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Agostinho de Hipona: Um Pensador Cristão

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Comprometida com a Fé que foi entregue aos santos
PAR A
 HOJEFÉ
N0 40 - Dez/2013 - R$10
AgostinhoAgostinho
Hipona
de
MINISTÉRIO FIEL
CURSOS ON
LIN
E
9M
Nove Marcas de 
uma Igreja Saudável
1 ano - 100h
TS
Teologia Sistemática
1 ano - 100h
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EDITOR-CHEFE Tiago J. Santos Filho TRADUÇÃO Francisco Wellington Ferreira
REVISÃO Marilene Paschoal DIAGRAMAÇÃO Rubner Durais DIRETOR James Richard Denham III 
REALIZAÇÃO Editora Fiel | Dezembro de 2013 | no 40
Caros leitores e colaboradores em Cristo, 
É com grande alegria que lhes oferecemos esta edição especial da Re-
vista Fé para Hoje. 
Recentemente li um artigo do jornal New York Times que falava sobre 
o recente movimento de retorno das igrejas estadunidenses à teologia 
histórica e reformada. Há poucos anos, não eram muitos os cristãos 
que conheciam essa expressão e seu significado. Isso também é ver-
dade no Brasil. Mas hoje estamos testemunhando um despertamento 
global para essa fé histórica que foi esquecida na primeira metade do 
século passado. 
Nesta edição especial, voltaremos 1600 anos no tempo e olharemos um 
pouco da vida e teologia de um homem que Deus usou para nos ajudar a 
entender a Santa Escritura e cujo ensino in� uenciou a Reforma Protes-
tante do século XVI - de onde tiramos essa expressão, "fé reformada".
Agradecemos seu apoio ao nosso ministério e oramos ao Senhor para 
que esses artigos sejam usados para despertar sua mente e coração a 
uma maior paixão pela verdade bíblica, como vemos de forma tão efusi-
va na vida de Agostinho de Hipona.
J. Richard Denham III
Diretor, Ministério Fiel
IMAGEM DA CAPA Caravaggio, St. Augustine (Whit� eld Fine Art, London – Coleção Particular)
 Editorial 
Tiago Santos .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3
1. Aurelius Augustinus, Bispo de Hipona 
Tom J. Nettles .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2. A vida e o ministério de Agostinho de Hipona 
Alderi S. Matos..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3. Agostinho: Uma Vida de Graça e Palavras 
Michael A. G. Haykin..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
4. Agostinho e a Santíssima Trindade 
Franklin Ferreira .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
5. “A peregrina cidade de Jerusalém”. 
Jerônimo, Agostinho e o Império. 
Gilson Santos ............................................ 47
6. Tempo, História e Escatologia 
Hermisten Maia Pereira da Costa .... . . . . 55
Sumário
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4 | Revista FÉ PARA HOJE
Uma das grandes belezas e segu-
ranças da teologia bíblica, histórica e 
ortodoxa é que falta-lhe originalida-
de. A boa teologia é derivada da Pa-
lavra de Deus nas Escrituras, a qual 
tem sua origem através da inspiração 
do Espírito Santo. A teologia que 
honra a Deus é aquela que submete-
-se à autoproclamada autoridade das 
Escrituras e que, portanto, mantém-
-se no limite daquilo que foi revelado 
por Deus e ensinado pelos profetas e 
apóstolos. Nesse sentido é que a teo-
logia não é e nem deve ser original e é 
por isso que, desde o fechamento do 
cânon, a ortodoxia cristã atravessa os 
séculos, as culturas e os poderes des-
te mundo com uma impressionante 
unidade e coerência em suas dou-
trinas mais basilares e importantes. 
Seus grandes dogmas são derivados 
da Bíblia. 
Isso não quer dizer, todavia, que 
a teologia não deva buscar profundi-
dade e desenvolvimento. Em grande 
medida, o produto teológico que te-
mos hoje à nossa disposição, é fruto 
do labor criativo, zeloso e meticuloso 
empreendido por estudiosos da Pa-
lavra de Deus, ao longo da história. 
Então, se por um lado, no núcleo do 
que a fé cristã a§rma hoje, do que a 
igreja cristã crê, estão aquelas doutri-
nas que foram cridas e ensinadas des-
de os apóstolos, por outro, os sécu-
los de história cristã serviram para o 
desenvolvimento, aprofundamento, 
re§namento e apuração dessas dou-
Agostinho 
de Hipona
T J. S F
Revista FÉ PARA HOJE | 5
trinas. Não há grandes novidades, 
mas houveram grandes progressões. 
A INFLUÊNCIA DE AGOSTINHO
Um desses homens de Deus, do-
tado de uma mente criativa e intenso 
desejo de cavar mais profundamente 
na Palavra de Deus e que ajudou a 
pavimentar o caminho das grandes 
progressões do pensamento teológi-
co foi o africano Agostinho de Ta-
gaste (354-430), bispo de Hipona. 
Agostinho foi, provavelmente, 
o grande pensador cristão da Idade 
Média. Por quase dois mil anos sua 
produção teológica tem pautado os 
grandes debates do cristianismo e 
in�uenciado o pensamento e cultura 
do Ocidente. Do ponto de vista cató-
lico, Joseph Aloisius Ratzinger rati-
§ca essa impressão, ao dizer: “Agos-
tinho deixou uma marca profunda na 
vida cultural do Ocidente e de todo o 
mundo. Sua in�uência é vastíssima. 
(...) Raramente uma civilização en-
controu um espírito tão grande, com 
ideias e formas que alimentariam ge-
rações vindouras.”1 A Reforma Pro-
testante do século XVI, fundamental 
ao avivamento da fé e espiritualidade 
cristã, até então adoecida mortal-
mente pelo desvio teológico, corrup-
ção e misticismo, deve a Agostinho o 
cerne de suas principais proposições, 
particularmente em questões como o 
pecado original, a graça de Deus, a 
salvação e a predestinação, além do 
1 Bento XVI. Os Padres da Igreja (Campinas, SP: Ecle-
siae, 2012) p. 183-184.
exemplo de seu vigoroso ministério 
pastoral. O teólogo luterano Richard 
Balge, citando um colega, disse que: 
“Se Agostinho de Hipona tivesse vi-
vido no tempo da Reforma, ele teria 
se juntado a Martinho Lutero”.2 O 
teólogo presbiteriano B. B. War§eld, 
por sua vez, disse que “o sistema de 
doutrina ensinado por Calvino é 
somente o agostinianismo, confor-
me se vê em todos os demais refor-
madores. Pois, se a Reforma foi, do 
ponto de vista espiritual, um grande 
avivamento da religião, do ponto de 
vista teológico foi um grande reavi-
vamento do agostinianismo”.3 E o 
erudito batista Timothy George, ao 
falar da in�uência do pensamento 
agostiniano na Reforma, disse que “a 
linha principal da Reforma Protes-
tante pode ser vista como uma aguda 
agostinianização do cristianismo.”4 
AGOSTINHO ESTÁ DO NOSSO LADO
Os grandes representantes da 
Reforma do século XVI, Martinho 
Lutero, João Calvino, Martin Bucer, 
Philip Melanchton e tantos outros, 
encontraram na vigorosa teologia 
agostiniana fundamento tanto para o 
rompimento com o status quo da igre-
ja romana como para a§rmar a uni-
dade do pensamento genuinamente 
2 Richard D. Balge. Martin Luther, Agostinian (artigo 
publicado em http://www.wlsessays.net/§les/BalgeAu-
gustinian.pdf ), acessado em novembro de 2013. 
3 Benjamin Breckinridge War§eld. John Calvin: the man 
and his work (»e Methodist Review, Outubro de 1909).
4 Timothy George. Teologia dos Reformadores (São 
Paulo, SP: Edições Vida Nova, 2004), p. 76.
6 | Revista FÉ PARA HOJE
cristão que remonta aos ensinos dos 
Pais da Igreja e dos Apóstolos. À 
guisa de ilustração, vejamos como 
o pensamento de Agostinho foi de 
grande importância para algunsdos 
reformadores mais destacados: 
Martinho Lutero era um monge 
agostiniano e derivou dessa escola 
o tutano de sua própria teologia. A 
influência de Agostinho em Lutero, 
aliás, parece haver perpassado todas 
as fases de sua vida como teólogo. 
No prefácio da Theologia Germâni-
ca, obra do século XV redescoberta 
por Lutero e republicada por ele em 
1516, ele reconhece o débito que 
tem com Agostinho, colocando seus 
escritos próximos dos escritos da 
própria Escritura. Em suas “conver-
sas de mesa”, em 1532, Lutero dis-
se: “No começo de minha carreira, 
como professor de teologia, eu não 
simplesmente lia Agostinho, mas 
devorava suas obras com voracida-
de”.5 No prefácio de seus Escritos 
Latinos, de 1545 – um ano antes de 
sua morte – Lutero faz referência à 
obra O Espírito e a letra, de Agosti-
nho, e diz que há muitas semelhan-
5 Martinho Lutero. Luther Works, LI, xviii.
ças em seu entendimento sobre a 
justiça de Deus. Seu companheiro e 
colega reformador, o teólogo Philip 
Melancthon, via Lutero, no contex-
to da Reforma, como uma “voz in-
tercambiável com a de Agostinho; 
uma voz que renovava o ensino pri-
mitivo da igreja”.6 
Com João Calvino não foi di-
ferente. A influência da teologia 
agostiniana também é bem evidente 
em toda sua carreira teológica.7 Ele 
mesmo disse que “ficaria feliz em 
confessar toda sua fé pelas palavras 
de Agostinho”8 e ainda fez uma fa-
mosa afirmação de aprovação, ao di-
zer: Augustinus totus noster est, isto é, 
que “Agostinho está do nosso lado”. 
O historiador Justo Gonzalez lem-
bra que na principal obra de Calvi-
no, as Institutas, “se manifesta um 
conhecimento profundo, não só das 
Escrituras, mas também de antigos 
6 Peter Fraenkel. Testimonia Patrum: � e Function of 
the Patristic Argument in the � eology of Philip Melanch-
thon (Genebra: Droz, 1961), p. 32.
7 Recomendo a leitura do artigo de S. J. Han: An Inves-
tigation into Calvin’s use of Augustine (http://www.ajol.
info/index.php/actat/article/viewFile/52214/40840), 
Acessado em novembro de 2013.
8 Paul Helm. Apud em N. R. Needham, � e Triumph of 
Grace (London: Grace Publication, 2000), p. 8.
Agostinho foi, provavelmente, o grande pensador 
cristão da Idade Média. Por quase dois mil anos sua produção 
teológica tem pautado os grandes debates do cristianismo e 
influenciado o pensamento e cultura do Ocidente”
Revista FÉ PARA HOJE | 7
escritores cristãos, particularmente 
Agostinho”.9 Na última edição das 
Institutas, de 1559, encontram-se 
mais de 400 citações de textos de 
Agostinho. Calvino confiava mais 
na teologia de Agostinho do que em 
sua exegese, como se vê em vários de 
seus comentários bíblicos, particu-
larmente seu comentário em Roma-
nos, no qual ele critica a abordagem 
alegórica que muitas vezes Agosti-
nha emprestava ao texto, mas, o fato 
é que esse eminente pai da igreja é 
uma grande fonte de inspiração e 
influência da produção teológica e 
pastoral de Calvino. 
