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Exemplo de processo de formulação de caso clínico

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Exemplo de processo de formulação de caso clínico 
R., homem, 45 anos, venezuelano, vive há um ano em Montevidéu com sua esposa de 40 anos, dona de casa, 
dois filhos homens, 13 e 19 anos. Trabalha em empresa multinacional na área comercial, onde realiza trabalho 
de três pessoas. Foi encaminhado à consulta por seu psiquiatra para tratamento de transtorno de pânico. Pele 
clara, 1,60 altura, apresentou-se para a avaliação inicial vestindo terno e gravata, cabelo curto e bigode, com 
pequeno sobrepeso, tremor fino distal, fuma durante a entrevista, fala pausado, controlando-se, com tom 
grave e monocórdio, custando-lhe as emoções. 
Lembra-se da data exata do seu primeiro ataque de pânico. Reconhece-se muito estressado na época, pois 
fazia 16 anos que não tirava férias, com muitas viagens a trabalho e com muito pessoal a seu encargo. Recorda-
se que aproximadamente um mês antes, seu chefe gritou com ele, destratando-o em público. Ele não soube 
defender-se, teve ‘um branco” nesse momento e logo sentiu uma angustia grande, vergonha e raiva de seu 
chefe e de si mesmo por não ter sabido reagir, e tendo pensado: “minha inoperância agora ficou evidente, eu 
sou um blefe”. O primeiro ataque de pânico aconteceu no hall de um hotel em Caracas, onde uma jornalista 
estava entrevistando-o para uma reportagem sobre assuntos comerciais, quando começou a sentir enjoo, falta 
de ar, suor frio, percebeu que seu coração batia mais forte, sentiu a boca seca e sua voz começou a tremer. 
Suspendeu a entrevista e foi a um médico de urgência, tendo ficado muito envergonhado perante a jornalista 
por tal situação, onde pensamentos como: “ela está percebendo minha falta de capacidade”, “não terei 
condições de representar minha empresa”. O médico que o atendeu, ao examiná-lo, pode constatar que não 
apresentava nenhuma patologia orgânica e administrou-lhe um tranquilizante, recomendando que 
descansasse dois dias e que em seguida tivesse vida “normal”, pois o que lhe ocorrera não era grave. Dez dias 
depois, viajando no metrô em Caracas, sentiu-se novamente com falta de ar, com sensação de asfixia (“não 
conseguia respirar”), seu coração acelerou-se, ficou banhado de um transpiração fria, “acreditou que iria 
morrer”. Desta vez, outro médico de urgência, logo depois de constatar que não tinha nada orgânico em 
termos cardiovasculares, encaminhou-o a um psiquiatra, que fez o diagnóstico de transtorno de pânico e 
medicou-o com alprazolam 1mg., dois comprimidos diários. Desde então, apresentou evitações ao trabalho, 
dificuldades para viajar de automóvel, taxi, ônibus, sensação de menos-valia e de profunda rejeição por seu 
chefe, que o define como um “caipira”, e passando a perceber todas as abordagens do seu chefe como 
hostilidades pelo fato de ter se revelado incapaz. 
Pede para ser transferido e, sente um grande alívio ao ser atendido, porque assim poderia evitar esse chefe 
que para ele é o responsável de quase todos os seus problemas. Hoje, além de apresentar o temor de sofrer 
outros ataques de pânico, sente medo de Caracas e da sua violência, medo de seu chefe que está lá, medo de 
ficar numa fila, medo de dirigir, medo de falar em público, medo de fracassar em uma conferência e ficar 
estigmatizado. Apesar desses medos, não deixou de trabalhar e de dar suas conferências, mas o faz à custa de 
um grande desgaste emocional. Nos dias anteriores, sente claramente mais ansiedade, porque está 
antecipando permanentemente seu fracasso (ainda que saiba por experiência que a probabilidade de algo 
ruim acontecer seja baixa). 
A preparação de suas conferências sempre geraram tensão. É leitor assíduo e traz um fragmento de uma 
reportagem que havia sido feita com Vargas Llosa que diz assim: “...à medida que foi me tornando mais lido, 
mais famoso, a dificuldade foi sendo maior. Sempre tem sido igual a primeira vez. A única diferença é que 
quando comecei a escrever meus primeiros contos, a minha insegurança era terrível porque não sabia se iria 
termina-los. Agora sei que, se insisto, se trabalho, se “quebro a cabeça”, no final sai. Mas o trabalho é o 
mesmo, sempre a mesma insegurança, a mesma sensação de que é uma espécie de tortura de Sísifo, de insistir 
e insistir. Isto me custa muito trabalho. E, ao mesmo tempo em que me agrada, tampouco tem que ser a 
vítima. É um trabalho que é laborioso, difícil e muito exaltante, que sinto como enormemente enriquecedor”. 
Segundo ele, isto reflete exatamente o que lhe acontece ao preparar suas conferências. Traz como objetivo 
poder manejar seus medo, tem claro que neste momento não quer voltar a Venezuela, ainda que “não suporte 
o apartamento onde vive”. 
Gostaria de saber: O que é pânico? Por que o pânico ocorre? Se a medicação irá me curar? Em quanto tempo? 
Faz um ano que vem tomando 3 a 4 mg de alprazolam 1mg, e há alguns meses, clorimipramina 25mg, dois 
comprimidos por dia. Apresenta também insônia, pesadelos, tremor fino distal pela manhã, que as vezes o 
impede de escrever ou assinar, às vezes a voz falha, evita tomar café como se fosse a causa do tremor e porque 
todos notarão, admitindo que está preocupado com o que dirão: “do café posso prescindir”. Fumante de dois 
maços diários, atualmente diz: “não acredito que possa eliminar isso totalmente”. Ejaculador precoce desde 
muito jovem, problema para o qual nunca se consultou. Recorre a ingestão de 250 ml de whisky para atrasá-
la: “para mim, as crises de pânico são iguais à covardia” e “creio que meus medos continuarão aumentando” 
“Minha problemática de pânico não tem relação com o uso do álcool”. Reconhece que talvez esteja tomando 
um pouquinho demais. “O álcool está integrado em mim: meus familiares tomavam, é uma questão cultural; 
minha família me pede para que eu não beba mais, que não querem assistir ao ‘desmoronamento’ de alguém 
por ser valioso, mas sem dúvida exageram”. Sua ingestão diária é de 300 ml d whisky de segunda a sexta, e 
500 ml nos fins de semana. Define-se como “um autismo etílico": “quero evadir-me de tudo e de todos”. Em 
95% das vezes, bebe só para reduzir a ansiedade, e para preparar material e escrever suas conferências. 
Embora atribua tal ingestão alcóolica fundamentalmente a sua relação ruim com sua esposa, qualificando-a 
como 2 em uma escala de 0 a 10, reconhece pouca comunicação entre eles. Segundo ele, a esposa recrimina-
o por se dedicar mais a si próprio do que a família “Ela me acusa de ter descuidado da casa e da família, de 
que não atendo economicamente. Se fosse por ela, gastaríamos mais do que ganho. Também diz que é tudo 
por causa do álcool. Meus filhos ficam do lado da mãe. Gostaria de reduzir a ingestão de álcool, mas não de 
eliminá-la totalmente, tomar só para fins de semana, por exemplo. Em meu país dizem que gerente que não 
toma whisky, não é gerente. Não me sinto um alcoolista. Desejaria reduzir a ingestão para melhorar a relação 
com min há esposa e meus filhos, porque noto uma deterioração física, porque vejo que quanto mais tomo, 
mais me isolo, e porque temo que isso afete a minha carreira profissional”. (Apesar de tudo isto, tem 
consciência apenas parcial do risco ao qual se expõe a perder tudo pelo álcool). Reconhece-se como muito 
tímido desde jovem, com um sentimento de inferioridade por seu físico, e por não saber dançar, o que lhe 
custava não conseguir encarar as meninas. Evitava reuniões sociais, incluindo as familiares. Era sempre motivo 
de chacota na sua juventude. 
É o segundo de três irmãos homens: “Sempre me senti relegado quando criança, pois meu irmão mais velho 
era alto e de boa aparência, fazendo muito sucesso com as garotas, e meu irmão menos tocava bem violão 
nas reuniões de família. Eu não conseguia me destacar em nada; eles eram o centro das atenções, eu me 
escondia pelos cantos.” Frequentou colégio de padres, lembrando como eram exigentes e severos em relação 
`a disciplina. Apesar dessas dificuldades, teve boa formação escolar. Escutei muito dos meus paisque deveria 
ser sociável e educado como meu irmão. 
Lembra-se de seu pai, que faleceu há dois anos, com carinho, de sua mãe que ainda vive, e afirma: “Ela sempre 
foi muito dominadora”. “Sempre sofri muito com os conflitos entre eles”. Quanto aos traços de personalidade, 
afirma ser: introvertido, dominador, competitivo, perfeccionista, econômico, ambicioso, tenso, responsável, 
inteligente, trabalhador e recatado, evitando ir ao clube para não tomar banho na frente de outros homens. 
BDI = 14 pontos, não sinalizando depressão. 
Patologias médicas: no último ano, duas cólicas nefríticas e duas cólicas hepáticas com vômitos biliosos. 
Diagnósticos prováveis: Transtorno de pânico, agorafobia, fobia social, depressão maior, abuso de substâncias. 
Doenças no sistema digestivo e do sistema geniturinário. 
 
