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AULA 1 - (Dignidade da pessoa humana compreendida como o eixo valorativo que justifica a existência do próprio Estado e da ordem jurídica; Sua problemática conceitual, destacando a dimensão principiológica que serve de suporte para os direitos humanos; Aspectos jurídico e constitucional deste princípio, chamando atenção para as consequências hermenêuticas resultantes da adoção da proteção da dignidade do ser humano como vetor de compreensão adequada da norma jurídica; Dificuldades a serem enfrentadas nas situações de limites da dignidade humana) A dignidade da pessoa humana: considerações gerais A dignidade da pessoa humana tem sido considerada por muitas áreas do saber humano, tais como a Filosofia, a Ética, a Política e o Direito, como o ponto central de construção de todo o ordenamento jurídico e do próprio Estado. Ela é vista até mesmo como um valor suprajurídico, isto é, para além do Direito e da Constituição, já que seria a dignidade um valor ínsito do ser humano. E, desta maneira, a dignidade trata diretamente da essência do ser humano. É, portanto, esse seu caráter supraconstitucional que permite, inclusive, que possamos sustentar sua efetividade independentemente da sua positivação (isto é, seu reconhecimento pelo direito, através de uma norma jurídica, quer seja ela lei ou mesmo uma norma constitucional). Se pensarmos, por exemplo, nos dramas humanos da atualidade, como entre tantos outros, a questão dos refugiados de guerra ou a fome nos países africanos, salta aos olhos a crise humanitária que vivenciamos e destacamos a importância da valorização e proteção da dignidade humana como bússola para enfrentarmos essas calamidades que assolam o mundo. Assim, falar de dignidade humana é falar do outro, é falar de direitos, é falar de democracia, é falar de cidadania. Para as sociedades atuais, a dignidade da pessoa humana coloca uma série de desafios a serem enfrentados, assegurando a todas as pessoas uma vida decente: com respeito, igualdade e liberdade, com acesso aos bens necessários para a realização do projeto de vida de cada um e que leve, enfim, à felicidade. Assim, a dignidade se articula com a própria possibilidade de existir com decência no mundo para nele viver em plenitude. No entanto, a vida em sociedade é marcada por desigualdades materiais e carências sociais, pois, ainda que expresso de forma simplista, há mais pessoas do que bens disponíveis, isto é, não é possível o acesso igual de todos a todos os recursos disponíveis: aí se coloca o dilema da dignidade humana. A construção histórica da dignidade humana A ideia de dignidade humana não é uma invenção do século XX. Os estudiosos do tema apontam que, já na Antiguidade Grega, havia um movimento de valorização da pessoa humana. Também entre os orientais a pessoa humana tinha seu destaque. Confúcio, partidário de uma ideia de aperfeiçoamento do ser, em detrimento da caridade pura, já pregava "ame a todos sem distinção". Posteriormente, com o advento do Cristianismo, a figura do ser humano, à imagem e semelhança de Deus, inspirava uma relação de reconhecimento de si no outro. O fundamento da dignidade morava no divino. Saltando no tempo, é com o Ilusionismo que, no Ocidente, a dignidade da pessoa humana passa a derivar da razão, daí decorrendo a criação de vários documentos emblemáticos para o marco do respeito à dignidade humana, como por exemplo, a Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, resultado da Revolução Francesa. Kant, na famosa obra "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" sustentava que as pessoas deveriam ser tratadas com um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos). O filósofo assim dizia: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.'’ São as noções de Kant que fixaram as bases da compreensão moderna da dignidade humana fixando sua relação com os direitos humanos e que até hoje se colocam como, de certa forma, pertinentes. Há duas dimensões do pensamento kantiano que merecem destaque: - A ideia de finalidade, isto é, o homem, por ser dotado de razão, é um fim em si mesmo. - A ideia de autonomia, isto é, a vontade humana deve estar direcionada para o dever de estabelecer parâmetros de moralidade que sirvam para todos, inclusive para ela mesma, não porque se busca uma vantagem futura, mas sim porque esta é a dignidade do ser dotado de razão. A problemática conceitual e sua relação com os direitos humanos Em uma postagem, de março de 2015, no Blog JOTA, Daniel Sarmento, diz que: "uma rápida pesquisa no site do STF mostra que, sob a égide da Constituição de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana foi explicitamente invocado em nada menos que 260 acórdãos, 2.298 decisões monocráticas, 79 decisões