Martin Bucer, o reformador de 
Estrasburgo que teve papel vital na 
busca de unidade entre os demais 
reformadores, também apoiou-se em 
Agostinho para desenvolver muito 
de seu pensamento teológico. Num 
certo ponto, ele disse que tem “gran-
de reverencia por Agostinho”.10 Em 
sua obra, Florilegium Patristicum, na 
qual reúne citações dos Pais da Igre-
ja, encontram-se várias referencias 
às obras e pensamento de Agostinho. 
Também em sua obra sobre teologia 
pastoral, Sobre o Verdadeiro Cuidado 
9 Justo Gonzalez. A Era dos Reformadores (São Paulo, 
SP: Edições Vida Nova, 2004), p. 112.
10 Basil Hall. Martin Bucer: Reforming Church and 
Community, ed. D. F. Wright (Cambridge, UK: Cam-
bridge Press, 1996), p. 150.
das Almas, Bucer faz muitas referên-
cias ao trabalho pastoral e à teologia 
de Agostinho. Em seu comentário à 
epístola de Paulo em Romanos, de 
1536, Bucer faz um grande esforço 
para aliar-se a Agostinho no trata-
mento que este faz dos textos do An-
tigo e Novo Testamento e até mesmo 
em suas noções sobre a justi§ cação 
(declarada e transmitida). Ainda que 
Bucer estivesse pronto para discor-
dar de Agostinho quando necessário, 
o fato é que ele viu em Agostinho 
uma voz de consonância com o cor-
po da reforma e alinhou-se à essa voz 
em algumas áreas vitais. 
O período pós reforma também 
valeu-se do pensamento de Agostinho 
– seja diretamente, ou indiretamente 
pela in� uência dos próprios reforma-
dores. Também as gerações sucessi-
vas, todas elas têm sido, como notou 
Ratzinger, alimentadas pelas ideias e 
pensamentos deste gigante da fé. Ele 
é provavelmente o mais quali§ cado re-
presentante da igreja primitiva e per-
manece como uma das mentes mais 
importantes da história da fé cristã. 
AS CONFISSÕES
De tudo quanto Agostinho pro-
duziu, destaco aquela que muito pro-
vavelmente foi a sua principal obra: 
Augustinus totus noster est” – Calvino
8 | Revista FÉ PARA HOJE
As Con� ssões. Trata-se de sua auto-
biogra§ a, escrita em treze livros no 
curso de três anos, entre os anos de 
397 e 400. Há muito que se poderia 
falar sobre As Con� ssões e seus bene-
fícios e virtudes. Eruditos e literatas, 
tanto da § loso§ a como da teologia, 
certamente já têm empreendido o 
papel de analisar as muitas riquezas 
dessa obra e extrair o sumo de seu 
rico conteúdo. Aqui queremos ofe-
recer apenas um pequeno vislumbre 
dessa que permanece como uma das 
mais importantes obras literárias de 
todos os tempos. 
Nela Agostinho empreende uma 
profunda investigação da própria 
alma, da sua fé e de sua sincera bus-
ca por Deus. Ele abre seu coração 
e, numa conversa dirigida a Deus, 
confessa seus pecados, dramas, an-
gústias d’alma, frustrações e também 
sua luta pela verdade e sua luta com o 
próprio Deus. 
Vemos, por exemplo, em As Con-
� ssões, uma verdadeira luta da men-
te e a sublime busca pela verdade, 
a qual Agostinho reconhece haver 
encontrado somente quando Jesus o 
encontrou: 
Foi então que tuas perfeições invisí-
veis se manifestaram à minha inteli-
gência por meio de tuas obras. Mas 
não pude § xar nelas meu olhar; mi-
nha fraqueza se recobrou, e voltei a 
meus hábitos, não levando comigo 
senão uma lembrança amorosa e, por 
assim dizer, o desejo do perfume do 
alimento saboroso que eu ainda não 
podia comer11.
Buscava um meio que me desse for-
ça necessária para gozar de ti, e não 
a encontrei enquanto não me abracei 
ao Mediador entre Deus e os homens, 
o homem Cristo Jesus, que está sobre 
todas as coisas, Deus bendito por to-
dos os séculos, que chama e diz: Eu 
sou o caminho, a verdade e a vida.12
Também vemos a luta da carne, 
a qual ele chama de luta com a luxú-
ria: “Admirava-me de já vos ter amor 
e de não amar um fantasma em vez 
de Vós. Era arrebatado para vós pela 
vossa beleza, e logo arrancado de vós 
pelo meu peso. Este peso eram os 
hábitos da luxúria”.13 Sua luta contra 
as tentações sexuais ainda é exempli-
11 Agostinho. Con� ssões (São Paulo, SP: Editora Nova 
Cultural, 1999), p. 185.
12 Ibidem. p. 192.
13 Ibidem. p. 190.
Nas Conf issões Agostinho empreende 
uma profunda investigação da própria alma, 
da sua fé e de sua sincera busca por Deus.”
Revista FÉ PARA HOJE | 9
§ cada pela famosa oração: “Senhor, 
dá-me a castidade e a continência, 
mas ainda não”.14 Todavia, é preci-
so registrar, muitas vezes a culpa de 
Agostinho por conta de sua concu-
piscência tem levado muitos a acusa-
rem-no de ter sido promíscuo. Mas 
talvez essa conclusão seja injusta, 
pois ele mesmo registra somente um 
caso amoroso, com uma concubina, 
mãe de seu § lho Adeodato, mulher 
a quem muito amou, embora nunca 
tenha se casado com ela. 
Ele ainda conta como Deus o al-
cançou e salvou e como ele passou a 
perceber a mão providente de Deus 
nas diversas fases de sua vida, além de 
ter uma noção mais plena e gozosa da 
beleza de Deus, depois de sua conver-
são. As Con§ ssões também são uma 
expressão de adoração e uma declara-
ção de amor e devoção a Deus e nela 
ele exalta a Deus louvando-o pela cria-
ção. Num certo ponto, ele confessa: 
Tarde teamei, Beleza tão antiga e tão 
nova, tarde te amei! Eis que estavas 
dentro de mim, e eu lá fora, a te pro-
curar! Eu, disforme, me atirava à be-
leza das formas que criaste. Estavas 
comigo, e eu não estava em ti. Reti-
14 Ibidem. p. 214.
nham-me longe de ti aquilo que nem 
existiria se não existisse em ti. Tu me 
chamaste, gritaste por mim, e ven-
ceste minha surdez. Brilhaste, e teu 
esplendor afugentou minha cegueira. 
Exalaste teu perfume, respirei-o, e 
suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora 
tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, 
e o desejo de tua paz me in� ama.15 
De tudo o mais, um aspecto mui-
to sublime de suas Con� ssões, que se 
alteia como um fator presente em 
toda narrativa, é a noção de que é 
Deus quem vem ao encontro do ho-
mem para alcançá-lo e salvá-lo. Tal-
vez a expressão que melhor exempli-
§ ca essa realidade na experiência de 
Agostinho, seja a oração que ele re-
pete algumas vezes no curso de suas 
con§ ssões: “Dai-me o que ordenais, 
e ordenai-me o que quiserdes” (Da 
Quod Iubes et Iube Quod Vis). Esta 
oração causou arrepio no grande ri-
val de Agostinho, Pelágio, que via 
nela uma afronta ao livre arbítrio do 
homem, o qual, Pelágio cria, nascia 
reto e tinha em si mesmo a capaci-
dade de obedecer ou rejeitar a Deus. 
Mas Agostinho entendeu – e essa 
oração assim o demonstra – que so-
15 Ibidem. p. 285.
Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, 
tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, 
e eu lá fora, a te procurar!” – Agostinho
10 | Revista FÉ PARA HOJE
mente a graça de Deus e o poder do 
Espírito, atuando no interior do ho-
mem, é que pode levá-lo ao próprio 
Deus. É Deus quem dá causa à fé, 
ao amor, à devoção e à obediência e 
é por isso que ele pede: concede-me 
o que ordenais, isto é, capacita-me, 
Senhor, para o que queres. Em outra 
obra sua, ele pergunta: “Que nos or-
dena Deus em primeiro lugar, e com 
mais insistência, senão que acredite-
mos nele? Ora, é precisamente esta 
graça que ele nos concede”.16 
POR QUE LER AGOSTINHO? 
Em nossa breve tradição protes-
tante no Brasil, a reação ao catoli-
cismo romano tem, não raras vezes, 
rejeitado muito dos símbolos, tra-
dição, produção teológica, propo-
nentes da fé que são, normalmen-
te, associados à Roma. Assim, não 
é incomum alguma desconfiança 
do leitor mais desavisado, porém 
sincero e zeloso, quando se fala no 
proveito que temos pela leitura e 
aprendizado com aqueles que este-
jam ligados à tradição romana. Mas 
16 Agostinho. Con� ssões. Nota de J. Oliveira Santos, 
apud, De Bono Perseverantiae: Quid vero nobis primitus et 
maxime Deus iubet, nisi ut credamus in Eum? Et hoc ergo 
ipse dat (São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999), p. 286.
essa reação muitas vezes é exagera-
da e mais emocional do que justa. 
Muito do que é rejeitado é herança 
da cristandade, da fé cristã na his-
tória e de imenso proveito para os 
cristãos hoje. Faríamos bem em, ao 
contrário dessa tendência, resgatar 
e valorizar esse rico legado. 
Em Agostinho, particularmente, 
há muito que aprender – como § ze-
ram também nossos pais reformado-
res e toda tradição cristã nesses últi-
mos dezessete séculos. 
E há muito o que ler de Agosti-
nho. Dentre os Pais da Igreja, seus 
escritos são os mais abundantes. A 
história de sua vida e sua obra fo-
ram catalogados pelo cuidadoso 
trabalho de seu biografo e contem-
porâneo Possídio, que escreveu a 
Vita Augustini e indexou nela o In-
diculos, que elencava e reproduzia 
suas principais obras. São centenas 
de homilias e cartas ainda preser-
vadas e várias obras filosóficas e 
teológicas que, conforme coloca 
Ratzinger, “são de importância 
fundamental, não só para o cristia-
nismo, mas para a formação de toda 
cultura ocidental”.17 
17 Ratzinger. Padres da Igreja, p. 201.
Agostinho cavou nas Escrituras em 
busca da verdade; a Reforma fez o mesmo.”
Revista FÉ PARA HOJE | 11
Em seus escritos, temos um te-
souro de sabedoria que pode fa-
zer muito bem ao povo de Deus, 
se lido com discernimento. É claro 
que Agostinho teve os seus limites 
e cometeu seus equívocos. Mas en-
contramos nele uma mente brilhan-
te e um coração radiante, que ardia 
por amor a Deus, como pouco se 
vê em nossos tempos. Temos nele 
um esforço diligente para subme-
ter todas as coisas à revelação. Suas 
Conf issões, aliás, são a grande prova 
disso. Foi somente quando a Escri-
tura falou que sua obstinada busca 
pela verdade cessou. A partir desse 
ponto, ele passa a ser um estudioso 
da verdade contida nas Escrituras. 
Conforme colocou Solano Portela, 
em uma conversa que tivemos sobre 
o bispo de Hipona, “Agostinho ca-
vou nas Escrituras em busca da ver-
dade; a Reforma fez o mesmo; Cal-
vino continuou cavando e olhando 
com mais clareza as Escrituras; nós 
temos de fazer o mesmo. Igreja Re-
formada sempre se reformando é 
isso”.
Em Agostinho, temos uma im-
pressionante profundidade teológi-
ca, assertividade e firmeza doutri-
nária, intensa devoção a Deus, in-
questionável respeito ao texto bíbli-
co e genuína preocupação pastoral. 
