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historia_politica_e_sociedade_2018

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A
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C
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D
A
D
E
A
ndré Luiz Joanilho
Código Logístico
57378
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6438-0
9 788538 764380
Não é fácil traduzir em poucas palavras o que é a história e o seu 
papel nas sociedades contemporâneas. Há muita coisa a dizer, 
porém podemos pensá-la basicamente como um estudo etnográ-
fico de nós mesmos, uma forma de “estranhamento” do que 
somos. O fato de estarmos imersos em nosso universo cultural 
nos leva a crer que tudo o que nos cerca é normal, uma sensação 
de que “é assim que tem de ser”. É justamente o questionamento 
dessa normalidade que o estudo da história pode proporcionar.
Neste livro, que tem como mote a curiosidade e a descoberta, são 
abordados vários temas com o intuito de causar o estranhamento 
do que nos parece familiar, bem como as configurações sociais 
de cada momento histórico. Nos estudos realizados para esta 
obra, o recorte temporal é dos último 600 anos – que, na disci-
plina histórica, englobam o que se convencionou chamar como 
história moderna e contemporânea. Nesse período, encontramos 
as práticas sociais que configuraram as sociedades atuais. 
História, política 
e sociedade
IESDE BRASIL S/A
2018
André Luiz Joanilho
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
J58h Joanilho, André Luiz
História, política e sociedade / André Luiz Joanilho. - [2. ed]. 
- Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 
150 p. : il. 
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6438-0
1. História moderna. 2. Civilização moderna - aspectos 
sociais. 3. Ciência política. I. Título.
18-48872
CDD: 909
CDU: 94(100)
© 2009-2018 – IESDE BRASIL S/A. 
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos 
direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagens da capa: DAVID, Jacques-Louis. Napoleão cruzando os Alpes. 1801. Óleo sobre tela: 271 x 232 cm. 
Palácio de Charlottenburg, Berlin, Alemanha; ALDA, José Garnelo. 12 de outubro de 1492. 1892. Óleo 
sobre tela. Museu naval de Madri, Madri, Espanha; SEURAT, Georges. Uma tarde de domingo na Ilha de 
Grande Jatte. 1884-1886. Óleo sobre tela: 207,5 x 308,1 cm. Instituto de Arte de Chicago, Chicago, EUA; 
DAVID, Jacques-Louis. A intervenção das Sabinas. 1799. Óleo sobre tela: 385 x 522 cm. Museu do Louvre, 
Paris, França.
André Luiz Joanilho
Pós-doutor pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França) e pela Universidade 
Lumière (Lyon, França). Doutor pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre pela 
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), graduado em História pela Unicamp. Atua como 
docente da área de história e pesquisador em temas como representações, culturas e religiosidades, 
história social e diálogos culturais. É autor e coautor de diversos artigos e publicações da área, além 
de membro de corpo editorial de revistas científicas.
Sumário
Apresentação 9
1 História e sociedade 11
1.1 A história e a compreensão dos fenômenos sociais 11
1.2 História e cotidiano 12
1.3 A banalidade das práticas 13
1.4 Uma viagem no tempo 14
1.5 Papel da história na sociedade 16
1.6 Práticas dos historiadores 17
2 Estado, sociedade e luta de classes 21
2.1 Mentalidades e sociedade na Baixa Idade Média 21
2.2 O surgimento do capitalismo 23
2.3 O papel da burguesia na formação dos Estados nacionais 24
2.4 Poder político e poder econômico 25
2.5 Industrialização e movimentos sociais 27
3 A expansão dos Estados nacionais 31
3.1 Mercantilismo 31
3.2 As grandes navegações 32
3.3 As viagens do descobrimento 34
3.4 O eu e o outro 36
3.5 A exploração colonial 39
4 Governar na Era Moderna 43
4.1 Poder e sociedade na Baixa Idade Média 43
4.2 Conselhos aos príncipes 45
4.3 A governamentalidade e o nascimento da biopolítica 47
4.4 A micropolítica 48
4.5 Poder e disciplina 50
5 Governo e formas de política  53
5.1 Indivíduo e sociedade 53
5.2 Democracia e liberalismo 56
5.3 Nacionalismo e socialismo 57
5.4 Imperialismo e Estado 59
5.5 Totalitarismo 60
6 O Iluminismo e a era das revoluções  65
6.1 As revoluções científicas dos séculos XVII e XVIII 65
6.2 A crise da consciência europeia 67
6.3 O Iluminismo 69
6.4 A Revolução Francesa 70
6.5 A Revolução Industrial 72
7 Movimentos sociais nos séculos XVIII e XIX  75
7.1 Temporalidades sociais 75
7.2 Industrialização e a formação do operariado 77
7.3 Disciplina fabril e movimentos sociais 80
7.4 Organização do operariado 81
7.5 Teorias sociais 82
8 Formas políticas do século XX  87
8.1 Nacionalismo 87
8.2 Socialismo 89
8.3 Comunismo 90
8.4 Totalitarismo 92
8.5 Ditadura 94
9 Sociedade e trabalho no mundo contemporâneo 97
9.1 A vida ativa e a vida contemplativa 97
9.2 A ascensão da moral do trabalho 99
9.3 A sociedade do pleno emprego 101
9.4 O fim do proletariado 102
9.5 A ergonomia e a sociedade hedonista 103
10 Globalização, neoliberalismo e o indivíduo 107
10.1 O mundo pós-guerra 107
10.2 Guerra Fria 108
10.3 Primeiro Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo 109
10.4 Vietnã 109
10.5 Desenvolvimento e subdesenvolvimento 111
10.6 Sociedade global 113
10.7 Tecnologia e dominação 113
11 Arte e sociedade I 117
11.1 A cultura no Renascimento 117
11.2 Expressões artísticas da nascente burguesia 119
11.3 A arte e o Estado 122
11.4 A linguagem artística como linguagem do poder 124
11.5 A nobreza e a arte no século XVIII 127
12 Arte e sociedade II 131
12.1 A arte como forma de expressão do indivíduo 131
12.2 A arte no século XIX e o questionamento político 134
12.3 As vanguardas e as revoluções 136
12.4 A arte contemporânea e a subjetivação 138
12.5 A distinção social 141
Gabarito 145
Referências 149
9
Apresentação
Não é fácil traduzir em poucas palavras o que é a história e o seu papel nas sociedades 
contemporâneas. Há muita coisa a dizer, porém podemos pensá-la basicamente como um estudo 
etnográfico de nós mesmos, uma forma de “estranhamento” do que somos. O fato de estarmos 
imersos em nosso universo cultural nos leva a crer que tudo o que nos cerca é normal, uma sen-
sação de que “é assim que tem de ser”. É justamente o questionamento dessa normalidade que o 
estudo da história pode proporcionar.
Nos estudos realizados para esta obra, o recorte temporal é dos último 600 anos – que, na 
disciplina histórica, englobam o que se convencionou chamar como história moderna e contem-
porânea. Nesse período, encontramos as práticas sociais que configuraram as sociedades atuais. 
Abordaremos vários temas com o intuito de causar o estranhamento do que nos parece familiar, 
bem como as configurações sociais de cada momento histórico.
Este livro está dividido em doze capítulos, para facilitar a compreensão dos temas aqui 
abordados. Ao final de cada um deles, disponibilizamos, para ilustrar a matéria, textos com-
plementares, tanto de diferentes historiadores quanto de documentos da época tratada. Além 
disso, incluímos um conjunto de atividades para um melhor entendimento e fixação dos con-
teúdos propostos.
Desejamos bons estudos e que você possa se divertir com este livro, que tem como mote a 
curiosidade e a descoberta.
1
História e sociedade
1.1 A história e a compreensão dos fenômenos sociais
A História é uma disciplina interessante, porque ao mesmo tempo que instrui, diverte. 
A instrução vem pelos conhecimentos que podemos adquirir sobre a nossa e as outras socieda-
des. A diversão se dá justamente porque ela instrui: conhecer outros povos ou o passado da nossa 
sociedade é divertido, não no sentido tradicional de diversão. Saber como viviam os homens na 
Idade Média, em que acreditavam os romanos, como se aqueciam no inverno os parisienses do 
século XVIII, quais eram as atividades cotidianas dos imigrantes italianos no início do século 
XX no Rio Grande do Sul sãoalguns exemplos do conhecimento histórico.
Evidentemente, não podemos saber exatamente como funcionavam as sociedades de outras 
épocas, não é possível ao historiador conhecer e explicar tudo, afinal ele é um ser que vive na sua 
sociedade, no seu tempo – mas é ele que busca as respostas às perguntas que queremos saber. 
Benedetto Croce (1866-1952), um importante filósofo e historiador, afirmou que só existe história 
contemporânea, isto é, que todas as questões feitas ao passado são instigadas pelo presente, são 
preocupações nossas. Por vivermos em constante mudança, as questões também mudam. Logo, 
o conhecimento histórico é quase inesgotável, pois sempre modificamos o que queremos conhecer, 
sempre teremos uma pergunta nova a fazer, portanto sempre haverá novidades a serem aprendidas. 
Por exemplo, há 50 anos faríamos perguntas sobre a economia, o trabalho e as classes sociais aos 
gregos de dois mil anos atrás, pois eram as preocupações das sociedades naquele momento. Hoje, 
perguntamos sobre o casamento, o amor, a sexualidade, e isso não ocorreu porque descobrimos 
novos documentos ou novas informações, mas porque mudamos a pergunta. Em verdade, essas 
coisas sempre estiveram lá, mas não interessavam à sociedade em uma determinada época, ou 
ainda, não se pensava sobre essas questões, visto que eram assuntos irrelevantes que passaram a ter 
importância para nós.
É dessa forma que o conhecimento histórico avança – não por simples aprimoramento, mas 
pelas mudanças que as sociedades passam. Desse modo, podemos dizer que a história é uma dis-
ciplina histórica e que ela tem uma relação direta com a sociedade no seu tempo presente: se a 
sociedade muda, a ciência também.
Logo, a história é um modo de conhecer a sociedade em que vivemos. Quando conhecemos 
o passado, podemos compreender melhor o que somos. Ao estudarmos, por exemplo, o amor cor-
tês1, refletimos também sobre a nossa maneira de cortejar alguém hoje.
