais são o descumprimento da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, de modo que as fazendas autuadas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, demonstram as péssimas condições de vida e de trabalho. Proprietários dessa fazenda foram indiciados, devido aos fiscais do trabalho encontrarem situações como: alimentação precária, péssimas condições de higiene, locais inadequados para dormir, além de os trabalhadores serem aprisionados e humilhados caso tentem fugir. Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, os trabalhadores, para essas situações, são recrutados por uma pessoa, que é um agente recruta- dor de mão de obra, com promessas de trabalho, salários justos e moradia, mas quando chegam na fazenda, já ficam em condições de endividados, pois até o material como foices, enxadas, são obrigados a comprar, além dos alimentos, que são vendidos muito acima do preço do mercado, de modo que só podem sair se quitarem suas dívidas, o que se torna impos- sível, uma vez que o salário que recebem é muito aquém do necessário, além de atuarem como vendedores ambulantes de todo tipo de material (TOMAZI, 2000, p. 67) a mão de obra utilizada incluía adultos, idosos, mulheres e crianças. 2.3.1 Classes sociais, estados e as particularidades regionais A mão de obra imigrante contribuiu para o desenvolvimento do país, como vimos, à custa de muita exploração. A maior parte dessa mão de – 25 – Questão do trabalho no Brasil obra fixou‑se nas fazendas de café e na cidade. Esta, a partir do início do século XX, principalmente nas indústrias. O Brasil passa a apresentar diferentes particularidades regionais, além de se configurar uma nítida divisão de classes sociais. A elite bra- sileira é formada pelos fazendeiros, plantadores de café (com ênfase na região Sudeste), cacau, no interior da Bahia e cana-de-açúcar, com ênfase em Pernambuco e São Paulo. Em decorrência do processo de formação da mão de obra, principal- mente a partir da imigração, o Brasil se insere no contexto internacional do capitalismo. Assim como em vários países, o Brasil passa a apresentar características marcantes de desigualdade social. Theodoro (2005, p. 100) assegurava que em função da abolição e da imigração europeia para certas regiões do país, o último quarto do século XIX vai consolidar um novo cenário para o mercado de trabalho no Brasil, no qual as especifi- cidades regionais vêm aflorar de forma significativa. A forma de desenvolvimento desencadeada com o processo de colo- nização e com o fim da escravatura teve, como consequência, desigualda- des regionais às quais, até hoje, se fazem presentes. 2.4 Desenvolvimento desigual e combinado na agricultura, indústria e serviços Segundo Mario Theodoro (2005), tivemos a diferenciação com a industrialização concentrando-se na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Nessas cidades, o contingente de trabalhadores, no final do século XIX, corresponde a 92% de estrangeiros, sobretudo de origem italiana. Quando às regiões menos ricas, no caso do Nordeste, Theodoro (2005) analisa que, com a abolição da escravidão, houve o crescimento da população urbana, decorrente da chegada de contingentes significativos de ex-escravos vindos do interior da própria região. A situação de pobreza e miséria nas regiões menos ricas é um fato, levando em consideração que uma grande massa de trabalhadores Trabalho e Sociabilidade – 26 – (ex-escravos) abandona as fazendas em busca de novas oportunidades e de melhoria das condições de vida, conforme Andrade citado por Theodoro (2005, p. 101-102). Para uma maior compreensão das contradições e desigualdades regio- nais no Brasil, é importante lembrar que um dos principais problemas do país, que perdura até hoje, é a concentração de terras. Este fato advém do processo de colonização, cujos resultados são visíveis na despropor- cionalidades regionais, no êxodo rural, na concentração de trabalhadores desempregados nas cidades, na formação de favelas e nas péssimas con- dições de vida. Conforme Darcy Ribeiro (2002, p. 1980) nos ensina que no Brasil, vários processos [...], sobretudo o monopólio da terra e a monocultura, promovem a expulsão da população do campo. No nosso caso, as dimensões são espantosas dadas à magnitude da população e a quantidade imensa de gente que se vê compelida a transladar-se. A população urbana salta de 12, 8 milhões, em 1940, para 80, 5 milhões, em 1980 [...] a população rural perde substân- cia porque passa, no mesmo período, de 28, 3 milhões para 38, 6, e é agora 35, 8 milhões. Reduzindo-se, em números relativos, de 68, 7% para 32, 4% e para 24, 4% do total. 