Essas qualidades são um grande es-
tímulo para o estudante de teologia, 
particularmente, mas também para 
todo cristão sincero que busca agra-
dar a Deus e viver neste mundo vil 
e cheio de perigos - especialmente 
diante dos muitos desafios enfren-
tados pela fé cristã de nossos tem-
pos, em que os valores deste mundo 
são difusos, em que há uma crise de 
conteúdo e substância de fé e onde 
os homens - e, surpreendentemente, 
até mesmo uma ala do cristianismo 
- suspeitam dos dogmas e afirma-
ções da Palavra de Deus e da orto-
doxia cristã. Em Agostinho temos a 
junção de vida vigorosa e doutrina 
robusta. Isso faz dele um campeão 
da fé. 
Mais uma vez, Ratzinger oferece 
um útil insight sobre a obra de Agos-
tinho: 
Em Agostinho, temos uma impressionante 
profundidade teológica, assertividade e f irmeza 
doutrinária, intensa devoção a Deus, inquestionável 
respeito ao texto bíblico e genuína preocupação pastoral.” 
12 | Revista FÉ PARA HOJE
Em seus escritos [Agostinho] o 
encontramos vivo. Quando leio os 
escritos de Santo Agostinho, não te-
nho a impressão que se trata de um 
homem morto há mil e seiscentos 
anos, mas sinto-o como um homem 
de hoje: um amigo, um contemporâ-
neo que me fala, que fala a nós com 
sua fé vigorosa e atual. Nele vemos 
a atualidade permanente de sua fé. 
Fé que vem de Cristo, Verbo Eterno 
encarnado, Filho de Deus e Filho do 
homem. E podemos ver que essa fé 
não é de ontem, mesmo tendo sido 
pregada ontem; é sempre de hoje, 
porque Cristo é realmente ontem, 
hoje e para sempre. Ele é o caminho, 
a verdade e a vida. Assim nos enco-
raja Agostinho a confiarmos neste 
Cristo sempre vivo e encontrar nele 
o caminho da vida.18 
A presente edição da Revista Fé 
para Hoje celebra a vida e obra de 
Agostinho de Hipona e oferece ao pre-
zado leitor uma pequena introdução 
ao pensamento deste servo de Deus. 
Com esta edição, queremos fazer coro 
com João Calvino e dizer: Agostinho 
está do nosso lado. Que saibamos 
aproveitar a sinceridade de sua jornada 
em busca da verdade, a criatividade de 
sua teologia, a beleza de sua devoção a 
Deus, o vigor de seu exemplo e teste-
munho, a §rmeza de sua fé.
18 ibidem. p. 193.
Revista FÉ PARA HOJE | 13
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14 | Revista FÉ PARA HOJE
No que diz respeito à combina-
ção de doutrina e piedade, Agostinho 
teve poucos que se lhe igualaram na 
história do cristianismo. Seus escritos 
proveem informação sobre cada área 
de discussão na §loso§a cristã, teolo-
gia sistemática, §loso§a da história, 
polêmica, retórica e devoção. Embora 
algumas opiniões apoiem as doutri-
nas de oração intercessora e sacrifícios 
em favor dos mortos, o purgatório e a 
justi§cação transformacional, as suas 
poderosas doutrinas da graça, bem 
como da encarnação e do sacrifício 
de Cristo recebem desenvolvimento 
substancial e acurado nas con§ssões 
do cristianismo reformado. Depois da 
queda de Roma, o projeto milenar de 
reconstruçãoda civilização ocidental, 
no pensamento cristão e não no pensa-
mento pagão, prosseguiu com base em 
conceitos agostinianos. A Reforma, no 
século XVI, redescobriu e edi§cou so-
bre elementos negligenciados do ensi-
no de Agostinho sobre as doutrinas do 
pecado e da salvação.
Agostinho nasceu em 354, em Ta-
gaste, na província romana da Numí-
dia, no Norte da África. Observações 
posteriores sobre a infância e a queda 
levaram Agostinho a comentar: “A 
inocência das crianças está na debili-
dade de seu corpo e não em qualquer 
qualidade em sua mente” (Conf issões 
1.vii – as referências subsequentes 
das Confissões serão identificadas 
apenas pelos números do livro e do 
capítulo).
Aurelius Augustinus, 
Bispo de Hipona
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Revista FÉ PARA HOJE | 15
Seu pai, Patrício, era um pagão. 
Agostinho o lembrava como um ho-
mem rude, forte, irascível e in§el ao 
seu leito conjugal. Ele trabalhava mui-
to, mas achava difícil subir como um 
africano no sistema romano de econo-
mia e política. Parece que Agostinho 
sentia pouca afeição por seu pai, em-
bora este tenha se sacri§cado para lhe 
dar educação. Patrício morreu antes de 
Agostinho completar 17 anos.
Sua mãe, Mônica, era uma cristã 
zelosa. Extraordinariamente apegada a 
Agostinho e ao seu bem-estar, Mônica 
procurou a salvação de seu §lho com 
energia incansável e oração constan-
te. Ela pulou, literalmente, de alegria 
quando ouviu sobre a conversão de 
Agostinho e sua sujeição ao cristianis-
mo ortodoxo. Logo depois, segura de 
que os dons e a devoção de Agostinho 
ardiam para a glória de Deus, Mônica 
soube que não viveria muito tempo. 
Ela morreu aos 56 anos de idade, quan-
do Agostinho tinha 33 anos.
Na opinião de Agostinho, am-
bos os pais deram ênfase indevida ao 
sucesso de seus estudos. Seu pai não 
tinha nenhuma motivação espiritual, 
apenas ambição vã pelo prosperidade 
do filho. Sua mãe acreditava que seus 
estudos não impediriam a sua conver-
são, mas que, de fato, a favoreceriam. 
Ela estava certa.
Depois da educação fundamental 
em Tagaste, Agostinho estudou, de 
365 a 369, literatura clássica em Ma-
daura. Ele começou um amor vitalício 
pela linguagem que procurava a ex-
pressão apropriada da verdade. Seus 
primeiros estudos mostraram quão 
perversamente os homens podem usar 
algo tão maravilhoso e intrinsecamen-
te bom como a linguagem. Palavras e 
eloquência tão necessárias à persuasão 
e à exposição sofreram o abuso de de-
§nir e inculcar o erro e a vileza. Poste-
riormente, em suas Con�ssões, Agosti-
nho observaria com que cuidado ávido 
os homens seguem as regras de letras 
e sílabas, enquanto negligenciam as 
regras permanentes da salvação eterna.
Com a ajuda de um benfeitor rico 
chamado Romanianus, Agostinho foi 
para Cartago em 370, para ter estudos 
avançados em retórica. Ali, ele come-
çou uma concubinagem com uma mu-
lher, e isso durou por 13 anos. Um §lho, 
Adeodato (“dado por Deus”), resultou 
da união deles. Ao pensar no desejo 
que o impeliu a essa união, Agostinho 
lembrou: “Da impura concupiscência 
da carne e da poderosa imaginação da 
puberdade, se elevaram névoas que 
encobriram e entenebreceram meu 
coração, para que eu não pudesse fazer 
distinção entre a luz clara do amor e o 
nevoeiro da lascívia” (2.ii).
Em Cartago, ele conheceu a obra 
Hortensius, de Cícero. Isto transfor-
mou sua experiência anterior com a 
retórica em um uso inteligente da lin-
guagem na busca da verdade. “A coisa 
que me deleitou na exortação de Cí-
cero foi que eu deveria amar, buscar, 
ganhar, possuir e abraçar não esta ou 
aquela escola de §loso§a, mas a própria 
sabedoria, o que quer que ela fosse” 
(3.iv). Esta nova resolução pela verda-
deira sabedoria pôde produzir somente 
16 | Revista FÉ PARA HOJE
um desejo protelado por pureza, como 
Agostinho orou: “Dá-me castidade e 
continência, mas não ainda” (8.vii).
Por nove anos, ele procurou a ver-
dade dentro da seita do maniqueísmo, 
fascinado pelo materialismo e pelo 
dualismo deles. Os maniqueístas li-
davam com o problema do mal por 
combinarem pensamentos de Cristo, 
Buda e Zoroastro. Agostinho aceitou 
o que parecia ser uma abordagem so-
§ sticada e cientí§ ca do mal, ao mesmo 
tempo que endossava ostensivamente 
o treinamento que recebera na infân-
cia concernente ao ensino do reino de 
Cristo. Por § m, ele descobriu que esse 
sincretismo fascinante não tinha nada 
em comum com sua busca pessoal pela 
unidade entre palavra e substância. 
Em vez disso, o maniqueísmo era “uma 
seita de homens que falavam absurdos 
pretenciosos, homens carnais e mun-
danos”. A conversa deles enredavam 
as almas “com um arranjo das sílabas 
dos nomes de Deus, o Pai, do Senhor 
Jesus Cristo e do Paracleto, o Espírito 
Santo, nosso Consolador. Estes nomes 
estavam sempre nos lábios deles, mas 
somente como sons e barulhos da lín-
gua” (3.vi).
Suas re� exões sobre o dualismo 
maniqueísta resultou num dos seus 
mais profundos pontos teológicos a 
respeito do mal. Em sua obra Soliló-
quios, escrita logo depois de sua con-
versão, ele se referiu a Deus como 
aquele “que mostra, para os que nele 
buscam o refúgio daquilo que é real-
mente verdadeiro, que o mal é nada”. 
Visto que Deus criou todas as coisas, 
o mal não tem existência independente 
das coisas boas. O mal é a privação do 
bem. Quando todo o bem desaparece, 
nada existe. O mal é apenas ausência 
ou con§ guração errônea do bem. Não 
é uma substância independente que in-
vade e contamina, mas tem de plagiar o 
bem de Deus e diminuir a sua glória. O 
mal não é removido pela erradicação de 
uma natureza contrária, como os ma-
niqueístas pensavam, e sim pela puri§ -
cação da própria coisa que é depravada. 
A verdade e a mentira, de acordo com 
Agostinho, habitam na mesma tensão, 
pois nada é falso, exceto pela imitação 
do verdadeiro.
Depois de completar seus estudos, 
Agostinho ensinou retórica em Carta-
go. Ele achava a atmosfera pedagógica 
intolerável. Um grupo de alunos co-
A Reforma, no século XVI, redescobriu e edif icou 
sobre elementos negligenciados do ensino de Agostinho 
sobre as doutrinas do pecado e da salvação.”
Revista FÉ PARA HOJE | 17
nhecidos como “transtornadores” per-
turbavam toda a ordem, agiam como 
homens loucos que praticavam atos 
estúpidos e ultrajantes. Se não fossem 
protegidos pela “tradição”, poderiam 
ter sido punidos pela lei.