1 O amor cortês foi desenvolvido durante a Idade Média, sendo uma forma romantizada de cortejar uma dama, ge-
ralmente superior hierarquicamente, por parte de um nobre. Pode-se dizer que foi uma forma de idealização do amor e 
muito difundida em termos literários.
História, política e sociedade12
Porém, há uma questão fundamental para a compreensão efetiva das sociedades passadas: 
não se deve levar o que somos para elas, ou seja, não podemos transportar os nossos anseios e 
desejos para as outras épocas. Esse tipo de procedimento é muito comum e acaba se tornando um 
grave erro, chamado de anacronismo.
Ao estudarmos a família do século XVI, não devemos esperar que nela se encontre o 
embrião da família nuclear da segunda metade do século XX – são formas diferentes de orga- 
nização. Um grego do século IV a.C. não via o trabalho, a sexualidade e, enfim, a vida do 
mesmo modo que nós. Ele não tinha nenhuma das práticas contemporâneas. Não somos a 
continuidade dele. Muito pelo contrário, somos totalmente diferentes.
Os procedimentos para estudar e compreender as sociedades passadas são muito parecidos 
aos de outra ciência, a antropologia. O passado é tão diferente de nós quanto os povos que convi-
vem conosco. Assim, o passado não é simplesmente o que somos “mais novos”, é completamente 
diferente. Se observamos com atenção, até mesmo as palavras sofrem mudanças de significados 
ao longo do tempo. A palavra trabalho, por exemplo, podemos encontrá-la em outras épocas, 
no entanto com significados diferentes. Na Idade Média, trabalho não se referia apenas a um meio 
de subsistência, mas tinha um caráter de penitência. Os homens na Idade Média não compreen-
diam que o trabalho traria riquezas, pelo contrário, consideravam-no uma forma de punição divi-
na. Deus havia punido o homem, pelo pecado original, com o trabalho.
Na nossa sociedade, a diferença entre duas gerações já é grande, logo, podemos imaginar 
a distância quando se trata de séculos. Já temos dificuldade em compreender como nossos avós 
pensam, quanto mais como se pensa ou se pensava em outras sociedades, em outras épocas. Isso 
ocorre porque modificamos constantemente o presente. A diferença com relação aos avós existe 
não porque “evoluímos” e, portanto, eles são “atrasados”, mas porque a realidade que eles viviam 
mudou. Isso ocorrerá conosco também, pois a história é um processo em constante movimento.
É difícil perceber esse movimento da sociedade, porque normalmente pensamos pelo viés 
do senso comum e acreditamos que a sociedade progride, que avançamos no tempo. Esse sen-
timento explica a diferença que encontramos entre o modo de vida de gerações. Porém, não 
é bem isso que ocorre (aliás, um dos papéis da história é justamente fugir do lugar-comum). 
A sociedade se modifica pelas práticas, mas isso não quer dizer que o modo de vida de antes 
era ruim e agora melhorou, mas sim que o que se fazia antes era de uma maneira e agora temos 
outra. Caso queiramos avaliar se algo era ruim no passado, devemos “perguntar” às pessoas que 
viviam naquele momento. Podemos afirmar que há melhorias tecnológicas e científicas, mas 
isso não quer dizer que somos superiores àqueles que viveram há 300, 400 anos. Alguns podem 
acreditar que vivemos melhor, mas na realidade o que temos é outra concepção da vida que está 
de acordo com a nossa ciência, com a nossa tecnologia.
1.2 História e cotidiano
Podemos pensar no nosso cotidiano para compreender as mudanças históricas. Como 
agimos? O que nos preocupa? Como vemos as coisas que nos cercam? Passamos mais de 90% 
do nosso dia pensando e agindo conforme nossas preocupações, e elas são as mais comezinhas 
História e sociedade 13
possíveis, as mais corriqueiras. Porém, não percebemos como elas são importantes e diferentes 
das outras sociedades.
Um exemplo banal: há não muitos anos, ninguém sequer pensaria que e-mail, WhatsApp, 
Facebook e outros meios de comunicação similares iriam se tornar importantíssimos para muitas 
pessoas. Podemos viajar um pouco mais além, há cerca de cem anos, início do século XX. Não 
era um problema a falta de energia elétrica (quase ninguém dispunha disso) ou, ainda, a água 
encanada. Já podemos imaginar como se fazia para iluminar ou ter água em casa: velas e galões 
faziam parte do dia a dia das pessoas. O uso da vela, por exemplo, tinha um sentido parecido com 
a utilização de lâmpadas hoje, era uma forma de energia e desperdiçá-la significava custos. Hoje, 
porém, não vemos as velas como energia, mas de outro modo e com outras aplicações – religiosas, 
sentimentais, decorativas.
As nossas preocupações mudam ao longo da história. Hoje, temos a possibilidade de saber 
o que acontece em países longínquos sem sair de casa, mas não nos preocupamos muito com 
energia ou água, a não ser quando faltam. Isso não quer dizer que as pessoas no início do século 
XX viviam mal – elas apenas tinham outras preocupações. Se fôssemos viver como eles, acha-
ríamos horrível, mas as pessoas de cem anos atrás não eram o que somos, portanto a ideia de 
conforto era bem diferente.
É justamente nessas práticas cotidianas que a história acontece. São as pequenas modi-
ficações que vão diferenciando o presente do passado, e quase sempre elas são imperceptíveis. 
O fato de vivermos no meio das configurações cotidianas nos dá a impressão de que tudo é assim 
mesmo, achamos que é normal. Vejamos ainda o caso do WhatsApp e do e-mail. A possibilidade 
de conversar com pessoas distantes instantaneamente modificou muitas práticas, como a própria 
linguagem. Ainda não temos condições de medir qual a profundidade desse acontecimento, mas 
com a internet surge uma nova configuração da linguagem, principalmente dos jovens.
Há pouco tempo, os historiadores não prestavam muita atenção nessas “banalidades” da 
vida, buscando acontecimentos que consideravam de maior envergadura, grandes revoluções, 
grandes acontecimentos, etc. Muitas vezes, prendiam-se a uma lei proclamada por um presidente, 
dando-lhe maior importância do que aos atos comuns. Mas isso era um engano, poisuma lei pode 
influenciar algumas práticas, mas dificilmente atinge por completo o dia a dia. Uma lei que proíbe 
biquínis na praia, por exemplo, não modifica o comportamento sexual da sociedade, que ocorre na 
banalidade do cotidiano; movimentos a favor dos direitos das minorias não surgiram das leis ou 
da cabeça dos governantes, mas das práticas sociais, isto é, das ações, atitudes, formas de pensar e 
crenças que são criadas no cotidiano. Assim, são os comportamentos que mudam as leis.
1.3 A banalidade das práticas
Mais recentemente, alguns pesquisadores passaram a prestar atenção à banalidade das 
práticas, visto que elas dizem muito mais sobre a sociedade do que atos do governo ou a balan-
ça de pagamentos. Um decreto governamental instituindo modificações na seriação do Ensino 
Fundamental não muda a relação que o professor tem com os alunos, visto que o decreto não 
institui como o professor deve se comportar na sala de aula, nem como como o aluno deve 
História, política e sociedade14
agir. Tanto o comportamento de um quanto o do outro são estabelecidos nas relações cotidia-
nas. Os pais desejam que seus filhos se comportem de determinada maneira e esperam de-
terminadas ações dos professores, que também têm expectativas com relação ao modo de ser 
dos seus alunos e ao que desejam desses alunos, que por sua vez têm as mesmas expectativas 
em relação aos pais e aos professores. Por isso, chamamos essas relações de práticas sociais. 
Poderíamos dizer que há uma “negociação” constante entre as pessoas e adequação ao que foi 
negociado. Daí o dinamismo da sociedade e, portanto, da História.
Todavia, prestar atenção ao cotidiano não é inaugurar uma nova instância no estudo históri-
co, mas compreender que as configurações sociais se realizam no dia a dia dos indivíduos. Assim, 
podemos compreender melhor outras sociedades. Até há pouco tempo, prestava-se mais atenção às 
formas de governo do que ao modo como viviam as pessoas. Sabemos que existem governos, mas 
não regulamos o nosso dia a dia pensando nisso. Lembramos que ele existe em poucos momentos, 
quando achamos que o preço de um produto está alto e nada é feito, ou quando achamos que o 
transporte público não está adequado, mas a maior parte dos nossos pensamentos se volta para as 
questões que estão em torno de nós: amigos, amores, alimentação, vestir, morar, trabalhar etc.
Tomemos como exemplo a sociedade medieval. Essa era uma sociedade extremamente re-
ligiosa. A relação com o sagrado era algo cotidiano e, no entanto, as pessoas não prestavam muita 
atenção ao que acontecia no Vaticano, mesmo porque estavam em muito mais contato com os 
padres e os monges pregadores. As pessoas desenvolviam uma religiosidade própria, distante dos 
preceitos oficiais, e mesmo padres e monges participavam dessas práticas populares. Assim, se 
ficarmos atentos apenas ao que acontecia no papado, perderemos o movimento da história e co-
locaremos a mudança das configurações sociais no lugar errado. Não que o papado não tivesse 
importância, mas decretos, bulas e atos papais só podiam existir se tivessem correspondência na 
configuração social do momento, isto é, se fossem de acordo com as práticas.
Enfim, os governos não instituem a sociedade – pelo contrário, a sociedade institui o go-
verno. E, mais ainda, não existem, por exemplo, governantes e governados de modo invariável 
na história, e sim modos diferentes de exercer o poder. Se achamos que existe Estado, governo e 
governados em todas as sociedades, é só por comodidade de linguagem, pois os termos podem ser 
os mesmos, mas as práticas não.
1.4 Uma viagem no tempo
Para descobrir um pouco sobre essas configurações sociais, vamos comparar a história a um 
tipo de viagem. Quando estamos em um país estrangeiro, podemos ter dois tipos de atitude: a pri-
meira é a do turista que corre visitar monumentos, compra alguns badulaques, almoça algum tipo 
de prato típico e tira centenas de fotos. Quando retorna, conta aos amigos o que fez. A segunda é 
a do viajante que busca conhecer o cotidiano dos habitantes, o que é comum e incomum, compara 
com a própria realidade, e quando volta conta o que viu e como viu.