 
 
 
Conceituação do caso: 
Pai amável, mãe severa e irmãos competentes e desinibidos. 
Desde cedo, sentia-se inferior, o que lhe fez evitar o contato com pessoas. 
Vivias sob estresse do trabalho, com um chefe que o advertia na frente dos outros, com sobrecarga de 
trabalho, sem férias e com muito sofrimento na preparação de suas conferências. 
Começou a beber pesado para administrar o estresse. 
O tratamento provável seria iniciar pelo tratamento do transtorno de pânico, tendo em vista a rapidez do 
resultado, comparado ao tratamento da ansiedade social. Fortalecendo a relação terapêutica. Entende-se que 
a ansiedade social é o quadro básico a partir do qual se desenvolvem as outras patologias. 
O tratamento do abuso de substâncias envolveria a identificação de situações, sentimentos e pensamentos 
que favoreceriam o uso do álcool, além da identificação dos efeitos imediatos e de médio/longo prazo do uso 
do álcool. Uma vez alcançado tal objetivo, definir estratégias para evitar e/ou manejar os sentimento e 
pensamentos. 
A depressão deve ser secundária a fobia social, na medida em que usava o álcool para minimizar os sintomas 
da fobia social. O pânico ocorreu provavelmente por efeito do estresse em que vivia, não se esquecendo da 
morte do pai. Dessa forma, se melhorar do pânico, da fobia social e do abuso de substâncias, a depressão deve 
cair. 
Quanto aos medicamentos, devem ser usados até que o psiquiatra considere suficiente e decida pela 
suspenção, uma vez que com as habilidades adquiridas, tendem a não ser mais necessários. 
Uma dificuldade será quanto a manter o tratamento psicológico, uma vez que os medicamentos eliminam os 
sintomas e o paciente tende a se desinteressar pelo tratamento psicológico. 
Características cognitivas:

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