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Crônica: Sexta vez ( Crônica sobre violência contra mulher

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Sexta vez
No banco da delegacia, penso-me comigo mesma “será que eu provoquei isso?” “ele não era assim no começo” “ele estava em um dia ruim” “ele no fundo, só queria…”.
— Senhora, o delegado está a sua espera.
Retomando o meu fôlego, sussurrando digo:
—Só mais um minuto.
 	Levanto-me para fugir dali, quando na porta, veem-me o primeiro flashback de horas atrás. Ele havia chegado bêbado, reclamando que a casa estava uma bagunça e lembro-me das suas exatas palavras: “mulher casada só tem duas serventias, cuidar da casa e satisfazer o marido. Pelo menos uma delas você deve ser capaz de cumprir”. Horas depois de desmaiada por um golpe, me levando com dificuldade e com dores, me olho no espelho e me sinto suja e incapaz. Me desperto da lembrança e volto para o banco de espera, quando mais uma vez, escuto uma voz dizendo:
—Senhora, o delegado pediu para chama-la novamente.
— Só preciso ir ao banheiro, um instante! — Pronuncio sem levantar a cabeça, enquanto me direciono ao banheiro feminino.
 Ligo a torneira e jogo água várias vezes no rosto, ao mesmo tempo, em que o esfrego com às duas mãos, na esperança daquilo ser só mais um pesadelo. Ao levantar o rosto e encarar o meu reflexo no espelho, vejo uma cicatriz e mais uma vez mergulho-me numa anamnese: há seis meses, no meio de uma discussão, recebi um chute na costela, enquanto estava no banho. Devido à força do golpe, bati o rosto na pia, o que causou um grande corte perto da boca. Então com uma dose de coragem afirmo para mim mesma “essa noite não foi um acidente”. Desadormeço com uma mulher entrando no banheiro, e saio em direção à sala do delegado, que me esperava com um breve sorriso.
— Fique à vontade, o que conversarmos aqui, ficará entre nós. O que houve essa noite?
— Não me lembro muito bem — Ao pronunciar estas palavras sinto-me culpada, pois, me lembro de cada instante antes de perde a consciência 
— A senhora relatou que foi agredida e violentada sexualmente por seu esposo, poderia me falar mais sobre isso — Ele diz com tom breve e desconfiado olhando para o escrivão. Tive a sensação que ele não conseguiu encaixar bem as palavras violência sexual e esposo na mesma frase
— Sim, relatei — Sem deixar que eu prosseguisse a história o delegado continua
—Uma denúncia como essa é feita por vários processos, se quiser que o caso tenha continuidade no processo jurídico,a senhora devera fazer o exame de corpo de delito, dessa maneira, após o médico legista emitir o laudo e iremos aguarda o caso ser encaminhado para os tribunais 
—É um processo longo?
—Pode ser um pouco, a senhora gostaria de iniciar o depoimento sobre essa noite?
—Sim, eu poderia ir ao banheiro novamente? 
—Claro
Quando saio porta afora vejo tudo se desfazendo da delegacia e me materializo para meu quarto, meu esposo dorme serenamente na cama, por um momento chego a pensar que meu silêncio foi algo positivo e me vejo pensando nos trâmites judiciais, vou até meu criado mudo pego uma agenda aparentemente surrada e me ponho a escrever “Querido diário, hoje pela sexta vez vou à delegacia, porém, minha covardia sempre é maior que a coragem, ninguém pegou meu número, nem sequer me perguntaram meu endereço, não é fácil denunciar um estupro e ser casada com autor faz com que a culpa respingue a mim. A sociedade tem a ilusão de acreditar que violentadores são doentes com psicopatias, entretanto, os mesmos estão disfarçados de ‘homens de bem’, consolo-me em acreditar que na sétima vez serei corajosa e finalmente livre, se eu pudesse me salvar, eu faria, mas não posso voltar, sozinha não posso”.

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