História e sociedade 15
Esse segundo tipo de atitude é o procedimento do historiador e, de certa maneira, é parecido 
com o do antropólogo, como vimos. Em primeiro lugar, o historiador é um curioso. Quer saber 
como funciona uma determinada sociedade em uma determinada época. Como um viajante, ele 
quer contar o que viu e como é o lugar que visitou. Quando “viaja” à Grécia Antiga, ele não quer 
simplesmente encontrar o que os gregos faziam igual a nós, mas o que faziam de diferente. Ele quer 
descobrir como pensavam, como viviam e como viam a realidade que os cercava. E o mesmo se dá 
em relação a outras épocas e outras sociedades.
No entanto, um erro muito comum entre historiadores é ignorar essa distância, pro-
curando nas outras sociedades semelhanças com a nossa. Agir assim é fazer como o turista: 
admirar monumentos, arranjar alguns badulaques e contar o que fez. No fim, não se viu nada 
daquela sociedade.
Voltemos aos gregos antigos. Muitos historiadores “vão” até a Grécia e descrevem como eles 
trabalham, a organização do Estado, como são as classes sociais, a escravidão etc. – ou seja, buscam 
naquela sociedade o que ela tem mais de parecido com a nossa. Procedendo assim, não se estudam 
os gregos, mas a nossa própria sociedade transportada para a Grécia Antiga. Logo, estão cometen-
do um anacronismo, que quer dizer ignorar o tempo que passou.
É importante compreender que a nossa sociedade não é a continuidade das sociedades pas-
sadas. Houve modificações tão profundas que podemos até dizer que não há continuidade, pelo 
menos do modo como se acreditou até hoje. O modo como encaramos a ciência, por exemplo, não 
é nada parecido com a forma como a entendiam os homens do século XVIII. Pode-se dizer que 
eles lançaram as bases da ciência contemporânea, mas não era isso que eles pretendiam naquele 
momento, e eles não sonhavam que aquilo que faziam era o começo de algo. Apenas agiam de 
acordo com o seu tempo, ou melhor, de acordo com o que construíram no seu tempo, assim como 
nós fazemos agora.
Vejamos a descrição do historiador Robert Darnton a respeito da ciência no século XVIII:
Era um século de “sistemas” e um século de empirismo e experimentalismo. 
Os “cientistas”, muitas vezes padres, buscavam a “ciência”, conhecida frequen-
temente apenas como filosofia, até a Grande Cadeia dos Seres, a um ponto tal 
que passavam da física para a metafísica e o Ser Supremo. O l’abbé Pluche, um 
dos mais famosos espécimes dos primitivos religiosos da ciência, não precisava 
entender a lei da gravidade para explicar as marés: ele ia direto à causa teológica 
– a vontade de Deus de ajudar os navios dentro e fora dos portos. Os próprios 
interesses científicos de Newton incluíam a alquimia, o Apocalipse e as obras de 
Jacob Boheme (1575-1624, ocultista alemão). Seus leitores raramente tinham 
um domínio tão sólido sobre o que hoje seria considerado como método cien-
tífico que lhes permitisse eliminar o misticismo das teorias newtonianas sobre a 
luz e a gravidade. Muitas vezes encaravam a gravidade como um poder oculto, 
talvez aparentado à alma elétrica do universo ou ao fogo vitalista que ardia no 
coração, segundo Harvey e Descartes, produzido pela fricção do sangue contra 
as artérias, segundo teórico mais modernos. Até que Lavoisier assentasse os 
fundamentos da química moderna, os cientistas geralmente esperavam explicar 
todos os processos vitais com um pequeno número de princípios e, uma vez 
crendo terem encontrado a chave para o código da natureza, frequentemente 
deslizavam com lirismo para o terreno da ficção. (DARNTON, 1988, p. 20)
História, política e sociedade16
Muitos historiadores tomariam essas concepções como erros que a ciência dos séculos XIX 
e XX viria corrigir. Eles partem da ideia de que existe um “processo” histórico interligando as so-
ciedades e projetando-asem direção a um futuro, isto é, acreditam na ideia de que a humanidade 
progride. Confundem progresso técnico com progresso social e filosófico. Cabe-nos perceber que 
as sociedades são diferentes umas das outras, mesmo as que deram origem à nossa.
Estabelecer uma continuidade entre as sociedades nos leva ao equívoco de considerá-las 
iguais, sendo que as diferenças seriam apenas temporais: as mais antigas estariam “atrasadas” em 
relação às mais contemporâneas. Esse tipo de raciocínio podemos chamar de essencialista: as so-
ciedades teriam a mesma essência, somente mudando temporalmente, o que obrigaria a pensar a 
humanidade em termos hierárquicos – os mais atrasados e os mais adiantados.
A história não deveria ter essa função, apesar de, durante muito tempo, ser utilizada justa-
mente para produzir uma hierarquização do gênero humano, estabelecendo o seu futuro. Como 
se houvesse povos melhores ou superiores e que seriam o ponto culminante da humanidade. Hoje 
não lhe cabe mais tal tarefa. Ela pode ter outro papel.
1.5 Papel da história na sociedade
Como já discutimos, a história tem um importante papel na nossa sociedade. No entanto, 
durante muito tempo, houve quem quisesse instrumentalizá-la, isto é, torná-la um tipo de conheci-
mento que deveria levar a mudanças na sociedade. Então, ela própria era uma forma de ideologia2, 
carregando um discurso de mudanças, quando na realidade ela deve estudar e analisar aconteci-
mentos ao longo do tempo e os seres humanos que se encarregarem de mudar a sua história.
Apesar de alguns historiadores situarem o seu aparecimento na Grécia Antiga, a disciplina 
História é contemporânea. Na sua forma moderna, ela surge no final do século XVIII, junto do 
nacionalismo e das classes sociais, como instrumento para a análise da sociedade. Durante todo 
o século XIX e parte do século XX, ela foi utilizada para explicar o aparecimento das 
nações e das classes, o que na realidade era uma forma de legitimar o poder do 
Estado ou legitimar o poder das classes. Essa utilização marcou profundamente 
a disciplina, pois ela demorou a se desvencilhar dessa característica utilitária, 
que é uma forma de legitimação de quem ocupa o poder ou de quem quer ocu-
pá-lo, e, até nos nossos dias, há essa pretensão.
Ainda hoje é comum encontrar esse caráter nos livros de História, prin-
cipalmente aqueles voltados para os ensinos Fundamental e Médio. Sem sa-
ber como situar a disciplina fora do campo da utilidade, historiadores desejam 
transformá-la em instrumento de mudança social. Isso ocorre porque um mo-
delo de senso comum das ciências exatas e biológicas está presente, o da utili-
dade científica do conhecimento. Busca-se proximidade com a Física, a Química, 
a Biologia etc., dando à História o mesmo caráter. Porém, isso não é possível, pois a 
2 Aqui o termo ideologia significa um conjunto de ideias políticas que visa a modificar a sociedade.
Cabe-nos perceber 
que as sociedades 
são diferentes umas 
das outras, mesmo 
as que deram origem 
à nossa.
História e sociedade 17
nossa disciplina tem sua especificidade, por mais que se utilize dos mesmos mecanismos de racio-
cínio das outras, tais como hipóteses, demonstrações, explicações e material empírico.
Mais importante que aproximar a nossa disciplina de outras ciências e tentar dar à História 
uma utilidade é perceber de que modo ela pode contribuir para conhecer o passado. Vejamos um 
exemplo de como a temperatura era percebida no Antigo Regime3:
A sensibilidade ao frio, ao quente, navega entre o inato e o adquirido; é um 
fato profundamente cultural, como a tolerância ou a intolerância à luz. É tam-
bém um fenômeno biológico: homens, mulheres e crianças não têm as mesmas 
reações a um e a outro. Quando a promiscuidade e o amontoamento se torna-
vam um remédio universal, as relações entre os sexos, as atitudes em relação à 
infância, a utilização protetora das roupas, o fechamento da cama, e acúmulo 
de cobertas ou dos acolchoados se combinavam para definir um microbiotipo 
protetor, o qual não se pode mais imaginar com o hábito dos quartos separados. 
Era a combinação de todos esses elementos, a ressonância de uns em relação aos 
outros, que fazia o hábito ou a rejeição, e para isto o corpo e a inteligência eram 
igualmente mobilizados. (ROCHE, 2000, p. 151)
Nesse caso, vemos um exemplo de como a história instrui e diverte. Podemos conhecer 
um pouco sobre as pessoas do século XVIII, sem taxá-las de atrasadas. Ao mesmo tempo, a nossa 
curiosidade sobre o passado também é satisfeita. O que para nós parece normal, aos olhos do his-
toriador não é. Aquecer-se não é um ato mecânico, pelo contrário, é cultural. Diferentes sociedades 
dão diferentes respostas em relação ao frio. Na Europa do século XVIII, segundo o historiador 
Daniel Roche (2000), a resposta ao frio implicava inclusive um regime corporal diferente, isto é, 
o corpo se adaptava às condições impostas socialmente e não de acordo com a natureza. Portanto, 
pode-se dizer que até as doenças também têm uma história. As pessoas reagem de diferentes ma-
neiras às doenças, conforme as relações sociais estabelecidas.
Por isso, a nossa disciplina não é igual às demais: ela tem um papel diferente a cumprir que 
não cabe às ciências exatas e biológicas. O papel da História é instruir, trazer conhecimento sobre o 
passado, mesmo que não seja na sua totalidade. Ela serve para alargar o nosso horizonte, aumentar 
o nosso conhecimento do mundo e saber mais sobre a própria humanidade e, com isso, nos tornar 
mais inteligentes, mais capazes a responder aos desafios que temos no nosso dia a dia.
1.6 Práticas dos historiadores
Vimos até agora questões ligadas ao nosso cotidiano e como podemos compreender as so-
ciedades passadas. Agora, vamos tratar das práticas dos historiadores.
Em primeiro lugar, eles são pessoas de suas épocas, isto é, eles não estão acima da sociedade 
em que vivem, só podem agir e pensar de acordo com o seu próprio contexto histórico.
Em segundo lugar, eles não podem reviver tudo o que aconteceu. Isso é humanamente im-
possível. O máximo que podem fazer é dar uma ideia sobre acontecimentos passados.
