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ESPIRITUALIDADE_ou_TEOLOGIA_ESPIRITUAL

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ESPIRITUALIDADE 
ou 
TEOLOGIA ESPIRITUAL 
 
Pe. João Pereira Gomes, C. Ss. R. 
 
 
 
 
 
 
Edição Pdf. de Fl. Castro 
2005 
 
INTRODUÇÃO 
 
A Teologia Espiritual ou Espiritualidade é uma ci-
ência teológica muito rica, antiga no judaísmo e no 
cristianismo. Iniciando esta síntese, procuramos dar 
primeiro uma idéia geral, uma breve metodologia teo-
lógica, a indicação das escolas espirituais, a biblio-
grafia clássica. Procuraremos mostrar a tradição e a 
evolução da espiritualidade nestes vinte séculos. 
 Fizemos uma opção prática: primeiro é tratada a 
espiritualidade antiga; numa segunda parte é tratada 
a espiritualidade atual, ao menos nos seus elemen-
tos, pois é prematuro ainda tentar uma síntese da 
Teologia Espiritual moderna. 
IDÉIA GERAL 
A Espiritualidade é um dos ramos da Teologia, 
como a Dogmática, a Exegese, a Moral, a Liturgia e a 
Pastoral. Chama-se também Teologia Espiritual, As-
cética e Mística, Teologia da Perfeição Cristã, Perfei-
ção, Contemplação. 
Têm-se tentado várias definições descritivas da 
Espiritualidade, todas decalcadas na definição da Te-
ologia em geral, tendo como objeto a perfeição cristã. 
O problema é definir o que é perfeição. Alguns exem-
plos de definições: 
 Garrigou-Lagrange OP: A Teologia Ascética e 
Mística é a aplicação da Teologia Moral à direção das 
almas, para uma união cada vez mais íntima com 
Deus. Supõe tudo o que a doutrina sagrada ensina 
sobre a natureza e as propriedades das virtudes e 
 3
dos dons do Espírito Santo, e estuda as leis e as 
condições de seu progresso em vista da perfeição. 
 De Guibert SJ: A Teologia Espiritual é ciência 
que, dos princípios revelados, deduz em que consiste 
a perfeição da vida espiritual, e de que maneira o 
cristão pode tender a ela e consegui-la. 
 Tanquerey: Define simplesmente a Teologia Es-
piritual como ciência que tem como fim próprio con-
duzir as almas à perfeição cristã. 
 Schrijvers C.Ss.R: A Teologia Espiritual é ciência 
da vida espiritual, que tem por objeto orientar toda a 
atividade do cristão em vista da perfeição sobrenatu-
ral. 
Notam-se logo dois problemas nessas definições. 
Primeiro, certa separação entre as partes da Teologi-
a, principalmente entre Moral e Espiritualidade. Se-
gundo, que significam: santidade, santo, perfeição, 
vida cristã? Todo o cristão é ou deve ser santo? To-
dos são chamados à perfeição, inclusive à mística? 
Quanto à vocação à santidade, o Vaticano II afirma 
que sim; quanto à mística, algumas escolas teológi-
cas sustentam que não. 
Consola-nos, contudo, saber que esta ciência 
santa é acessível tanto ao teólogo, ao místico, como 
à lavadeira, de que falava S. Boaventura. Mas, avi-
sam alguns Mestres, tal ciência, enquanto especulati-
va, implica não só muita vida em Deus, mas conhe-
cimento de outros ramos da Teologia, da Hagiografia, 
da História, da Bíblia, da Psicologia e o exercício das 
virtudes. Pergunta-se também: Chega-se à santidade 
 4
só com a ascese, sem a mística? Ou, por outra, todos 
os santos foram místicos? 
BREVE METODOLOGIA 
A metodologia espiritual pode usar dois cami-
nhos: primeiro o dedutivo, que parte de princípios re-
velados ou teológicos; segundo, o indutivo, acentua-
do muito pela espiritualidade moderna, que parte da 
experiência ou indução. Dando um exemplo bíblico, o 
primeiro prefere Jo 1: “No princípio era o Verbo. . . ”. 
É usado pelas escolas mais contemplativas. O se-
gundo caminho começa com Gn 1: “No princípio 
Deus criou o céu e a terra. . . e Deus criou o homem”. 
Um é descendente; o outro, ascendente. 
 Alguns manuais tentam misturar os dois méto-
dos, como fazemos aqui. Há, ainda os que se conten-
tam com reunir e coordenar regras de perfeição, co-
mo fizeram os Padres do Deserto, Cassiano e S. Jo-
ão Crisóstomo. Outros grandes santos deixaram a-
penas Regras para sua Ordem ou Congregação, ou 
monografias espirituais, como S. Bento, Sto. Inácio, 
Sto. Afonso. 
Alguns, como os da escola jesuíta e redentorista 
acentuam a ascese; os mais contemplativos, como os 
carmelitas, enclausurados, unem a ascese à mística. 
Os modernos começam com a experiência, ao gosto 
do século 20. 
É costume também falar de espiritualidades, no 
plural, visando escolas, tempo etc. Diz-se, por exem-
plo, espiritualidade primitiva, patrística, beneditina, 
mendicante, carmelita, inaciana, religiosa, sacerdotal, 
 5
leiga, do século 16, do trabalho, etc. Isto é usual no 
século 20, devido à menor unidade teórica. 
 Há bons tratados acessíveis ao nosso público, 
embora poucos, como veremos na bibliografia. Mas 
há grande número de monografias, principalmente 
nas numerosas revistas religiosas. São úteis os di-
cionários bíblicos, teológicos, espirituais, hoje à dis-
posição de todos. Procure neles os conceitos aqui 
emitidos. Todos os movimentos modernos têm uma 
espiritualidade própria, que desenvolvem em cursos e 
retiros. 
 Evidentemente deve-se acompanhar este tratado 
com a consulta à Bíblia, pois uma exigência do Vati-
cano II é a linha mais bíblica da teologia (DV, n. 24) 
 Além das siglas próprias das Bíblias, as mais u-
sadas são as do Concílio Vaticano II : 
GS: Gaudium et Spes, Constituição sobre o Mundo. 
LG: Lumen Gentium, Constituição sobre a Igreja. 
DV: Dei Verbum, Constituição sobre a Revelação Divina. 
PC: Perfectae Caritatis, Decreto sobre os Religiosos. 
A. A.: Apostolicam Actuositatem, Decreto sobre o Aposto-
lado Leigo. 
CIC: Catecismo da Igreja Católica, pós-Vaticano II. 
As siglas da Bíblia são usadas conforme a con-
venção mais geral. 
 Para maior informação teológica, aconselho re-
correr a obras práticas como o Dicionário de Teologia 
(Ed. Loyola), Teologia para o Cristão de Hoje, Voca-
bulário Teológico (Ed. Paulus), e o chamado Cate-
cismo Holandês. É muito útil consultar um manual de 
História da Igreja, para entender o contexto das Esco-
 6
las Espirituais. Para entender, por exemplo, a espiri-
tualidade depois do século 16, é preciso conhecer o 
contexto dos Concílios Tridentino, Vaticano I e II. A 
História da Era Moderna faz entender as respostas 
que a Igreja deu ao mundo. 
 
 7
HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE 
 
PRIMEIROS SÉCULOS 
É evidente que a primeira escola espiritual é a de 
Jesus, de Maria, dos apóstolos, discípulos, evangelis-
tas, mártires, virgens, pregadores, carismáticos refe-
ridos no Novo Testamento e na História da Igreja. 
Todos eles seguiram de perto as pegadas do Mestre, 
cumprindo sua palavra: “Sede perfeitos como o Pai 
celeste é perfeito” (Mt. 5, 48). Mas é bom lembrar que 
já S. Paulo advertia que, em Corinto, nem todos eram 
tão perfeitos (1Cor 5-6; 2Cor 10-11). É a realidade da 
Igreja, que reaparecerá nestes vinte séculos. 
A IGREJA PRIMITIVA 
Na Igreja primitiva surgem santos e escritores, 
que não só exercitam mas apontam as exigências do 
evangelho no mundo greco-romano. São os mártires, 
as virgens, os fundadores de igrejas. Devido às per-
seguições, que logo começam, há dispersão para ou-
tras cidades, e até para os desertos. As igrejas mais 
organizadas, como de Roma, Antioquia e Alexandria, 
já vão registrando não só as Atas dos Mártires, mas 
os escritos espirituais, principalmente cartas, trata-
dos, sermões. 
É bom assinalar um fenômeno que mais tarde vai 
dar origem ao monaquismo e à vida religiosa: as vir-
gens e os anacoretas (S. Antão, S. Pacômio), mais 
tarde monges que “fogem do mundo” e se dedicam à 
dura ascese, muitas vezes por necessidade. É preci-
 8
so lembrar os cristãos que eram condenados ao tra-
balho forçado nas minas. Há o caso curioso dos estili-
tas que viviam sobre colunas. O monaquismo (procu-
ra da vida solitária) espalha-se no Oriente e depois 
passa ao Ocidente, com Cassiano. Muitos teólogos 
foram inicialmente primeiro, como Cirilo, Teodoro, 
Nicetas, Afraat, João Crisóstomo e outros. 
 Dos autores seguintes, chamados de Santos Pa-
dres, coloco apenas a obra que julgo mais represen-
tativa e interessante. 
PATROLOGIA GREGA 
S. CLEMENTE ROMANO (s. I-II) escrevea Carta 
aos Coríntios. HERMAS (s. II): Pastor de Hermas. S. 
INÁCIO de Antioquia (+110): Cartas. S. POLICARPO 
(+146): Cartas. S. CLEMENTE de Alexandria (195) : 
O Pedagogo. S. ATANÁSIO (+373): Vida de S. An-
tão. S. CIRILO (+386): Catequese. S. BASÍLIO 
(+379): Sobre o Espírito Santo. S. GREGÓRIO de 
Nicéia e GREGÓRIO de Nazianzo. S. JOÃO CRI-
SÓSTOMO (+407): Homilias; Sobre o Sacerdócio. 
DIONÍSIO AREOPAGITA (500): A Mística Teologia. 
S. JOÃO CLÍMACO (+649): Escada do Paraíso. DIÁ-
DOCO (s. V): Perfeição Espiritual. S. MÁXIMO 
(+662): Livro Ascético. S. JOÃO DAMASCENO 
(+749): Paralelos Sacros. 
 -Ressalto aqui o Pseudo-Dionísio Areopagita, 
que foi seguido, comentado por Máximo Confessor e 
João Crisóstomo, e teve influência em toda Idade 
Média com sua doutrina sobre a mística e os anjos. 
 