2.5 Papel do Estado No que diz respeito às relações de trabalho no Brasil, o papel do Estado se dá para garantir o desenvolvimento econômico nacional, tendo como principal elemento a escravidão negra, num primeiro momento e, em segundo momento, a utilização da mão de obra estrangeira. O mercado de trabalho nasce num ambiente de exclusão. Como asse- vera Theodoro: o Estado criou também as condições para que se conso- lidasse a existência de um excedente estrutural de trabalhadores, aqueles que são o germe do que se chama hoje mercado informal (2005, p. 105). 2.5.1 De 1930 aos nossos dias A participação do Estado se faz presente de maneira acentuada, seguindo a lógica do capitalismo internacional, a partir de 1930, quando se inicia o processo de grandes transformações com a industrialização, – 27 – Questão do trabalho no Brasil a modernização e urbanização. Com a queda da economia cafeeira, o governo Getúlio Vargas investe maciçamente na Indústria, a qual passa a ser a base do crescimento econômico. Sobre essa questão, Theodoro (2005, p. 110) afirma que os anos 30 marcam o inicio da efetiva regulamentação do trabalho e do mercado de trabalho. Dá-se inicio à legislação trabalhista vol- tada para garantir o desenvolvimento econômico do país apoiada na moderna concepção de trabalho: é instituída a garantia de férias pagas, aposentadoria, assistência médica, o assalariamento, além do surgimento de tribunais específicos para questões trabalhistas. Na década de 1960, em função dos desequilíbrios regionais, o Estado passa a se preocupar, buscando uma alternativa para tal situação, o que resulta na criação de grupos de estudos, como o GTDN – Grupo de Traba- lho para o Desenvolvimento do Nordeste. Assim, afirma Theodoro (2005, p. 110). o governo passa a admitir a necessidade de uma política de desenvolvimento regional voltada para aquelaregião, criando, em seguida, a Superintendência do Desenvolvimento do Nor- deste (SUDENE). Para Theodoro (2005), entre os anos de 1930 a 1980, a economia brasileira teve um crescimento notável, de modo que: houve uma grande diversificação na indústria, ao mesmo tempo em que a força de trabalho aumentou de 15, 7 milhões para 45 milhões de pessoas e que o produto interno Bruto per capita cresceu 380%. Já os anos 80 são considerados a década perdida, em razão da baixa taxa de crescimento econômico. Estes anos podem ser considerados como marcados por uma crise econômica prolongada, resultado, sobretudo, do aprofundamento de alguns problemas estruturais vivenciados pelo país após o primeiro choque do petróleo, em 1973, acentua Theodoro, (2005). Com base na análise realizada por Theodoro, (2005, p. 113) sobre as condições de vida das populações das diferentes regiões brasileiras, observe o que aponta o autor: já ao final dos anos 1980, o Brasil contava com uma rede de aglo- merações urbanas de mais de 15 milhões de pessoas, nos quais estão 40% da população urbana do país. Nestas cidades se concen- Trabalho e Sociabilidade – 28 – tra uma grande proporção de pobres, quadro particularmente grave nas metrópoles de regiões menos desenvolvidas – RMs-. As quatro RMs com maior concentração de pobres são, por ordem, Recife, com 47, 2% de pobres, Fortaleza com 40, 7%, Belém com 39, 6% e Salvador com 39, 0%- são aquelas que se encontram nas regiões Nordeste e Norte. Observa-se que a média total de pobres na RMs é de 27, 9% . Sabemos que a realidade do trabalho no Brasil hoje não apresenta muita diferença no que diz respeito às péssimas condições de vida dos tra- balhadores, em algumas das regiões do país, sendo que a taxa de desem- pregado nos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, oscilam em relação à demanda de emprego em determinado perí- odo, mas que nos primeiros anos desse século vem caindo, com a abertura de novos postos de trabalho. Mas isso não representa uma melhoria da qualidade de vida da população, apenas um aquecimento momentâneo, pois o quadro é mais complexo. Em síntese, a realidade do trabalho no Brasil apresenta as suas contra- dições assim como nos diversos países do globo. Desde a colonização, for- mou-se uma estrutura econômica e social, cujos benefícios direcionaram-se para a classe dominante, detentora dos meios de produção. As classes sociais formadas no Brasil tiveram seu inicio já com a chegada dos colonizadores, em seguida, formou- se uma elite de fazendeiros, principalmente responsável, em monoculturas de café, cana-de-açúcar e cacau. Com o dinamismo provo- cado com a inserção do Brasil no contexto internacional do trabalho, e com a industrialização iniciada a partir da década de 1930, o país passa por um novo processo, surgindo uma nova elite agroindustrial. Em consequência, as desigualdades sociais foram se estabelecendo cada vez mais fortemente, pois a elite brasileira se rearranja e se estabelece impondo suas regras e limites a classe trabalhadora. Por outro lado, a concentração fundiária garante o grande