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História e Cultura Gastronômica Kleber Eduardo Men DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho, Pró- Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Diretoria de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha, Direção de Operações Chrystiano Mincoff, Direção de Polos Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida, Direção de Relacionamento Alessandra Baron, Head de Produção de Conteúdo Celso Luiz Braga de Souza Filho, Gerência de Produção de Conteúdos Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de projetos especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo, Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard, Coordenador de Conteúdo Vinícius Pires Martins, Projeto Gráfico e Editoração Jaime de Marchi Junior e José Jhonny Coelho, Designer Educacional Nádila Toledo, Revisão Textual Jaquelina Kutsunugi, Maria Fernanda C. Vasconcelos, Simone Limonta e Viviane Notari, Fotos Shutterstock e Istockphoto. NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050- 900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; MEN, Kleber Eduardo. História e Cultura Gastronômica. Kleber Eduardo Men. (Reimpressão) Maringá - PR, 2018. 116 p. “Graduação - EaD”. 1. História. 2. Cultura. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-8084-972-1 CDD - 22ª Ed. 640 CIP - NBR 12899 - AACR/2 “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, forman- do profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” Missão 3 pa la vr a do re it or Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pes- soas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: ino- vação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais ci- dadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Reitor Wilson de Matos Silva bo as -v in da s Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é impor- tante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, reno- vável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comuni- cação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conec- tividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets ace- leraram a informação e a produção do conhecimen- to, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em infor- mações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Pró-Reitor Executivo de EAD William V. K. de Matos Silva 5 bo as -v in da s Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou pro- fissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando opor- tunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- mação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- dagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desen- volvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de ma- neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, as- sista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Diretoria de Graduação e Pós Kátia Solange Coelho Diretoria de Design Educacional Débora do Nascimento Leite Diretoria de Permanência Leonardo Spaine H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Ap re se nt aç ão d o Li vr o Professor Mestre Kleber Eduardo Men Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) ao livro da disciplina de História e Cultura Gastronômica do curso de Gastronomia da Unicesumar. É um prazer enorme ter sido con- vidado pela instituição para ser autor destelivro e, também, o professor formador desta disciplina, assim como fui também da disciplina de História e Cultura do Brasil. Como é de praxe, antes de tudo, gostaria de me apresentar. Sou o professor Kleber Eduardo Men, sou formado em História, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), no ano de 2007. Sou especialista em Docência no Ensino Superior pela Unicesumar, no ano de 2011, e possuo mestrado em História das Instituições e das Ideias, pela Universidade Estadual de Maringá, no ano de 2013. Tenho mais de oito anos de experiência em docência, incluindo os ensinos fundamental, médio e superior e os cursos preparatórios. Além de professor, sou autor de vários livros didáticos destinados à Educação a Distância, modalidade essa que me dedico bem antes de minha formação, já que trabalhei como Editor de TV por vários anos. No que diz respeito a este material, vou apresentar a você o tema central de cada unidade que aqui será abordada. Na primeira unidade, vamos abordar a formação da civilização Ocidental. Analisaremos a partir do Renascimento Cultural, já que foi a partir desse perío- do que esse modelo de civilização começou a se estruturar e, ao mesmo tempo, difundir-se pelo mundo. Sendo assim, vamos abordar