 9
PATROLOGIA LATINA 
S. CIPRIANO (+258): escreve Sobre as virgens; 
O Pai-nosso; Os lapsos. S. AMBRÓSIO (+397): So-
bre os ministros; Sobre as virgens; Sobre as viúvas. 
S. JERÔNIMO (+420): Cartas; Tradução da Bíblia. 
STO. AGOSTINHO (+430): Confissões. CASSIANO 
(+433): Os Cenobitas; Conferências. S. LEÃO (+461): 
Sermões. S. GREGÓRIO (604): Livros Morais; Co-
mentário de Jó. S. ISIDORO de Sevilha (+636): Re-
gra dos Monges. S. BENTO (480-543) deixou sua 
célebre “Regra” para seus monges. Com razão é 
chamado “Pai dos Monges”, “Patriarca do Ocidente”. 
Enfrentou “com a cruz e o arado”, os bárbaros, com o 
lema: “Ora e trabalha”. “Nobre que se fez camponês, 
fundou a nova Europa”. 
IDADE MÉDIA 
Séculos 8º-9º : S. BEDA, Venerável (+735): Ho-
milias. S. TEODORO Estudita (+826): Catequese. 
JOÃO Aurelianense (+843): Manual para leigos. Ab-
don SMARAGDO (+843): Vida de S. Bento. S. PE-
DRO DAMIÃO (+1072): Cartas e Sermões. SIMEÃO, 
o Teólogo: Sermões. 
Escola Beneditina: Sistematiza elementos da es-
piritualidade dos séculos anteriores: Sto. ANSELMO: 
(+1109): Meditações, Orações. S. BERNARDO 
(+1153), da abadia de Cister: Sermões e vários escri-
tos espirituais. Pregador da Segunda Cruzada. Sta. 
HILDEGARDA (+1179), Sta. GERTRUDES, Sta. MA-
TILDE, Sta. BRÍGIDA: Revelações. JOÃO DE CAS-
TEL, LUÍS BARBO (+1443). 
 10
Escola de s. Vítor: Herdeira da espiritualidade de 
Sto. Agostinho e de Dionísio Areopagita, com ten-
dências platônicas e alegóricas: HUGO DE S. VÍTOR: 
(+1141): Hierarquias de Dionísio, Regra de Sto. A-
gostinho. Escreveu sobre os temas: mundo, caridade, 
oração, amor dos esposos, meditação. 
Escola Cartuxa: Começa no séc. XII, com dois 
priores de nome Guido. Depois há vários escritores, 
como DIONÍSIO, o Cartuxo (+1471), LANSPÉRGIO 
(+1539). Essa escola insiste na vida solitária e con-
templativa. 
Escola Dominicana: Conhecida pela boa base 
doutrinal, oração litúrgica e contemplação. É a Ordem 
dos Pregadores de S. DOMINGOS (+1221), que aco-
lheu S. ALBERTO (+1280): Comentário a Dionísio 
Areopagita, Marial. Sto. TOMÁS DE AQUINO 
(+1274): Summa Theologica, Comentários à Bíblia, 
Dionísio Areopagita etc. MESTRE ECKART: (+1327), 
JOÃO TAULER (+1361) e HENRIQUE SUSO 
(+1366). Sta. CATARINA DE SENA (+1380): Diálogo. 
S. VICENTE FERRER (+1419): Tratado da Vida Espi-
ritual. Sto. ANTONINO (1459): Regra da Vida Cristã. 
JERÔNIMO Savonarola (+1498): Tratado da Humil-
dade. DOMENICO CAVALCA: Espelho da Cruz. 
TORQUEMADA: Meditações, Questões Espirituais. 
BEATA OSANA (+1505): Livro de sua Vida. 
Escola Franciscana: Doutrina do amor, da pobre-
za, da abnegação. Ordem Mendicante. S. FRANCIS-
CO (+1226): Opúsculos. Sto. ANTÔNIO (+1231): 
Sermões. S. BOAVENTURA (+1274): Itinerário da 
Mente a Deus. Com suas obras teve muita influência 
 11
na mística posterior. Beato RAIMUNDO LULLO 
(+1315): Livro do Amigo. S. BERNARDINO (+1444): 
Sermões; propaga a devoção ao Nome de Jesus. B. 
ÂNGELA DE FOLIGNO (+1309): Livro das Visões. 
Sta. CATARINA DE BOLONHA (+1463): Revelações, 
As sete armas espirituais. 
Escola Independente: Acolhe escritores místicos: 
RUYSTROECK (+1381): Espelho de salvação e ou-
tras obras. GERARDO GROOT: (+1384), TOMÁS DE 
KEMPIS: (+1379): Imitação de Cristo: o livro espiritual 
mais lido no mundo. S. LOURENÇO Justiniano 
(+1455), reformador: Os graus de perfeição e muitas 
outras obras. W. HILTON (+1396), chefe da escola 
inglesa: Escada da Perfeição. JOÃO GERSON 
(+1429): Livro da vida espiritual e outras excelentes 
obras. Sta. CATARINA DE GÊNOVA (+1510): Diálo-
go do Amor Divino. 
IDADE MODERNA 
Às escolas antigas ajuntam-se novas, que atuali-
zam a espiritualidade e codificam a mística. Adotam o 
apostolado ante as novas heresias e novas terras 
descobertas. Acolhem uma plêiade de escritores de 
renome e muitos santos. 
Escola Beneditina: LUÍS BLÓSIO (+1566): Institu-
ição da vida espiritual. GARCIA DE CISNEROS 
(+1510): Exercícios da vida espiritual, livro que inspi-
rou Sto. Inácio. ARMANDO RANCÉ (+1700): funda-
dor dos trapistas: Santidade e deveres da vida mo-
nástica. CARDEAL BONA (+1674): O discernimento 
dos espíritos. DOMINGOS SCHRAM (+1720): Institu-
ições da teologia mística. D. GUERANGER (+1875): 
 12
reformador da Ordem e da Liturgia: Ano Litúrgico. D. 
COLUMBA MARMION (+1923): abade de Mared-
sous, grande autor místico: Jesus Cristo, vida da al-
ma. D. CHAUTARD (+1936): Alma de todo apostola-
do. D. ANSELMO STOLZ (+1942): Teologia da Místi-
ca. D. GERMANO MORIN (1931): O ideal monástico. 
Escola Dominicana: Ganhou prestígio com a volta 
a Sto. Tomás. Sta. CATARINA de Ricci (+1590): Car-
tas. MELQUIOR CANO (+1560): Vitória de si mesmo. 
LUÍS DE GRANADA (+1588): Guia dos pecadores e 
outras obras com numerosas edições. BARTOLO-
MEU DOS MARTIRES (+1590), de Braga: Compên-
dio da doutrina espiritual. JOÃO DE STO. TOMÁS 
(+1664), o melhor comentarista de Sto. Tomás de 
Aquino, principalmente sobre os dons do Espírito 
Santo. CONTENSON (+1674): Teologia da mente e 
do coração. H. LACORDAIRE (+1861): Vida de S. 
Domingos. A. GARDEIL: (+1931): A estrutura da al-
ma. J. ARINTERO (+1928): restaurou os estudos 
místicos: Evolução mística; Questões místicas. H. 
PETITOT (+1934): Introdução à santidade; Sta. Tere-
sinha. GARRIGOU LAGRANGE: grande autor espiri-
tual moderno: As três idades da vida interior; Perfei-
ção cristã e outras muitas obras. M. PHILIPON: Dou-
trina espiritual de Isabel da Trindade (1937). 
Escola Franciscana: Deu muitos missionários pa-
ra as Américas, Oriente, e também muitos escritores 
e santos. ALONSO de Madri (+1521): Arte de servir a 
Deus. S. PEDRO DE ALCÂNTARA (+1562): Tratado 
da oração. Fr. de OSUNA (+1540): Abecedário espiri-
tual, que usou Sta. Teresa. JOÃO DE LOS ANGELES 
(+1609), dos maiores místicos franceses francisca-
 13
nos: Triunfos do amor de Deus. MARIA DE AGREDA 
(+1665): Mística cidade de Deus. S. VERÔNICA JU-
LIANI (+1727): Diário. CARDEAL VIVES: Compêndio 
de teologia ascético-místico. DENDERWINDEKE: 
Compêndio de teologia ascética (1921). 
Escola Agostiniana: Inspirada em Sto. Agostinho. 
Sto. TOMÁS DE VILA NOVA: (+1555): Sermões. B. 
ALONSO de Orozco (1591), místico: Vergel de ora-
ção. TOMÉ DE JESUS (+1582): Trabalhos de Jesus, 
obra célebre. TOMÁS RODRIGUEZ e GRACIANO 
MARTINEZ: comentam Sta. Teresa. CÉSAR VACA: 
Guia das almas. A vida religiosa em Sto. Agostinho. 
Escola Carmelita: Espiritualidade do “tudo de 
Deus, nada da criatura”. Sta. TERESA (+1582): o 
grande nome desta escola. Muitas obras: Caminho 
da Perfeição, etc. S. JOÃO DA CRUZ, autor de exce-
lentes obras místicas: Subida do Monte Carmelo, 
Chama do Amor, Cântico Espiritual. Vários outros au-
tores: João de Jesus Maria, José de Jesus, Maria da 
Encarnação, Ana de S. Bartolomeu, Margarida Acari-
e, Tomás de Jesus, Nicolau de Jesus, Filipe da Ss. 
Trindade, Antônio do Espírito Santo, Honorato de Sta. 
Maria, José do Espírito Santo. Excelente a coleção 
de Teologia de SALAMANCA. Duas grandes santas: 
Sta. TERESINHA e ISABEL DA TRINDADE. 
Escola Salesiana: inspirada em S. FRANCISCO 
DE SALES (+1622), autor de obras de grande influ-
ência: Introdução da Vida Devota, Tratado do Amor 
de Deus. Sta. JOANA DE CHANTAL (+1641),funda-
dora da Visitação. Sta. MARGARIDA MARIA ALA-
COQUE (+1690), confidente do Coração de Jesus: 
 14
Autobiografia. S. JOÃO BOSCO (1888): Opúsculos. 
J. TISSOT (+1894): A vida interior simplificada. H. 
CHAUMONT (+1896): Direções espirituais. F. VIN-
CENT: S. Francisco de Sales. 
Escola Francesa: Apresenta uma espiritualidade 
muito rica, centrada no Verbo encarnado e na incor-
poração a Cristo. CARDEAL BERULLE (+1629), fun-
dador do Oratório: Discursos das grandezas de Je-
sus. C. CONDREN (+1641): A idéia do sacerdócio. F. 
BOURGOING: Verdade de Jesus Cristo. S. VICENTE 
DE PAULO (+1660), fundador dos Lazaristas e das 
Filhas da Caridade. J. OLIER (+1657), fundador da 
Companhia de S. Sulpício, grande mestre espiritual 
francês: Catecismo da vida interior. L. BAIL (+1669): 
Teologia afetiva de Sto. Tomás. S. JOÃO EUDES 
(+1680), devoto dos Sagrados Corações: Vida e rei-
nado de Jesus. S. LUÍS G. DE MONTFORT (+1716): 
Tratado da verdadeira devoção à V. Maria. S. JOÃO 
B. DE LA SALLE (+17l9), das Escolas Cristãs. Escre-
veu: Explicação do método de oração. P. LIBER-
MANN: escritos sobre oração e vida interior. MONS. 
GAY: Vida e virtudes cristãs. J. RIBET: Mística divina. 
C. SAUVÉ: Elevações dogmáticas. A. TANQUEREY: 
Compêndio de Ascética-Mística, do qual aqui usare-
mos muito. 
Escola Inaciana: Originada dos Exercícios Espiri-
tuais, é uma escola de disciplina religiosa, prática, 
missionária, ascética e metódica. Sto. INÁCIO 
(+1556): Além dos “Exercícios”, deixou Diário, Consti-
tuições, Cartas. S. FRANCISCO XAVIER (+1552): 
belíssimas cartas. S. FRANCISCO DE BORJA 
(+1572): Meditações, Diário. ALONSO RODRIGUEZ 
 15
(+1616): Exercícios da Perfeição. Sto. AFONSO RO-
DRIGUEZ: de altíssima contemplação: Opúsculos 
místicos. F. SUAREZ (+16l7): Virtude e estado religi-
oso. ALVARES DE PAZ (l620): A vida espiritual. S. 
ROBERTO BELARMINO (+1621): Ascensão da men-
te a Deus. LUÍS DE LA PUENTE (+1624): Medita-
ções, Guia Espiritual. L. LALLEMANT: Doutrina espi-
ritual. E. NIEREMBERG : Apreço da divina graça. Jo-
ão SURIN : Fundamentos da vida espiritual. B. 
CLÁUDIO DE LA COLOMBIERE (+1682): Diário dos 
retiros. P. SEGNERI (1694): Concórdia. . . (contra 
Molinos). J. B. SCARAMELLI (+1752): Diretórios. A. 
POULAIN (+1918): Graças da oração. R. MAU-
MIGNY: considera a mística como algo extraordiná-
rio, anormal. L. GRANDMAISON: Escritos espirituais. 
J. MARECHAL: Estudos sobre a psicologia mística. J. 
DE GUIBERT (+1942): Teologia Espiritual Ascética e 
Mística. 
Autores Independentes: principalmente do clero 
diocesano. S. JOÃO D´ÁVILA (+1569): Audi filia. Sta. 
Teresa admirava-o muito. S. ANTÔNIO ZACARIAS 
(+1539), fundador dos barnabitas: Cartas. S. FILIPE 
NÉRI (1595): fundador do Oratório: Cartas. L. ESCU-
POLI (+1610): Combate Espiritual. B. JOÃO DA 
CONCEIÇÃO: reformador dos Trinitários: Obras. S. 
MIGUEL DOS SANTOS: Breve tratado. MARIA DA 
ENCARNAÇÃO, ursulina: Cartas. B. BOSSUET 
(+1704): Elevações; Meditações; Sermões. F. FENE-
LON : (+1715): Explicação das Máximas dos Santos. 
P. LAMBERTINI, futuro Bento XIV: Beatificação e ca-
nonização. S. PAULO DA CRUZ (1775), fundador 
dos passionistas: Cartas. Antônio ROSMINI (+1855): 
 16
 