da Presidência, 9 questões de ordem e 3 repercussões gerais. Os temas abordados pelas decisões são os mais variados, indo da vedação de denúncias criminais genéricas à união homoafetiva; da impossibilidade de realização compulsória do exame de DNA ao aborto de fetos anencéfalos; das políticas de ação afirmativa à criminalização da violência doméstica'’. Como propor que um conceito de dignidade dê conta de temas e questões tão diferentes? Que seja capaz de comunicar um sentido mais objetivo à dignidade humana, que todos sabem o que é, mas têm muitas dificuldades de explicar e acordar um sentido para ser compartilhado? Veremos que há um esforço doutrinário no sentido de responder nossos questionamentos, embora sem que possamos ter uma definição fechada, com todos os seus elementos determinados. Um conceito de dignidade humana: desafios A dignidade humana é uma daquelas expressões chamadas de polissêmicas. Isto quer dizer que ela é portadora de muitos sentidos diferentes, sendo um desafio estabelecer um sentido único para a mesma. Assim, dignidade humana quer (e pode) dizer respeito a muitas coisas diversas, em razão do sentido que lhe é atribuído e dos interesses que se busca preservar ou defender quando a ela recorremos. Entretanto, ainda que a dignidade humana possa ser etiquetada como uma cláusula aberta, podemos fazer aqui alguns acordos quanto ao seu sentido. Para nossa disciplina, adotaremos o conceito dado por Ingo Wolfgang Sarlet que articula a ideia de respeito a todos os seres humanos, independentemente de suas qualidades. Esse respeito é exigido do Estado e da sociedade como um todo, materializando-se em um feixe de direitos e deveres fundamentais que asseguram uma existência minimamente decente, (como, por exemplo, acesso ao saneamento básico, à água potável, dispor de alimentação adequada, etc.) que permita ao ser humano decidir os rumos de sua vida, assegurando sua felicidade e participação na sociedade. Relação da dignidade humana com os direitos humanos A despeito da dificuldade semântica já registrada, podemos adotar também uma fórmula para conceituar a dignidade: Atributo inerente da pessoa humana, pelo simples fato de alguém "ser humano". Desse modo, por existir enquanto ser humano, em uma sociedade plural, automaticamente, esta pessoa se torna merecedora de respeito e proteção, independentemente, de sua origem, etnia, sexo, idade, estado civil, religião, filiação partidária, condição socioeconômica, cultura partilhada, ou de qualquer outro fator de identificação ou diferenciação. Reconhece-se que a dignidade é um princípio fundamental que emana de todos os humanos, desde a concepção no útero materno, não se vinculando e não dependendo de atribuição de personalidade jurídica ao seu titular para seu reconhecimento. Aqui, neste ponto de nossa disciplina, não aprofundaremos a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Assim nesta aula, consideraremos os dois como sinônimos, apesar de haver uma distinção entre eles, especialmente,no que tange a sua esfera de incidência: ● Os direitos humanos se situam na esfera internacional; ● Os direitos fundamentais se situam na ordem interna. Desse modo, quer sejam direito humanos ou direitos fundamentais, ambos emanam, decorrem da dignidade humana. Podemos, então, dizer que dignidade é um critério unificador, ao qual todos os direitos humanos/fundamentais se reportam, em maior ou menor grau de adesão ou concretização. Por outro lado, também se discute se esses direitos poderão ser relativizados, ou não, na medida em que nenhum direito ou princípio se apresenta de forma absoluta, especialmente quando estudamos o conflito ou colisão entre direitos e suas formas de resolução. Por exemplo, em nome do direito à intimidade e privacidade é possível que se proíba a circulação de uma reportagem jornalística? Esse é um tema de muita relevância e também delicado. A relação da dignidade humana com os direitos humanos/fundamentais gera uma dupla obrigação para o Estado quanto ao que dele se pode exigir: - uma de caráter negativo: Inspirado nos ideais liberais, remete uma noção de proteção, de defesa contra o Estado, determinando que o Estado deve se abster de adotar qualquer medida que possa violar a dignidade humana. Por exemplo, se não houver ordem judicial, o Estado só pode prender as pessoas em flagrante delito, isto é, se estiverem naquele momento praticando um crime. É o que temos no art. 5º. inciso LXI, da Constituição de 1988, preservando-se, assim, o direito à liberdade: "LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei." - e outra de aspecto positivo: Impõe ao Estado um dever de agir jurídica ou faticamente. Em geral, a dimensão positiva irá se traduzir na prestação de um serviço público, tal como a educação, a previdência