3 A expressão Antigo Regime se refere ao modo como a sociedade era organizada antes da Revolução Francesa (1789-1799).
História, política e sociedade18
Dessa forma, quando um historiador conta uma história, ele só pode colocar questões per-
tinentes ao universo mental da sociedade à qual pertence e, por isso, não existem questões que 
transcendem o tempo. Tudo o que conhecemos é relativo ao momento histórico que vivemos.
Hoje, estamos muito preocupados com o nosso conforto e com o nosso corpo, o que faz 
com que perguntemos ao passado questões relativas ao nosso interesse. Vejamos o que seria belo 
no Renascimento:
A beleza do mundo, cujas regiões etéreas representariam a perfeição, serve de 
modelo à beleza do corpo: o céu cósmico e o céu corporal se correspondem no 
século XVI. O busto, o rosto, as mãos seriam os lugares da estética corporal, se 
descortinando “principalmente uma parte, a saber, a parte superior que olha 
através da luz do sol”. Eles têm uma “proximidade com a natureza dos anjos”. 
Eles se impõem pelos seus lugares: aquele cuja eminência permite a cada um de 
“melhor contemplar”. (VIGARELLO, 2004, p. 21, tradução nossa)
As pinturas desse período procuravam destacar o busto e o rosto. As mulheres tinham muito 
mais atenção aos penteados e joias, e não se dava muita importância ao resto do corpo, tanto que 
nem era vergonhoso mostrá-lo nu. Trata-se de uma concepção de corpo e de beleza dentro do seu 
contexto histórico.
O historiador deve estar atento às práticas sociais. Elas não são as mesmas diante de fatos 
que aparentemente são iguais. E isso se dá em relação ao corpo, à beleza, ao conforto, à riqueza, 
ao poder, à sexualidade – enfim, tudo aquilo que envolve o ser humano.
Devemos reconhecer que o tipo de conhecimento que a história mobiliza não é o mesmo 
das outras ciências. Ele deve recorrer a elementosexplicativos que encontramos na literatura e na 
antropologia. O estatuto de ciência não garante à história uma verdade “melhor” ou o saber factual 
do que realmente aconteceu.
Por outro lado, achar que a narrativa histórica depende exclusivamente do domínio literário 
também não melhora muito a situação.
A história está a meio caminho entre ciência e literatura: de um lado, usa de procedimentos 
científicos, como os antropólogos, para se ter alguma compreensão do passado; de outro, são ne-
cessários procedimentos literários para narrar o que aconteceu.
Isso fez muitos pensadores gastarem muita tinta. A polêmica sobre se a história é ciência ou 
arte durou quase todo o século XX. No entanto, a questão não é e nem deve ser essa, mas sim sobre 
o tipo de conhecimento que a história produz.
O historiador deve recorrer a um tipo de material – fontes históricas – para compor a 
sua explicação. Dessa maneira, ele faz as duas coisas. Procede de modo científico, selecionando, 
separando e interrogando o material e, em seguida, procede como um literato, ao colocar aquele 
material em uma trama, isto é, construindo uma narrativa.
O que provocou muita discussão foi saber se o historiador explica o que realmente aconteceu 
ou se faz apenas ficção. Ora, não é possível contar o que realmente aconteceu, pois, em primeiro 
lugar, seria necessário verificar in loco, fazer verdadeiramente uma viagem no tempo. Em segundo 
História e sociedade 19
lugar, seria preciso “pairar” sobre o momento, pois, estando em um lugar físico, o historiador teria 
somente uma visão parcial. Em terceiro lugar, ele precisaria contar tudo o que aconteceu e de que 
forma aconteceu, o que faria a narrativa consumir o mesmo tempo que o acontecimento, ou seja, 
é humanamente impossível uma narrativa que possa ser totalmente fiel aos acontecimentos.
Portanto a narrativa histórica produz de fato um “efeito de real”, segundo Roland Barthes 
(1968), isto é, a sensação que se tem ao ler uma narrativa é de que aquilo realmente aconteceu. 
Não podemos reviver o que passou, mas podemos ter uma compreensão, ou, ainda, segundo Paul 
Veyne (1982), a narrativa história deve ser verossímil: não é o que aconteceu, mas também não é 
pura ficção. É o que aconteceu de uma forma que possa ser inteligível.
Assim, podemos ter um conhecimento do passado. Nesse aspecto, o historiador se asseme-
lha ao antropólogo, que deve, em primeiro lugar, reconhecer a diferença entre ele e a sociedade 
ou grupo que pesquisa, para, em seguida, descrever como é e como vive essa sociedade ou grupo. 
Desse modo, o antropólogo deve, antes de tudo, estabelecer a alteridade, ou seja, o reconhecimento 
do outro. O passado é a alteridade do historiador e ele deve reconhecer a distância que o separa do 
que passou para, em seguida, trazer para as pessoas do presente o relato das viagens incríveis que 
podem ser feitas no tempo.
Ampliando seus conhecimentos
O texto que segue é um trecho de um artigo de Roger Chartier explicando como a disciplina 
histórica foi modificada pelas proposições de Michel Foucault (1926-1984).
A quimera da origem
(CHARTIER, 2002, p. 148-150)
Foucault revolucionou duplamente a história. Em primeiro lugar, tornou-se impossível depois 
dele considerar os objetos, cuja história o historiador pretende escrever como “objetos natu-
rais”, como categorias universais das quais se deveria apenas determinar as variações históricas 
– quer tenham por nome loucura, medicina, Estado ou sexualidade. Por detrás da comodidade 
preguiçosa do vocabulário, o que se deve reconhecer são recortes singulares, distribuições 
específicas, “positividades” particulares, produzidas por práticas diferenciadas que constroem 
figuras (do saber ou do poder) irredutíveis umas às outras. Como escreve Paul Veyne:
A filosofia de Foucault não é uma filosofia do “discurso”, mas uma filosofia da relação. 
Pois “relação” é o nome que se designou como “estrutura”. Ao invés de um mundo feito 
de sujeitos ou então de objetos ou de sua dialética, de um mundo onde a consciência 
conhece seus objetos de antemão, visa-os ou é ela própria o que os objetos fazem dela, 
temos um mundo onde a relação é a primeira: são as estruturas que dão suas fisiono-
mias objetivas à matéria.
Não há, portanto, objetos históricos preexistentes às relações que os constituem, não há campo 
de discurso ou de realidade delimitado de maneira estável e imediata: “as coisas são apenas 
as objetivações de práticas determinadas, visto que a consciência não as concebe”. Então, é 
identificando as divisões e as exclusões que constituem os objetos que estabelece para si que 
História, política e sociedade20
a história pode pensá-los, não como expressões circunstanciadas de uma categoria universal, 
mas, bem ao contrário, como “constelações individuais ou mesmo singulares”.
Transformar a definição do objeto da história é, necessariamente, modificar as formas da escri-
tura. Em seu comentário de Surveiller et punir (Vigiar e punir), Michel de Certeau enfatizou 
o deslocamento retórico – e os perigos – que implica uma história das práticas sem discurso:
Quando, ao invés de ser um discurso sobre os outros discursos que o precederam, 
a teoria arrisca-se em domínios não-verbais ou pré-verbais onde se encontram ape-
nas práticas sem discursos de acompanhamento, surgem certos problemas. Há uma 
brusca mudança, e a fundação, geralmente tão segura, oferecida pela linguagem faz 
então falta. A operação teórica encontra-se repentinamente na extremidade de seu ter-
reno normal, tal como um carro que chega à beira da falésia. Depois dela, apenas o 
mar. Foucault trabalha à beira da falésia, tentando inventar um discurso para tratar de 
práticas não-discursivas.
[...]
“À beira da falésia”. A imagem é bela para designar a inquietude própria a toda história que 
tenta essa operação limite: dar conta na ordem do discurso da “razão”, ou da desrazão das prá-
ticas – tanto dessas práticas dominantes que organizam normas e instituições quanto daquelas, 
disseminadas e menores, que tecem o cotidiano ou sustentam os ilegalismos.
Porém, para todos aqueles que dele se aproximam, há, à beira da falésia, um apoio amparador: 
o trabalho de um pensamento que sempre se situou “no ponto de cruzamento de uma arqueo-
logia das problematizações e de uma genealogia das práticas”
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Trad. Patrícia 
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002.
Atividades
1. Explique a afirmação de Benedetto Croce de que só existe a história do presente.
2. O cotidiano é importante no estudo histórico porque:
a) mostra-nos o que não deve ser estudado em História.
b) permite-nos conhecer mais profundamente as sociedades.
c) explica como as pessoas obedecem às leis.
d) demonstra os atos oficiais dos governos. 
3. Por que a história estaria a meio caminho entre a ciência e a arte?
2
Estado, sociedade e luta de classes
2.1 Mentalidades e sociedade na Baixa Idade Média
Muito se escreveu sobre as bases ideológicas e filosóficas do capitalismo, mas qualquer um 
sabe inconscientemente quais são, pois é tão óbvio, tão simples, que as ignoramos: elas são consti-
tuídas pelo desejo! É sobre esse fundamento que a sociedade capitalista se construiu.
Todos nós queremos ter o que consideramos necessário para a vida. Desejamos alimentos, 
moradia, saúde, mas também conforto e – por que não? – riqueza. Poderíamos dizer quais são as 
necessidades básicas de uma sociedade? Hoje, consideramos a inclusão digital como imprescindí-
vel para que o cidadão participe na sociedade brasileira. Há pouco tempo, porém, isso não fazia 
parte das nossas preocupações.
As sociedades mudam, as preocupações e os desejos mudam.
Quais seriam as necessidades das sociedades medievais? Seriam outras: uma boa tapeçaria, 
uma bela montaria, armas bem forjadas ou uma enxada de ferro, uma boa parelha de bois, belas 
igrejas e muita comida.
Diferentes sociedades, diferentes necessidades.
Qual outra forma econômicapode prometer tudo isso a todo mundo (pelo menos a princí-
pio)? Foi com base na utopia da abundância que o capitalismo pôde se desenvolver no mundo todo.
O surgimento desse tipo de organização econômica e social ocorreu na Idade Média, 
mais ou menos por volta do século XI. A estabilização da sociedade e o fim das guerras inter-
nas favoreceram o florescimento do comércio. Os nobres, desejosos de produtos mais sofisti-
cados, recorreram aos comerciantes que estabeleceram rotas comerciais através da Europa e 
da Europa com o Oriente.