A §m de escapar dessa atmosfera 
destrutiva, Agostinho foi para Roma 
em 383. Naquele ano, ele ouviu sobre 
um posto de ensino de retórica em Mi-
lão. Os termos eram atraentes; Agos-
tinho solicitou esse posto e foi para 
lá em 384. Em Milão, ele conheceu 
Ambrósio, o grande pregador da igre-
ja em Milão. Ele não achou a retórica 
de Ambrósio tão brilhante quanto a 
de Fausto, o mestre maniqueísta, mas 
logo aprendeu que o verdadeiro po-
der da pregação de Ambrósio estava 
na correspondência de sua linguagem 
com a realidade verdadeira e substan-
cial. Agostinho §cou convencido de 
que o cristianismo era defensável con-
tra os maniqueístas e se alistou nova-
mente como um catecúmeno na igre-
ja. Posteriormente, o neoplatonismo 
limpou a sua mente do dualismo dos 
maniqueístas, depois de um breve �er-
te com o ceticismo. Seu realinhamento 
com a Escritura começou a preencher 
os espaços vazios em seu desenvolvi-
mento intelectual. As doutrinas cristãs 
da criação ex nihilo, da providência, 
da redenção realizada pelo Deus trino 
satis§zeram mais do que abundante-
mente os anseios tanto de seu coração 
quanto de sua mente.
Agora, ele sabia que o homem feito 
à imagem de Deus não poderia achar 
descanso para a alma sem o amor, o 
louvor e o conhecimento de Deus. 
Somente Deus é aquele que é “amado, 
intencionalmente ou não, por tudo que 
é capaz de amar”. Agostinho descobriu 
que Deus “nos move a deleitar-nos em 
louvar-Te; porque Tu nos formaste 
para Ti mesmo, e nossos corações não 
têm descanso enquanto não acham 
descanso em Ti” (1.1).
Aos 31 anos de idade, Agostinho 
foi convertido com a leitura de Ro-
manos 13.13-14. Em um jardim, eleouviu crianças cantarem: “Pega e lê”. 
Quando ele pegou uma Bíblia, seus 
olhos caíram nas palavras desta pas-
sagem e levaram ao §m de um ciclo de 
insatisfação, convicção e busca que o 
dominou por mais de 15 anos. Ele foi 
batizado por Ambrósio em 25 de abril 
de 387.
Agostinho desejava viver em re-
clusão, não possuindo nada, havendo 
abandonado sua busca anterior por 
prazer, beleza e honra, dando-se à con-
templação de Deus por meio da Escri-
tura. Ele evitou diligentemente estar 
numa posição em que alguma igreja 
que não tinha um bispo colocasse os 
olhos nele. Agostinho foi para Hipona 
em 391, com o propósito de estabelecer 
um monastério, porque a cidade tinha 
um bispo, Valério. No entanto, Valé-
rio dispôs as coisas de modo a ordenar 
Agostinho como sacerdote e, depois, 
como bispo, em 395. 
Agostinho gastou o restou de sua 
vida servindo às pessoas de sua pa-
róquia, como pastor e pregador, e a 
toda a igreja, como um guia profundo 
da verdade cristã e da adoração pura. 
18 | Revista FÉ PARA HOJE
Suas Conf issões, uma autobiografia 
espiritual, estabeleceu a agenda teo-
lógica à qual ele dedicou suas grandes 
habilidades de reflexão filosófica e 
teológica. Seus pontos de vista sobre 
Cristo, a Trindade, o pecado humano, 
o caráter do mal, a livre agência apesar 
da depravação da vontade caída, o po-
der e a necessidade da graça divina, a 
natureza dos sacramentos e a direção 
da história humana sob a providência 
de Deus em um mundo caído – todos 
estes acharam um ponto de partida 
nas Conf issões. 
Sua a§ rmação “Dá-me o que orde-
nas e ordena-me aquilo o que quiseres” 
(10.xxix) ofendeu Pelágio. A defesa 
resultante e permanente de Agostinho 
quanto à necessidade de graça levou a 
algumas das suas posições mais pro-
fundas e controversas. Este aspecto 
do pensamento de Agostinho inspirou 
o viver nobre e a teologia vigorosa em 
Anselmo, Tomás de Aquino, Lutero, 
Calvino, Jonathan Edwards e muitos 
outros. Ele articulou seus pontos de 
vista sobre a pessoa de Cristo tão clara 
e convincentemente, que antecipou a 
fórmula dos conceitos cristológicos e 
ortodoxos de Calcedônia. Sua admi-
rável teodiceia mostrada em Cidade 
de Deus não somente revolucionou os 
pontos de vista ocidentais sobre a His-
tória, mas também criou uma dinâmica 
para a discussão das relações entre Es-
tado e igreja que ainda produz frutos e 
desperta controvérsia. Embora sua de-
fesa da perseguição dos donatistas te-
nha produzido muito fruto mau, suas 
opiniões poderosas sobre a unidade da 
igreja têm dado substância a muitos 
esforços evangélicos para a realização 
de vários tipos de unidade por meio de 
discussão e a§ rmação doutrinária.
O monge Gottschalk a§ rmou 
1.200 anos atrás o que ainda é verda-
deiro hoje: Agostinho é, depois dos 
apóstolos, o mestre de toda a igreja.
Agostinho sabia que o homem feito à imagem 
de Deus não poderia achar descanso para a alma 
sem o amor, o louvor e o conhecimento de Deus.”
Revista FÉ PARA HOJE | 19
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20 | Revista FÉ PARA HOJE
Na mesma época em que se 
desenrolavam na igreja grega ou 
oriental as controvérsias cristológi-
cas, viveu no Ocidente aquele que 
seria considerado o maior dos pais 
da igreja – Aurélio Agostinho. Por 
sua genialidade, produtividade e in-
fluência, ele é considerado o equiva-
lente latino do brilhante Orígenes. 
Agostinho foi o último dos grandes 
escritores cristãos da antiguidade e 
o precursor da teologia medieval, 
tendo também influenciado pro-
fundamente a teologia protestan-
te do século 16. Ele deu à teologia 
ocidental características que a des-
tacaram da oriental e contribuíram 
para o rompimento final das duas 
tradições. 
O famoso bispo introduziu no 
pensamento cristão o conceito de 
“monergismo” (de monos = “um só” 
e ergon = “obra”), ou seja, que tanto 
na história humana como na salva-
ção a atuação de Deus é plenamente 
soberana, em contraste com a posi-
ção “sinergista” aceita por vários sé-
culos, com sua ênfase na cooperação 
das agências humana e divina. Essa 
posição de Agostinho nunca foi to-
talmente aceita pela sua igreja e foi 
rejeitada pela igreja oriental. Ainda 
assim, ele foi declarado um dos qua-
tro doutores da igreja latina, ao lado 
de Ambrósio, Jerônimo e Gregório I.
Por causa da sua autobiogra§a, 
as Con�ssões, a vida de Agostinho é a 
mais conhecida dentre todos os pais 
A vida e o ministério de 
Agostinho de Hipona
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Revista FÉ PARA HOJE | 21
da igreja. Ele nasceu em 354 em Ta-
gaste, no norte da África (a moderna 
Argélia), não longe da grande cidade 
de Cartago (na atual Tunísia), e rece-
beu o nome de Aurelius Augustinus. 
Seu pai, Patrício, um funcionário pú-
blico de classe média, era um pagão 
que só se converteu pouco antes de 
morrer, em 372. A mãe, Mônica, era 
uma cristã piedosa de forte persona-
lidade. 
O jovem estudou em sua cidade 
natal e depois em Madaura e Carta-
go. Destacou-se na retórica latina, 
mas não conseguiu dominar a língua 
grega. Embora fosse um catecúmeno 
desde a infância, tinha paixão pelo 
teatro e somente disciplinou a sua 
sexualidade através da união com 
uma concubina (372-385), que lhe 
deu um §lho, Adeodato, falecido por 
volta de 390. Desiludido com a Bí-
blia e fascinado pela §loso§a através 
da leitura de uma obra do orador ro-
mano Cícero (Hortênsio), Agostinho 
voltou-se para o maniqueísmo, uma 
seita gnóstica, e depois para o ceti-
cismo. Tornou-se professor de retó-
rica em Tagaste e Cartago, e foi en-
tão para Roma (383) e Milão (384), 
sendo logo seguido por sua mãe, que 
estava interessada em seu progresso 
pro§ssional e em seu retorno à igreja. 
Em Milão, o jovem retórico rece-
beu a in�uência da §loso§a neopla-
tônica, que o convenceu da existên-
cia do Ser transcendente imaterial e 
lhe deu uma nova compreensão do 
problema do mal como corrupção 
ou ausência do bem. Impressionou-
-se com a eloquência erudita e com 
a pregação alegórica do grande bispo 
Ambrósio (c. 339-397), considerado 
o maior orador sacro da antiga igreja 
latina. 
Sua peregrinação culminou em 
agosto de 386 com a célebre experiên-
cia do jardim, narrada com detalhes 
nas Con�ssões. Enquanto conversava 
com o amigo Alípio sobre a mensa-
gem do apóstolo Paulo, Agostinho 
sentiu-se tomado de profunda emo-
ção. Afastando-se, ouviu uma criança 
cantar repetidamente tolle lege (“toma 
e lê”). Abrindo ao acaso a carta aos 
Romanos, leu os versos 13 e 14 do 
capítulo 13, convertendo-se a§nal. 
Abandonando a carreira pública, 
abraçou a vida monástica e foi bati-
zado por Ambrósio na páscoa de 387. 
Ao retornar a Tagaste, após a 
morte de Mônica em Óstia, perto de 
Roma, começou a escrever contra o 
maniqueísmo e formou uma comu-
nidade contemplativa. Ao fazer uma 
visita a Hipona, hoje na Argélia, foi 
ordenado sacerdote quase à força 
(391). Tornou-se bispo coadjutor em 
395 e, no ano seguinte, bispo de Hi-
pona, cargo que exerceu até sua mor-
te, em 430. Sendo agora um líder da 
igreja e defrontando-se com grandes 
desa§os, sua perspectiva transfor-
mou-se de modo decisivo. Passou a 
ter uma visão mais radicalmente bí-
blica do ser humano e da história, em 
contraste com o seu anterior huma-
nismo otimista neoplatônico. 
A teologia de Agostinho foi for-
jada e amadureceu no contexto de 
22 | Revista FÉ PARA HOJE
três grandes controvérsias nas quais 
se envolveu, a começar da sua luta 
contra os maniqueístas. Estes eram 
seguidores do profeta persa Mani (c. 
216-276), que foi martirizado pelos 
romanos. Criam em duas forças eter-
nas e iguais, o bem e o mal, em luta 
perpétua. Assim como os gnósticos, 
atribuíam o mal à matéria, criada 
pelo princípio do mal, e o bem ao 
espírito, criado pelo Deus bom. A 
alma ou espírito do homem era uma 
centelha do poder benigno que havia 
sido roubada pelas forças malignas 
e aprisionada na matéria. Quando 
jovem, Agostinho se sentira atraído 
por essa § loso§a religiosa, que pare-
cia explicar melhor que o cristianis-
mo algumas das questões mais im-
portantes da existência. Mais tarde, 
decepcionou-se com o movimento, 
principalmente após uma conver-
sa com Fausto, o § lósofo maniqueu 
mais importante.
Em sua principal obra contra o 
maniqueísmo, Da natureza do bem 
(c. 405), Agostinho argumentou que 
não é preciso admitir duas forças 
iguais e opostas no universo (dualis-
mo) para explicar o mal. Este não é 
uma natureza ou substância, mas a 
corrupção da natureza boa criada por 
Deus ou uma privatio boni (ausência 
do bem). Ele usou dois argumentos: 
metafísico (toda natureza criada é 
inferior a Deus e passível de corrup-
ção) e moral (o mal moral decorre 
do uso impróprio do livre-arbítrio). 