hiato entre ricos e pobres, demonstrado nas diferenças regionais, ficando o Norte e o Nordeste em condições de menos desenvolvimento. Conclusão Neste capítulo, tomamos conhecimento da realidade do trabalho no Brasil, com ênfase na formação da classe trabalhadora a partir do processo – 29 – Questão do trabalho no Brasil de escravização dos indígenas, dos negros e das péssimas condições de vida e de trabalho dos imigrantes que aqui se estabeleceram. Percebeu como o Brasil se insere na divisão internacional do trabalho baseado num sistema de exploração da mão de obra, cuja situação continua dramática até os dias diga de hoje; enquanto isso, a elite aqui formada se configura a partir da concentração fundiária que obriga os trabalhadores a saírem de seus locais de origem para buscar melhores condições na cidade. Toda essa situação se consolida por meio das políticas estatais, as quais benefi- ciam cada vez mais os mais ricos, enquanto os pobres continuam cada vez mais pobres. A realidade das desigualdades regionais demonstra de que forma o Brasil construiu todo um processo de relações sociais de trabalho de maneira injusta, excludente, o que se apresenta de maneira incisiva com a informalidade, o desemprego e o êxodo rural. 3 Contradições do trabalho no capitalismo Neste capítulo, apresentaremos as contradições do traba‑ lho no capitalismo, com ênfase na relação trabalho, pobreza e exclusão social e movimentos sociais em torno do trabalho. No decorrer dos estudos, perceberá como a nossa realidade, seja onde estivermos, está inserida no contexto capitalista. A correria para manter um padrão de vida estável, muitas vezes, leva‑nos a um processo de alienação, de modo que não percebemos como ocorre toda uma situação de exploração dos trabalhadores na sociedade geral. Trabalho e Sociabilidade – 32 – 3.1 A contradição do capitalismo Sabemos que, na visão dialética marxista, a contradição do capita‑ lismo está em ter como princípio básico a busca incessante pelo lucro, o que vai resultar numa estagnação da economia, caso essa tendência não seja cuidadosamente acompanhada, com vistas a manter a sociedade em condições de desenvolvimento e perpetuação desse tipo de economia. Nessa perspectiva, a sociedade capitalista é estruturada em classes sociais, as quais, por sua vez, são antagônicas. Enquanto os capitalistas, proprietários dos meios de produção, buscam a todo custo manter‑se na riqueza e na opulência à custa da exploração dos trabalhadores, esses, por sua vez, tentam, de todas as formas possíveis, primeiramente, sobreviver e, em seguida, sair dessa situação de humilhação e exploração, coisa que não acontecerá, conforme afirma Karl Marx, dentro do modelo capitalista, pois este utilizava todos os mecanismos e instrumentos para manter os trabalhadores no mínimo ocupados ou preocupados com o trabalho para atender suas necessidades básicas, o que faz pela Ideologia, tornando, assim, os trabalhadores alienados no processo de relações de produção. No Brasil, como na maioria dos países, as contradições do capita‑ lismo se fazem evidentes quando se observa a própria configuração das cidades, onde se pode perceber claramente a geografia formada por seto‑ res diferenciados, de modo que se tem, de um lado, áreas nobres, com casas luxuosas e, por outro lado, favelas, cortiços, e um emaranhado de pessoas vivendo em condições subumanas. A forma com que as pessoas podem realizar seus objetivos e atender suas necessidades básicas é o trabalho. Em razão disso, muito se faz para que se tenha um trabalho. A história tem demonstrado que a realidade do trabalho tem sido marcada por profundas situações de conflitos e de sofri‑ mento, enquanto alguns ficam com a melhor parte. Para a realização do trabalho, existe o que chamamos de relações de produção, o que se dá, muitas vezes, de forma conturbada ou confli‑ tuosa. Já apresentado nos capítulos anteriores, em que detectamos como o trabalho se configura e quais as consequências de determinado tipo de relação de produção; o escravismo, o feudalismo e o capitalismo são exemplos disso. – 33 – Contradições do trabalho no capitalismo Para uma maior compreensão do que isso significa, vejamos então um exemplo: quando a pessoa necessita atender suas necessidades básicas de alimento, vestimenta e lazer precisa fazer alguma coisa, o que resulta num trabalho; para tanto, se não há como conseguir tudo na natureza, da maneira mais simples possível, o indivíduo passa a buscar uma outra forma de atender a suas necessidades. Assim, nasceram o escravismo, o feudalismo e o capitalismo. No capitalismo, como a maioria das pessoas não possui máquina, equipamentos e fábricas em seu poder, necessita vender a sua força de tra‑ balho, conforme determina o mercado capitalista. Desta feita, o trabalha‑ dor