o Renascimento e algu- mas das bases que edificaram esse paradigma, que, nesse caso em específico, 7G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R são a concorrência e o consumo; além de fazer uma breve abordagem sobre o processo de globalização e sua significativa contribuição com a melhora de vida da população mundial. Em consonância com esse tema, vamos elencar os pontos de nossa cultura gastronômica, que estão ligados a esse contexto, criando um campo de compreensão que permitirá a você estabelecer uma relação entre história cultural e história gastronômica. Em nossa segunda unidade, vamos tratar de forma bastante descontra- ída, mas não perdendo o viés científico, a maneira como os usos e costumes evoluíram ao longo de nossa história. Ainda nesse segundo momento, vamos demonstrar a você, estimado(a) aluno(a), de que maneira o processo de ci- vilização foi, antes de qualquer coisa, um processo de moldagem dos usos e costumes. Para isso, vamos falar da forma de se comportar em público, da maneira correta como devemos comer, sentar, além dos devidos cuidados com as nossas necessidades fisiológicas. Tenho a certeza que você vai se divertir com essa agradável leitura. Esse tema, para um(a) aluno(a) do curso de gastronomia, é indispensável para a formação como profissional de uma área que está diretamente ligada a padrões de etiqueta social. Na terceira e última unidade, vamos entrar de forma mais objetiva na história da alimentação. Vamos tratar do homem enquanto membro de uma sociedade e de que forma, ao longo dessa sua adaptação, criou mecanismos que possibilitaram transformar uma necessidade biológica em arte; não deixando de destacar, é claro, a importância da cozinha francesa à gastro- nomia mundial. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Como se trata de um livro sobre História e Cultura Gastronômica, op- tamos por fazer uma abordagem bastante diversificada, enfatizando temas que são comuns ao nosso cotidiano, temas esses que estão dentro de nossas casas, em nossas instituições religiosas, educacionais, enfim, é um tema rico e que suscita inúmeros debates. Vale lembrar que a cultura gastronômica, bem como a formação de nossa cultura em geral, é um assunto de suma importância para todos os profissionais, não apenas da área de gastronomia, mas de todos aqueles voltados a trabalhar com pessoas. Por isso, abordamos tais elementos que, de alguma forma, estão ligados a nossa cultura alimentar e à cultura geral. Em síntese, cultura, gastronomia, história são assuntos interligados e que despertam bastante curiosidade. Espero que vocês gostem bastante. Bom estudo! Prof. Me. Kleber Eduardo Men SUMÁRIO UNIDADE 1 História e Cultura da Civilização Ocidental 15 O Renascimento Cultural e a Emergência do Paradigma Greco- Romano em Fins da Idade Média 23 Os “Aplicativos” que Formaram a Civilização Ocidental 35 A Globalização e a Difusão do Modelo de Civilização Ocidental UNIDADE 2 Civilização, Usos e Costumes 51 A Evolução do Conceito de Civilização: Apontamentos Preambulares 61 O Comportamento à Mesa 69 O Que é bom e o que é Ruim? Comentários a respeito dos hábitos em geral UNIDADE 3 A Evolução da Gastronomia 83 Da Necessidade Fisiológica à Arte: A Evolução da Gastronomia 93 Expansão, Globalização e Gastronomia 101 A Contribuição da Cozinha Clássica Francesa dica do chef habilidades Legendas de Ícones recapitulando saiba mais fatos e dados minicaso reflita Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos. Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos. Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo. mão na massa História e Cultura da Civilização Ocidental KLEBER EDUARDO MEN A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • O Renascimento Cultural e a emergência do paradigma greco-ro- mano em fins da Idade Média • Os "aplicativos" que formaram a civilização Ocidental • A globalização e a difusão do modelo de civilização Ocidental • Estudar como o modelo de homem greco-romano emergiu na Europa Ocidental em fins da Idade Média. • Observar como foi a formação da civilização Ocidental. • Compreender quais foram os elementos que formaram a civilização Ocidental. • Entender como o modelo de civilização Ocidental se difundiu pelo mundo. Plano de Estudo Objetivos de Aprendizagem Introdução Gostaria que você, aluno(a) da Unicesumar, prestasse muita atenção no que será demonstrado nesta introdução. Se você já passou dos 30 anos de idade, certamente já deve ter assistido à clássica trilogia, estrelada por Michael J. Fox e Cristopher Lloyd, “De volta para o futuro”. Se não assistiu, deveria assistir! Porém, qual a razão de estarmos tecendo