Máximas de perfeição. S. JOSÉ CAFASSO (+1860): 
Meditações; Instruções. F. G. FABER: Tudo por Je-
sus. S. JULIÃO EYMARD: O Ss. Sacramento. Sto. 
ANTÔNIO CLARET, fundador dos claretianos: Esca-
da de Jacó; Avisos; Regras do Espírito. A. CHEVRI-
ER: O padre segundo o evangelho. F. DUPANLOUP: 
Diário Íntimo. Cardeal NEUMANN: Sermões; Apolo-
gia; Meditações. Cardeal MANNING: O sacerdócio 
eterno. J. SCHEEBEN: As maravilhas da graça. Car-
deal GIBBONS: O embaixador de Cristo. M. 
d´HULST: Retiros sacerdotais. Sta. GEMA GALGANI, 
leiga: Cartas e êxtases. C. de FOUCAULD: Escritos 
espirituais. Cardeal MERCIER: A meus seminaristas. 
E. LESEUR (+1914): Vida espiritual; Diário; Cartas. A. 
SAUDREAU, bom autor: Os graus da vida espiritual. 
M. GRABMANN: Mística Católica. J. MARITAIN: 
Graus do saber; Vida de oração.1
Escola Ligoriana: Sto. AFONSO M. DE LIGÓRIO 
(+1787), fundador dos redentoristas, moralista, mes-
tre espiritual de numerosas obras sobre N. Senhora, 
o Santíssimo Sacramento, a oração, o amor de Deus, 
a Paixão2. J. SARNELLI (+1744): O mundo santifica-
do. MARIA CELESTE CROSTAROSA, mística, fun-
dadora das Irmãs Redentoristas: Autobiografia. A. 
DESURMONT (+1898): A caridade sacerdotal e ou-
tras obras. J. SCHRIJVERS (+1945): Os princípios da 
vida espiritual. SAINT OMER: Escola da Perfeição 
 
1 Ver A. TANQUEREY, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Porto, 
1932, Ed. Apostolado, p. XIII-XLVIII. ROYO MARIN, Teologia de la Perfectión 
Cristiana, Madrid, 1962, BAC. p. 1 – 24. 
2 Obras de Sto. Afonso em português: Veja Catálogo da Ed. Santuá-
rio,em http://www.redemptor.com.br/site/index.php?id_secao=26 
http://www.redemptor.com.br/site/index.php?id_secao=26
 17
Cristã. No Brasil, tiveram muita influência os livros de 
meditação de T. CRISTINI, L. STIX, BRONCHAIN. 
JOÃO BETTING, GERALDO PIRES e ISAC LORE-
NA: vários livros espirituais de divulgação. 
 18
 I. PARTE 
ASCESE E MÍSTICA 
 
1. D E U S 
 
Sendo que o tema de Deus e da Santíssima Trindade 
é evidentemente tratado em toda a Teologia, em es-
pecial na Teologia Bíblica e Dogmática, trataremos 
aqui apenas de alguns aspectos que interessam mais 
à Teologia Espiritual. Será conveniente, no entanto 
reler os tratados “De Deus Uno e Trino” acessíveis, 
por exemplo, no bom Catecismo da Igreja Católica, 
fruto do Concílio Vaticano II, e em bons manuais. A 
espiritualidade supõe certo nível de conhecimento 
dogmático, bíblico, conhecimento que os místicos 
têm, mesmo sem muita instrução. É bom notar que 
cada santo, místico tem preferência por um aspecto 
de Deus. 
A Santíssima Trindade, o Espírito Santo reapare-
cerão no tratado da mística. Aqui veremos brevemen-
te o aspecto da criação e inabitação, e outros atribu-
tos divinos, ligados principalmente à oração. 
O CRIADOR 
A chamada teologia da criação, a exemplo do 
próprio Jesus, parte da criação do mundo e do ho-
mem e procura ressaltar este aspecto: “Deus viu que 
tudo era bom”. Jesus retomou esta idéia: “No princí-
pio não era assim”, disse do casamento. É o mistério 
 19
 
do cosmos que até hoje assombra os homens, os sá-
bios, e principalmente os crentes em Deus. A con-
templação das criaturas de Deus sempre tem alimen-
tado a religiosidade e a contemplação, como se pode 
ver em S. Francisco e S. João da Cruz (Sl 8; Rm 
1,20s). 
O tema da criação é noção básica para a fé de Is-
rael e nossa. É base do culto: os Salmos não cessam 
de louvar a Deus, pelas maravilhas da criação. S. 
Paulo diz que tudo foi criado por Cristo e em Cristo, e 
que a obra redentora é uma nova criação. A liturgia 
cristã, principalmente a missa, volta sempre a este 
tema: “Bendito sejais, Senhor, Deus do Universo. . .” 
A volta ao paraíso será sempre o ideal, como vemos 
no Apocalipse. 
Filosofia e Teologia escolásticas perguntavam-se: 
o mundo terá fim ou é infinito? É eterno? Onde termi-
na o universo? Einstein era de opinião que o universo 
era curvo, o que resolveria o problema. Os astrôno-
mos explicam a eternidade com a “explosão inicial” 
repetida indefinidamente. Aliás, o número também 
seria infinito? O que haverá lá onde termina o Univer-
so?3 
 Vejamos algumas afirmações e teses básicas da 
Bíblia e da Teologia. 
− Deus fez o homem como rei da criação (Gn 
1,26). Jesus Cristo é o vértice da criação e, com Ele, 
 
3 Veja “Leituras”, mais abaixo. 
 20
o homem criado é recriado: “Domine ... sobre todos 
os animais” (Gn 1,26). 
− O cristão reconhece a bondade de todo este 
mundo criado. Um vínculo profundo une o Criador e 
as criaturas. O homem deve reconhecer que Deus é 
o Criador e Senhor: “Creio em Deus Pai, criador do 
céu e da terra”. Ele enviou seu Filho único ao mundo, 
para recriá-lo, resgatá-lo. O Apocalipse mostraos no-
vos céus e a nova terra: “Vi um novo céu e uma nova 
terra” (Ap 21,1). 
− Ante homens materialistas e ateus, devemos 
proclamar a fé no criador, a exemplo do salmista: 
“Prostremo-nos ante o Deus que nos criou!” (Sl 94). E 
exclamar com Sto. Agostinho: “A beleza mesma do 
universo é como um grande livro!” De S. Francisco 
escreveu Celano: “Em qualquer objeto admirava o 
Autor”. 
− A glória de Deus reverte para a glória do ho-
mem, que ele fez à sua imagem. “Vós o fizestes pou-
co menor que os anjos. De honra e glória o coroas-
tes”. “É incurável o otimismo cristão”, observou al-
guém. Podemos responder que é melhor tal otimismo 
que o pessimismo ante os males “incuráveis” dos 
homens e do mundo. 
A PROVIDÊNCIA 
A palavra providência corresponde no hebraico à 
palavra cuidado (Jó 10,12). O conceito aparece claro 
nos acontecimentos bíblicos: Deus manifesta-se na 
história, marcha à frente de seu povo, olha dos altos 
céus. É causa de tudo, mesmo do mal (Am 3,6). Jó é 
 21
o protagonista do drama da Providência: que fez e 
faz tudo terminar bem. 
 Deus não criou o mundo para deixá-lo como bola 
chutada no meio do campo, comparou alguém. “De 
tudo o que Deus criou, com sua Providência ele cuida 
e tudo conserva” (Denzinger, 3003). “Caso contrário, 
ensina o Catecismo Romano, as coisas recairiam no 
nada”. “É a tua Providência, ó Pai, que dirige o leme” 
(Sb 14,3). 
 O mal no mundo é a objeção antiga: Jó discutiu 
isso com Deus. Não pretendemos aqui dar as respos-
tas usuais. Em espiritualidade, apontam-se os exem-
plos admiráveis de Jesus e dos santos. S. Francisco 
que abençoava o fogo que o cauterizava. Como a-
quela pessoa em doença terminal: “Como Deus é 
bom!” Os tratados, tanto de ascese, como de mística, 
são férteis neste tema. Veremos oportunamente a 
devoção da cruz, que é a resposta final ao eterno 
problema do sofrimento: “Afastai de mim este cálice, 
contudo não se faça a minha vontade”. Mc 14,36. 
 A confiança na Providência, em santos como S. 
Caetano, aparece ligada à pobreza que os santos 
praticaram em grau heróico, como S. Benedito Coto-
lengo. É difícil encontrar santos que não tenham feito, 
da criação e da providência divina, tema de sua ora-
ção. Como S. Francisco com seu célebre Cântico do 
Sol. 
A GLÓRIA 
 Sto. Inácio era devoto da glória de Deus, e colo-
cou-a como dístico de seu escudo: “Para a maior gló-
 22
ria de Deus”. Um tema muito bíblico. A glória enche o 
tabernáculo, o templo, e brilha na criação (Sl 19). Je-
sus possuía esta glória e a passou a seus discípulos: 
“Que eles estejam comigo, para que contemplem a 
minha glória, glória que me destes. . . antes da cria-
ção do mundo” (Jo 17,5.22.24). Ele a manifestou no 
Monte Tabor, nos milagres, na ressurreição. A Litur-
gia endossou essa devoção: “Glória a Deus nas altu-
ras!” 
 
 Cada espiritualidade escolhe, entre os atributos 
divinos, aquele que mais a inspira. Evidentemente 
todas têm base na grande devoção de Jesus: o Pai. 
S. João destaca isso de modo incisivo. A “Oração 
Sacerdotal” e, mais ainda, a sublime oração do Pai 
Nosso são pontos altos desta devoção total. 
 