passa a ser uma mercadoria e, emmuitas situações, trabalha demasia‑ damente e não recebe o salário de maneira justa o que, consequentemente, não dá para comprar alimento suficiente, para se vestir, para morar, para pagar a luz, a água, etc. A realidade brasileira se apresenta com uma desigualdade imensa, uma vez que os capitalistas exploram o máximo possível e não ofe‑ recem condições de vida digna para os trabalhadores. No período da colonização, tivemos a exploração sobre os indígenas, depois tivemos a escravidão negra e, em seguida, a exploração dos imigrantes, europeus, em sua maioria. Tomazi (2000, p. 73) ensina que a situação dos trabalhadores no Brasil, nesses últimos anos, por‑ tanto, tem sido uma das mais terríveis e trágicas de toda a sua histó‑ ria. Existem estudos comparativos que buscam analisar a situação dos trabalhadores brasileiros nos últimos tempos, em comparação com sua situação em épocas anteriores. A triste conclusão a que chegaram é que a maioria deles, hoje em dia, encontra‑se em con‑ dições piores que as dos escravos no período colonial, pois, apesar da exploração intensa, eles tinham abrigo, roupa, alimentação. 3.2 Trabalho, pobreza e exclusão social nos contextos rural e urbano Ultimamente, o principal problema que grande parte dos trabalha‑ dores do mundo enfrenta é o desemprego, especialmente nos países sub‑ Trabalho e Sociabilidade – 34 – desenvolvidos. No Brasil, a situação não é das melhores. Desde as últi‑ mas décadas do século XX, aos nossos dias, o brasileiro sofre, segundo Tomazi (2000) com a inexistência de trabalho, o que se deve em razão a uma política econômica recessiva, com uma abertura para o exterior muito grande, que gerou diminuição de postos de trabalho ultimamente, nos últimos dez anos. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em sua obra Vidas desperdiçadas (2005), retrata a situação dos pobres e exclu‑ ídos do mundo globalizado. O autor ressalta em diversas linhas que a questão da exclusão social no mundo capitalista globalizado apresenta‑se cada vez mais recrudes‑ cente, uma vez que a tendência do capitalismo nos últimos tempos é bus‑ car cada vez mais formas para se manter produzindo com mais eficiência, porém com o menor custo possível. Desse modo, a especialização e o alto nível educacional tornam‑se principais fatores de empregabilidade. Levando em consideração que o Estado capitalista se pauta exata‑ mente numa educação que se submeta ao mercado, nem sempre a maioria das pessoas são de fato preparadas sequer para esse mercado de maneira satisfatória. Ocorre, na verdade, um processo de seleção natural do tipo os melhores que escapam no processo. Assim, uma boa parte de pessoas fica no caminho, esquecida, excluída e sem ter para onde ir, a quem Bauman chama de refugo humano, ou seres humanos refugados. A lógica capitalista no Brasil tem transformado as pessoas em lixos humanos, tanto no campo quanto na cidade. Com a concentração fundiá‑ ria, várias pessoas são forçadas a saírem do campo para as cidades. Aque‑ las que resistem no campo se submetem a trabalhos forçados, a sistema de trabalho que inclui variadas formas tais como: diária, parceira, escravidão ou semiescravidão. O desenvolvimento de novas tecnologias e a industrialização do sis‑ tema de produção no campo tem levado a situações cada vez mais dra‑ máticas os trabalhadores rurais. Enquanto isso, o modelo agroexportador prioriza ainda a produção de monocultura, como soja, cana‑de‑açúcar, sem levar em conta que as condições de trabalho são ainda precárias para a maioria. Diante do que foi exposto, é de se questionar: – 35 – Contradições do trabalho no capitalismo 2 por que será que ainda hoje a questão da pobreza parece uma coisa sem solução? 2 por que, enquanto avança a tecnologia, a industrialização e a glo‑ balização, não se resolvem a questão da pobreza e da exclusão? 2 quem ganha com todo esse desequilíbrio, desigualdade entre ricos e pobres? 2 o que o Estado tem feito para resolver o problema da pobreza e da exclusão social? Sabemos que a situação da pobreza e da exclusão social se faz pre‑ sente tanto no campo quanto na cidade, uma vez que o campo não apre‑ senta condições satisfatórias para fixar o homem e permitir que ele traba‑ lhe e viva com dignidade, é na cidade que a maioria vai buscar a melhor forma para viver. A esperança faz parte do cotidiano de muita gente que continua saindo do campo e se aglomerando nas grandes cidades em busca de emprego. Não encontrando o emprego, muitas vezes fica a vagar nas ruas, na beira de estradas, embaixo de pontes, quando não vai tentar conseguir algum barraco nas favelas que cada vez mais se avolumam. Sem qualificação suficiente, sem ter onde morar, sem educação para conseguir um emprego nas indústrias dos grandes centros, grande parte dos trabalhadores fica jogada na rua à espera de uma solução por parte do Estado, o que na maioria das vezes não acontece, a não ser medidas palia‑ tivas, enquanto que a distribuição de renda fica cada vez mais desigual. 