social, a assistência social e a saúde, entre outros. Ela resulta do modelo de Estado social, que tem por finalidade proteger e promover, inclusive materialmente, a dignidade da pessoa humana. No texto constitucional, temos como exemplo o direito à educação, previsto no Capítulo III da Constituição, regulamentado a partir do art. 205. "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho'’. Ou ainda, como outro exemplo concreto, podemos citar o dever do Estado de prestar assistência social a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203, inciso V da Constituição de 1988). Aspectos jurídico e constitucional do princípio da dignidade humana A dignidade da pessoa humana, ao ser incorporada à ordem normativa de um país, passa a ostentar um aspecto jurídico que lhe dá todos os atributos que a norma jurídica ostenta, deixando de ser apenas uma indicação ética ou moral cuja adesão do sujeito depende apenas de sua consciência. A dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e a Constituição de 1988 No caso do Brasil, em especial, a dignidade da pessoa humana é uma norma jurídico-positiva de status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, sendo, então, capaz de garantir os direitos fundamentais do cidadão. Logo no art. 1º. inciso III da Constituição, o princípio da dignidade humana é declarado como um fundamento da República e do Estado Democrático de Direito do Brasil. Em outras palavras, é o Estado que passa a servir ao cidadão, como instrumento para garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas. Além desse artigo, o princípio da dignidade se encontra previsto de modo expresso ou implícito ao longo do texto constitucional, reforçando a ideia de fundamento, sendo a dignidade humana o eixo valorativo de nosso Estado e direito. A proteção da dignidade da pessoa humana como vetor para uma hermenêutica adequada Ao estudarmos a dignidade humana, percebemos, também, que ela se encontra diretamente relacionada ao tema da hermenêutica. Nesse sentido, dois aspectos merecem atenção: ● A dimensão principiológica: Sendo considerado como um princípio fundamental, a dignidade se coloca como elemento de justificação da própria existência do Estado, que tem na realização da dignidade humana sua razão de ser. Em assim sendo, todo esforço interpretativo deve ser no sentido de dar maior eficácia à dignidade da pessoa humana e, por decorrência, há um comando interpretativo que aponta para a realização dos direitos humanos que a dignidade humana emana, e portanto, estamos falando em assegurar seu real cumprimento, mediante a concretização das regras e princípios constitucionais que a eles se vinculam. Assim uma adoção de uma hermenêutica adequada está compromissada com a valorização da Constituição e, como nos explica o hoje Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, “a ênfase recai em procurar-se propiciar a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos constitucionais, fazendo com que eles passem do plano abstrato da norma jurídica para a realidade concreta da vida. A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho verdadeiro de sua função social.” (BARROS0, 1993:344); ● A questão de seus limites ou restrições: O problema dos limites ou restrições à dignidade humana diz respeito a admitirmos ou não que ela poderá ser objeto de restrição e, dessa forma, não pode ser considerada absoluta, no sentido de ser revestida por uma total imunidade à imposição de limites ou restrições. Em uma dimensão objetiva, a dignidade da pessoa humana deve ser considerada como absoluta e, dessa forma, irrenunciável, inalienável e intangível. É essa dimensão objetiva que a dignidade se coloca como valor inerente ao ser humano que merece proteção contra violações e degradações. No entanto, em uma dimensão subjetiva, hoje a posição da melhor doutrina é no sentido de que não há como sustentar essa impossibilidade de limitação, em um cenário de pluralidades de pessoas de igual dignidade. Se cada ser humano, em virtude de sua dignidade, é merecedor de igual respeito e consideração no que diz a sua condição de pessoa, e se tal dignidade não poderá ser violada ou sacrificada, nem mesmo para preservar a dignidade de terceiros, deve-se reconhecer uma relativização, em certa medida, pelo menos ao nível jurídico normativo. Com efeito, estamos aqui tratando de um contexto que considera estarem as pessoas sempre se relacionando entre si, daí, surge a possibilidade de relativização da dignidade diante do caso concreto a ser examinado. Novamente nos socorremos de Ingo Wolfgang Sarlet, que desenha a questão da restrição, a partir de uma reflexão sobre a dignidade, sua violação, e relação entre a dignidade do ofensor e do ofendido: “Parece-nos irrefutável que, na esfera das relações