tal comentário? É fácil! Em uma das cenas do terceiro filme da série, que se passa quase totalmente em 1955, o perso- nagem Dr. Emmett L. Brown (Cristopher Lloyd) faz um comentário sobre um transistor que se quebrou, dizendo que a razão de tal ruína se justificava, pois a peça era “made in Japan”. Marty McFly (Michael J. Fox), rapidamente, o corrige e diz que, em 1985, ano em que se inicia toda a história, tudo era fabricado no Japão. Principalmente os aparelhos eletrônicos. Da mesma maneira, se o(a) distinto aluno(a) tivesse a capacidade de construir uma máquina do tempo, a utilizasse para voltar ao ano de 1985 e aterrissasse, portando, alguns aparelhos eletrônicos fabricados na China, o espanto seria o mesmo, pois, há trinta anos, esse país não era a sombra do que se vê hoje. Imagine, então, se você pudesse pegar essa mesma máquina do tempo e regressar ao início do século XVI? Imagine, também, que você entraria em uma taberna e dissesse ao público presente que daquele continente emergiriam os valores que transformariam toda a sociedade; que as pessoas daquele continente seriam as responsáveis por descobrir e colonizar um Novo Mundo; que aquela população iria propagar os valores do cristianismo por todo o globo, bem como seus usos e costumes!? Também não se assustaria se alguém lhe tentasse queimá-lo vivo, já que o considerariam louco. Pois bem! Hoje em dia, parece muito fácil perceber que os valores da civilização Ocidental estão por toda parte, não apenas do lado Oeste do globo terrestre. Basta observar a quantidade de pessoas que utilizamcalças jeans e bebem Coca-Cola ao redor do mundo, isso apenas para citar dois exemplos bem simples. Sendo assim, partindo desse ponto de vista, vamos buscar compreender como se formou a civilização Ocidental, e, ao longo do livro, apresentar como ela está intimamente ligada à cultura gastronômica, bem como seus valores, seus usos e costumes, sua identidade, enfim, tudo aquilo que nos for necessário para entendermos esse que é o mais bem-sucedido modelo civilizatório já visto. 13 H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a 15G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R O Renascimento Cultural e a Emergência do Paradigma Greco-Romano em Fins da Idade Média O Renascimento Cultural foi um evento ocorrido em fins da Idade Média e responsável por debutar o homem moderno (BIGNOT- TO, 2001), ou seja, apresentar um novo modelo de ser humano, inspirado no ideal do homem greco-romano. Em outras palavras, é o retorno de um modelo de homem voltado para os seus pró- prios prazeres. Segundo Luzuriaga (1978, p. 93): A Renascença não é apenas re-nascença, renascimento, ressu- reição do passado, da antiguidade clássica, mas é antes de tudo criação, geração de algo novo. A Renascença não é apenas um movimento erudito ou literário, antes é nova forma de vida, nova concepção do homem e do mundo, baseada na perso- nalidade humana livre e na realidade presente. A Renascença rompe com a visão acética e triste da vida, característica da Idade Média, e dá lugar a uma concepção humana, risonha e prazenteia da existência. Conforme foi possível observar na citação acima, o espírito renas- centista significou o surgimento de algo novo; algo que estava ligado a uma nova forma de conceber a vida, de interpretar o mundo. Não foi, ao contrário do que se pode pensar, um abandono das virtudes do cristianismo, mas sim uma nova forma de entender o próprio homem, já que esse era a criatura mais perfeita de Deus, se observado que Esse o criara a sua imagem e semelhança. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a O Renascimento foi o responsável por quebrar o modelo de sociedade do- minada pelos dogmas medievais, em que uma vida de contemplação era preferível (muitas vezes obrigado) a uma vida de prazeres. Podemos, então, logo imaginar que o homem se tornou um ser mais risonho, alegre e feliz, já que a busca pelo prazer começa a guiar os seus instintos. Entretanto, esse evento está ligado a um contexto muito mais amplo, con- forme destacou Cambi (199, p. 222-223): Na origem da civilização Renascentista estão as grandes transformações políti- cas, sociais e culturais que, iniciadas no século XIV e até mesmo antes, fazem sentir seus efeitos nos séculos seguintes. Entre essas, assumem particular relevân- cia dois fenômenos estreitamente cone- xos entre si. O primeiro é representado pela formação dos Estados nacionais na Europa e os regionais na Itália. O fim das duas grandes instituições universa- listas medievais, o papado e o Império, favorece o nascimento e a sucessiva afir- mação de algumas entidades nacionais. França e Inglaterra