3.3 Os movimentos sociais em torno do trabalho Existem vários tipos de movimentos sociais, os quais surgem por motivos diferenciados. Assim, temos movimentos sociais em torno de religiões, em função do preconceito contra a mulher, os negros, os indíge‑ nas, as culturas diferentes, a mentalidade de uma época. Desse modo, há movimentos sociais formados por uma variedade de questões ou insatisfa‑ ções, como temos, inclusive, movimentos sociais em defesa da natureza, em defesa de estilos de vida, por questões de gênero, pelos direitos huma‑ Trabalho e Sociabilidade – 36 – nos, e assim sucessivamente. Iremos priorizar a questão dos movimentos sociais em torno do trabalho. Se pararmos um pouco para pensar sobre movimentos sociais, tal‑ vez não saiba ainda exatamente o que significa; no entanto, deve ter visto em algum momento determinadas cenas e reportagens na televisão rela‑ cionando a organização de trabalhadores, os quais, munidos de faixas e cartazes, panfletos ou materiais de trabalho: capacetes, luvas, macacões, chaves, alicates e ferramentas em geral, gritam, acenam e tentam falar com os chefes ou seus representantes a fim de buscar explicações ou até mesmo levar uma lista de reivindicações para negociar com os patrões. Geralmente, na lista de reivindicações dos trabalhadores organizados em movimentos sociais estão itens como: melhores salários e melhores condições de trabalho, além de outros direitos trabalhistas. Os movimentos sociais surgem devido a uma insatisfação dos traba‑ lhadores, os quais muitas vezes percebem que seus defeitos fundamentais não estão sendo respeitados como: direito à vida digna, ao trabalho, salá‑ rio justo, condições de moradia e saúde, férias, dentre outros. Por outro lado, os movimentos sociais surgem num contexto social, econômico e cultural, motivados por mecanismos desencadeados a partir de vários fatores construídos ao longo do tempo. Considerando os vários motivos que resultam no surgimento de movimentos sociais, pode‑se afir‑ mar que situam em torno da mudança ou da conservação. Inúmeros sociólogos conceituam movimentos sociais de diferentes maneiras, todavia pode‑se perceber que há algo em comum nesses dife‑ rentes conceitos. Conforme Cohen, citado por Lakatos (1990, p. 293), podemos perceber diferentes concepções de movimentos sociais. Veja‑ mos: “um movimento social existe quando um grupo de indivíduos está envolvido num esforço organizado, seja para mudar, seja para manter alguns elementos da sociedade mais ampla.” Numa segunda definição, tem‑se: “movimento social é uma coletividade agindo com certa continuidade, a fim de promover ou resistir à mudança na sociedade ou grupo de que é parte.” (TURNER; KILLIAN citado por HOR‑ TON; HUNT 1980, p. 403, citado por LAKATOS 1990, p. 293). – 37 – Contradições do trabalho no capitalismo Numa terceira definição, a partir de Fairchild citado por Lakatos (1990, p. 294), temos: movimento social é ação ou agitação, concentrada, com algumgrau de continuidade, de um grupo que, plena ou vagamente orga‑ nizado, está unido por aspirações mais ou menos concretas, segue um plano traçado e se orienta para uma mudança das formas ou instituições da sociedade existente (ou um contra‑ataque em defesa dessas instituições). De forma geral, até mesmo considerando as definições acima, pode‑ mos afirmar que os movimentos sociais são uma forma de organização a partir de indivíduos ou grupos os quais se unem para promover a mudança ou a preservação de uma situação. Na história dos movimentos operários é relevante o fato de que em 1862, em Londres, trabalhadores franceses e ingleses reuniam‑se para dis‑ cutir problemas comuns, como a crise de matéria‑prima na indústria têxtil, provocada pela guerra Civil americana. Em 1864 é formada a Associação Internacional dos trabalhadores (AIT), conhecida como primeira interna‑ cional. Em 1889, sob a hegemonia do pensamento marxista, era funda‑ mentada em Paris, a Segunda Internacional, dando ensejo novamente à tentativa de unificação e organização do movimento operário em nível internacional (TOMAZI, 2000). 