O desenvolvimento do comércio permitiu o aparecimento de uma nova classe social: a bur-
guesia. Até por volta do século XII, burgueses eram os habitantes dos burgos, mas logo os comer-
ciantes mais abastados passaram a ser assim chamados. Porém, a aceitação desses novos persona-
gens sociais não foi muito fácil.
A Igreja católica medieval interpretava a Bíblia à sua maneira e, no que diz respeito à rique-
za, não havia muitas dúvidas: frequentemente era associada a tabus.
O primeiro desses tabus aparece no Gênesis, quando Adão é expulso do Paraíso e Deus o 
condena a trabalhar com as próprias mãos:
Já que você deu ouvidos à sua mulher e comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha 
proibido comer, maldita seja a terra por sua causa. Enquanto você viver, você 
dela se alimentará com fadiga.
A terra produzirá para você espinhos e ervas daninhas, e você comerá a erva dos 
campos. Você comerá o pão com o suor do seu rosto até que volte para a terra, 
pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará. (GÊNESIS, 3: 17-18)
História, política e sociedade22
Como sabemos, na Idade Média a Igreja era a principal instituição e por isso os textos sa-
grados eram seguidos quase que cegamente. Na compreensão da Igreja, trabalhar foi uma puni-
ção recebida pelo homem por causa do pecado original. Além disso, a expressão encontrada no 
Evangelho de que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no 
reino de Deus” (MARCOS, 10: 25; LUCAS, 18: 25) também fornecia bases para se pensar a riqueza.
Portanto, em uma sociedade na qual o trabalho é desprezado pelas classes dominantes, ele 
também é pelos menos abastados. Os nobres e o clero consideravam vil trabalhar com as mãos 
para garantir o sustento, mesmo porque, por ser uma punição dada ao homem, o trabalho era visto 
como uma forma de penitência. Mexer com a terra, suar para tirar o sustento, trabalhar com as 
próprias mãos era estar sujo todo o tempo (por isso, os nobres diziam que tinham sangue azul: por 
estarem limpos, era possível ver suas veias).
Daí o segundo tabu: para as classes dominantes, o dinheiro obtido com o trabalho estava 
ligado à sujeira e, portanto, aqueles que o manuseavam como usurários eram muito malvistos:
A usura é um roubo, portanto, o usurário um ladrão. E antes de tudo como 
todos os ladrões, um ladrão de propriedade. Thomas de Chobbham o diz bem: 
“O usurário comete um furto (furtum) ou uma usura (usurum) ou uma rapina 
(rapinam). Pois recebe um bem alheio (rem alienam) contra a vontade do ‘pro-
prietário’ (invito domino), isto é, de Deus.” (Tabula exemplorum) O usurário 
é um ladrão particular; mesmo que não perturbe a ordem pública (nec turba 
trem publica), seu roubo é particularmente odioso na medida em que rouba a 
Deus. (LE GOFF, 1989, p. 39)
Também era muito comum a noção de que todas as riquezas ha-
viam sido criadas por Deus no início do mundo, logo não se entenderia 
a possibilidade de alguém ficar rico trabalhando, pois se as riquezas são 
fixas e alguém ficou rico isso significa que alguém ficou pobre. Noções 
como poupança e acumulação não eram comuns na Idade Média.
A origem da palavra trabalho já indica o menosprezo pela 
atividade manual. A palavra labor, por exemplo, origina-se do latim 
laboris e significa dor ou fadiga na realização de uma tarefa. Já o verbo 
trabalhar vem da palavra tripaliare (“torturar”), que por sua vez vem de 
tripalium, significando um instrumento de tortura.
Assim, para os romanos, o ato de trabalhar possuía uma conota-
ção muito negativa e essa imagem chegou à Idade Média auxiliada pelos 
tabus adicionados pelo cristianismo. Por isso, ganhar dinheiro não era 
visto com bons olhos.
Acrescente-se a isso a noção de tempo do mundo medieval: havia 
uma clara dissociação entre o tempo sagrado e o tempo profano. Podemos 
observar isso com uma questão polêmica proposta por um leitor-geral da 
Ordem Franciscana , no início do século XIV. Vejamos: “podem os mer-
cadores, para um mesmo negócio, fazer pagar mais àquele que não pagar 
imediatamente do que àquele que paga logo? A resposta argumentada é: 
Fonte: BOSCH, H. Morte do Avarento. c. 
1492. Óleo sobre madeira: 92,6x30,8 cm. 
Galeria Nacional de Arte, Washington, EUA. 
Figura 1 - Um avarento sendo dispu-
tado por anjos e demônios, mentali-
dade da sociedade da época.
Estado, sociedade e luta de classes 23
não, porque assim estava a vender tempo e cometeria usura, vendendo o que não lhe pertence” (LE 
GOFF, 1980, p. 43, grifo nosso).
Para a Igreja medieval, o tempo pertence a Deus e, portanto, cobrar juros é cometer um pe-
cado. Para ilustrar mais ainda essa questão, vamos acrescentar que
o tabu do dinheiro [...] representou um papel importante na luta das sociedades 
que viviam num quadro de economia natural contra a invasão da economia 
monetária. Este terror perante a moeda de metal precioso anima as maldições 
contra o dinheiro dos teólogos medievais [...] e estimula a hostilidade para com 
os mercadores, sobretudo atacados como usurários ou cambistas e, mais geral-
mente, para com todos que lidam com dinheiro e para com todos os assalaria-
dos agrupados sob a designação de mercenários. (LE GOFF, 1980, p. 88)
Essa visão eclesiástica contrastava com as necessidades da vida. Os nobres queriam, cada vez 
mais, produtos para o seu status, precisavam do dinheiro que os mercadores possuíam e, por isso, 
incentivavam o comércio, passando a ver suas propriedades de outra maneira, pensando mais em 
valor de troca do que em valor de uso.
2.2 O surgimento do capitalismo
No entanto, não foi possível levar a efeito a mercantilização sem uma mudança nas formas 
de pensar a realidade. A mais importante mudança era na concepção do tempo. Como vimos, ele 
era dominado pela visão da Igreja. O calendário surgiu para marcar o tempo sagrado. Os dias e 
as horas existiam para lembrar os acontecimentos divinos e não os profanos. Por isso, foi tentado 
precisar o calendário o máximo possível com a reforma feita pelo papa Gregório XIII, em 1582. 
Desejava-se obter precisamente o ano em que Jesus nasceu, o tempo decorrido desde lá e marcar 
os grandes acontecimentos ligados à história da Igreja, como os nascimentos e mortes de santos – 
enfim, o calendário deveria mostrar a história sagrada.
Já o tempo do trabalho não sofria qualquer referência. Não existia um calendário para os 
eventos profanos, a não ser quando um rei tentava ligar um acontecimento ao sagrado – uma vi-
tória milagrosa, uma intervenção divina no reino etc. Mesmo assim, não havia precisão. Enfim, 
as horas marcavam as horas canônicas, que eram momentos de recolhimento e oração, e o calen-
dário marcava o tempo litúrgico.
Porém, as mudanças anunciavam novos tempos. Os mercadores precisavam cada vez mais de 
produtos para trocar com o Oriente. Eles incentivavam as pequenas manufaturas de tecidos a produ-
zirem mais. Logo, as excessivas horas de trabalho nas manufaturas fizeram os próprios trabalhadores 
exigirem horário para as tarefas, e as horas que marcavam o tempo do sagrado passaram a ser utilizadas 
para o tempo profano, assinalando o momento da entrada e da saída do trabalho. O tempo foi deixando 
de ser um domínio eclesiástico e tornou-se cada vez mais profano, com a sua utilização por laicos.
Nesse momento, a Igreja abrandou as condenações contra a usura. Uma das armas para a 
aceitação do usurário era o uso da confissão e da contrição – isso garantiria a salvação da alma, 
mas também havia o reconhecimentoda prática por parte daquele que se confessasse e a Igreja só 
condenava veementemente aqueles que abusavam da cobrança de juros, aparecendo, por volta do 
século XIII, a ideia de moderação.
História, política e sociedade24
Com o arrefecimento das condenações da usura, houve, ao longo de séculos, uma lenta ex-
pansão do comércio. Mas ainda havia muitos obstáculos: o dinheiro era considerado sujo, o traba-
lho era visto como uma forma de penitência e os comerciantes eram alvo de desconfiança e temor.
Nos séculos XIV, XV e XVI, importantes mudanças ocorreram nas formas de pensar o tra-
balho. As horas marcavam cada vez mais o tempo profano e o comércio se expandia, tornando-se 
parte fundamental da manutenção dos nascentes Estados nacionais. Os reis precisavam organizar 
seus reinos e empreender a expansão de seus domínios, e para isso foram buscar recursos dos co-
merciantes – muitos dos quais já tinham assumido importância social, mesmo com todos os tabus 
que ainda pesavam sobre a ideia de ganhar dinheiro e ficar rico.
Nesse período, acreditava-se que os reinos só poderiam ser poderosos e ricos se tivessem o 
monopólio do comércio. Então, era necessária a expansão do Estado, garantindo novos mercados. 
Foram as grandes navegações que permitiram abertura de novas fronteiras para essa expansão.
2.3 O papel da burguesia na formação dos Estados nacionais
As figuras do banqueiro e do burguês tornaram-se comuns no mundo do Renascimento. 
A burguesia era a única camada da população que considera o trabalho uma forma de enrique-
cimento – mas não sem problemas na consciência: 
ainda pesavam os tabus sobre o trabalho e a rique-
za, como vimos. Para superá-los, seriam neces-
sários ainda muitos anos, e isso foi um poderoso 
obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo.
Em meio à desconfiança generalizada, muitos 
procuravam meios de valorizar as suas atividades 
adquirindo títulos de nobreza ou casando seus filhos 
com nobres. Outros recebiam títulos dos reis por 
serviços prestados e acabavam por auxiliar na admi-
nistração dos reinos.
Ao mesmo tempo em que ocorria a expansão 
comercial, o poder dos reis estava se consolidando. 
Aos poucos, foi se dando a centralização dos rei-
nos, em detrimento do poder dos nobres. No caso 
da França, o fim da chamada Guerra dos Cem Anos 
(1337-1453) marcou um aumento do poder do rei.