sociais, nos encontramos diuturnamente diante de situações nas quais a dignidade de uma determinada pessoa (e até mesmo de grupos de indivíduos) esteja sendo objeto de violação por parte de terceiros, de tal sorte que sempre se põe o problema – teórico e prático – de saber se é possível, com o escopo de proteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade do ofensor, que, pela sua condição humana, é igualmente digno, mas que, ao mesmo tempo naquela circunstância, age de modo indigno e viola a dignidade dos seus semelhantes, ainda que tal comportamento não resulte – como já anunciado alhures – na perda da dignidade.” (SARLET, 2010: 64) AULA 2 - (Questões gerais que envolvem o estudo dos Direitos Humanos; Questão terminológica;as diferenças conceituais entre Direitos Humanos, Humanitários, Fundamentais e Garantias; Definição dos "direitos fundamentais/humanos"; Distinção entr Direitos Humanos e garantias; Características dos Direitos Humanos: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, interdependência, complementaridade, historicidade e essencialidade; Limitações e colisões entre direitos humanos; Princípios que orientam a solução dos conflitos: princípio da proporcionalidade e princípio da ponderação de valores;) Relações entre as pessoas - A dificuldade terminológica e as diferenças entre Direitos Humanos, Direitos Humanitários, Direitos Fundamentais e Garantias. O que são os Direitos Humanos? Segundo Vicente Barreto: "O emprego da expressão Direitos Humanos reflete essa abrangência e a consequente imprecisão conceitual com que tem sido utilizada. A expressão pode referir-se a situações sociais, políticas e culturais que se diferenciam entre si, significando, muitas vezes, manifestações emotivas em face da violência e da injustiça; na verdade, a multiplicidade dos usos da expressão demonstra, antes de tudo, a falta de fundamentos comuns que possam contribuir para universalizar o seu significado e, em consequência, sua prática'’. Ainda assim, podemos associar os direitos humanos de um lado a uma ideia de vulnerabilidade do ser humano e de outro à ideia de proteção. Carlos Nino, um professor argentino, ao pensar sobre Direitos Humanos, chama atenção para o fato de que muitas vezes é o próprio homem que ameaça e põe em risco o outro. "Esta importância dos Direitos Humanos está dada, como é evidente, pelo fato de que eles constituem uma ferramenta imprescindível para evitar um tipo de catástrofe que com frequência ameaça a vida humana. Sabemos, embora prefiramos não recordá-la a todo o tempo, que nossa vida é permanente espreitada por infortúnios que podem aniquilar nossos planos mais firmes, nossas aspirações de maior alento, o objeto de nossos afetos mais profundos. Não é por ser óbvio que deixa de ser motivo de perplexidade o fato de que este caráter trágico da condição humana esteja dado pela fragilidade de nossa constituição biológica e pela instabilidade de nosso habitat ecológico, por obra de nós mesmos.'’ Apesar da ausência de um conceito único, no mundo atual, podemos ao menos concordar que os Direitos Humanos são direitos de TODAS as pessoas humanas - HOMENS, MULHERES e CRIANÇAS - em TODOS OS LUGARES, sustentam-se na dignidade do ser humano e obrigam os Estados e agentes públicos, protegendo indivíduos e grupos. Nesse sentido, não podem ser suprimidos, nem negados. São iguais e interdependentes: isto é, nenhum deles é mais importante que os demais e o gozo de qualquer um afeta o gozo dos demais. Por exemplo, duvidamos que alguém com fome (vítima de violação do direito humano a uma alimentação adequada) possa exercer seu direito de voto de forma adequada, em igualdade de condições com alguém que não passe fome. Há um uso de outros termos que podem ser, em um primeiro momento, confundidos como sinônimos.Entretanto, cada um deles é reservado para um contexto diferente. Vejamos: ● Direitos Humanos: A ONU define os direitos humanos como "garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana'’. Os direitos humanos são garantidos internacionalmente, juridicamente protegidos e universais. É a expressão que tem uso predominante na ordem jurídica internacional, especialmente nos tratados internacionais. Em nossa disciplina, privilegiaremos o uso de "direitos humanos'’, já que estamos focando nossos estudos na projeção dos direitos humanos na ordem internacional. ● Direitos Humanitários: Dizem respeito aos direitos humanos considerados em contextos de guerra. Fazem parte do chamado Direito Internacional Humanitário. Alguns autores consideram que os direitos humanitários são desdobramentos dos direitos humanos. ● Direitos Fundamentais: Quando os direitos humanos se encontram inseridos na ordem jurídica interna são chamados de direitos fundamentais. Eles podem estar