LEITURAS 
Sto. Agostinho: “O pôr-do-sol dourava a vastidão 
das águas. Perguntei: Ó grande oceano, és tu meu 
Deus? E o bramido das ondas responde: - Não sou; 
suba mais alto. E as estrelas surgiram a brilhar no 
firmamento Perguntei: Sois vós o meu Deus? - Não, 
suba mais alto. E vós, bem-aventurados do céu? 
Fascinado pergunto: Sois vós o meu Deus? - Não, vai 
mais alto. Enfim, chegando ao trono da majestade, da 
luz, da felicidade: SOU EU, disse.” 
S. Francisco, Cântico do Sol : “Louvado sejas, 
meu Senhor, com todas a tuas criaturas, especial-
mente o senhor irmão sol, que clareia o dia. Louvado 
 23
sejas, meu Senhor, pela irmã lua e pelas estrelas que 
no céu formaste, preciosas e belas. Louvado sejas 
pelo irmão vento, pelo ar e nuvens. ” 
Ângela De Foligno: “Vi uma coisa verdadeira, 
cheia de majestade, imensa. Não sei dizer palavra, 
mas, com certeza devia ser o Ser Supremo. Via a Ele 
mesmo, a plenitude, o esplendor, como está no céu. 
De tanta beleza não sei dizer palavra. Era a suma 
Beleza que contém o sumo Bem.” 
P. W. Faber: “Em Deus há profundezas de perfei-
ção para as quais os homens não têm palavras. E há 
em Deus alturas de beleza e glória que ultrapassam 
todo este universo. Perante esta plenitude a criatura 
perde a fala”. 
Isabel de Lisieux: “Sem nada ver com os olhos, 
nem do corpo, nem da alma, eu sentia Deus presen-
te. Sentia seu olhar sobre mim, cheio de suavidade e 
bondade. Sentia-me mergulhada em Deus.” 
P. J. Betting: “O universo estelar é uma vastidão 
sem fim. Indo pelo espaço à velocidade da luz che-
gamos à lua num segundo. Ultrapassamos o último 
planeta em 5 horas. Chegamos à estrela mais próxi-
ma em 4 anos. Nossa galáxia acolhe 100 bilhões de 
estrelas e mede 80 mil anos-luz. Voamos 2 milhões 
de anos-luz até a galáxia mais próxima. Nosso grupo 
contém 17 galáxias. O agrupamento de Hércules con-
tém l0.000 galáxias. Ao todo se calculam 10 bilhões 
de galáxias, contendo cada uma bilhões de estrelas. 
 24
 
Ante tudo isso comenta o P. Brémond: “Sublime bal-
buciar!”4
Jutzi Schulter de Toes (+1292) antecedeu Copér-
nico e Galileu por 200 anos. Esta mística viu do alto a 
terra ”pequena como a palma da mão”, ante o céu 
estrelado. E cada estrela era grande como a terra. 
Beata Alpais (+1211), antes dela, viu a terra sus-
pensa no ar, “redonda como um ovo, rodeada de á-
gua, sendo o sol muito maior”. Ambas precederam o 
astronauta Gagárin por mais de 600 anos, comenta o 
P. J. Betting, na obra supra, p. 36. Tais revelações 
são discutidas na mística. 
 
 
4 J. BETING: Teologia das Realidades Celestes, pg. 21. 
 25
2. O HOMEM 
− Depois de considerar Deus, a espiritualidade 
moderna olha logo o homem, destinatário da revela-
ção, objeto da redenção, do amor de Deus. Enfim, é 
ele o rei da criação, mesmo com todas as limitações 
e misérias. “Ó feliz culpa, que nos mereceu um tal 
Salvador”, canta a Liturgia. 
 Evidentemente, conforme a linguagem antiga, 
homem (homo) significa homem (vir) e mulher. Usa-
mos também aqui mais a antropologia tradicional. É 
esta imprescindível para entender a espiritualidade 
antiga. A espiritualidade atualizada sente dificuldade 
com uma antropologia e psicologia eivadas de mate-
rialismo, que nega a alma e professa o evolucionis-
mo, determinismo. Uma aproximação bíblica também 
cria dificuldades, pela idéia unitária do semita sobre o 
homem, contrário ao dualismo grego tradicional. Com 
efeito, na Bíblia, termos como carne, alma e espírito, 
embora poucas vezes nomeados, têm um sentido 
impreciso para nossa cultura greco-latina. 
 Também para entender os santos e autores da 
bibliografia clássica do início, é preciso conhecer a 
antropologia e psicologia da Patrística e da Escolásti-
ca, usadas na filosofia e teologia. Conceitos como 
composição, potência, virtude do homem, bem como 
aspectos negativos e limitações como: tentação, ví-
cio, pecado, unidade e divisões do homem, e a pró-
pria morte são conceitos estranhos a muitos. Até a 
ressurreição fica difícil de explicar e, mais ainda o 
que diz o Credo: “Desceu aos infernos”. Fica difícil 
também achar um equilíbrio entre otimismo e pessi-
 26
mismo, extremos não raros na filosofia e psicologia 
modernas. O cristão deve estar atento a idéias pouco 
cristãs, freqüentes nos meios de comunicação e na 
literatura em geral. Com a falta do espírito, onde fica 
a espiritualidade? Vejamos primeiro as principais a-
firmações ou teses tradicionais. 
− A alma humana é uma substância espiritual, por 
si independente da matéria; mas, unida ao corpo, 
serve-se do corpo e dos seus órgãos. O “eu” da pes-
soa é união substancial de alma e corpo – matéria e 
forma no jargão escolástico. Assim, a alma é forma 
substancial do corpo, segundo o Concílio de Viena. O 
homem tem o ser de homem, de animal, de vegetal, 
de vivente. Porisso a alma dá ao homem um grau 
essencial de perfeição. E mais, é ele como que uma 
síntese do universo. Foi dito mesmo: “o homem é o 
metro do mundo”. Está entre o universo imenso e o 
vírus. Se pensamos bem, o homem é uma maravilha. 
Venceu os fatores mais adversos à sua sobrevivên-
cia. Venceu com sua força e inteligência. Mesmo 
considerando o evolucionismo, é para admirar como 
o homem superou animais muito mais fortes. Mas os 
biólogos advertem que ele poderá ser vencido pelos 
insetos, micróbios e vírus. . . 
Mas a alma não é imediatamente operativa: ne-
cessita de faculdades, da inteligência e da vontade, 
necessárias para a vida humana. Estas emanam da 
alma sem com ela se confundir. A inteligência tem 
por objeto o verdadeiro; a vontade, o bem. Na al-
ma,inteligência e vontade, o homem assemelha-se 
 27
muito aos anjos e a Deus. Uma santa conta que, ao 
ver uma alma, quis adorá-la, maravilhada. 
− Radicados no corpo estão os cinco sentidos ex-
ternos: são eles os primeiros meios ou instrumentos 
do conhecimento humano. O que eles sentem é obje-
tivamente verdadeiro: os apóstolos viram Jesus, não 
um fantasma. Mas a psicologia moderna alerta-nos 
para os possíveis erros dos sentidos, e dá exemplos. 
As ilusões, pessoais ou coletivas, são um capítulo 
importante da psicologia, da ascese-mística e da teo-
logia; é o caso, por exemplo, das visões. 
− Também há sentidos internos, analisados na 
psicologia: senso comum, memória, fantasia, estima-
tiva. Não é demais alertar para o seu bom uso, tanto 
dos sentidos internos, como externos. Pode radicar-
se aí o mal de diversos gêneros, como veremos opor-
tunamente. É bom lembrar ainda que o sentir humano 
se diferencia do sentir animal, pois o sentir humano é 
informado pela alma racional. Não esquecer que os 
antigos falavam de alma animal e de alma vegetal. 
Como ato humano, o sentir humano, tanto externo 
como interno, pode ser meritório ou pecaminoso. 
Basta lembrar o papel da memória e da imaginação 
na moral e na ascese. 
− O intelecto humano prende-se ao universal, ao 
verdadeiro, ao abstrato (que se abstrai do particular), 
à essência (oposta ao acidente, ao acidental) que, 
por exemplo, é aquilo pelo qual o homem é homem. 
 − A vontade prende-se ao bem e goza de uma 
qualidade essencial: é livre. Isso, mesmo sendo uma 
 28
bela qualidade, traz ao homem enorme responsabili-
dade. A teologia moral e a teologia espiritual ocupam-
se muito disso. 
− A união do corpo e da alma é traduzida em ter-
mos modernos na psicossomática. Esta teoria é im-
portante quando se trata dos distúrbios entre alma e 
corpo, aos quais qualquer fiel e qualquer diretor de 
almas deve estar atento. 
− Há três dimensões na área do conhecimento e 
da vontade, envolvendo sentidos e sentimentos, en-
volvendo os outros, a própria pessoa, o universo e 
Deus. 
A primeira idéia do homem veio de Deus: só a Ele 
compete definir, explicar,interpretar sua obra. “E 
Deus viu que tudo era bom”. Mas o homem errou. 
Deus dotou o homem de dons gratuitos, naturais 
e sobrenaturais, mas graça e pecado estão sempre 
no seu caminho. 
O homem, como criatura humana e filho de Deus, 
tem um destino eterno. Sua alma é imortal. Seu ideal 
é sempre o Paraíso, síntese suprema do bem, da fe-
licidade. O homem naturalmente crê em Deus. Jesus, 
Deus e homem verdadeiro, é o novo Adão, protótipo 
do homem. 
Relembramos que o abandono destas noções 
tradicionais dificulta muito a compreensão de doutri-
nas e fatos da revelação tais como encarnação, a 
pessoa de Jesus, sua morte, “descida aos infernos”, 
ressurreição, juízo particular e juízo final, nossa res-
 29
 
surreição etc. A própria unidade do homem mal se 
explica por funções meramente do cérebro. O que 
constitui o “eu” da pessoa? 
− Veremos adiante como a antropologia cristã é 
fundamental para a cristologia, mariologia e hagiogra-
fia.5 
 
LEITURAS 
Gênesis: “Então o Senhor Deus formou o homem 
do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vi-
da e o homem tornou-se ser vivo. Deus criou o ho-
mem à sua imagem, macho e fêmea os criou” (Gn 2,7 
e 1, 27). 
Jó: “Pereça o dia em que nasci. Porque não morri 
ao deixar o ventre materno? (3,3). (Mas) sei que meu 
Redentor vive e no último dia verei a Deus, meu Sal-
vador” (19,25). 
Eclesiastes: “Vaidade das vaidades! Que proveito 
tira o homem de todo o trabalho? (1,2-3). Por mais 
anos que o homem viva, deve lembrar-se que os a-
nos sombrios serão muitos (11,8). Lembra-te do Cri-
ador, antes que cheguem os dias de achaque (12,1). 
Teme a Deus, pois Ele julgará todas as coisas, mes-
mo ocultas” (12,13-14). 
Tauler: “Ó alma, apressa-te a voltar para casa. 
Esquece tudo que viste cá fora. Vais encontrar Deus 
 
5 R. ZAVALLONI: Le struture umane della vita spirituale, Morcelliana, 1971. 
 30
 
lá dentro. Desocupa o lugar: Onde não estás, Deus aí 
está!” 
Luíza, filha de Luís XV da França, ao ser repre-
endida pela governanta, reclamou : - Não se esqueça 
que sou filha do Rei de França! A governanta, retru-
cou: - E eu sou filha do Rei do Céu!. . . 
S. Catarina de Gênova viu uma alma na graça 
santificante e depois disse: “Se não soubesse que há 
um só Deus, pensaria que era outro Deus !” 
S. João da Cruz, mostrando a divinização da al-
ma: “Deus comunica à alma seu ser, de sorte que ela 
parece ser Deus mesmo, possuir tudo o que Deus 
possui. Poder-se-ia dizer que a alma mais parece ser 
Deus do que alma” (Subida do Monte Carmelo). 
Isabel da Trindade: “Deus nos criou à sua ima-
gem e semelhança. Tal foi o sonho do Criador: poder 
contemplar-se em sua obra, ver aí brilhar todas as 
próprias perfeições e beleza, como através de um 
límpido cristal. Um louvor de glória é uma alma que 
permanece em Deus.” 
Conclusão: Observe acima o duro realismo da vi-
da, observe a esperança. Também o cristão otimista 
e espiritual terá sempre que mediar entre o super-
homem de Schopenhauer e o homem psico-
analizado de Freud, entre o naturalismo de Pelágio e 
o pessimismo de Lutero.6 
 