Desde o século XII, os reis franceses lutavam 
para impor o seu poder, mas encontravam resistência 
na nobreza, da qual eram oriundos. Os nobres conside-
ravam-se pares dos reis e, portanto, não aceitavam obe-
decê-los, a não ser em momentos de guerra, de acordo 
com o costume. Quando desconfiavam de algum Naquela época, eram frequentes os retratos de burgueses, que 
assim procuravam se autovangloriar e “enobrecer-se”.
Figura 3 – O casal Arnolfini, em pintura de Jan van Eick
Fonte: EYCK, J. V. O Casal Arnolfini. 1434. Óleo sobre madeira: 82x60 cm. 
Galeria Nacional, Londres, França.
Estado, sociedade e luta de classes 25
soberano, aliavam-se a outro, e esse foi o caso na Guerra dos Cem anos. Em 1328, morreu o rei francês 
Carlos IV e o rei Eduardo III, da Inglaterra, parente de Carlos, colocou-se como sucessor. Parte da no-
breza da França não o aceitou e deu seu apoio a Felipe de Valois, outro pretendente ao trono, que assim 
foi escolhido como rei. Com isso, foi iniciada uma guerra que duraria mais de cem anos – apesar do 
nome como ficou conhecida. Em 1453, com a definitiva expulsão dos ingleses do território francês, fi-
nalmente foi possível dar unidade a esse território, que quase corresponde ao que a França é hoje. Porém, 
ao contrário do que desejava a nobreza, isso significou o fortalecimento do poder real.
Outro exemplo de centralização política foi a Guerra de Reconquista 
na Península Ibérica. Desde o século VII, muçulmanos ocuparam grande 
parte da península. Durante séculos, houve enfrentamentos mesclados com 
períodos de paz, até que, em 1492, os muçulmanos foram derrotados. Com 
a sua expulsão, o poder real pôde se impor e unificar o Reino da Espanha.
Nesse processo de unificação do poder real, o burguês se tornou uma 
figura imprescindível: os reis necessitavam de recursos para se impor diante 
dos nobres e, por isso, recorriam cada vez mais aos comerciantes, principal-
mente aos banqueiros. Surgiram grandes casas comerciais que dominaram o 
comércio por toda a Europa, como no caso da Liga Hanseática1.
O papel da burguesia não parou de crescer com a centralização política. 
Até mesmo nobres poderosos, que disputavam o poder com os reis, favoreciam o co-
mércio: eles estavam de olho não somente nos empréstimos, mas também nos impostos.
Com isso, as cidades ganharam importância. Até por volta do século XIV, elas eram simples 
locais de proteção e peregrinação, sendo que a principal atividade era desenvolvida na catedral, – 
o centro da vida local –, atraindo peregrinos e atividades ligadas à vida religiosa. Foi nas cidades 
que se desenvolveu o comércio, e logo elas se tornaram centros econômicos e políticos, como é o 
caso de Paris, onde a Corte se fixou em uma antiga fortificação, que foi ampliada, tornando-se um 
grande palácio, conhecido, hoje, como Museu do Louvre.
2.4 Poder político e poder econômico
O aumento do poder político dos reis e o aumento do poder econômico da burguesia trans-
formaram a sociedade medieval. Pouco a pouco, o trabalho mudou de status – e para isso houve 
contribuição de novas práticas religiosas, como o luteranismo e o calvinismo, duas religiões de 
origem católica, mas com alguns pontos de vista diferentes.
Martinho Lutero (1483-1546) era um frade católico que se rebelou contra a cobrança de 
indulgência pela Santa Sé e contra o que ele julgava ser a decadência moral do clero. Excomungado 
em 1521, Lutero passou a pregar com o apoio de alguns príncipes alemães que queriam se livrar do 
domínio católico. Ele acreditava que para salvar a alma não bastariam as boas obras, pois também 
seria necessária a fé e, por isso, o praticante deveria ler e interpretar a Bíblia por si mesmo.
1 A Liga Hanseática foi uma aliança de cidades mercantis alemãs e de influência alemã, estabelecida entre os séculos 
XII e XVII e que manteve um monopólio comercial sobre as rotas comerciais do norte da Europa.
O aumento do 
poder político dos 
reis e o aumento do 
poder econômico 
da burguesia 
transformaram a 
sociedade medieval.
História, política e sociedade26
Inspirado pelo luteranismo, João Calvino (1509-1533) acrescentou novas ideias. Para ele, 
havia a predestinação da alma, sendo que Deus enviaria os sinais para que o fiel soubesse se seria 
salvo ou não. Um desses sinais era a possibilidade de adquirir riquezas pelo trabalho, e essa era uma 
tese muito interessante para grande parte da burguesia, pois ainda pesavam as interdições da Igreja 
católica com relação aos lucros e à usura.
Como vimos, havia, para muitos, uma preocupação com a vida após a morte, que, não po-
demos esquecer, era uma realidade muito presente para os homens da época. A ideia de trabalhar, 
enriquecer e ainda assim salvar a alma mudava completamente o cenário social.
Desse modo, os reis passaram a concentrar poder político e a burguesia, por sua vez, poder 
econômico. Os nobres perdiam o poder de aplicar a justiça e cobrar impostos, que cabiam ao rei e, 
em seguida, nem ao rei, já que se tornaram atributos do Estado. Este começa a ganhar autonomia 
em relação ao poder real e, aos poucos, vai se tornando uma instituição que não depende de um 
rei, de um indivíduo. O rei governa, mas ao longo do tempo se torna, em realidade, o principal 
funcionário do Estado, que se transforma em uma entidade política.
Muitas das posições políticas eram ocupadas por nobres que aceitavam o poder real. No 
entanto, surgiram funcionários contratados pelo Estado para administrá-lo, como: cobradores de 
impostos, administradores, arquivistas, contadores, juízes, militares etc. Muitos saíam das fileiras da 
burguesia e tornavam-se funcionários de carreira e alguns conseguiam,inclusive, títulos de nobreza, 
ou, como diziam, “nobres de toga”, o que causava muita inveja nos nobre de sangue.
Os reis também procuravam se livrar do poder da Igreja, submetendo-a ao seu controle. 
Esse foi o caso da Inglaterra; o rei Henrique VIII (1491-1547) desejava expandir o seu poder, 
porém encontrava obstáculos na presença do clero. O conflito entre o rei e o papa atingiu seu 
ponto máximo na recusa do pontífice em conceder divórcio a Henrique. A desculpa do rei era a de 
que a rainha Catarina (1485-1536) não lhe havia dado um herdeiro. Mesmo contra a vontade do 
papa, ele se casou com Ana Bolena (1507-1536). Diante disso, o papa Clemente VII (1478-1534) 
excomungou o rei, que, em seguida, determinou que o Parlamento, composto na sua maioria por 
nobres, votasse os Estatutos da Supremacia, que fizeram do monarca o líder supremo da Igreja na 
Inglaterra, recebendo a denominação de Igreja Episcopal, ou Igreja anglicana.
Esse caso ilustra como a vontade dos reis era a de obter cada vez mais poder político. E eles 
também incentivavam os burgueses a expandirem os negócios. Além disso, teorias políticas surgi-
ram como forma de explicar, justificar e aconselhar os reis. Um exemplo foi Maquiavel.
O italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) era funcionário de carreira da cidade de Florença, 
mas havia se aliado aos inimigos dos Médicis, família que dominou a política e a economia nessa 
cidade do século XIII ao XVI. Somente por um breve período eles estiveram fora dos negócios 
da cidade, e, com o seu retorno ao poder, em 1512, Maquiavel foi acusado de conspirar contra os 
Médici, que se tornaram novamente os senhores de Florença. Essa atitude fez com que ele chegasse 
a ser torturado, mas sua amizade juvenil com Juliano de Médici lhe garantiu um indulto e o exílio. 
Nos anos seguintes, por vários meios ele tentou obter as graças dos Médicis. Utilizando-se de inter-
mediários, dedicou escritos aos senhores de Florença. Adulou Juliano enviando-lhe escritos sobre 
o governo e sobre a organização das milícias, dando conselhos.
Estado, sociedade e luta de classes 27
Em 1516, quando o poder foi assumido por Lourenço de Médici, sobrinho de Juliano, 
Maquiavel dedicou O príncipe, sua obra máxima, ao novo governante. Mas tudo isso foi em vão, 
pois, para seu desgosto, Nicolau Maquiavel permaneceu na cena política florentina e italiana como 
um personagem secundário e esquecido por muitos até a sua morte. Somente no século XVIII é 
que seu principal livro se torna conhecido de pensadores políticos e filósofos.
Porém, as suas proposições surpreenderam até mesmo os condottieri (senhores da guer-
ra) da época. Considerando pormenorizadamente o poder e os meios para obtê-lo e mantê-lo, 
Maquiavel inovou ao apresentar a ação política como um cálculo. Não que isso não fosse praticado, 
mas era a primeira análise sistemática dessa ação. No entanto, Maquiavel não era maquiavélico: ele 
queria instruir o príncipe da melhor maneira para manter o poder.
Para a época, século XVI, um bom príncipe não era aquele que administrava bem, mas aque-
le que proporcionava prosperidade e abundância ao reino por ser um rei bom, isto é, o simples fato 
de ser um rei temente a Deus faria dele um bom governante.
Maquiavel inovou por fazer a boa administração ser fruto de um cálculo político. A sua fama 
posterior se deve às mudanças que ocorreram no campo da política, principalmente no século 
XVIII, quando passou a ser considerado um calculista, surgindo assim o adjetivo maquiavélico.
Além do pensamento de Maquiavel, outras teorias surgiram sobre formas de governo. Muitas 
auxiliavam teoricamente a aliança entre o Estado e a burguesia. As antigas relações feudais foram 
se extinguindo e novas formas se estabeleceram. O comércio passou a ser fundamental para os 
Estados, pois proporcionava mais impostos; os reis concediam monopólios aos comerciantes, arre-
cadando mais imposto e fortalecendo o Estado. Novas necessidades, formas de trabalho e produtos 
acarretaram uma grande expansão nos negócios e dos Estados: foi o tempo das grandes navegações 
na busca de mercados e produtos.