Agostinho utilizou a § loso§ a (no 
caso o neoplatonismo) contra o ma-
niqueísmo, adaptando-a à fé cristã, 
algo que vinha sendo feito desde a 
época de Clemente de Alexandria e 
Orígenes, por causa do entendimen-
to de que toda verdade é verdade de 
Deus, venha de onde vier. Ao mesmo 
tempo, discordou do neoplatonismo 
quanto à natureza de Deus (pessoal 
em contraste com o Uno impessoal) 
e à criação do mundo (a partir do 
nada ou ex nihilo em contraste com 
a eternidade da matéria). Com a aju-
da da § loso§ a, Agostinho demons-
trou racionalmente a superioridade 
do cristianismo e forneceu padrões 
para o pensamento cristão sobre te-
mas como Deus, a graça, a criação, o 
pecado, o livre arbítrio e o mal. Em-
Agostinho foi o último dos grandes escritores 
cristãos da antiguidade e o precursor da 
teologia medieval, tendo também influenciado 
profundamente a teologia protestante do século 16.”
Revista FÉ PARA HOJE | 23
pregou argumentos já conhecidos, 
porém de forma nova e atraente.
A segunda grande controvérsia 
de que Agostinho participou foi con-
tra os donatistas. Esse cisma na igre-
ja católica do norte da África, que re-
sultou na formação de uma poderosa 
igreja rival, havia surgido após a úl-
tima perseguição contra os cristãos, 
no início do 4° século (303-311). Os 
líderes iniciais do movimento, entre 
os quais estava um bispo chamado 
Donato, a§ rmavam que os bispos 
que tinham cooperado com os per-
seguidores romanos não eram legí-
timos e que os homens que eles ha-
viam ordenado não eram sacerdotes 
cristãos. Os donatistas eram herdei-
ros da tradição rigorista ou moralista 
de O Pastor de Hermas e Tertuliano, 
e agora, na época de Agostinho, ar-
gumentavam que os bispos e sacer-
dotes católicos eram corruptos ou 
heréticos, e por isso os sacramentos 
que ministravam não eram válidos. 
Nessas alegações, apelavam inclusive 
aos escritos de Cipriano. 
Ao lutar contra os donatistas, em 
obras como Sobre o batismo, Agos-
tinho salientou duas questões: a 
natureza da igreja e a validade dos 
sacramentos. A ênfase principal dos 
donatistas era a pureza da igreja: esta 
era considerada a congregação dos 
santos, tanto na terra como no céu, 
sendo sempre um pequeno remanes-
cente § el. Rejeitando essa eclesiolo-
gia, Agostinho argumentou que os 
donatistas é que eram impuros, por 
destruírem a unidade da igreja e ca-
írem no pecado do cisma. Para ele, a 
igreja inclui todos os tipos de pesso-
as, contendo em si tanto o bem como 
o mal (o trigo e o joio) até a separação 
de§ nitiva no último dia. 
Quanto aos sacramentos, ele in-
sistiu que o batismo e a Eucaristia 
transmitem a graça de Deus ex ope-
re operato, ou seja, “em virtude do 
próprio ato”, independentemente 
da condição moral e espiritual do 
o§ ciante. Os sacramentos provêm 
de Cristo e o seu poder e e§ cácia 
baseiam-se na santidade de Cristo, 
que não pode ser corrompida por 
ministros indignos “assim como a luz 
do sol não é corrompida ao brilhar 
através de um esgoto”. Portanto, um 
Com a ajuda da f ilosof ia, Agostinho demonstrou 
racionalmente a superioridade do cristianismo e forneceu 
padrões para o pensamento cristão sobre temas como Deus, a 
graça, a criação, o pecado, o livre arbítrio e o mal.”
24 | Revista FÉ PARA HOJE
sacramento é válido mesmo quando 
ministrado por um sacerdote imoral 
ou herético, contanto que tenha uma 
ordenação válida e esteja em comu-
nhão com a igreja. Ele é mero instru-
mento da graça de Cristo.
Sem dúvida, a controvérsia mais 
importante na qual se envolveu 
Agostinho, e aquela que trouxe con-
sequências mais profundas para sua 
teologia, foi a que ele manteve contra 
o pelagianismo. Pelágio era um mon-
ge britânico que nasceu em meados 
do século 4°. Por volta de 405 ele foi 
para Roma e depois seguiu para o 
norte de África, mas não chegou a se 
encontrar com Agostinho. Foi então 
para a Palestina e escreveu dois livros 
sobre o pecado, o livre-arbítrio e a 
graça: Da natureza e Do livre-arbí-
trio. Embora criticado fortemente 
por Agostinho e seu amigo Jerônimo 
(†420), comentarista bíblico e tra-
dutor da Vulgata Latina, ele foi ino-
centado por um sínodo reunido na 
Palestina em 415. Todavia, foi con-
denado como herege pelo bispo de 
Roma (417-418) e pelo Concílio de 
Éfeso (431). Pelágio era um cristão 
moralista que achava que a crença 
numa tendência natural para o pe-
cado era um desestímulo para que os 
cristãos vivessem vidas virtuosas.
Pelágio foi acusado de três here-
sias. Primeiro, negou o pecado ori-
ginal no sentido de culpa herdada, 
no que era acompanhado por mui-
tos cristãos orientais. Dizia que as 
pessoas pecam porque nascem num 
mundo corrompido e são in�uen-
ciadas pelos maus exemplos ao seu 
redor, mas que elas não têm uma 
tendência natural para pecar. Se elas 
pecam é porque decidem fazê-lo de-
liberadamente. Em segundo lugar, 
ele negou que a graça sobrenatural 
de Deus seja essencial para a salva-
ção. Tudo de que os cristãos precisam 
é a iluminação dada pela Palavra de 
Deus e por sua própria consciência. 
Finalmente, a§rmou a possibilida-
de, pelo menos teórica, de se viver 
uma vida sem pecado mediante o uso 
correto do livre-arbítrio. Todo ser 
humano se encontra na situação de 
Adão antes da queda, podendo optar 
por viver em perfeita obediência à lei 
de Deus. 
Reagindo contra os ensinos de 
Pelágio, Agostinho desenvolveu a 
sua própria soteriologia, que parte 
de duas convicções centrais: a total 
corrupção dos seres humanos após 
a queda e a absoluta soberania de 
Deus. Suas principais obras antipe-
lagianas foram: Do Espírito e da letra 
(412), Da natureza e da graça (415), 
Da graça de Cristo e do pecado origi-
nal (418), Da graça e do livre arbítrio 
(427) e Da predestinação dos santos 
(429). Ele também tratou dessas 
questões em outras obras, tais como 
o Enchiridion (421) e A cidade de 
Deus (c. 413-427).
Apelando a ensinos do apósto-
lo Paulo, como Romanos 5.12-21, 
Agostinho a§rmou que todos os se-
res humanos, inclusive os §lhos dos 
cristãos, nascem culpados e total-
mente corrompidos por causa do pe-
Revista FÉ PARA HOJE | 25
cado de Adão e da natureza pecami-
nosa herdada dele, estando sujeitos à 
condenação eterna. Eles fazem parte 
de uma “massa de perdição”. Essa 
situação só é desfeita pelo batismo 
(o sacramento da regeneração), pelo 
arrependimento e pela graça sacra-
mental. A vida cristã virtuosa é intei-
ramente uma obra da graça de Deus 
e de modo algum um produto do 
esforço humano ou do livre-arbítrio, 
sem a graça capacitadora. Por causa 
da corrupção herdada, o ser huma-
no não tem liberdade para não pecar 
(non posse non peccare). 
Para Agostinho, o livre-arbítrio 
era simplesmente fazer o que se dese-
ja fazer, agir de acordo com a própria 
natureza, não incluindo a capacidade 
da escolha contrária, como era sus-
tentado por Pelágio e seus seguido-
res. Assim, as pessoas são livres para 
pecar, mas não para não pecar: pecar 
é tudo o que elas querem fazer sem a 
graça interveniente de Deus.
Portanto, a graça soberana de 
Deus é absolutamente necessária 
para qualquer decisão ou ação posi-
tiva do ser humano caído. As cria-
turas humanas estão de tal modo 
corrompidas que, se Deus não lhes 
concedesse o dom da fé, nem sequer 
se voltariam para ele.Se fosse possí-
vel alcançar a retidão somente pela 
natureza e pelo livre-arbítrio, sem 
a graça sobrenatural, Cristo teria 
morrido em vão. Deus determina ou 
predestina de modo soberano tudo o 
que acontece. 
Em sua última obra, Da predesti-
nação dos santos, Agostinho afirmou 
que Deus escolhe alguns indivíduos 
do meio da massa humana de per-
dição para receberem a dádiva da 
fé, e deixa os outros em sua mere-
cida perdição. É aquilo que mais 
tarde seria descrito como “eleição 
incondicional” e “graça irresistível”. 
Agostinho não explicou satisfato-
riamente certas questões difíceis 
levantas pela sua soteriologia (Deus 
é o autor do mal? Como conciliar a 
soberania de Deus e a responsabi-
lidade humana? Por que Deus não 
salva a todos?), deixando-as na esfe-
ra dos mistérios. Para ele, a verdade 
fundamental é o fato de que Deus é 
a causa suprema de todas as coisas e 
A vida cristã virtuosa é inteiramente 
uma obra da graça de Deus e de modo algum 
um produto do esforço humano ou do livre-arbítrio, 
sem a graça capacitadora.”
26 | Revista FÉ PARA HOJE
não há nada no universo que esteja 
fora do seu controle ou que possa 
frustrar a sua vontade.
Além da doutrina da igreja e dos 
sacramentos e da doutrina da graça, 
outra contribuição fundamental do 
bispo de Hipona foi sua exposição 
da doutrina trinitária no valioso tra-
tado De Trinitate (Sobre a Trindade). 
Partindo do fundamento lançado 
pelos pais capadócios, cuja teologia 
conheceu por meio de Hilário de 
Poitiers, Agostinho deu mais ênfase 
à unidade da essência divina do que à 
diversidade de pessoas. Enquanto os 
capadócios partem da diversidade de 
pessoas para ir em direção à unida-
de, ele usa o processo inverso. Prefere 
falar em relações ao invés de pessoas 
(a unidade divina acima da diversida-
de). Ao explicar a procedência do Es-
pírito Santo, diz que ele é o vínculo 
de amor entre o Pai e o Filho, o que 
deu origem ao debate medieval so-
bre a cláusula Filioque (“e do Filho”), 
presente no Credo Niceno. 
Agostinho argumentou que to-
das as coisas, pelo fato de terem sido 
criadas pelo Deus triúno, levam a 
marca da Trindade. Assim sendo, 
deu uma contribuição inovadora ao 
introduzir o “modelo psicológico” 
da Trindade. Comparou a unida-
de de Deus com a unidade do ser 
humano e equiparou a Trindade a 
três faculdades internas da alma ou 
aspectos da personalidade huma-
na: a memória, o entendimento e a 
vontade. Uma de suas últimas obras 
foi Retractationes ou Revisões (426-
427), nas quais arrolou seus escritos, 
corrigindo-se e defendendo-se em 
alguns pontos. Outros temas da te-
ologia de Agostinho foram o conhe-
cimento como iluminação da mente 
pelo Verbo de Deus; a existência e 
o ser de Deus; a criação, a natureza 
do tempo e a escatologia. Curiosa-
mente, ele nunca explorou a fundo o 
campo da cristologia. 