6 Boa bibliografia sobre o homem: ALEJANDRO ROLDÁN: Ascética e Psico-
logia, Livro Ibero Americano, Rio, 1969. LÉON BONAVENTURE: Psicologia e Vida 
Mística, Vozes, 1975. 
 31
 3. JESUS CRISTO 
Foi no final da Idade Média que os autores espiri-
tuais e os santos começaram a dar uma orientação 
mais cristocêntrica à espiritualidade. Começam as 
conhecidas devoções ao presépio, Paixão, SS. Sa-
cramento e, tempos depois, ao Coração de Jesus. 
Além de indicar tais meios e outras devoções, deve-
se destacar o papel fundamental de Jesus na santifi-
cação dos fiéis. O princípio é a configuração com 
Cristo. Seremos santos na medida em que vivemos a 
vida de Cristo. São aduzidas três razões: Jesus é 
causa meritória da vida espiritual. É também causa 
exemplar. Exerce um influxo poderoso no Corpo Mís-
tico. 
Os temas cristológicos que interessam à espiritu-
alidade, além de muitos outros que dizem respeito à 
cristologia, são os sugeridos por J. Maritain: 
A VIDA DE CRISTO
O primeiro passo é conhecer bem, pela leitura 
freqüente, os evangelhos. Ler atentamente os outros 
livros do Novo Testamento, principalmente as cartas 
de S. Paulo, onde se pode descobrir as interpreta-
ções teológicas da Igreja Primitiva sobre os fatos 
principais da vida de Jesus: em Belém, Nazaré, vida 
pública, Jerusalém, Judéia, Galiléia, Samaria e final 
de sua vida. Aí veremos seu peregrinar, sua missão. 
Entre muitas interpretações, Paulo vai falar do 
“sacramento escondido. Do mistério de Cristo... no 
qual habita a plenitude da divindade”. Fala da “exce-
lência do conhecimento de Cristo Jesus”. Pedro e Jo-
 32
ão vão demonstrar sua fé, seu amor. Sua alegre es-
perança aparece na sua escatologia e no apocalipse. 
2. CAMINHO, VERDADE E VIDA
Esta foi uma das definições que Jesus deu de si 
mesmo, além das figuras: luz, água, pão. “Ninguém 
vai ao Pai senão por mim”, afirmou categoricamente. 
Eis abase de toda espiritualidade. 
Jesus é a causa meritória, pois mereceu-nos to-
das as graças, santificante e atuais, para a nossa 
salvação e santificação. 
Jesus é a causa satisfatória, como nos lembram o 
batismo, penitência e o sacrifício eucarístico. 
É causa exemplar pois é modelo vivo e perfeito, 
tanto que S. Paulo vai ordenar: “Sede meus imitado-
res como eu sou de Cristo”. Seguindo este princípio 
Tomás de Kempis vai escrever sua célebre “Imitação 
de Cristo”. Os autores espirituais, aliás, demoram-se 
em explicitar as virtudes praticadas por Jesus em 
grau máximo: pobreza, obediência, paciência, fortale-
za, caridade, perdão, pureza, amor aos pobres e aos 
pecadores, oração, veracidade. Todas elas têm e-
xemplos marcantes nos evangelhos. 
 S. Agostinho, em sua grande experiência, escre-
veu: “Mas se o amas, segue-o" (i.é Cristo). 
“Eu o amo, dizes tu, mas por onde o seguirei? -
Queres conhecer o caminho? O próprio caminho veio 
ao teu encontro!” 
 
 33
3. CABEÇA DO CORPO MISTICO
Jesus, o Rabi, queria ser seguido, não só de per-
to por apóstolos e discípulos, mas pelo povo, pela 
multidão. Basta ler o sermão da montanha, as bem-
aventuranças. É, por vezes exigente: na caridade, no 
perdão, no levar a cruz: “Quem quiser ser meu discí-
pulo, tome a sua cruz e siga-me”. “Este é o meu 
mandamento”... A espiritualidade sempre esteve a-
tenta a isso. Os primeiros cristãos eram exigentes 
nestes preceitos. 
4. A VONTADE DO PAI
Jesus várias vezes mostrou-se determinado em 
cumpri-la, tanto que ensinou-nos a rezar: “Seja feita a 
vossa vontade...” E na Paixão: “Não se faça a minha 
vontade mas a vossa”. Em muitos santos fica clara 
esta fé decidida: fazer a vontade de Deus. Viam em 
todos os acontecimentos da vida um sinal desta von-
tade, “beijando a mão que os feria”. 
5. A IMITAÇÃO DE CRISTO
Desde o início, seguir e imitar Cristo tem sido a 
tônica de todas as escolas de espiritualidade, a partir 
do martírio e do deserto. A devoção do presépio, a 
dedicação à vida apostólica, o amor à cruz, à Euca-
ristia. A virgindade, o celibato, a renúncia ao mundo 
foram as tônicas da vida religiosa inicial. A obediência 
levava a ver na vontade dos diretores espirituais e 
dos superiores a vontade de Deus. 
Os leigos talvez sintam dificuldades em imitar, no 
mundo, tais exemplos de vida. Mas não faltam, nos 
últimos séculos, exemplos de santos leigos: Frederico 
 34
Ozanam, Domingos Sávio, Contardo Ferrini, Gema 
Galgani, Ana Taigi, os Videntes de Fátima, Elisabeth 
Leseur, Edel Quin, sem citar os muitos mártires da 
África, Ásia e até no Brasil. Mas os leigos também 
são chamados à santidade, como acentua o Vaticano 
II no Decreto sobre os Leigos, n. 4. Tudo isto mostra 
que é possível esta “união com o Cristo de sua vida”. 
CONCLUSÃO: Jesus é o caminho, verdade e vi-
da, também no que se refere à perfeição cristã: “Eu 
sou a videira e vós, os ramos. Quem fica em mim 
produz muitos frutos”. Jesus é a garantia: “Pai, aque-
les que me deste... estejam comigo, para que vejam 
a minha glória”. Todos os que seguimos de perto o 
Cordeiro estaremos na multidão dos eleitos. 
 
 
 35
4. O ESPÍRITO SANTO 
Falar de espiritualidade é falar do Espírito Santo. 
Nas primeiras páginas da bíblia “um vento impetuoso 
soprava sobre as águas”. 
Jesus logo afirma que “o Espírito sopra onde 
quer”. Esta ação muito subtil e poderosa vai esten-
der-se na História, desde a Igreja primitiva até nossos 
dias, com uma ação privilegiada nas almas místicas. 
Remeto à dogmática e ao CIC quanto às doutri-
nas fundamentais. 
Um motivo, talvez, da dificuldade do Espírito San-
to sejam as imagens muito subtis usadas: a pomba – 
que lembra o Gênesis − e o vento tempestuoso, o 
ruído, as línguas de fogo, fenômenos próprios das 
teofanias. A renovação carismática trouxe de volta o 
Espírito Santo, com seus carismas, seus dons de o-
ração, de línguas, de cura. As Igrejas Orientais têm 
em grande conta o Espírito Santo. Vejamos alguns 
pontos importantes, inclusive para a mística. 
 S. Paulo, citando Is 32,15 diz aos Coríntios que 
todo cristão tem o Pneuma e seus dons (1Cor 12) 
Cita os efeitos extraordinários dos quais dá exem-
plos. Toda a força da comunidade depende dele. Le-
va o fiel a clamar: Abbá, Pai! Dá testemunho que Je-
sus é Filho de Deus (Gl 4,6; Rm 8,14). Sua ação mo-
ve a missão. E ressalta: “O Senhor é o Espírito”. O 
Senhor opera pela força do Pneuma. A unidade dos 
membros é operada por Ele. 
 36
O Espírito Santo, tão importante na teologia ori-
ental, ficou em segundo plano na teologia ocidental. 
O pentecostalismo, tanto evangélico como católico, 
trouxe de volta não só a atenção ao Espírito Santo, 
mas também aos seus dons e carismas: dom de ora-
ção, de cura, de línguas. Este movimento ensina a 
oração no Espírito e a ler a Bíblia. 
SUA FUNÇÃO 
Além da célebre questão da processão, do Pai 
pelo Filho ou do Pai e do Filho, discute-se a função 
do Espírito Santo na economia da salvação. Pergun-
ta-se: a ação da Terceira Pessoa da Santíssima Trin-
dade, na Igreja e em cada pessoa, é exclusiva dele 
ou é comum às Três Pessoas, e atribuída ao Espírito 
Santo? Esta opinião é mais aceita na teologia ociden-
tal 
A doutrina da inabitação do Espírito Santo é pací-
fica, pois escreve S. Paulo: “Não sabeis que sois 
templos de Deus e que o Espírito Santo habita em 
vós?” (1Cor 3,l6; 6,19). 
Já a ação santificadora é explicada de duas ma-
neiras: o Espírito Santo atualiza a ação salvífica de 
Cristo na Igreja e em cada cristão, mas Ele o faz por 
uma ação própria, de causa eficiente, que produz um 
efeito, ou pelo modo expresso com a imagem da ina-
bitação: o Espírito, que se comunica, é dado pelo Pai 
e pelo Filho. 
 É surpreendente quantas vezes o AT refere-se 
ao Espírito de Javé. É mais surpreendente ainda a 
importância dada por Jesus e pelo NT ao Espírito 
 37
Santo revelando-o como Pessoa. Os textos bíblicos 
falam mais claramente da divindade do Espírito Santo 
do que de sua “personalidade”. É uma força ativa pe-
la qual o Pai e o Filho realizam o plano salvífico. 
 SUA AÇÃO 
A teologia da graça e da justificação fala de um 
dom não criado, que é a inabitação, e de um dom cri-
ado, nova realidade e qualidade permanente no ínti-
mo do homem, que é a graça santificante. 
 Mateus e Marcos sublinham mais o lado extraor-
dinário: o Espírito é força de Deus. Frisam o aspecto 
neotestamentário: Jesus possui o Espírito. O Senhor 
ressuscitado dá a força do Espírito, que aparece no 
dom das línguas, nas profecias, no anúncio. S. Paulo 
mostra o Espírito com base na vida cristã: determina 
a sua existência. 
 O termo Pneuma tem sentido heterogêneo: é de 
Deus, do Cristo, do Senhor, é Espírito Santo. Toda a 
força da comunidade depende dele. Ele leva o fiel a 
clamar Abbá, Pai! Dá testemunho que Jesus é Filho 
de Deus (Gl 4,6; Rm 8,14). Sua ação move a missão. 
Os frutos do Espírito são normais no cristão (Gl 5,22). 
João fala do Espírito da verdade (Jo 14,17). Co-
mo Jesus, também o Espírito é enviado pelo Pai para 
ensinar, testemunhar, dar vida (Jo 7,36). O Paráclito, 
Advogado, Intercessor, é chamado de outro Paráclito 
(Jo 14,16). Jesus, que era o Intercessor, envia outro 
Consolador. João ainda alude ao Espírito quando cita 
os “rios de água viva” que jorram de Cristo. Um teó-
logo comenta: “O que Jesus foi para os discípulos, o 
 38
Espírito é para a Igreja”. Outro acrescenta: “Jesus foi 
para o céu e deixou Igreja e mundo para o seu divino 
Espírito operar”. 
 O Espírito é identificado com o Amor: “Deus é 
amor e o que vive no amor permanece em Deus e 
Deus nele" (Jo 14,23). Deus habita dentro da alma 
em graça. Esta é uma verdade que tem ocasionado 
lindas páginas dos melhores escritores espirituais. 
Pelos dons da sabedoria, ciência, inteligência faz ele 
dos místicos verdadeiros sábios, mesmo sem estudo, 
como aconteceu com S. Geraldo, Sta. Teresinha e 
muitos outros santos. 
OS DONS DO ESPÍRITO 
Este tratado interessa sumamente à mística, quetrata especialmente dos dons. O Espírito Santo é 
chamado Dom do Deus Altíssimo no hino “Veni, Cre-
ator”. Mas ele próprio dá seus sete dons, cumprindo a 
profecia de Isaías cap 11: “Sairá um rebento do tron-
co de Jessé. Repousará sobre ele o Espírito do Se-
nhor, espírito de sabedoria e discernimento, espírito 
de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e 
temor do Senhor”. 
 Deve-se notar que, embora o texto seja messiâ-
nico, a Tradição estende-o aos fiéis em Cristo. Toda 
a perfeição em Cristo encontra-se nos seus mem-
bros, se é algo comunicável. Os dons serão tratados 
especialmente na mística. 
AS BEM-AVENTURANÇAS 
São mais perfeitas que os frutos: são o ponto 
culminante do Sermão da Montanha. Foram elas cer-
 39
tamente que inspiraram a vida religiosa, principal-
mente a monacal, pois, para quem se acha fraco nes-
te mundo, o melhor é afastar-se dele, fugindo se ne-
cessário da ocasião próxima do pecado, como manda 
a Moral. A só leitura das oito bem-aventuranças insi-
nua isso e o grau de perfeição que elas exigem. 
“Bem-aventurados os pacíficos. . . os puros de cora-
ção. . . os que choram. . . os pobres de espírito, os 
misericordiosos, os mansos, os que têm fome e sede 
de justiça, os perseguidos” (Mt 5, 3-10). 
Sto. Tomás faz admirável exposição das bem-
aventuranças na sua Summa Theologica, I II, 69, 3- 
4. Mostra como correspondem às virtudes teologais e 
morais. E diz que a oitava bem-aventurança, a dos 
perseguidos, é a mais perfeita, pois abarca as outras 
no meio das maiores dificuldades. 
 