3.4 Os movimentos sociais em torno do trabalho Ao longo da história, têm surgido diversos movimentos sociais em torno do trabalho. Já na antiguidade, destaca‑se a organização dos escra‑ vos, Tomazi (2000, p. 222) assevera que na idade Média os movimentos dos camponeses‑ servos, na Idade Moderna, fase da desagregação da sociedade feudal, há os movi‑ mentos de mercadores e religiosos. Na Idade Contemporânea, com o capitalismo já consolidado, destacam‑se os movimentos de operários que insurgiram contra as contradições nas fábricas e nas cidades, bem como os movimentos de camponeses. Tivemos, a partir da Revolução Industrial, diversos movimentos, cujas ações já denunciam as péssimas condições dos trabalhadores, o que Trabalho e Sociabilidade – 38 – em nível internacional: a primeira e a segunda internacional dos trabalha‑ dores em 1862 e 1889, respectivamente. As péssimas condições de vida dos trabalhadores nas fábricas e nas cidades levaram à organização dos trabalhadores a reivindicações de melhoria como a diminuição da jornada de trabalho, melhores salários, condições de saúde e de moradia, entre outras. 3.5 Os movimentos sociais na visão de teóricos clássicos da sociologia Para Durkheim, Karl Marx, os movimentos sociais são vistos de dife‑ rentes formas. Na concepção de Durkheim, os movimentos sociais acon‑ tecem em função de um desequilíbrio social, e não em razão do conflito estabelecido entre capitalistas e trabalhadores. Assim defendem os neopo‑ sitivistas da Escola Americana de Sociologia, uma vez que estes teóricos consideram a existência de Leis Naturais que regem a sociedade, como defendia Augusto Comte. Nesse sentido, a exploração entre capitalistas e trabalhadores, que demonstram os interesses antagônicos, é vista como um processo natural. Enquanto isso, Karl Marx, critico do Capitalismo, como vimos ante‑ riormente, defende que os conflitos entre trabalhadores e capitalistas é ine‑ xorável, devido à situação de exploração dos primeiros sobre o segundo. Na visão marxista, quando os trabalhadores se conscientizam de que estão sendo explorados e que a situação pode ser diferente, buscam mecanismos para mudar, o que leva aos movimentos sociais revolucionários, como aconteceu na Inglaterra, França, Rússia e também no Brasil. Conforme Tomazi (2000, p. 234), “um bom caminho para compreender os movimentos é analisá‑los a partir do projeto que apresentam, da ideologia que os anima e da organização que estabelecem para atingir seus objetivos”. 3.6 Os movimentos sociais no Brasil A história do Brasil, no que diz respeito aos movimentos sociais, não é muito diferente da dos outros países. Desde a colonização, iniciada no – 39 – Contradições do trabalho no capitalismo ano de 1500, que já tivemos os movimentos indígenas, movimentos dos negros escravizados e dos imigrantes. Alguns movimentos merecem destaques tais como: na época do Impé‑ rio, as lutas pela independência, a luta pela abolição. Outros movimentos sociais destacados são: a Guerra dos Mascates (1710‑1711), em Pernambuco, a Cabanagem (1835‑1837), no Pará, a Balaiada (1938‑1841), no Maranhão, a revolução Praieira (1848‑1849), em Pernambuco, o movimento Quebra‑Qui‑ los (1874), no interior do Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará). A Guerra de Canudos (1893‑1897), Contestado (1912‑1916). Destacamos os movimentos como o de Canudos, Contestado, as Ligas Camponesas iniciadas no nordeste e se estendendo por todo o Bra‑ sil, a partir década de 1960. Surgidas em 1954, em Pernambuco, as Ligas se espalharam para outros estados, vindo a ser denominadas, em 1963, ligas Camponesas do Brasil, cuja bandeira de luta era: “Reforma Agrária na Lei ou na marra” (TOMAZI, 2000). Atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Sem‑Terras carrega a bandeira da Reforma Agrária e do Socialismo. Conforme afirma Tomazi (2000), o Movimento dos sem terras – MST surgiu em 1979, em Santa Cata‑ rina, a partir da tomada de consciência de trabalhadores rurais sem terras, que, fortemente influenciados pela Igreja Católica, por meio da Pastoral Operária, decidiu organizar‑se em torno da bandeira da reforma agrária. As principais ações do Movimento dos sem terras são: ocupações de terras, de praças, prédios públicos, marchas, para forçar as negociações em torno de melhores condições de vida para os trabalhadores do campo, principalmente para a Reforma Agrária. 3.7 Os principais movimentos sociais a partir das fábricas no Brasil O movimento operário no Brasil começa com o processo de indus‑ trialização iniciada na década de 1930, no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Os primeiros movimentos são caracterizados por ideias anarquistas e socialistas, Tomazi (2000, p. 254‑255) afirma que Trabalho e Sociabilidade – 40 – a mudança do eixo econômico, de agrário para Industrial, com o Estado na dianteira implicou a institucionalização das relações entre capital e trabalho, com a definição, por exemplo, da jornada de oito horas diárias, do salário mínimo, da organização sindical, etc, questão que passaria ao controle quase total do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio [...]