Sua obra-prima foi A cidade de 
Deus, na qual fez uma grande sínte-
se do pensamento cristão. Começou 
com uma apologia contra alegações 
de que, em última análise, o cristia-
nismo havia sido responsável pelo 
saque de Roma pelos visigodos no 
ano 410. O livro acabou se tornando 
uma grande interpretação da histó-
ria romana e cristã, analisada teo-
lógica e escatologicamente através 
dos complexos destinos terrenos de 
duas “cidades” criadas por amores 
con�itantes (amor próprio e amor a 
Deus). Segundo ele, o reino de Deus 
não se identi§cava com nenhuma ci-
vilização humana e não seria afetado 
pelo declínio do Império Romano. 
Ironicamente, Agostinho morreu 
quando a África romana sucumbia 
diante dos vândalos que cercavam 
Hipona. A civilização romana clás-
sica estava desmoronando, mas ha-
via surgido uma nova cultura cristã, 
que alcançaria seu maior esplendor 
na Idade Média.
Revista FÉ PARA HOJE | 27
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28 | Revista FÉ PARA HOJE
Agostinho é uma pensador in-
�uente na história da igreja e na civi-
lização ocidental. No que se refere ao 
campo da teologia, poderíamos dizer 
o que Cássio disse a respeito de Cé-
sar na peça Júlio César, de William 
Shakespeare: “Ele cavalga o mun-
do estreito como um colosso, e nós, 
homens pequeninos, andamos por 
baixo de suas pernas gigantescas”.1 
Exceto os autores da Escritura, ne-
nhum outro personagem teve, na 
Idade Média, impacto maior no pen-
samento cristão do que Agostinho.2 
E, no que concerne à Reforma, es-
1 Ato I, Cena 2, linhas 135-137.
2 Quanto a este impacto de Agostinho, ver a coleção de 
ensaios em Irene Backus, ed., �e Reception of the Church 
Fathers in the West. From the Carolingians to the Maurists 
(Leiden: E. J. Brill, 1997), vol. 1.
tes dois personagens importantes, 
Martinho Lutero (1483-1546) e 
João Calvino (1509-1564), citaram 
Agostinho “mais frequentemente do 
que qualquer outro teólogo e viram a 
si mesmos como resgatadores da ên-
fase e do espírito de Agostinho para 
a condição da igreja em seu tempo”.3 
Como Benjamin B. War§eld co-
mentou acertadamente: “Quando 
aconteceu o grande avivamento do 
cristianismo que chamamos de Re-
forma... foi, em seu lado teológico, 
um avivamento do agostinianismo”.4 
3 John E. Hare, “Augustine, Kant, and the Moral 
Gap”, em Gareth B. Matthews, ed., �e Augustinian 
Tradition (Berkeley, California: University of California 
Press, 1999), p. 252.
4 Benjamin Breckinridge War§eld, “Augustine”, em 
sua obra Calvin and Augustine, ed. Samuel G. Craig 
Agostinho: Uma Vida 
de Graça e Palavras
M A. G. H
Revista FÉ PARA HOJE | 29
Como Gerald Bonner escreveu, 
Agostinho “continua a atrair grande 
número de alunos, que são fascinados 
por sua personalidade e suas ideias... 
e muitos deles, embora reconheçam 
as falhas nos ensinos de Agostinho, 
admitem que têm recebido muito 
discernimento e inspiração proce-
dentes de seu pensamento”.5
PRIMEIROS ANOS, CONVERSÃO E 
CHAMADO AO MINISTÉRIO
Os fatos dos primeiros anos da 
vida de Agostinho são bem conheci-
dos porque ele os registrou em suas 
famosas Con�ssões.6 Nascido em 13 
de novembro de 354, no que era na-
quela época a província romana da 
Numídia, ele era §lho de um o§cial 
inferior, Patrício (morreu por volta 
de 371), e de sua esposa cristã, Mô-
nica (331-387).7 Dentre os seus pais, 
(Philadelphia, Pennsylvania: Presbyterian and Re-
formed Publishing Co., 1956), p. 323.
5 “»ey Speak to Us across the Centuries: 7. Augustine”, 
�e Expository Times, 109, No. 10 ( July 1998), p. 293.
6 A biogra§a padrão de Agostinho é aquela elaborada 
por Peter Brown – ver sua obra Augustine of Hippo: A 
Biography (rev. ed.; Berkeley: University of California 
Press, 2000). Dois outros estudos biográ§cos muito 
úteis são os de Henry Chadwick, Augustine: A Very Short 
Introduction (Oxford: Oxford University Press, 2001) 
e de Gary Wills, Saint Augustine (New York: Viking, 
1999). Ver também o resumo de Robert A. Markus, 
“Life, Culture, and Controversies of Augustine”, em 
Allan D. Fitzgerald, ed., Augustine through the Ages. An 
Encyclopedia (Grand Rapids/Cambridge, UK: William 
B. Eerdmans Publ. Co., 1999), p. 498-504, bem como o 
breve e interessante estudo escrito por Karla Pollmann, 
St Augustine the Algerian (Göttingen: Duehrkohp & 
Radicke, 2003). 
7 Sobre os seus pais, ver Allan D. Fitzgerald, “Patri-
cius”, e Angelo di Berardino, “Monnica”, em Fitzgerald, 
ed., Augustine through the Ages, p. 621 e 570-571, respec-
tivamente. 
foi Mônica quem teve muito maior 
in�uência em sua vida. Logo depois 
de sua conversão, Agostinho comen-
tou que as orações de sua mãe foram 
instrumentos para trazê-lo à fé viva 
em Cristo.8 O historiador Jaroslav 
Pelikan resumiu os anos anteriores 
à conversão de Agostinho, quando 
disse que ele “se moveu de uma pre-
ocupação para outra, de uma preo-
cupação com o ego para doze anos 
como membro da obscura seita dos 
maniqueus, para vários tipos de ne-
oplatonismo, para o cristianismo 
ortodoxo”.9
A conversão à fé cristã aconteceu 
no §nal do verão de 386, em um jar-dim, em Milão, onde Agostinho tra-
balhava como um retórico imperial, 
ou seja, um professor de oratória. 
O momento crítico veio por meio 
da leitura de um texto paulino, Ro-
manos 13.13-14, a respeito do que 
Agostinho escreveu posteriormente: 
“A luz da con§ança inundou meu 
coração e todas as trevas de dúvida 
foram dissipadas”.10 Em suas Con-
�ssões, Livro 9, Agostinho descreveu 
mais plenamente como ele entendeu, 
mais tarde, a obra salvadora de Deus 
em sua vida:
Durante todos aqueles anos [de 
rebelião], onde estava o meu li-
8 �e Happy Life 6.
9 “Writing as a Means of Grace”, em Jaroslav Pelikan 
et at., Spiritual Quests: the Art and Craft of Religious 
Writing (Boston: Houghton Mi�in Co., 1988), p. 88.
10 Confessions 8.12 (trans. R. S. Pine-CoÑn, Saint 
Augustine: Confessions [Harmondsworth, Middlesex: 
Penguin, 1961], p. 178).
30 | Revista FÉ PARA HOJE
vre-arbítrio? De que lugar secre-
to e oculto ele foi convocado num 
momento, para que eu pudesse 
curvar meu pescoço ao teu jugo 
suave e receber o teu fardo leve 
sobre os meus ombros, Cristo Je-
sus, meu Ajudador e Redentor? 
Quão doce foi para mim livrar-
-me daquelas alegrias infrutí-
feras que antes eu temia perder, 
mas agora me alegrei em rejeitar! 
Tu as tiraste de mim, tu que és a 
verdadeira, a soberana alegria. Tu 
as tiraste de mim e tomaste o seu 
lugar, tu que és mais agradável 
do que todos os prazeres, embo-
ra não para a carne e o sangue, tu 
que excedes em brilho toda luz, 
mas estás escondido mais profun-
damente do que qualquer segredo 
em nosso coração, tu que excedes 
toda honra, embora não aos olhos 
dos homens, que veem toda hon-
ra em si mesmos.11
Na primavera de 387, num cul-
to de vigília da Páscoa, no sábado à 
noite, Agostinho foi batizado por 
Ambrósio (c. 340-397), bispo de 
Milão. No ano seguinte, ele voltou 
11 Confessions 9.1 (trans. Pine-CoÑ n, Confessions, p. 181).
para sua cidade natal no Norte da 
África. Por volta de 391, ele decidiu 
se mudar para a cidade litorânea de 
Hipona, a uns 240 km de Tagaste, 
para fundar uma comunidade em 
que ele e outros poderiam dedicar-
-se à leitura das Escrituras. Mas as 
coisas não saíram como ele tencio-
nava, como ele mesmo lembrou em 
um sermão que pregou em meados 
dos anos 420:
Um escravo não pode contradi-
zer o seu Senhor. Vim para esta 
cidade para ver um amigo, que eu 
pensava ganharia para Deus, a 
§ m de que vivesse conosco em um 
monastério. Sentia-me seguro, 
porque o lugar já tinha um bispo. 
Fui apanhado. Fui constituído 
um presbítero... e, a partir disso, 
me tornei o bispo de vocês.12
Esse tipo de procedimento não 
era incomum na igreja da antiguida-
de no Norte da África.13 Alguns que 
foram “ordenados” desta maneira 
aproveitaram, sem dúvida, a primei-
12 Sermon 355.2 (citado em Brown, Augustine of Hippo, 
p. 131).
13 Henry Chadwick, � e Church in Ancient Society: 
From Galilee to Gregory the Great (Oxford/New York: 
Oxford University Press, 2001), p. 475.
Exceto os autores da Escritura, nenhum outro 
personagem teve, na Idade Média, impacto maior 
no pensamento cristão do que Agostinho.”
Revista FÉ PARA HOJE | 31
ra oportunidade que tiveram para 
escapar das responsabilidades que 
lhes foram impostas. Mas Agostinho 
não agiu assim, porque ele viu nessa 
experiência não buscada uma cha-
mada inesperada da parte de Deus 
para uma vocação como pregador do 
evangelho. Como ele mesmo disse, 
“um escravo não pode contradizer o 
seu Senhor”.
SUBMETENDO-SE À ESCRITURA
Dois anos depois de haver-se tor-
nado bispo de Hipona, o que acon-
teceu em 395, Agostinho teve uma 
experiência que Gerald Bonner julga 
ser a mais decisiva em sua vida, de-
pois de sua conversão e batismo em 
386/387. Simpliciano (falecido por 
volta de 400), um velho amigo de 
Milão, o qual sucedera Ambrósio 
como bispo da congregação naquela 
cidade, lhe fez um pedido de escla-
recimento sobre o texto paulino de 
Romanos 9.10-29, que trata do amor 
eletivo de Deus para com Jacó e da 
rejeição de seu irmão, Esaú.14 Agos-
14 Quanto à interação de Agostinho com a epístola de 
Paulo aos Romanos, ver especialmente Pamela Bright, 
“Augustine”, em JeÒ ery P. Greenman e Timothy Lars-
en, eds., Reading Romans � rough the Centuries: From 
the Early Church to Karl Barth (Grand Rapids: Brazos 
Press, 2005), p. 59-80). Ver também J. P. Burns, “» e 
Interpretation of Romans in the Pelagian Controversy”, 
Augustinian Studies, 10 (1979), p. 43-54; W. S. Babcock, 
tinho se dedicou ao estudo de Roma-
nos e de outras epístolas de Paulo e 
foi levado a perceber que qualquer 
tentativa de elevar “a liberdade de 
escolha da vontade humana” estava, 
com base num ponto de vista bíblico, 
fundamentalmente mal orientada. 