 OS FRUTOS 
Os frutos distinguem-se dos dons, como os frutos 
dos ramos. São estudados com relação às virtudes, 
como veremos logo. Sto. Tomás (II-II, 8, 7) estuda 
detalhadamente os frutos, relacionando-os com as 
bem-aventuranças e dons. Assim, a fé e a alegria 
correspondem ao entendimento e à segunda bem-
aventurança, à qual corresponde também o dom da 
ciência. À terceira bem-aventurança correspondem o 
dom do temor e os frutos da continência e castidade. 
E assim Sto. Tomás vai tecendo um nexo muito razo-
ável das bem-aventuranças, dons e frutos, mostrando 
também os vícios opostos. 
 40
 Os doze frutos são: fé, alegria, continência, cas-
tidade, caridade, gozo espiritual, paz, bondade, be-
nignidade, mansidão, paciência e longanimidade. Os 
teólogos mostram a diferença entre eles, indicando 
os correspondentes em grego, ou latim. Nem sempre 
as línguas atuais dão a acepção exata dos termos 
originais. 
O AMOR 
“Deus é amor”, proclama Primeira Carta de João. 
E o amor é justamente atribuído ao Espírito Santo. 
Tudo o que se diz do amor diz-se também do Divino 
Espírito, inclusive o Hino da Caridade de 1Cor 13: 
“Aspirai aos dons mais altos. Ainda que eu fale a lín-
gua dos homens e dos anjos. . . se não tivesse a ca-
ridade eu nada seria. Agora permanecem fé, espe-
rança e caridade. A maior delas, porém, é a caridade” 
Vendo, nos Documentos Autobiográficos, o belo tes-
temunho de Sta. Teresinha sobre este tema, vê-se 
bem como, iluminada pelo Espírito Santo, descobriu o 
caminho certo e ensinou-o aos doutores, tornando-se 
ela mesma Doutora. “Eu serei o Amor”, proclamou 
ela. 
 Terminando, a piedade tradicional faz muito em 
ensinar-nos a rezar sempre: “Vinde, Espírito Santo, 
enchei o coração dos vossos fiéis” ou: “A nós descei, 
Divina Luz, em nossas almas acendei o amor de Je-
sus”. Uma simplicidade que muito nos ensina. 
 
 41
 
LEITURAS 
 Os Santos Padres, principalmente orientais, têm 
constantes e excelentes testemunhos sobre a Santís-
sima Trindade e o Espírito Santo presentes em nós. 
 Sto. Inácio de Antioquia chama os cristãos de 
theóphoroi, ou portadores de Deus. Sta. Luzia: “As 
palavras não podem faltar àqueles que têm em si o 
Espírito Santo”. S. Basílio: “O Espírito Santo, por sua 
presença, torna-nos mais e mais espirituais e con-
formes à imagem do Filho Único.” Sto. Ambrósio diz 
que o recebemos no batismo. Sto. Agostinho: “Não 
só a graça, mas Deus nos deu o Santo Espírito e 
seus sete dons. Sto. Epifânio: “O Espírito Santo, que 
falou nos apóstolos e habita nos santos...”7
Sto. Tomás: “Os dons distinguem-se das virtudes: 
estas realizam atos de um modo humano; os dons, 
de modo sobrenatural. Assim, os dons são superiores 
às virtudes: agem de modo mais alto. Os dons me-
dem-se por regra distinta daquela da virtude humana: 
a divindade, participada pelo homem, para que não 
opere humanamente, mas por Deus. O dom não é 
mais perfeito em todas as condições, mas no modo 
de operar” (III das Sentenças, d. 34, q. 1 e seguintes). 
Leão XIII: “O justo, que vive da vida da graça e 
opera pelas virtudes, tem absoluta necessidade dos 
sete dons. Por eles o espírito do homem fica elevado 
e apto para obedecer com mais facilidade e presteza 
às inspirações e impulsos do Espírito Santo. São eles 
 
7 GARRIGOU-LAGRANGE, Les trois âges . . . , cap. IV, pg. 129s. 
 42
de tal eficácia que conduzem ao mais alto grau de 
santidade: permanecerão integralmente no céu” (Di-
vinum illud Munus, final) 
Paulo VI: “À cristologia e à eclesiologia do Concí-
lio devem suceder um novo estudo e um novo culto 
do Espírito Santo”. (Audiência de 6-6-1973) 
Cardeal Suenens: “Creio chegada a hora para 
nós, latinos, pormos em relevo o lugar e função do 
Espírito Santo, porque os orientais sempre deram im-
portância a esta doutrina. ” (O Espírito Santo, nossa 
Esperança, pg. 15) 
 
 43
5. A IGREJA 
Este tema, muito rico, geralmente é remetido para 
a Eclesiologia, parte da Teologia Dogmática. Aqui 
entendemos por Igreja tanto a Igreja universal, como 
a particular, local e mesmo as comunidades. 
 Na vida concreta, tanto cristã como espiritual, a 
idéia de Igreja é a pedra de toque para a vida cristã e 
espiritual. Assembléia, esposa, mãe, mestra, escola 
de fé, amor e muita esperança, e fonte de todas as 
virtudes, tem chamado a atenção do mundo. Talvez 
bastasse ler a “Lumen Gentium”, a Constituição sobre 
a Igreja, mas cito um exemplo: J. Maritain, que era 
conhecido na Igreja, recolheu-se como leigo na hu-
milde comunidade dos Irmãozinhos de Jesus. São 
dele as teses que seguem, sobre a Igreja. 
1. Os membros da Igreja, nesta terra, são todos 
pecadores, mas a Igreja é sem pecado. 
2. A Igreja tem personalidade: é uma pessoa. 
3. É infalível. 
4. É a plenitude do Cristo: o pléroma. 
5. É penitente e sofredora. 
6. A Igreja está no tempo e na glória. 
7. Pedro é a autoridade espiritual e temporal. 
8. A Igreja tem uma estrutura. 
9. Tem presença visível e invisível. 
10. A pessoa da Igreja é indefectível; as pessoas, 
não. 
11. Ela tem uma História. 
12. Deve-se distinguir entre Igreja e pessoas da 
Igreja. 
 44
Dentro destas teses estão as experiências positi-
vas e negativas de cada um e da História. Quer quei-
ramos ou não, é dentro dela que temos nossa salva-
ção e santificação: “Fora da Igreja não há salvação!” 
É a nova Arca no dilúvio deste mundo. 
Talvez alguém se sinta rejeitado, mal amado na 
Igreja: não se esqueça das rejeições clássicas, a co-
meçar com Jesus. Santa Joana d‘Arc foi condenada 
pelo tribunal eclesiástico e pelo bispo. Galileu foi 
condenado pelo Santo Ofício. S. Afonso foi excluído 
da sua Congregação pelo Papa. 
Que leigo ou clérigo não se sentiu excluído na 
sua comunidade ? Quem não encontrou pessoas que 
apontam erros na comunidade como causa do seu 
afastamento ? A própria eucaristia, que é o ápice da 
unidade, não é causa de separação ? Comunidade 
de santos e pecadores! Problemas análogos se de-
ram com os Papas do último século. 
A exemplo dos santos, a única atitude de quem 
aspira à perfeição é demonstrar respeito e amor pe-
los que dirigem a Igreja. S. Paulo pede aos tessaloni-
censes “consideração pelos superiores e guias no 
Senhor... amor especial por causa de seu trabalho” (1 
Ts.5,l2s). A obediência é virtude do próprio Cristo. 
Vimos o exemplo de S. Afonso acima. Sua resposta: 
“Vontade do Papa, vontade de Deus!” É assim queprocediam os santos. 
 45
 
6. MARIA 
MARIA, EXEMPLO DE PERFEIÇÃO. 
A Mariologia trata dos aspectos teológicos bási-
cos de Maria, como os privilégios da Imaculada Con-
ceição e da Maternidade Divina, das virtudes, da in-
tercessão, do culto. Aqui trataremos apenas de dois 
aspectos: Maria, como modelo de perfeição e culto 
mariano. Isto é, veremos como Maria se reflete em 
nossa vida e como podemos responder com nossa 
devoção. 
Maria, por assim dizer, está entre Jesus e os san-
tos, como exemplo de mulher simples de Nazaré, 
mas mulher cheia de fé em Deus, e de confiança em 
Jesus, seu filho. A Mariologia, em seus princípios, foi 
tratada com especial atenção no célebre capítulo VIII 
da Constituição Lumen Gentium e, assim, inserida no 
conjunto da Igreja. O culto mariano foi objeto da exor-
tação de Paulo VI, Marialis Cultus, de 1974. 8 
Em que sentido Maria é exemplo de santidade e 
perfeição para nós? A pergunta é muito pertinente 
pois, se olharmos Maria como Mãe de Deus, Imacu-
lada, Sempre Virgem, Perfeitíssima, Assunta aos 
Céus, sua vida e exemplos podem parecer inacessí-
veis. A Lumen Gentium tratou indiretamente desta 
questão quando fala da missão de Maria na econo-
 