2.5 Industrialização e movimentos sociais
Apesar de tudo, a ideia de trabalhar e, por isso, receber um salário era fortemente combatida 
pelas camadas mais simples das populações europeias. Havia grande resistência em aceitar o tra-
balho nas manufaturas e muitos desses trabalhadores eram antigos camponeses forçados a deixar 
suas terras.
Isso ocorreu principalmente na Inglaterra, com os “cercamentos” dos campos, quer dizer, 
as terras que eram comuns foram tomadas por grandes proprietários para criarem ovelhas e assim 
alimentar a nascente indústria de tecidos. Os camponeses foram proibidos de ter acesso a essas 
terras e não podiam mais ter os seus próprios rebanhos. Assim, sem terras para alimentar seus 
animais, muitos camponeses perambulavam pelas cidades em busca de trabalho, encontrando nas 
manufaturas um meio de sobrevivência, que impunha duras jornadas. Porém, esses trabalhadores 
não aceitaram passivamente essa nova situação, na medida em que seus antigos costumes ainda 
pesavam nas suas formas de ver a realidade. Além disso, os donos das manufaturas encontravam 
inúmeros problemas para manter a produção. O absenteísmo era o primeiro. Os roubos e o trabalho 
descontínuo eram outros.
maquiavélico: 
o que ou aquele 
que é desleal, 
falso, pérfido, 
ardiloso, velhaco.
História, política e sociedade28
Como vimos, a ascensão da burguesia também foi a ascensão da ideia de que o trabalho é 
bom e “enobrece”; assim, essa atividade foi valorizada. Ditados do tipo “Deus ajuda quem cedo 
madruga” e “tempo é dinheiro” apareceram nessa época, por volta dos séculos XVI e XVII.
Também apareceram, principalmente no século XVII, na Inglaterra, muitos pregado-
res oriundos do povo que viam no trabalho o bom emprego do tempo. Criticavam a ociosidade, 
os jogos e a bebida, conclamando as pessoas a irem em busca de atividades assalariadas. É o que 
Thompson chama de “disciplinarização da classe trabalhadora” (THOMPSON, 1998).
Ao mesmo tempo em que se procurava moralizar a classe trabalhadora, ela se organizava 
em novas bases. As suas primeiras associações surgiram no fim do século XVIII e início do século 
XIX. Nesse momento também surgiram as primeiras teorias sobre as formas de organização da 
sociedade e de questionamento do capitalismo.
Tais teorias (muitas delas surgidas com a Revolução Francesa – 1789-1799) propunham 
o socialismo como um novo modo de organizar a sociedade. Saint-Simon (1760-1825), Charles 
Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771- 1858) foram alguns desses pensadores, chamados 
de socialistas utópicos por Karl Marx (1818-1883), que os considerava sem bases científicas para 
estudar a sociedade, o que ele acreditava ter feito. Outro pensador importante do período foi 
J. Proudhon (1809-1865), o primeiro a se dizer anarquista, isto é, acreditava que o povo não preci-
sava de governantes, pois poderia autogovernar-se.
Essas teorias inspiraram o movimento operário e estavam por trás de várias revoltas e re-
voluções como a de 1848, que ocorreu em vários locais da Europa. As condições de trabalho e a 
exploração da mão de obra levaram os trabalhadores a tentarem tomar o poder por meio da força.
Em vários países da Europa, no fim do século XIX, surgiram partidos operários que pre-
tendiam chegar ao poder por meio do voto – o Partido Social-Democrata alemão e o Partido 
Trabalhista inglês são alguns exemplos. Sendo assim, o operariado também se organizou em sin-
dicatos, que formaram a base de federações sindicais. As principais reivindicações no final do 
século XIX eram jornada de trabalho de oito horas, descanso remunerado e proibição do trabalho 
noturno para menores e mulheres.
Os patrões resistiam às mudanças e o Estado utilizou o aparato repressivo para acabar com 
o movimento operário. Porém, as lutas se estenderam para vários locais, inclusive no Brasil. Elas 
acabaram modificando o cenário político do séculoXX, quando movimentos revolucionários to-
maram o poder em vários países.
Fica uma constatação: se no início do capitalismo a noção de trabalho era acompanhada de 
várias imagens negativas, ao chegar ao século XX, ele passa a determinar até mesmo a existência hu-
mana, ou seja, o ser humano passa a ser compreendido como o ser que trabalha. “Trabalhar é cada 
vez mais associado ao processo natural, ou melhor, faz parte da natureza humana.” (JOANILHO, 
1996, p. 116). Hoje, o conceito de cidadania se confunde com o de consumidor. Exigimos do Estado 
e das empresas públicas o atendimento do nosso bem-estar, ou seja, exigimos que nos tratem 
como consumidores. A nossa relação com o mundo público é em busca do bem-estar. O exercício 
da política como algo compartilhado cede espaço para o conforto íntimo e o conforto corporal. 
Hoje, há um abandono do espaço público como local da política, priorizando a ideia de conforto e 
Estado, sociedade e luta de classes 29
bem-estar. Por isso, segundo Hannah Arendt (1981), estamos em uma sociedade de detentores de 
empregos, e não em uma sociedade de classes, e nela a única relação que devemos ter com o Estado 
é verificar se ele nos fornece conforto o suficiente para vivermos bem.
Ampliando seus conhecimentos
Neste texto, Jacques Le Goff descreve a situação dos comerciantes no século XII e como 
alguns clérigos sentiam desprezo por eles.
O grande impulso econômico do século XII
(LE GOFF, 1989, p. 38-39)
O grande impulso econômico do século XII multiplicou os usurários cristãos. A hostilidade 
deles contra os judeus era mais alimentada à medida que estes se tornavam às vezes temíveis 
concorrentes. [...] Em teoria, a Igreja os apresentava como sendo piores do que os judeus:
Hoje, os usurários são honrados e protegidos por causa de suas riquezas pelos senhores 
seculares, que dizem: “São nossos judeus” (isto é, nossos emprestadores que estão sob 
nossa proteção) embora sejam piores que os judeus. Pois os judeus não fazem emprés-
timos usurários a seus irmãos. Os nossos tornaram-se íntimos, criados de quarto não 
somente dos príncipes seculares mas também dos prelados a quem prestam serviço e 
emprestam dinheiro, para que estes engrandeçam seus filhos com benefícios eclesiásti-
cos. Quanto às suas filhas, eles as casam com cavaleiros e com nobres e tudo obedece a 
seu dinheiro. E enquanto hoje em dia os pobres são desprezados, eles são tratados com 
honra. (Sermão ad status)
Essas considerações de Jacques de Vitry são as de um pregador moralista e pessimista, incli-
nado a difamar a realidade. Não era tão honroso nem tão seguro ser usurário no século XIII. 
O que é preciso ver, por detrás dessa sombria pintura, é que a sociedade cristã de então está 
bem distante do quadro edificante com o qual certos hagiógrafos modernos da Idade Média 
nos brindam. No tempo de Francisco de Assis e da senhora Pobreza, a verdade é que os pobres 
são desprezados e a usura pode ser um meio de ascensão social que o espantalho do Inferno 
permite refrear. Não mais se invoca a roda da fortuna que desce e pode subir, mas a escada da 
qual se cai irremediavelmente. Étienne de Bourbon pede emprestado o exemplo a um prega-
dor de seu tempo. “Havia numa cidade, uma criança muito pobre e sarnenta, e assim o cha-
mavam pelo apelido de “Sarnento”. Tendo crescido um pouco, para ganhar seu pão tornou-se 
entregador de um açougueiro. Acumulou um pouquinho de dinheiro com o qual exerceu 
a usura. Multiplicando seu dinheiro, comprou roupas um pouco mais distintas. Depois ele 
se casou e começou, graças às usuras, a elevar-se em nome e riqueza. Passaram a chamá-lo 
Martin Le galeux (Le galeux em francês significa ‘sarnento’), transformando a alcunha anterior 
em sobrenome, depois, ficando mais rico, foi monsieur Martin, depois, quando já era um dos 
mais ricos da cidade, messire Martin. Enfim, enriquecido com as usuras, e tendo-se tornado 
o primeiro de todos, por suas riquezas, foi por eles chamado de monseigneur Martin, e as 
pessoas o reverenciavam como se fosse seu senhor. A não ser que ele volte a descer os degraus 
fazendo restituições, do mesmo modo que os subiu praticando usuras, repentinamente des-
cerá ao fundo dos piores horrores do Inferno.”
LE GOFF, J. A bolsa e a vida. São Paulo: Brasiliense, 1989.
História, política e sociedade30
Atividades
1. Explique por que a Igreja não aceitava a cobrança de juros.
2. Para Martinho Lutero, a salvação da alma dependia:
a) da boa vontade dos fiéis e da indulgência de Deus.
b) da absolvição na confissão.
c) da fé e das boas obras.
d) do perdão do papa.
3. Como os burgueses procuraram valorizar a si mesmos e as suas atividades?
3
A expansão dos Estados nacionais
3.1 Mercantilismo
Hoje, nos noticiários, sempre se menciona a balança de pagamentos: a quantidade de pro-
dutos importados e exportados, os valores, o saldo em caixa na contabilidade do governo etc. Essas 
questões são importantes porque demonstram um pouco da saúde financeira do país: se está bem 
economicamente, o país está crescendo e podemos ficar um pouco mais tranquilos, porque isso 
mostra que provavelmente haverá mais empregos.
A vida econômica dos países ganhou dimensões enormes, porém isso é bem recente. 
Podemos dizer que não faz mais de 200 anos que essas preocupações econômicas fazem parte da 
vida das pessoas. Até o século XVIII, outras preocupações permeavam as mentes das sociedades 
ocidentais. Era muito mais importante saber se uma pessoa era católica ou protestante do que saber 
qual profissão ela exercia, se tinha emprego ou se a balança de pagamentos era positiva.
Porém, se não fazia parte das preocupações das pessoas, já fazia parte dos cuidados dos reis. 
Durante a Idade Média, o poder esteve associado à posse de terras: quanto mais áreas possuísse, 
mais poderoso era o nobre ou o rei. Mas a expansão do comércio e a circulação do dinheiro fize-
ram com que os reis vissem a importância de possuir riquezas em espécie, de modo que pudessem 
aumentar o poder do reino.