. Somente a muitas partir de 1945‑46, o movimento operário no Brasil cresce num clima de relativa liberdade, proporcionando pela constituição liberal, que vigorou a partir de 1964. A partir do Golpe Civil‑Militar instituído em 1964, houve muitas per‑ seguições aos trabalhadores, com assassinatos, torturas e desaparecimento, tanto no campo, quanto na cidade, o que levou os movimentos sociais de esquerda a atuarem clandestinamente. A partir do final da década de 1970, surge o movimento sindical no chamado ABC paulista, cujas lideranças tinham o apoio da Igreja Católica, em parte, destacando‑se, inclusive, as figuras de Vicentinho e Luis Inácio Lula da Silva, entre outros. Nesse con‑ texto, surgiram as centrais sindicais de esquerda, com bases socialistas, com a Central Única dos Trabalhadores – CUT, as Comunidades Eclesiais de Bases, o Movimento dos Sem‑Terras e o Partido dos Trabalhadores. Não podemos esquecer, ao finalizar o capítulo, que abordar o correto entendimento sobre o cenário do trabalhado, passa pelo conhecimento das contradições impostas pela exploração deste pelos detentores dos meios de produção; na resistência a esta postura surgem os movimentos sociais. Conclusão Neste capítulo, apresentamos as contradições do trabalho no capita‑ lismo, destacando‑se a relação entre trabalho, pobreza e exclusão social nos contextos rural e urbano e os movimentos sociais em torno do trabalho. Assim como conheceu os principais aspectos das contradições estabeleci‑ das na relação entre trabalhadores e capitalistas. Com relação aos movi‑ mentos sociais, percebemos que são importantes instrumentos de luta para a melhoria das condições de vida, de modo que eles surgem como forma concreta de denunciar as injustiçase exploração. Porém, sabe‑se que os movimentos podem ser conservadores ou revolucionários. 4 Novas exigências ao trabalho na contemporaneidade O trabalho autônomo, voluntário, estagiário e mesmo o informal são novas maneiras de inserção no mercado de traba‑ lho, que serão apresentadas neste capítulo. O panorama histórico, social e econômico apresenta ainda o acréscimo de organizações empresariais voltadas à prestação de serviços e à forma coopera‑ tiva de atuação. Neste cenário e neste novo século, novas pers‑ pectivas de desenvolvimento das sociedades se constituem, con‑ siderando a nova ordem política e econômica e os seus reflexos socioambientais sobre o modelo de trabalho. Trabalho e Sociabilidade – 42 – 4.1 O terceiro setor do trabalho Sabemos que a evolução tecnológica que aconteceu no campo e na cidade, envolvendo as mais diversas profissões, mudou a relação das exi‑ gências para o desempenho do trabalhador. As novas tecnologias fazem com que os empresários necessitem de trabalhadores mais ágeis, que tenham bom senso e condições de mudarem sua atuação para melhorar a produtividade com a adoção de novos métodos, que por sua vez passam a ser ditados pela criação des‑ sas novas tecnologias. Sob este prisma, é certo o entendimento de que existe um esforço para o aumento da tecnificação dos processos industriais, para con‑ duzir as empresas a maior competitividade, isso torna o ambiente de trabalho mais complexo e, para tanto, habilidades outrora sem impor‑ tância se tornam fundamentais, como a facilidade de gravar sinais, o conhecimento de informática e a facilidade de relacionamento com outras pessoas. Por extensão, algumas profissões e postos de trabalho, em que muito pouco era exigido, passam exigir mais. O exemplo clás‑ sico é o trabalho do coletor de lixo urbano, ocupação para a qual, até pouco tempo, pouca qualificação se exigia, hoje a conclusão do ensino fundamental, conhecimentos de trânsito e de relacionamento humano e até de operação de máquinas hidráulicas (compactação do lixo), são exigências comuns. Dentro de cada área, as profissões são chamadas à tecnificação de maneira mais ou menos intensa. O trabalho da secretária, por exemplo, mudou muito na última década, também devido à evolução tecnológica. Nos anos oitenta, era necessário curso de datilografia e conhecimento sobre a operação de um aparelho chamado telex, hoje as escolas de datilo‑ grafia (em sua maioria) foram fechadas e o telex é considerado obsoleto. Para se candidatar ao trabalho de secretaria ou auxiliar administrativo o trabalhador deve ter conhecimentos em informática e em internet, conhe‑ cer o aparelho de fac‑símile e possuir boa desenvoltura no relacionamento humano, inclusive pelo telefone. Na mesma proporção que temos essa evolução tecnológica, temos a precarização do trabalho. – 43 – Novas exigências ao trabalho na contemporaneidade Nesse sentido, o mundo do trabalho sempre passou por mudanças de acordo com os cenários políticos, econômicas e sociais que se delinea‑ vam no decorrer da história, dentre elas é importante destacar uma grande mudança sentida a partir do início da década de 1980, em que se fortale‑ cem os trabalhos de associações sem