previstos na Constituição ou mesmo em leis esparsas. No Brasil, se encontram previstos no texto da Constituição Federal, especialmente no art. 5º. da Constituição de 1988. "Art. 5º, caput da CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]". Normalmente, são estudados como parte temática do Direito Constitucional e a doutrina contemporânea tem se esforçado em identificar uma "teoria dos direitos fundamentais". Podemos dizer que os direitos fundamentais são o núcleo inviolável de uma sociedade, voltados para assegurar e proteger a dignidade da pessoa humana, com o que não basta apenas seu reconhecimento formal nos instrumentos normativos, mas devem ser materialmente efetivados pelo Poder Público. ● Garantias: A expressão "garantias" muitas vezes acompanha os direitos humanos e fundamentais, inclusive na Constituição de 1988 são tratados em conjunto. Contudo, a ideia de garantia propõe a noção de instrumentos, de proteção. Como a doutrina constitucionalista registra, ao tratar da nossa primeira Constituição Republicana, a Constituição de 1891, Ruy Barbosa foi um dos primeiros juristas a propor uma distinção entre os direitos e as garantias fundamentais. Ele distinguiu "as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição do direito'’. Por exemplo, em nossa Constituição de 1988, no art 5. VI, temos: "VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias'’. "Ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos'’ é o DIREITO; "garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas garantias" é a GARANTIA. Assim, há, na garantia, uma dimensão assecuratória do direito. Ao passo que no direito a dimensão é declaratória (isto é, de dizer, reconhecer na ordem normativa posta que o direito existe), tratando de um bem ou de uma vantagem. Por exemplo: para assegurar a liberdade de ir e vir, temos, em nossa ordem jurídica, o Habeas Corpus. Se a pessoa tem um direito, é preciso que haja a previsão de garantias que estendem em seu raio de ação em três direções, sob pena do direito reconhecido ser transformado em pó: - Contra o risco de violação - quer dizer, instrumentos que previnam a violação; -Contra própria violação - isto é, instrumentos que façam cessar a agressão ou violação ao direito; -De proteção ou mesmo de reparação no caso da violação já ter ocorrido. Essas garantias podem ser de natureza institucional e, portanto, se articulam com o desenho que é dado às instituições que compõem o Estado. Por exemplo, a existência de um Poder Judiciário e de um Ministério Público independentes opera em favor da proteção aos direitos contra os abusos cometidos pelo Poder Público. Estas são chamadas de garantias institucionais. Por outro lado, as garantias podem ser mecanismos jurídico-processuais – que se traduzem em ações específicas - que permitam que o Poder Judiciário seja acionado na hipótese de agressão ou risco para o direito. Quando têm previsão no texto constitucional são chamadas de remédios constitucionais. No plano internacional, essas garantias têm outras feições. As gerações ou dimensões dos Direitos Humanos Percebemos que os direitos humanos, como hojesão compreendidos, são resultado de um processo histórico que, ao longo do tempo, vai se sedimentando em avanços e retrocessos nesse tema. Embora a proposta de geração de direitos humanos tenha sido feita por Karel Vasak em 1979, em uma conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), entre nós, a ideia de geração de direitos se tornou muito popular a partir da obra de Norberto Bobbio (1992). Os direitos humanos (ou fundamentais) são organizados a partir de gerações. Esses direitos são associados a um núcleo de valores comuns, em geral referenciados ao lema da Revolução Francesa: Liberdade; Igualdade; Fraternidade; Apesar de simbólica e de seu valor pedagógico, a teoria da geração tem sido criticada uma vez que implica uma sucessão no tempo, como um movimento evolutivo, que não tem comprovação histórica, além de sugerir que uma geração possa vir a substituir outra - o que igualmente não é verdade. Os direitos sociais, nos Estados Unidos, não são pacificamente reconhecidos como direitos fundamentais, além existir o problema da adoção da pena de morte em muitos estados membros da Federação norte-americana. Desse modo, ao invés de gerações, tem sido proposta a sistematização pela noção de dimensões. As dimensões melhor se articulam com a ideia de indivisibilidade, conforme reconhecido pela ONU na Carta de 1948. As dimensões de direitos permitem uma compreensão de interdependência estrutural dos direitos humanos, implicando em uma teia de relações e complementariedade. Nesse sentido, como alinhado por Lima (2003), note-se, por exemplo, como é difícil desvincular: ● o direito à vida (1ª geração) do direito à saúde (2ª geração) ; ● a liberdade de expressão (1ª geração) do direito à educação (2ª geração) ; ● o direito de voto (1ª geração) do direito à informação (4ª geração) ; ● o direito de reunião (1ª geração) do direito de sindicalização (2ª geração) ; ● o direito à propriedade (1ª geração) do direito ao meio ambiente sadio (3ª geração) ; E assim por diante… Por fim, "o ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais'’. (LIMA, 2003) As características dos Direitos Humanos Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa, sendo certo que entre eles não há hierarquia. No que tange às características dos Direitos Humanos, em geral, são apontadas: - A imprescritibilidade: O decurso do tempo ou a inércia do seu titular não levam a perda do direito em si (ainda que nos casos de direitos patrimoniais o tempo seja um fator importante, como por exemplo, o usucapião. Mesmo que se perda a propriedade de determinado bem imóvel, não se perde, em tese, o direito de ser proprietário em relação a outros bens). - A inalienabilidade: Não se pode alienar a condição humana, logo os direitos que dela decorrem também não o podem. Ainda que se possa alienar direitos patrimoniais, o direito a ter direitos patrimoniais é inalienável. - A irrenunciabilidade: São irrenunciáveis pois não se pode abrir mão de sua própria natureza. - A inviolabilidade: Não podem ser violados pela ordem jurídica, especialmente no plano interno, por leis infraconstitucionais, nem por atos administrativos de agente do Poder Público, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa. - A universalidade: Alcançam a todos os seres humanos sem distinções. - A interdependência: Um direito depende de outro para sua realização, logo estão inter-relacionados, interligados. - Complementaridade: Devem ser observados não isoladamente, mas de forma conjunta e interativa com os demais direitos e o próprio ordenamento jurídico; - Historiciedade: São construções históricas. - Essencialidade: Os direitos humanos são inerentes ao ser humano, tendo por base sua dignidade (aspecto material), assumindo posição normativa de destaque (aspecto formal). As limitações e colisões de Direitos Humanos As limitações e colisões dos direitos humanos têm por pressuposto o fato dos direitos não serem absolutos, o que já se verifica pela existência de um em número de seus titulares. Como explica André de Carvalho Ramos, "a limitabilidade consiste no reconhecimento de que a essencialidade dos direitos humanos e sua superioridade normativa não impedem a existência de limites impostos a um direito em nome da preservação de outro. A interação social é uma realidade, não sendo possível analisar os direitos humanos de forma abstrata e estanque'’. Assim, é possível que o exercício de um direito possa gerar algum ônus para o direito alheio. Ao se falar em limitações, em geral, estamos tratando de discutir se é possível a imposição de limites ou restrições normativas aos direitos humanos? E, se possível, em que medida essas limitações são legítimas? As crises constitucionais, como estado de sítio e estado de emergência, justificam a restrição? Por um lado, essas limitações podem ser impostas pela própria ordem normativa, sendo aí importante levar em conta o princípio da proporcionalidade como parâmetro para avaliar se a restrição é justificável. Por outro lado, há limitações que são impostas pela existência de outros direitos - que aqui chamaremos de conflito ou colisão de direitos. Por exemplo, o direito de acesso à informação em oposição à privacidade ou intimidade. Na colisão de direitos, há que se levar em conta a questão da ponderação de valores, no sentido de determinar no caso em concreto qual será o direito que deverá prevalecer em detrimento do outro. George Marmelstein, em seu blog "Direitos Fundamentais" traz uma coletânea de seis casos pitorescos que envolvem conflitos de direitos, mas que apesar de serem curiosos, valem pelas discussões éticas e filosóficas que colocam. Por fim, chamamos atenção para os questionamentos que André Carvalho Ramos faz: "A visão isolada e estática de um direito é irreal e, via de regra, fruto de uma opção ideológica do intérprete, ansioso por justificar sua posição jurídica graças ao apelo a um direito fundamental, esquecendo, propositalmente, que outros direitos seriam afetados e mereciam também proteção. Esse cenário de interdependência e inter-relação dos direitos nos leva à seguinte dúvida: como justificar racionalmente a prevalência de um direito e o afastamento de outro? Devemos, assim, estudar como evitar o recurso retóricos a fundamentações vazias, como apelo à "dignidade humana" sem maior consideração sobre a existência, no outro polo, de direitos que serão afastados'’.
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