Por isso, ao mesmo tempo em que empreendiam a expansão de seus domínios, muitos reis 
passaram a incentivar o comércio. Espanha, Portugal, França, Inglaterra e, em seguida, a Holanda 
foram os principais reinos a associar comércio e território. Os reis precisavam aumentar o seu po-
der e a burguesia podia fornecer os meios financeiros necessários para isso.
As terras (que durante quase toda a Idade Média tiveram valor de uso1) passaram a ter valor 
de troca2, ou seja, o sinal de riqueza não era mais o fato de se possuir terras, e sim o valor que se 
poderia obter por elas. Lentamente, a economia se tornava monetária e, por volta do século XV, 
esse movimento de riquezas ganhou o nome de mercantilismo.
Suas principais características foram:
• metalismo – a riqueza de um reino era medida pela quantidade de ouro e prata (metais) 
que possuía;
• comércio favorável – o ideal era vender mais produtos e comprar menos;
• protecionismo – criar altos impostos para os produtos importados; e
• intervenção do reino na economia – favorecer a indústria nacional e incentivar a produção.
1 O valor de uso se refere à utilização de um bem (no caso, as terras) e é bem típico de economias em que as trocas 
são feitas por produtos e não por um valor em dinheiro.
2 O valor de troca ocorre em economias mercantilizadas, em que os produtos têm seus preços fixados em moeda corrente.
História, política e sociedade32
Havia um grande problema: se todos os países praticassem as mesmas medidas, dificilmente 
alguém poderia levar vantagem, e daí a necessidade de que os reinos tivessem uma política agres-
siva, visando a enfraquecer os reinos concorrentes. Uma das maneiras para obter maior poderio 
era a expansão territorial. Reinos como Espanha, Portugal, Inglaterra e França buscavam dominar 
outros e assim aumentar os territórios.
Havia praticamente dois modos de se conseguir isso: influenciar outros reinos por meio de 
pactos, principalmente casamentos entre membros das casas reais, ou pela expansão militar.Os Estados nascentes viviam em escaramuças uns contra os outros e os motivos podiam 
ser os mais fúteis possíveis. Por exemplo, em 1529 Henrique VIII repudiou sua esposa, a rainha 
Catarina de Aragão, porque ela não lhe havia dado herdeiros homens. Porém, o casamento entre 
os dois havia sido arranjado. A Espanha considerou o divórcio forçado uma afronta e passou a 
hostilizar a Inglaterra. Durante anos, os dois países viveram momentos belicosos, até que, em 1588, 
enfrentaram-se em uma batalha marítima da qual a Espanha saiu perdedora, o que marcou o início 
da supremacia inglesa nos mares.
A derrota da armada espanhola também significou a possibilidade de a Inglaterra ocupar 
territórios nos continentes americano, asiático e africano, expandindo os seus domínios. Assim, 
houve um incremento do comércio com áreas coloniais e um aumento do poderio inglês.
3.2 As grandes navegações
A expansão territorial dos reinos encontrava limites. A Europa era extremamente populosa 
e havia dificuldades em submeter populações inteiras ao domínio de um monarca. Mas o pequeno 
reino de Portugal mostrou o caminho: os reis portugueses incentivaram as navegações em alto-mar 
e aos poucos começaram a explorar a costa africana. Era o início de uma das maiores aventuras da 
civilização europeia.
Figura 1: Mapa-múndi com as rotas marítimas das grandes navegações estabelecidas pelas potências 
Espanha e Portugal.
Al
ex
an
dr
e 
Pe
dr
oz
o
escaramuças: 
pequenas bata-
lhas de pouca 
importância.
A expansão dos Estados nacionais 33
É interessante notar que as 
navegações não tinham somente 
motivos econômicos, pois a Igreja 
também incentivava as viagens vi-
sando à catequização de outras po-
pulações. A exploração da África 
tinha certo aspecto de Cruzada: os 
portugueses acreditavam que le-
variam o catolicismo aos habitan-
tes daquele continente e ao mesmo 
tempo ampliariam o poder do rei.
Porém, as navegações de 
longa carreira não teriam sido 
possíveis sem uma série de inova-
ções técnicas. Os novos instrumentos como a bússola, o sextante e a caravela foram imprescin-
díveis. As caravelas eram embarcações facilmente manobráveis que podiam navegar contra o 
vento. E as expedições portuguesas instigaram outros reinos a também procurarem o alto-mar, 
como foi o caso da Espanha.
A exploração da África serviu para testar a teoria de que seria possível contornar o continen-
te e atingir a Ásia, origem das especiarias, que eram produtos de alto valor comercial e muito caros 
e encontravam-se ainda mais encarecidos, porque as rotas comerciais do Mediterrâneo estavam 
nas mãos dos turcos. Chegar à Ásia seria uma grande conquista para Portugal.
Assim, a exploração portuguesa se iniciou. A linha do tempo a seguir demonstra as princi-
pais conquistas de Portugal à epoca. 
Figura 3 – Linha do tempo das principais conquistas marítimas de Portugal até a chegada ao Brasil.
1415 Conquista da cidade de Ceuta, hoje, o Marrocos.
Chegada à Ilha da Madeira.1419
O arquipélago dos Açores começou a ser explorado.1431
Foi ultrapassado o Cabo Bojador.1434
Chegada à foz do Senegal. 1445
Bartolomeu Dias (1450-1500) atingiu o que hoje é conhecido como Cabo da Boa Esperança.1488
Vasco da Gama (1469-1524) chegou a Calicute (hoje Kozhikode), na Índia.1498
A esquadra de Pedro Álvares Cabral (1467-1520) chegou ao Brasil.1500
Fonte: Elaborada pelo autor.
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Figura 2 – Instrumentos de navegação: luneta, bússola e sextante.
História, política e sociedade34
A chegada à Índia permitiu o rompimento do bloqueio que os turcos ha-
viam imposto aos europeus no Mediterrâneo. Os navios podiam buscar produ-
tos com melhores preços que aqueles oferecidos pelos comerciantes italianos, 
muitos dos quais eram aliados dos turcos. Ao mesmo tempo, nos portos afri-
canos, os portugueses adquiriam um produto raro na Europa, mas abundante 
na África – a mão de obra escrava.
A escravatura já era uma instituição entre os vários povos africanos, e os 
comerciantes portugueses logo viram nela um produto valioso, iniciando em 
larga escala um dos comércios mais tenebrosos da história: o tráfico humano.
Logo, feitorias portuguesas apareceram em vários locais do mundo. 
No entanto, a reação espanhola não se fez esperar. Temendo perder territó-
rios e desconfiando da existência de terras a oeste do Atlântico, os reis espanhóis 
forçaram o rei português a aceitar um acordo, intermediado pelo papa, para a exploração das 
novas terras. Depois de muitas negociações, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, em 1494. 
Ficou estipulado que as terras até 370 léguas a oeste da Ilhas de Cabo Verde pertenceriam a 
Portugal e as que estivessem além dessas 370 léguas seriam da Espanha. Assim, os dois reinos 
dividiram o mundo ao meio.
Evidentemente que outros reinos não aceitaram o tratado como válido, pois somente 
Espanha e Portugal eram beneficiados. França, Inglaterra e Holanda o ignoraram e iniciaram as 
suas próprias explorações em terras além-mar.
Desse modo, em apenas um século, praticamente todos os continentes passaram a ser co-
nhecidos pelos europeus, que estenderam o comércio para todo o planeta. Foi uma mudança sig-
nificativa no modo como o mundo era visto.
3.3 As viagens do descobrimento
No entanto, o empreendimento marítimo não foi uma simples aventura. Pelo contexto das 
navegações portuguesas, podemos perceber as dificuldades encontradas. Praticamente um século 
decorreu desde a conquista de Ceuta até a chegada em Calicute. Os avanços eram lentos para nós, 
contemporâneos, mas rápidos para os europeus daquele tempo. Portugal adquiria experiência e 
técnicas de navegação, porém isso não tornou o reino português rico, pois ele dependia de capitais 
holandeses e italianos para a exploração marítima. Assim, as riquezas conquistadas serviam para 
pagar os empréstimos e o luxo da corte.
Mas havia mais um problema: a perigosa viagem de navio. Com uma tripulação que não pas-
sava de 40 pessoas (muitas recrutadas entre maltrapilhos, mendigos e pequenos ladrões que circu-
lavam pelos portos), as caravelas não chegavam a 30 metros de comprimento e eram embarcações 
frágeis para a navegação em alto-mar. Soçobravam facilmente em tempestades e tinham uma vida 
útil curta. Dadas as condições no navio, as viagens eram extremamente perigosas:
soçobrar: 
afundar, 
naufragar.
Em apenas um 
século, praticamente 
todos os continentes 
passaram a ser 
conhecidos pelos 
europeus.
A expansão dos Estados nacionais 35
Um dos problemas mais sérios enfrentados por uma tripulação era a água. 
Embora as embarcações deixassem os portos com grande provisão, a água, ex-
posta ao calor, se tornava imprópria para consumo. A substituição dependia 
da chuva, que podia ocorrer ou não. Em geral, a tripulação era cuidadosa ao 
guardar a água que corria das próprias velas, pingando lentamente em vasi-
lhas deixadas em lugares apropriados. Quando as viagens se prolongavam, era 
comum que toda a tripulação tivesse de tomar água não potável ou ainda, em 
casos-limite, tomados pelo desespero da sede, acabassem por tomar a própria 
urina. (RIBEIRO, 2008)
Os navegantes sofriam com o escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C, e a mor-
talidade chegava a 20% da tripulação, pois a alimentação também era um problema. Não havia 
muitas técnicas para a conservação dos alimentos e muitos se estragavam:
Assim como a água, a comida entrava também rapidamente em estado de 
decomposição. A presença de ratos e [...] insetos dificultava ainda mais a 
manutenção dos alimentos. No biscoito apareciam vermes que se misturavam 
com os excrementos de ratos. A carne seca ou salgada, o peixe, ervilhas secas, 
arroz, queijo, cebola, alho e vinagre faziam parte da lista de mantimentos que eram 
levados em uma viagem. Contudo, se a permanência no mar se prolongasse, a 
falta de comida para toda a tripulação tornava-se inevitável. Evidentemente, 
a comida não era dividida igualmente entre toda a tripulação. O comandante 
da expedição contava, em sua

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