8 É enorme a bibliografia mariana, nem sempre acessível em portu-
guês. Indicamos: SANTO AFONSO: Glórias de Maria Santíssima, Ed. Santuário. 
RANIERO CANTALAMESSA: Maria, um espelho para a Igreja, Ed. Santuário, 
1992. CARLOS IGNACIO GONZÁLES: Maria, evangelizada e evangelizadora, Ed. 
Loyola, 1990. RENÉ LAURENTIN: A questão marial, Ed. Paulistas, Lisboa, 1966. 
JOSÉ CEGALLA: Maria, exemplo do cristão, Ed. Santuário, 1976. 
 46
mia da redenção e na Igreja. Daí que certamente ela 
realizou esta missão com excelentes exemplos de 
sua vida de fé e virtudes, embora filha humilde do 
Povo de Israel. 
Mostra-se isso: 
− Num sentido muito humano, como mulher sim-
ples e pobre, Maria é exemplo de virgem, esposa e 
mãe e, podemos acrescentar, de viúva, depois da 
morte de José. 
− Não é difícil mostrar que foi exemplo de fé e 
confiança, como na Anunciação, no Calvário, onde 
mostrou também sua esperança e caridade, como na 
Igreja nascente. 
− As virtudes morais brilharam em sua vida: a 
humildade, que ela demonstrou no “Magnificat”, sua 
fortaleza. Foi mulher sábia, prudente e justa: “Porque 
fizeste assim conosco?” Seu amor materno aparece 
na cena em que procura Jesus, e na cruz. 
− Como se isso não bastasse, podemos ressaltar 
aqui gestos, palavras, atitudes suas, no sentido bíbli-
co e, especialmente, evangélico. 
Maria é a cheia de graça, que nos ajuda a encon-
trar a graça. Como disse S. Bernardo: “Senhora, a-
chaste graça não só para ti, mas para todos nós”. Es-
ta graça ela foi logo levar a João Batista e Isabel. 
Maria, com os anjos em Belém, dá glória a Deus: 
ali está o Messias, o Salvador, o Príncipe da Paz que 
Ela veio trazer aos homens “a quem Deus quer bem”. 
É a oração de louvor sempre em seus lábios. 
 47
Proclamada “bendita entre as mulheres”, “sua al-
ma engrandece ao Senhor” que “olhou a humildade 
de sua serva”, canta, repetindo o cântico da mãe de 
Samuel, onde aparece a mensagem da libertação, do 
goel libertador. 
Aquela que acreditou, mesmo nas ocasiões mais 
difíceis de sua vida: por isso é proclamada feliz. A 
devoção mariana traz paz, felicidade a seus devotos. 
“Conceberás e darás à luz um filho”: quis ela rea-
lizar-se apenas como virgem, um ideal único em Isra-
el: Deus a fez realizar-se também como esposa e 
mãe. Nisso tudo é exemplo cabal “entre as mulhe-
res”. Seus filhos tornam-se também pais e mães espi-
rituais. 
“Meu filho!”: belo título que Maria dirigiu a Jesus, 
que lhe indicou logo a “vontade do Pai”. Assim se re-
vela a missão de Jesus e de Maria, mais importante 
que a vida em Nazaré, onde vão mostrar obediência 
e trabalho. De onde certamente irão “todos os anos” 
em romaria a Jerusalém, como observantes da Lei. É 
ali que, durante trinta anos, Maria nos ensina a mis-
são de esposa e mãe. 
“Quem é minha mãe?”, pergunta Jesus. E logo 
responde: “Aquele que ouve minha palavra e a põe 
em prática”, o que vale perfeitamente a Maria. Não 
dissera ela: “Faça-se em mim segundo a tua pala-
vra”? 
“Junto à cruz”: foi o seu sacrifício máximo. A nova 
Eva não podia estar longe da árvore da cruz e, em 
vez de dialogar com a serpente, ouvir as filiais pala-
 48
vras: “Eis aí tua mãe!” Da árvore da cruz colhe o 
“bendito fruto” da salvação. Ela, primeiro que os dis-
cípulos, “toma a cruz” e segue Jesus na via-sacra. 
“Mulher”: uma palavra rica em significado bíblico 
na boca de Jesus. Adão é homem; Maria é mulher, 
que colhe os frutos da vida e se torna mãe espiritual 
de todos nós. 
Mãe da esperança: o evangelho não conta, mas 
certamente, como toda mãe que perdeu um filho vio-
lentamente, vigiou duas noites, esperando a ressur-
reição: “ao terceiro dia eu ressuscitarei”. 
“Perseverante na oração”, com os apóstolos, com 
a Igreja nascente. Recebe o Espírito Santo, segundo 
a promessa: “O Espírito Santo descerá sobre ti e o 
poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. Co-
bre-a agora com a luz das línguas de fogo. Cheia de 
graça, ficará ela cheia do Espírito do Altíssimo. 
Assunta ao céu. Embora não esteja definido que 
Maria morreu, ou adormeceu, é certo que foi levada 
ao céu, como um novo Elias. Como Jesus, ela nos 
mostra o caminho. 
CULTO MARIANO
Foi muito bem estabelecido pela Exortação “Culto 
Mariano”. Logo no início, Paulo VI descreve o culto 
oficial da Igreja, com suas numerosas festas, sinais 
seguros da antigüidade e legitimidade deste culto. E 
diz: “A devoção a Maria é elemento da genuína pie-
dade cristã”, segundo o princípio: “a lei de orar é a lei 
de crer”. E repete, em parte, o que dissemos acima: 
 49
Maria é modelo de Igreja; a Virgem que sabe ouvir, 
orante, operante, fecunda em vida espiritual. 
A piedade mariana deve ter três notas; deve ser 
trinitária, cristológica, eclesial. O culto deve ter cunho 
bíblico, litúrgico e ecumênico. Eis aí os modelos. 
Maria é exemplo de mulher: mulher de hoje e e-
terna, como virgem, esposa e mãe. Mulher de carida-
de, serviço, discipulado perfeito de Cristo. 
Se é possível escolher entre tantas orações mari-
anas, apontam-se, como exemplos, o “Anjo do Se-
nhor” e o Rosário. Poderia também apontar a oração 
tradicional, antiga de dezessete séculos, pelo menos: 
“Debaixo de vossa proteção”, que prova a fé na inter-
cessão de Maria. 
CONCLUSÃO
 Todo o exposto acima indica claramente Maria 
como caminho de salvação e santificação. “A piedade 
para com a Mãe do Senhor torna-se, pois, para o fiel, 
ocasião de crescimento na graça divina”. “Esta graça 
(vinda de Maria) reveste o homem e torna-o conforme 
à imagem do Filho de Deus”, “auxílio poderoso para a 
conquista da própria plenitude” (n. 57). É evidente 
que a mediação de Maria é subalterna à mediação do 
único intercessor: Maria é caminho para Jesus. Com 
razão escreveu Santo Afonso: “O devoto de Maria 
não se perde nunca!” Poderíamos acrescentar: “O fiel 
devoto sempre se santifica”. 
 