Enquanto estudava o corpus pauli-
no, “a graça de Deus teve a suprema-
cia”, como ele disse. Em especí§ co, 
foi sua meditação sobre 1 Coríntios 
4.7 (“E que tens tu que não tenhas 
recebido?) que o levou à compreen-
são de que a graça de Deus sozinha 
é totalmente capaz de mover os pe-
cadores em direção a Cristo. Tudo 
que o crente tem, inclusive a pró-
pria fé, deve ser entendido como um 
puro dom.15 Esta revolução em seu 
pensamento produziu fruto em sua 
explicação clássica da soberania da 
graça de Deus em sua própria vida, as 
Con� ssões (escrita entre 397 e 401), e 
também o preparou espiritualmente 
para sua luta posterior com os erros 
teológicos do pelagianismo.
Esta submissão à Escritura 
aponta para outro elemento-chave 
da vida de Agostinho, ou seja, a sua 
“Augustine’s Interpretation of Romans (AD 394-396)”, 
Augustinian Studies, 10 (1979), p. 55-74; C. P. Bammel, 
“Augustine, Origen and the Exegesis of St. Paul”, Au-
gustinianum, 32 (1992), p. 341-367. 
15 Bright, “Augustine”, em Greenman e Larsen, eds., 
Reading Romans, p. 70-71.
A graça de Deus teve a supremacia.” 
– Agostinho
32 | Revista FÉ PARA HOJE
vocação como pregador do evan-
gelho. Inúmeros relatos da vida de 
Agostinho traçam a sua carreira em 
relação às controvérsias das quais ele 
participou. Mas há algo muito ina-
dequado nesta abordagem. A tarefa 
primária de Agostinho, no decorrer 
das décadas de seu ministério, foi 
o cuidado das almas que lhe foram 
confiadas. E uma expressão central 
desse cuidado eram os sermões que 
ele pregava. Ele pregava nos sá-
bados e nos domingos, bem como 
todos os dias durante a quaresma e 
na semana após a Páscoa. Notarii, 
os seja, taquígrafos, anotavam o 
sermão em taquigrafia e, depois, o 
transcreveriam em escrita cursiva. 
Dos estimados 8.000 sermões que 
Agostinho pregou, 559 ainda exis-
tem.16 Esta interação constante com 
as Escrituras alimentava seu pensa-
mento como nenhuma outra men-
sagem podia fazê-lo.17 E, quando 
Agostinho morreu em Hipona, em 
28 de agosto de 430, ele o fez len-
do quatro dos salmos penitenciais 
de Davi, os quais ele havia copiado 
e colado nas paredes de seu quarto.
16 Stanley P. Rosemberg, “Interpreting Atonement 
in Augustine Preaching”, em Charles E. Hill e Frank 
A. James III, eds., � e Glory of the Atonement: Biblical 
Historical & Practical Perspectives. Essays in Honor of 
Roger Nicole (Downers Grove, Illinois: InterVarsity 
Press: 2004), p. 227: Hubertus R. Drobner, “Studying 
Augustine: An overview of recent research”, em Rob-
ert Dodaro e George Lawless, eds., Augustine and His 
Critics. Essays in Honor of Gerald Bonner (London/New 
York: Routledge, 2000), p. 22-23. Quanto a uma lista 
da maioria dos sermões existentes, ver Éric Rebillard, 
“Sermones”, em Fitzgerald, ed., Augustine through the 
Ages, p. 774-789.
17 Bright, “Augustine”, em Greenman e Larsen, eds., 
Reading Romans, p. 80. 
A graça de Deus sozinha é totalmente capaz 
de mover os pecadores em direção a Cristo.”
Revista FÉ PARA HOJE | 33
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34 | Revista FÉ PARA HOJE
Estimulados pelos escritos de 
Karl Barth, o teólogo que mais ex-
plorou o mistério trinitário no século 
xx,1 várias obrasimportantes sobre a 
doutrina da Trindade foram escritas. 
Nas duas décadas §nais do século 
xx Karl Rahner, Jürgen Moltmann, 
Leonardo BoÒ, Wolfhart Pannen-
berg, Colin Gunton e Millard Erick-
son, buscaram re�etir e reaplicar a 
doutrina trinitária, produzindo um 
grande número de estudos dogmá-
ticos, bíblicos e históricos.2 O alvo 
1 Cf. especialmente Church Dogmatics, I/1 §8-12 (Pea-
body, MA: Hendrickson, 2010), p. 295-489, Esboço de 
uma dogmática (São Paulo: Fonte Editorial, 2006), p. 53-
58 e GeoÒrey W. Bromiley, Introduction to the �eology 
of Karl Barth (Edinburgh: T&T Clark, 2001), p. 13-21.
2 Para a bibliogra§a, cf. J. Scott Horrell, “O Deus trino 
que se dá, a imago Dei e a natureza da igreja local”, Vox 
Scripturae v. 6 – n. 2 (Dezembro 1996), p. 243-244. Cf. 
deste ensaio é expor a compreensão 
da doutrina trinitariana como for-
mulada por Agostinho de Hipona, 
que produziu uma obra seminal so-
bre este tema, A Trindade, com a qual 
todos estes escritores interagem.
AGOSTINHO E A TRINDADE
Foi Agostinho quem deu à tradi-
ção ocidental a sua expressão madura 
e §nal acerca da Trindade. Não obs-
tante ser Agostinho mais conhecido 
através de obras como as Con�ssões 
(sua autobiogra§a, publicada em 
400) ou A Cidade de Deus (publicada 
em 426), provavelmente sua obra pri-
também J. Scott Horrell, “Uma cosmovisão trinitaria-
na”, Vox Scripturae v. 4 – n. 1 (Março de 1994), p. 55-77.
Agostinho e a 
Santíssima Trindade
F F
Revista FÉ PARA HOJE | 35
ma é o tratado conhecido por A Trin-
dade, que ele demorou dezesseis anos 
para redigir – entre 400 e 416. Esta 
obra está dividida em duas partes, 
bem distintas. A primeira, com uma 
ênfase bíblica, vai do livro I ao VII. É 
a seção teológica propriamente dita. 
A segunda parte, do livro VIII ao XV 
apresenta um caráter especulativo 
psicológico e §losó§co, no gênero 
analógico. Conforme suas palavras: 
“Sendo ainda muito jovem, iniciei 
a elaboração destes meus livros so-
bre a Trindade, que é o Deus sumo e 
verdadeiro. Agora, entrado em anos, 
trago-os a público”.3 De fato, A Trin-
dade é a obra de sua maturidade.
Agostinho pressupôs como uma 
verdade bíblica que existe um só Deus 
que é Trindade, e que o Pai, o Filho e 
o Espírito Santo são simultaneamen-
te distintos e co-essenciais, numerica-
mente um quanto à substância:
O Pai, o Filho e o Espírito Santo, isto 
é, a própria Trindade, una e suprema 
realidade, é a única Coisa a ser fruí-
da [una quaedam summa res], bem 
comum de todos. Se é que pode ser 
chamada Coisa e não, de preferência, 
a causa de todas as coisas – se tam-
bém puder ser chamada causa. Não 
é fácil encontrar um nome que possa 
convir a tanta grandeza e servir para 
denominar de maneira adequada a 
Trindade. A não ser que se diga que 
é um só Deus, de quem, por quem 
3 “Carta 174” dirigida ao bispo Aurélio de Cartago, em 
416. in: Santo Agostinho, A Trindade (São Paulo: Pau-
lus, 1994), p. 19.
e para quem existem todas as coisas 
(Rm 11,36). Assim, o Pai, o Filho e 
o Espírito Santo são, cada um deles, 
Deus. E os três são um só Deus. Para 
si próprio, cada um deles é substân-
cia completa e, os três juntos, uma só 
substância. O Pai não é o Filho, nem 
o Espírito Santo. O Filho não é o Pai, 
nem o Espírito Santo. E o Espírito 
Santo não é o Pai nem o Filho. O Pai 
é só Pai, o Filho unicamente Filho, e 
o Espírito Santo unicamente Espíri-
to Santo. Os três possuem a mesma 
eternidade, a mesma imutabilidade, 
a mesma majestade, o mesmo poder. 
No Pai está a unidade, no Filho a 
igualdade e no Espírito Santo a har-
monia entre a unidade e a igualdade. 
Esses três atributos todos são um só, 
por causa do Pai, todos são iguais por 
causa do Filho e todos são conexos 
por causa do Espírito Santo.4
Em nenhum lugar Agostinho 
tentou demonstrar biblicamente es-
tas a§rmações. “Trata-se de um dado 
da revelação que, para ele, as Escri-
turas proclamam quase a cada pági-
na, e que a ‘fé católica’ (�des catholica) 
transmite aos §éis”.5 Em seu enten-
dimento, Deus é incompreensível, 
mas não incognoscível, havendo 
duas vias de conhecimento de Deus: 
a via da eliminação, ou negação (apo-
fática), que consiste em suprimir de 
Deus todos os defeitos das criaturas, 
4 Santo Agostinho, A doutrina cristã (São Paulo: Pau-
lus, 2002), 1.5, p. 46-47.
5 J. N. D. Kelly, Patrística: origem e desenvolvimento 
das doutrinas centrais da fé cristã (São Paulo: Vida Nova, 
2009), p. 205. Cf. A Trindade 1-4, p. 23-189.
36 | Revista FÉ PARA HOJE
e a eminência (catafática), que con-
siste em atribuir a Deus, elevando-
-as ao in§ nito, todas as perfeições: 
“Todo aquele que re� etir sobre Deus 
desse modo, embora não chegue a 
conhecer plenamente o que ele é, 
contudo – enquanto pode – como 
homem piedoso, evitará pensar dele, 
o que ele não é”.6
Como delineia J. N. D. Kelly, seu 
“imenso esforço teológico é uma ten-
tativa de compreensão, sendo esse o 
exemplo supremo de seu princípio de 
que a fé deve preceder a compreensão 
(praecedit � des, sequitur intellectus)”.
A fé busca, o entendimento en-
contra; por isso diz o profeta: Se 
não crerdes, não entendereis (Is 7.9). 
Doutro lado, o entendimento pros-
segue buscando aquele que a fé en-
controu, pois, Deus olha do céu para 
os f ilhos dos homens, como é cantado 
no salmo sagrado: para ver se alguém 
que tenha inteligência e busque a Deus 
(Sl 13.2). Logo, é para isto que o ho-
mem deve ser inteligente: para bus-
car a Deus.7 
6 A Trindade 5.2, p. 193.
7 A Trindade 15.2, p. 480-481.
Portanto, nesta obra, Agosti-
nho, pressupondo a veracidade do 
testemunho bíblico sobre o ensino 
acerca do Deus trino e baseando-se 
nas decisões conciliares estabele-
cidas em Nicéia e Constantinopla, 
construiu o primeiro tratado verda-
deiramente sistemático da doutrina 
da Trindade.
São contínuas as orações cheias 
de amor e confiança que Agosti-
nho dirige a Deus, no correr de sua 
tarefa de investigar o mistério da 
Trindade. E são um testemunho da 
dependência e ardente súplica, tão 
características da oração agostinia-
na. Constata-se assim estar toda 
obra teológica de Agostinho elabo-
rada em clima de oração. Nele está 
unido a sapientia (“a sabedoria re-
fere-se à contemplação”) e a scien-
tia (“a ciência diz respeito à ação”), 
o esforço na busca de sabedoria es-
piritual.8
8 “Eis, a piedade é sabedoria; e apartar-se do mal é 
ciência” ( Jó 28.28). Esta oposição corresponde às duas 
funções da razão: uma superior, pela qual a alma se 
dedica à contemplação das realidades eternas; e outra 
inferior, pela qual a alma aplica-se ao conhecimento das 
realidades temporais. A Trindade 12.21b-23, p. 386-390.