fins lucrativos. Historicamente, o cidadão em condições de trabalhar buscava emprego junto às empresas que visavam ao lucro, ou junto ao governo (das prefeituras, Estados ou União), mas o cenário passou a contar com um terceiro setor de trabalho, que não se configura sob a ótica do lucro nem sob a caracterização do Estado. Dentro deste tema, de maneira breve e sucinta, será abordado o sur‑ gimento do terceiro setor, um setor que se inicia no voluntariado, mas que vem crescendo muito no atual cenário de oferta de empregos. Com a falência do Estado em sua proposta de promoção do bem‑estar coletivo (Welfare State), a sociedade passou a sentir, nas décadas de 1960 e 1970, a ineficácia no cumprimento de metas de atendimento público uni‑ versalista, a ineficiência na gestão pública e a ausência em alguns campos onde o Estado deveria estar presente. Ao final da década de 1970 e início da de 1980, a sociedade pre‑ senciou um Estado de magnitude gigantesca, mas lento e burocrático, fazendo com que aparecessem, diversas áreas desprovidas de atendimento adequado, como a saúde, a educação e a assistência social. O atendimento a algumas demandas sociais começa gradativamente, com a diminuição da presença do Estado, a ser transferido à sociedade civil organizada, que passa a se agrupar em associações, na busca de supri‑ mir o amparo antes dado pelo Estado, são as chamadas alternativas comu‑ nitárias de atendimento às demandas (MORAES, 2005). Neste novo cenário, em que a máquina estatal se retrai e suas estru‑ turas de Estado‑nação, forte e protetor, se rompem, surgem dois atores de significativa importância: as Organizações Não Governamentais (ONG), sem fins lucrativos, que se organizam a partir de movimentos populares e de grupos organizados da sociedade civil, e as empresas socialmente res‑ ponsáveis, que investem recursos privados no atendimento às demandas sociais públicas. Trabalho e Sociabilidade – 44 – Diante da insuficiência do Estado no atendimento às demandas sociais, sempre crescentes e cada vez mais diversificadas, passa‑se da cen‑ tralização do poder de planejamento e execução à limitação do seu papel de planejamento nas políticas públicas e à descentralização da administra‑ ção de execução de ações e projetos, o terceiro setor amplia sua atuação. Torna‑se responsabilidade do Estado criar condições para que inicia‑ tivas públicas e privadas possam atender, de maneira satisfatória e susten‑ tável, às necessidades sociais. Esta uma tendência mundial que, também no Brasil, é seguida na busca de caminhos alternativos para o desenvol‑ vimento de políticas sociais consonantes com a realidade que se impõe. A presença de organizações da sociedade civil e de empresas suprindo parte das necessidades coletivas ou públicas não substitui a função maior do Estado, mas a complementam, melhorando qualitativamente os servi‑ ços prestados às comunidades. Neste contexto, destacam‑se os aspectos próprios de instituições privadas, como o controle financeiro e busca por melhores preços de maneira desburocratizada, a competitividade e a pos‑ sibilidade de rápidas alterações no quadro funcional, mas principalmente, a visão estratégica própria do mercado. Os investimentos privados trazem raízes de sua estrutura organiza‑ cional racional, mais voltada para um mundo globalizado e em constante mudança, possibilitando ao Estado, agentes financiadores e sociedade civil, como um todo, cobrança quanto a sua legalidade, transparência, eco‑ nomicidade, contabilidade e, principalmente, quanto à qualidade com que desenvolvem as ações sociais. Com o início dos investimentos privados no setor social, surgem (além das associações) as fundações, os institutos e outras organizações não governamentais, sem fins lucrativos, que passam a atuar no desenvol‑ vimento de ações e projetos nas mais diferentes áreas (social, educacio‑ nal, ambiental, defesa de direitos, microcrédito, promoção do desenvolvi‑ mento, etc. ). O terceiro setor constitui‑se em um conjunto de organizações pri‑ vadas, sem fins lucrativos, voltadas à produção de bens e à prestação de serviços coletivos e públicos, ou, como define Salamon (1993) citado por Fernandes, (1994, p. 19): – 45 – Novas exigências ao trabalho na contemporaneidade Embora a terminologia utilizada e os propósitos específicos a serem perseguidos variem de lugar para lugar, a realidade social subjacente é bem similar: uma virtual revolução associativa está em curso no mundo, a qual faz emergir um expressivo “terceiro setor” global, que é composto de (a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do aparato formal do Estado (c) que não são destinadas a distribuir lucros aferidos com suas atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; (d)
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