 50
7. OS SANTOS 
QUE É SANTIDADE
Eis um tema que lembra Abraão: “Olha para o 
céu e conta as estrelas se fores capaz!” (Gn 15,5). 
Fácil para nós, católicos; difícil para um evangélico. 
Aqui já lembro a delicadeza do tema ante a exigência 
do ecumenismo. (Vat.II, UR, 5s) 
Acho que os santos foram aqueles que acultura-
ram, em sua vida e em seu tempo o evangelho, e 
praticaram perfeitamente o que aqui se expõe. Na 
Bíblia é fácil achar o termo santo ou um correspon-
dente. Santo é aquilo que está afastado, separado do 
impuro ou profano, reservado para o serviço de Deus. 
Deus é Santíssimo por estar nos altos céus: “Santo, 
Santo, Santo”. Jesus é santo porque é o Verbo En-
carnado. No Monte Tabor mostrou ele sua glória, ao 
mesmo tempo que conversava com os santos Moisés 
e Elias. Os três santos apóstolos, separados dos ou-
tros, entenderam a glória e a paixão só depois daressurreição. 
Os cristãos freqüentemente são chamados san-
tos porque, pelo batismo, foram consagrados a Cristo 
(Rm 1,7; 1Cor1,2). 
O Vaticano II diz que “Cristo, com o Pai e o Espí-
rito Santo, é o único santo” e que “todos são chama-
dos à santidade”. Os teólogos explicam, distinguindo 
a santidade ontológica, que é de todos fiéis, e a san-
tidade moral, que é a dos Santos, principalmente os 
reconhecidos pela Igreja. 
 51
A santidade é uma, mas diferencia-se segundo a 
vocação e a situação de cada um: há santos de todos 
os tempos, idades, ofícios, continentes. Os santos 
reconhecidos, não se sabe por que, costumam flo-
rescer mais entre os religiosos e em certos países. 
Hoje procuram-se muito santos nos países do Tercei-
ro Mundo, entre os leigos, casados e operários. Nem 
todos são apóstolos, profetas, mártires. 
Podem-se ver três dimensões ou linhas na santi-
dade: 
Linha do seguimento que lembra a espiritualidade 
dos tempos apostólicos: “o caminho”. 
Linha da parusia ou escatológica, dos discípulos 
que esperavam a volta de Cristo: “Estai prepara-
dos...”. O que faziam nas vigílias, olhando para o Ori-
ente, donde surgiria o Sol da Justiça. 
Linha eclesial: de Igreja, comunidade, caridade. 
CULTO DOS SANTOS 
Uma questão estudada e questionada é a do cul-
to aos santos. São clássicos os três modos de cultu-
ar: veneração, invocação e imitação. A hagiografia, 
desde os apóstolos, está repleta de exemplos: “Sede 
meus imitadores como eu sou de Cristo”. Nem sem-
pre o povo humilde segue as normas do culto e, no 
modo popular de dizer, “adoram os santos”. Mesmo 
os bons religiosos devem precaver-se contra certa 
forma de infantilismo e até superstição. 
O Vaticano II, depois de tratar da vocação univer-
sal à santidade (LG, 39s), lembra os princípios: Bí-
 52
blia, confissão e vida em Cristo. Penso ser dispensá-
vel aqui lembrar que Jesus é o nosso único mediador 
(1Tm 2,5; Hb 8,6; 9,14s.). Nem se fale na justa medi-
da que se deve ter no culto das relíquias e das ima-
gens. 
O culto de imitação também oferece seus percal-
ços: é uma das objeções dos que propugnam uma 
espiritualidade moderna, atualizada. Nem tudo po-
demos imitar nos santos: Sto. Antão no deserto, S. 
Luís, rei de França, os mártires... Seja como for, a 
Igreja manda buscar nos santos “o exemplo de suas 
vidas, o consórcio na comunhão e o auxílio na inter-
cessão” (LG. 51) 
O capítulo das devoções é grande na religiosida-
de popular, como sabemos. Há críticos que ironizam: 
a religião católica resolveu a tentação primordial do 
politeísmo com a corte de Jesus, com Maria, anjos e 
santos. 
Uma devoção imemorial é a leitura da vida dos 
santos. As Atas dos Mártires atestam isso. Sto. Ata-
násio escreveu a vida de Sto. Antão. Sto. Agostinho 
escreveu sua autobiografia, uma análise psicológica 
do caminho da fé. Dele ficou a célebre frase: “Se es-
tes e estas puderam, porque não tu?” Certamente no 
céu um belo encontro será com aqueles que nos aju-
daram na conversão e na fé. A Carta aos Hebreus 
cita a fé exemplar dos Patriarcas (Hb 11). Junto com 
o Cordeiro cento e quarenta e quatro mil que traziam 
na fronte o nome do Cordeiro e seu Pai: “Seguem o 
Cordeiro para onde quer que vá”: são imaculados (Ap 
14,1.4s.). 
 53
8. HOMEM DIANTE DE DEUS 
Depois de tratar de princípios tão elevados, vol-
tamos ao chão da terra. Veremos agora o homem, ao 
contrário dos santos, muito frágil, lento no caminho 
de Jesus. Vimos as qualidades de sua alma; obser-
vamos agora seus defeitos, empecilhos, vícios. A Te-
ologia Moral tem tratados sobre tudo isso, terminando 
no tratado sobre o pecado. Supõe-se aqui que, os 
que aspiram à perfeição, tenham meio caminho an-
dado e tenham já meios de vencer com certa facilida-
de os obstáculos graves. Como muitos de nós ainda 
estamos na via purgativa, aqui vão algumas conside-
rações. 
Primeiro é bom lembrar-se que a graça não des-
trói a natureza e que, mesmo regenerados pela gra-
ça, continuam os instintos primordiais de conserva-
ção própria e conservação da espécie, que não po-
dem ser completamente anulados. 
Partimos da afirmação: “Tudo o que há no mun-
do: concupiscência da carne, dos olhos e orgulho da 
vida, não vem do Pai, mas procede do mundo” (1Jo 
2,16). E adianto que os três votos religiosos procuram 
obviar a estes obstáculos. 
CONCUPISCÊNCIA DA CARNE 
Trata-se do prazer que não é mau em si mas que, 
com o mau uso, afasta de Deus e leva ao pecado. 
Pode ser o prazer sensual da comida ou bebida, uso 
dos outros sentidos, pode ser o prazer sexual. Não 
esquecer que os sentidos protegem nossa seguran-
ça, por exemplo, o ouvido ou os olhos. 
 54
− Já vimos como entramos no contato com o 
mundo pelo sentidos externos: não se cansam eles 
de ver, ouvir, tatear. Quanto aos internos, então, a 
memória, a fantasia e outros aguçam nossa sensibili-
dade, emotividade e afetividade, que a melhor ascese 
não pode ignorar. É velha história: “Cresceu a malda-
de dos homens e os projetos do seu coração tendem 
para o mal” (Gn 6,5). Daí a célebre seqüência: pen-
samentos, desejos, ações, aos quais se pode acres-
centar as omissões, os sentimentos. 
− Os livros de ascese, antigos e modernos, estão 
cheios de conselhos sábios nesta delicada matéria, 
hoje com a ajuda da psicologia e até da sociologia. 
Os métodos não são infalíveis, e histórias recentes 
mostram surpresas entre bons elementos da Igreja 
ou da comunidade que se extraviaram. A ampla liber-
dade hoje protege mal. A força de persuasão do 
mundo, a mudança do sentido do pecado, a espiritua-
lidade muito aberta, os problemas até de fé: tudo leva 
à defecção. “Quem está de pé veja que não caia”. 
Todos podemos contar muitos casos a respeito. “Eras 
tu, meu companheiro, com quem conversava no tem-
plo de Deus!” 
CONCUPISCÊNCIA DOS OLHOS 
Trata-se da curiosidade doentia e do amor desor-
denado dos bens terrenos. Não se refere à sã curio-
sidade, à qual é atribuída a origem da filosofia, das 
ciências. “Os olhos não se cansam de ver, nem o ou-
vido não se farta de ouvir” (Ecl 1,8). Tal problema se 
estende hoje a todos os meios de comunicação: to-
dos temos experiência disso. O Decreto Inter Mirifica 
 55
do Vaticano II, n. 3, manda “pregar com o recurso 
também dos instrumentos de comunicação social”, o 
que se subentende sua produção e uso. Sem eles 
ficaria muito difícil a vida social hoje. Onde achar o 
meio termo? O tratado da consciência, na Moral, e a 
ascese vão dar os meios. A conversão contínua de-
verá corrigir os muitos desvios, dos quais nem um 
anacoreta está livre. 
− O amor desordenado do dinheiro é outro capítu-
lo difícil na vida moderna, que gira em torno ao di-
nheiro, sem o qual não se vive hoje na civilização ur-
bana. O capitalismo domina de tal maneira que é im-
possível ignorá-lo. Ficam longe os tempos em que o 
monge era expulso por ter guardado uma mísera mo-
eda. O esforço de desapego, no entanto, sempre se 
impõe. Ainda vale o mandamento do Senhor: “Dá 
conta da tua administração!” (Lc 16, 2). E mais: “Tive 
fome e não me deste de comer!” A fome das riquezas 
leva à dureza do coração, à usura, à ganância, ao 
vício capital da avareza, impedindo o repartir os bens. 
Na Segunda Parte veremos o problema da riqueza e 
da pobreza social, um problema moderno quase inso-
lúvel. A brecha entre ricos o pobres se alarga cada 
ano mais. 
SOBERBA DA VIDA 
Orgulho, o primeiro vício capital. “O orgulho é a 
depravação mais profunda”, sentencia Bossuet. A 
magnificência raia no desprezo: pessoas sensatas 
abominam os soberbos. Jesus insiste na humildade. 
Mas o inimigo é insidioso, neste mundo que admira o 
poder e a fama. Esta, é claro, não pode chegar ao 
 56
extremo de destruir a auto-estima, mas daí autovalo-
rizar-se raia na mentira. É o pecado dos anjos maus: 
“Não servirei”, e de Adão: “Sereis como deuses”. 
“Deus resiste aos soberbos”, diz Tiago 4,6. 
 Todos os Mestres da espiritualidade tocam neste 
tema básico na moral e vida espiritual. Antigos Mes-
tres estãoatentos na área do orgulho, e têm mesmo 
palavras candentes. Aliás Jesus foi duro quanto ao 
orgulho farisaico. Os remédios são: Dar sempre a 
Deus toda glória. Atribuir-lhe as próprias qualidades: 
“Que tens que não recebeste?” (1Cor 4,7). A obedi-
ência do religioso é antídoto certo. “Se queres cons-
truir alto, rebaixa bem os fundamentos”, aconselhava 
S. Bernardo. 
OS INIMIGOS EXTERNOS 
Como se não bastasse a concupiscência radica-
da no interior do homem, sobram-lhe inimigos exter-
nos: a própria pessoa, o mundo, o demônio. Esta é a 
tríade clássica da antiga ascese. 
− Do homem de certa forma já tratamos acima. 
Mas vale sublinhar o dito de Jesus, citando Miquéias 
7,6: “Os inimigos do homem serão seus próprios fa-
miliares” (Mt. 10,36). Os inimigos estão dentro de ca-
sa, dentro do próprio eu, no fato de ser homem. A 
história de Adão mostra isso. Aqui volta toda a histó-
ria da salvação, desde Adão, a história de todas as 
fraquezas do homem e da humanidade. “Não chega-
mos ao pessimismo de Lutero que afirmava a total 
corrupção do homem”, escreve A. Tanquerey. O ho-
mem pode fazer algum bem, com o concurso natural 
 57
de Deus, mas é preciso o auxílio preternatural para 
observar toda a lei e repelir todas as tentações gra-
ves. Veremos esta teoria na secção da graça e dos 
méritos. 
− O mundo é outra realidade contraditória. Obra 
maravilhosa de Deus, pode ser uma via para chegar 
ao seu conhecimento. Mas já Isaías 13,11s. distin-
guia o mundo sujeito à corrupção. S. João tem sua 
posição marcante sobre o mundo e deixa para o ou-
tro mundo a solução (Jo 13,1; 1Jo 5,19 e Apocalipse; 
1Jo 5,19). 
 O leigo, hoje imerso neste mundo onde se mistu-
ram coisas boas e más, como deve proceder? Fugir 
do mundo no estilo monástico e anacorético? Lem-
brar-se que Sto. Antão deixou o deserto para ir con-
firmar os irmãos na fé, em Alexandria. João, cAp 17, 
põe na boca de Jesus a fórmula: Estão no mundo 
mas não são do mundo. Voltaremos a este tema ao 
tratar da espiritualidade moderna. 
A clausura dos antigos mosteiros e conventos ti-
nha muito que ver com as duas primeiras tentações. 
A nova espiritualidade tem reformulado estes aspec-
tos. 
− O demônio passa a ser a personificação das 
forças do mal. Hoje meio esquecido, volta ele de ou-
tras formas, inclusive em religiões e seitas que lhe 
dão muita atenção. “Rezo ao diabo: ele é poderoso e 
ajuda muito”, disse alguém num terreiro. A religião dá 
meios suficientes para anular o demônio: é só saber 
usá-los. 
 58
Alguém disse: “O demônio é um leão: na jaula; é 
só não facilitar com ele”. Combine-se isto com o que 
diz Pedro: “Eis que o vosso adversário, o diabo, vos 
rodeia como um leão” (1Pd 5,8). O que mostra bem 
as manhas e a violência deste inimigo ancestral. Os 
meios para afugentá-lo não mudaram desde os tem-
pos primitivos da Patrística, embora um tanto suavi-
zados hoje. Já Sto. Antão o enfrentava diariamente 
no deserto que é o seu habitat bíblico. Disse alguém 
que maior manha do demônio é fazer que se esque-
çam dele. 
Lembro que o povo não abandona o medo antigo 
do espírito das trevas: o exorcismo ainda faz parte do 
arsenal dos cristãos. A bênção das casas, da água 
benta ainda lembra isso. Sta. Teresa, com toda sua 
sabedoria, não se dedignava de recomendar a água 
benta. 
O PECADO 
Eis outro tema que parece mais próprio da Teolo-
gia Moral, mas que interessa muito à área da ascéti-
ca e mística. Supõe-se que os que entraram na vida 
ascética e na via purgativa já tenham abominado todo 
o pecado mortal e pecado venial deliberado; mas 
nem o progresso espiritual os livra de provações e 
mesmo tentações, principalmente na noite dos senti-
dos e na noite do espírito. A fuga das menores faltas 
depende de um combate sem tréguas, como alertam 
os Mestres espirituais. Os entendidos alertam para o 
perigo do escrúpulo, que exige um diretor espiritual 
capacitado. 
 59
 
LEITURAS 
Sta. Teresa fala do pecado venial deliberado: “É 
como se alguém dissesse: Senhor, apesar de esta 
ação vos desagradar, não deixarei de a fazer. Não 
ignoro que vós a vedes, sei que vós não a quereis, 
mas eu prefiro a minha fantasia e a minha inclinação. 
E seria coisa de nada proceder desta sorte? Quanto 
a mim, por mais leve que seja a falta em si mesma, 
acho, pelo contrário, que é grave e muito grave”.9 
Sta. Catarina de Gênova: “Se a alma descobrisse 
outro purgatório mais terrível, nele se precipitaria, im-
pelida pela impetuosidade do amor entre Deus e ela, 
a fim de se livrar rapidamente de tudo o que a separa 
do Sumo Bem”.10 
Pe. Lallemant: “A ruína das almas vem da multi-
plicação dos pecados veniais, que causam a diminui-
ção das luzes e inspirações divinas, das graças e 
consolações interiores, do fervor e coragem para re-
sistir aos ataques do inimigo. Donde se segue a ce-
gueira, a fraqueza, as quedas freqüentes, o hábito, a 
insensibilidade, porque, contraída a enfermidade, pe-
ca-se sem sentimento do próprio pecado”.11 
 
 
9 Caminho da Perfeição, cap. 41. 
10 Purgatório cap. 9. 
11 A Doutrina Espiritual, 3º. princípio, cap. II. 
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 9. A GRAÇA 
 
Depois de ver a realidade do homem diante de 
Deus, principalmente no aspecto negativo, veremos 
como enfrentar tantos e tão fortes obstáculos. 
Embora, nos métodos dedutivos, se coloque a 
graça entre os primeiros princípios, decorrente que 
ela é através de Cristo, aqui a graça faz um nexo en-
tre o homem frágil e pecador e os meios de recupe-
ração. 
Não se trata aqui de toda a questão da graça, 
que tem sido discutida através dos séculos, desde 
Sto. Agostinho; para nós que cremos na graça divina, 
tocaremos nos temas: obstáculos, pecado, conver-
são, sacramentos. 
Graça é termo que traduz aproximadamente a pa-
lavra hebraica hesed ou misericórdia, traduzida no 
grego pelos Setenta por cháris, em latim gratia: signi-
fica vários gestos de Deus ou dos reis demonstrando: 
olhar, ternura, coração, generosidade, gratuidade. Na 
área social é favor que alguém faz ou recebe, pas-
sando por cima das conveniências até das leis. Na 
área religiosa é o homem que atrai o olhar bondoso 
de Deus, o que ele consegue pela oração, sacrifícios, 
penitência, purificação. 
Neste sentido pode-se dizer que é um dom so-
brenatural, que Deus concede à criatura racional, por 
Jesus Cristo e segundo o modelo de Cristo, como um 
presente de amor e para a participação na vida trini-
tária de Deus. Vê-se como essência do estado de 
 61
 
graça a participação do homem, em estado de graça, 
no Reino de Deus instaurado em Jesus Cristo.12 
Para os tomistas, a graça é chamada princípio 
formal da vida sobrenatural, participação acidental da 
natureza de Deus. “Qualidade sobrenatural inerente à 
nossa alma, que nos dá uma participação física e 
formal da natureza mesma de Deus." Cita-se o texto 
clássico de S. Paulo: “Somos filhos de Deus e, sendo 
filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e 
co-herdeiros de Cristo” (Rm 8,16). 
 De fato, é no NT que se revela a graça no senti-
do estrito. São muitas as expressões que mostram a 
graça de Jesus. O termo cháris aparece em Lucas, 
Atos, João e principalmente em Paulo (110 vezes!). 
Pedro e Apocalipse usam, mas poucas vezes, este 
termo. Pode significar benevolência, favor, magnani-
midade, riqueza de dons, contato sobrenatural, ilumi-
nação, reação do que a recebe. Graça aproxima-se 
de carisma, dom que o Espírito opera. 
DIVISÕES DA GRAÇA 
Há várias, indicando riqueza e os modos da gra-
ça: graça criada e incriada (esta é o próprio Deus). 
Graça interna e externa. Graça elevante e graça me-
dicinal. Graça justificante e graça de ofício (“grátis 
data”). A divisão mais usada e útil é graça habitual 
(ou santificante) e atual. 
 
12 M. SCHMAUS: Teologia Dogmática, V, pg. 21. 
 62
Tal diversidade de graças apenas mostra seu 
mistério, sua riqueza, as relações Deus-povo-homem 
desde o paraíso terrestre até o paraíso celeste.

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