Foi Agostinho quem deu à tradição 
ocidental a sua expressão madura e f inal 
acerca da Trindade”
Revista FÉ PARA HOJE | 37
1. A SANTÍSSIMA TRINDADE
Seguiremos aqui os pontos bási-
cos do resumo que J. N. D. Kelly fez 
da exposição da doutrina trinitária 
em Agostinho.9 Esta é inteiramente 
fundamentada nas Escrituras, porém, 
em contraste com a tradição oriental, 
que fez da pessoa do Pai o seu ponto 
de partida, Agostinho principia com 
a natureza divina em si mesma. É esta 
simples e imutável natureza ou essên-
cia que é Trindade.10 A unidade da 
Trindade é assim claramente asseve-
rada, eliminando-se rigorosamente “o 
arianismo e o subordinacionismo da 
sua doutrina da Trindade”.11 Portanto, 
tudo o que é a§rmado de Deus é a§r-
mado igualmente de cada uma das três 
pessoas da deidade: “O Deus único e 
verdadeiro não é somente o Pai, mas o 
Pai, o Filho e o Espírito Santo”.12 
9 Cf. J. N. D. Kelly, op. cit., p. 205-210. Cf. também Jus-
to L. González, Uma história do pensamento cristão. v. 1: 
do início até o Concílio de Calcedônia (São Paulo: Cultura 
Cristã, 2004), p. 317-323.
10 Como diz J. N. D. Kelly, op. cit., p. 205: Ele “prefere 
‘essência’ a ‘substância’, pois esta última implica um su-
jeito com atributos, enquanto, para Agostinho, Deus é 
idêntico a Seus atributos”: et haec trinitas unus est deus e 
trinitatem quae deus est, cf.Santo Agostinho, A Cidade de 
Deus v. II [Livros IX a XV] (Lisboa: Fundação Calous-
te Gulbenkian, 1993), 11.10, p. 1011-1014. Para uma 
explicação dos termos-chave da doutrina trinitariana 
(principalmente “substância = natureza = essência: uma 
única” e “hipóstase = subsistência = pessoa: três realmente 
distintas”), cf. Leonardo BoÒ, A Trindade, a sociedade e a 
libertação (Petrópolis, Vozes: 1986), p. 111-126.
11 Henry Chadwick, A Igreja Primitiva (Lisboa: 
Ulisseia, 1967), p. 257. Cf. especialmente Millard J. Er-
ickson, Who’s Tampering with the Trinity? An Assessment 
of the Subordination Debate (Grand Rapids, MI: Kregel, 
2009), p. 153-159. Este livro é uma crítica muito bem 
elaborada contra a noção da subordinação eterna do Fi-
lho ao Pai, que tem sido revivida em certos setores da 
igreja evangélica norte-americana.
12 A Trindade 6.9, p. 227-229. 
Como Kelly nota, diversas con-
sequências se seguem desta ênfase 
na unidade da natureza divina. Pri-
meiro, as pessoas da Trindade não 
são três indivíduos separados, an-
tes “cada uma das pessoas divinas é 
idêntica às demais ou à própria subs-
tância divina”, e deve-se a§rmar “que 
cada uma das pessoas habita nas ou-
tras ou é inerente às outras”. Como 
Agostinho escreveu:
Creia o homem no Pai, no Filho e no 
Espírito Santo, como um só Deus, 
grande, onipotente, bom, justo, mi-
sericordioso, criador de todas as coi-
sas visíveis e invisíveis, e tudo o mais 
que dele se possa dizer digna e verda-
deiramente, conforme a capacidade 
da inteligência humana. E quando 
ouvir dizer que o Pai é um só Deus, 
não separe o Filho e o Espírito San-
to, porque com ele são um só Deus. 
Quando ouvir dizer que o Filho é um 
só Deus é mister entender assim, mas 
sem separá-lo do Pai e do Espírito 
Santo. E de tal modo diga que exis-
te uma só essência, e não considere a 
essência de um ser maior ou melhor 
do que a do outro e diferente em al-
gum aspecto. Contudo, não pense 
que o Pai é o Filho ou Espírito San-
to ou qualquer coisa que uma pessoa 
em separado diga relação às outras, 
como por exemplo, o termo ‘Verbo’ 
aplica-se somente ao Filho, e Dom 
a§rma-se somente a respeito do Es-
pírito Santo.13
13 A Trindade 7.12, p. 256-257.
38 | Revista FÉ PARA HOJE
Segundo, “tudo o que pertence 
à natureza divina como tal” deve, 
numa linguagem exata, “ser expres-
so no singular, já que esta natureza é 
única”. Portanto, embora cada uma 
das três pessoas seja incriada, in§ -
nita, onipotente, eterna, não há três 
incriados, in§ nitos, onipotentes e 
eternos, mas apenas um.
Os diferentes nomes aplicados a 
cada uma das três pessoas na Trinda-
de, traduzem relação recíproca, tais 
como: Pai e Filho, e o Dom de ambos, 
o Espírito Santo. Com efeito, não se 
pode dizer que o Pai é a Trindade, ou 
que o Filho é a Trindade, nem o Dom 
ser a Trindade. O que é dito, porém, 
de cada um dos três em relação a si 
mesmo, é dito não no plural, mas no 
singular, pois referente a uma única 
realidade: a própria Trindade.14 
Terceiro, “a Trindade possui uma 
única e indivisível ação e uma única 
vontade”. Em outras palavras, sua 
operação é “inseparável”,15 isto é, em 
relação à ordem contingente as três 
pessoas atuam como “um único prin-
14 A Trindade 8.1, p. 259; cf. também 6.9, p. 227-229; 
5.10-16, p. 203-213.
15 A Trindade 2.9, p. 78.
cípio (unum principium)”16 e como 
as pessoas são inseparáveis, “assim 
também operam inseparavelmen-
te”.17 Como exemplo disto, de acor-
do com Kelly, Agostinho argumenta 
que as teofanias, manifestações de 
Deus registradas no Antigo Testa-
mento, não devem ser consideradas 
como manifestações exclusivamente 
do Filho. Algumas vezes as teofanias 
podem ser atribuídas ao Filho, ou 
ao Espírito Santo, algumas vezes ao 
Pai, outras vezes a todas as três pes-
soas da deidade. Outras vezes ainda 
é impossível decidir a qual das três 
pessoas atribui-las.18 
A di§ culdade que esta teoria 
sugere é que ela parece ignorar os 
diversos papéis das três pessoas. A 
isto Agostinho responde que, embo-
ra seja verdade que o Filho, embora 
distinto do Pai, nasceu, sofreu e res-
suscitou, “é igualmente verdade que 
o Pai cooperou com o Filho” na reali-
zação da encarnação, paixão e ressur-
reição. Era conveniente para o Filho, 
entretanto, “em virtude de sua rela-
ção com o Pai, manifestar-se e fazer-
16 A Trindade 5.15, p. 208-210.
17 A Trindade 1.7, p. 31; 2.3, p. 71-73.
18 A Trindade 2.14-34, p. 85-110; 3.4-27, p. 114-143.
Toda obra teológica de Agostinho 
é elaborada em clima de oração.”
Revista FÉ PARA HOJE | 39
-se visível”.19 Logo, já que cada uma 
das pessoas possui a natureza divina 
de uma maneira particular, é apro-
priado “atribuir a cada uma delas, 
na operação externa da Divindade, o 
papel que lhe é próprio em virtude de 
Sua origem”.20 
2. A DISTINÇÃO DAS PESSOAS
Segundo Agostinho, a distinção 
das pessoas se fundamenta nas “suas 
relações mútuas dentro da Divinda-
de”. Embora consideradas enquanto 
substância divina, as pessoas sejam 
idênticas, o Pai se distingue enquanto 
Pai por gerar o Filho, e o Filho se dis-
tingue enquanto Filho por ser gerado.
Com respeito às relações mútuas na 
Trindade, se aquele que gerou é prin-
cipio do gerado, o Pai é principio em 
referencia ao Filho, porque o gerou. 
Entretanto não é uma investigação 
de pouca importância inquirir se o 
Pai é também principio com relação 
ao Espírito Santo, pois está escrito: 
procede do Pai. Se assim for, é princi-
pio não somente do que gera ou faz 
(o Filho), mas também da pessoa 
19 A Trindade 2.9, p. 78-80; 2.18, p. 90-91.
20 A teologia cristã tem distinguido entre Trindade 
imanente e Trindade econômica. Trindade imanente é a 
Trindade considerada em si mesma, em sua eternidade e 
comunhão pericorética entre o Pai, o Filho e o Espírito 
Santo. A Trindade econômica é a Trindade enquanto se 
auto-revelou na história da humanidade e age em vista 
à nossa participação na comunhão trinitária. Cf. Karl 
Rarhner, “O Deus Trino, fundamento transcendente 
da história da salvação”, in: Johannes Feiner & Magnus 
Loehrer, Mysterium Salutis; compêndio de dogmática his-
tórico-salví�ca – a histórica salví§ca antes de Cristo II/1 
(Petrópolis: Vozes, 1972), p. 292-294, 342-344.
que ele dá (o Espírito). Isso lançaria 
uma possível luz sobre a questão que 
a muitos preocupa, sobre a possibili-
dade de dizer-se que o Espírito Santo 
também seja Filho, já que sai do Pai, 
como se lê no Evangelho ( Jo 15.26). 
Saiu do Pai, sim, mas não como nas-
cido, mas como Dom, e por isso, não 
se pode dizer §lho, já que não nasceu 
como o Unigênito e nem foi criado 
como nós, que nascemos para a ado-
ção §lial pela graça de Deus.21
 
O Espírito Santo, semelhante-
mente, distingue-se do Pai e do Filho 
enquanto “outorgado” por eles, sendo 
o “dom comum” (donum) de ambos, 
“uma espécie de comunhão de Pai e 
Filho (quaedam patris et �lii commu-
niio), ou, então, o amor que, juntos, 
Eles derramam em nossos cora-
ções”.22 Surge então a questão: “o que 
são, na verdade, os três”? Agostinho 
reconhece que tradicionalmente eles 
são designados como pessoas, mas ele 
§ca descontente com o termo. Prova-
velmente a expressão lhe trazia a co-
notação de indivíduos separados. Mas 
ele consente em usar a expressão, por 
causa da necessidade de a§rmar a dis-
tinção dos três contra o modalismo, e 
com um profundo sentido da inade-
quação da linguagem humana.23 Sua 
21 A Trindade 5.15, p. 208-209; 5.6, p. 196-197; 5.8 p. 
199-201.
22 A Trindade 5.12, p. 204-206; 5.15-17, p. 208-213; 
8.1, p. 259-260. 
23 Como diz João Calvino, Agostinho “em razão da 
pobreza da linguagem humana em matéria de tão alto 
importe, esta palavra hipóstase havia sido forçada pela 
necessidade, não para que se expressasse o que é, mas 
apenas para que não se passasse em silêncio o fato de que 
40 | Revista FÉ PARA HOJE
teoria positiva, original e muito im-
portante para a história subseqüente 
da doutrina da Trindade no ocidente, 
foi a de que “os três são relações reais 
ou subsistentes”.

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