sobretudo, com a consequente simplificação da geografia política e o desaparecimento de numero- sos potentados feudais locais, nascidos à sombra da política imperial e da Igreja. Sendo assim, podemos perceber que essas mu- danças na forma de conceber o homem também O Renascimento foi um momento de nossa história em que os valores oriundos da cultura Ocidental grega e romana come- çaram a ser resgatados pelos pensadores e artistas italianos. foram sentidas na política, uma área de grande importância na formação da sociedade moderna. Em suma, o Renascimento mexeu, de forma sig- nificativa, com as estruturas morais europeias. Nesse contexto, a cultura gastronômica também não poderia passar ilesa a essas trans- formações, conforme podemos observar: As cidades italianas da Renascença ge- raram a ruptura decisiva dos padrões gastronômicos medievais. Nessa so- ciedade urbana, dava-se menos ênfase à ostentação em favor da elaboração qualitativa, modelo que se difundia em todas as cortes europeias. A profusão de alimentos que caracterizara os banque- tes da Idade Média cedia lugar à concep- ção mais refinada dos prazeres da mesa (FRANCO, 2010, p. 151). 17G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Monalisa (Gioconda) de Leonardo da Vinci. Uma das obras que se tornou um ícone do Renascimento. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Dando continuidade a nossa discussão, primei- ramente, é preciso deixar claro, estimado(a) alu- no(a), que antes do advento do Renascimento, a Igreja Católica era a instituição mais bem orga- nizada na Europa e que sua forma de interpretar o mundo foi imposta como um dogma. Nesses termos, o Renascimento representou um grande abalo ao predomínio mental dessa instituição, pois a liberdade de pensamento passou a ser vista como algo inerente ao “novo homem”. Um dos pontos fundamentais desse perí- odo foi a emergência de uma classe social que, ao contrário dos aristocratas feudais, tinham a sua riqueza oriunda das atividades comerciais. Essas atividades, somadas a uma nova men- talidade urbana que insurgia nesse contexto, foi também um dos fatores mais importan- tes à consolidação do Renascimento. Segundo Manoel (2011, p. 79): No plano da vida material, o fortaleci- mento da burguesia, a descoberta de novas terras e a ampliação da explo- ração capitalista, naquele momento configurada na política mercantilista, iniciaram a demolição da sociedade feudal. No âmbito da crença, a Reforma Protestante abalou seriamente o mo- nopólio religioso da Igreja Católica, obrigando-a a convocar o Concílio de Trento (1545-1563), durante o qual foi instituída a Contra-Reforma, ficando a Companhia de Jesus, fundada em 1540, encarregada de elaborar um método pe- dagógico para fazer a Contra-Reforma por meio da educação. Para que você possa melhor compreender a citação acima, vamos destacar alguns pontos essenciais. Primeiramente, do ponto de vista econômico e social, o período ao qual se en- caixa o Renascimento assistiu a uma grande mudança. Aquele modelo de sociedade, baseada nos privilégios feudais, no direito de posse do feudo, em que o trabalho era apenas destinado àqueles seres “inferiores e mal nascidos”, foi gradativamente substituído por um modelo embasado no trabalho e na exploração das ati- vidades mercantis. O trabalho passou a ser visto como um meio de ascensão social. 19G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Numa sociedade que se preocupa em explicitar as diferenças sociais por toda espécie de meios, o tipo de alimentação permitia estabelecer uma segregação não só entre as diferentes classes, mas também uma diferenciação entre cultura rural e cultura urbana. Os documentos literários constituem indicadores parti- cularmente sensíveis do valor social atribuído aos diversos alimentos e nos permitem apreender o código social ao qual estes e as refeições eram investidos. Inúmeros textos nos lembram que o consumo diário de pão branco distinguia os citadinos das populações rurais. Estas revelavam-se mais propensas a consumir pão feito com uma mistura de cereais (trigo e milhete, por exemplo) ou, mais simplesmente ainda, cozendo os cereais e consumindo-os sob essa forma bruta. Longe de ser puramente literária, essa distinção é com- provada também pela existência de discriminações sociais e alimentares nos espaço confinado dos nativos do século XV, que previam pelo menos duas mesas diferentes. Segundo o relatório de Benedetto Dei aos Consoli e Signori del Mare de Pisa em 1471, a escala de salários respeitava estritamente a hierarquia dos homens a bordo, que também se refletia nas diferenças de cardápios. Servia-se pão branco ao proprietário do navio e aos oficiais, enquanto o resto dos homens devia se contentar com rações de biscoitos secos.Fonte: GRIECO, Allen J. Alimentação e classes sociais no fim da Idade Média e na Renascença. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massino (Org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. (p. 468.) O Calvinismo foi uma seita cristã, surgida no seio da Reforma Protestante, no século XVI, e que dentre seus principais valores está uma moral ligada ao trabalho honesto. Com base na teoria da Predestinação, para Calvino, o homem já nasce predestinado a salvação. Dentre os sinais divinos dessa escolha, está o acúmulo de riqueza por meio do trabalho. Dessa forma, criou-se uma moral religiosa na qual o trabalho era visto como uma forma de louvar e agradecer a Deus e que foi fundamental para a proliferação do capitalismo no mundo. Acesse: <http://www.alunosonline.com.br/historia/calvinismo-protestantismo-joao-calvino.html>. Acesso em 14 dez. 2014. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a No campo religioso, conforme foi destacado por Manoel (2011), a Reforma Protestante acabou por quebrar o monopólio do cristianismo que a Igreja Católica possuía. Além disso, com o ad- vento da religião calvinista, o trabalho passou a ser visto como dom divino e como uma maneira de se aproximar de Deus. Sendo assim, essa nova mentalidade, que se difunde com essas trans- formações, vai, aos poucos, originando novos valores, que serão importantes para a formação da mentalidade moderna Ocidental. Outro ele- mento que vem no bojo do Renascimento é o Humanismo, que, segundo o autor, embora não negue a existência de Deus, coloca o homem em um plano superior da vida mundana. Ou seja, o mundo espiritual pertence a Deus, mas aqui na Terra o homem foi colocado para ser feliz. O Humanismo foi uma violenta reação ao modo de pensar, de educar, de se ex- primir, e, podemos mesmo afirmar, foi uma reação à maneira de viver da Idade Média. As novas ideias renascentistas não se limitaram a recuperar os pensa- dores da Antiguidade, mas chegaram a estabelecer uma espécie de tribunal epistemológico. Se, antes, o que valia era o saber referente a Deus e à salvação da alma, as novas realidades concretas e intelectuais do Renascimento, e da Era Moderna em geral, estabeleceram que o homem era o centro das preocupações do próprio homem (MANOEL, 2011, p. 79). Eu gostaria que você, aluno(a), refletisse sobre a citação acima com base no exemplo que lhe darei. Vamos raciocinar da seguinte maneira: segundo a teoria bíblica, o homem foi criado a imagem e semelhança de Deus. Dessa forma, não há nada sobre a Terra semelhante ao homem, nem em espírito, nem com a capacidade de raciocínio. Já que somos a mais perfeita obra de Deus e se Ele nos deu a capacidade de pensar, agir, racio- cinar, ter prazer, criar, inventar, sorrir, seria um desrespeito a Deus caso não usássemos esses dons e talentos. Assim, o Humanismo coloca o homem no centro das ações. Tudo que se faz aqui na Terra, em primeiro lugar, deve se levar em conta o prazer mundano. Deus, contudo, continuou, como citado anteriormente, sendo visto como a força criadora do universo. Em linhas gerais, essa foi a essência do Humanismo. Portanto, o Renascimento Cultural, que se iniciou na Península Itálica no século XIV e se difundiu pela Europa nos séculos seguintes, não foi apenas um evento do qual emergiram inú- meros artistas e pensadores. Foi um momento que fez surgir um novo homem, que passou a integrar essa sociedade com novos valores, com novos pontos de vista acerca da sua própria existência. Todas essas transformações foram importantes para moldar a sociedade Ocidental, criando costumes e práticas culturais que são vistas até hoje. No contexto de transformações causadas pelo Renascimento, as cidades que mais tive- ram destaque nesse período foram as italia- nas Gênova e Veneza. Nessa região, em razão 21G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R do desenvolvimento econômico, surgiu uma classe abastada que passou a refinar seus modos, inclusive, o próprio paladar. Seus costumes rapidamente se difundiram pela Europa, passando a influenciar outros países. Podemos, assim, destacar: Ao mesmo tempo, ingredientes e pratos de terras distantes começaram a aparecer nas mesas. Em meados do século XVI, a variedade e abundância de alimen- tos em Paris e nas capitais de provín- cias francesas causavam admiração aos estrangeiros. (...) No final da Idade Média, numerosas tavernas e albergues surgiram nos ar- redores de Paris. A partir desse sistema hoteleiro incipiente, desenvolveu-se, na área urbana, um tipo de estabelecimento que oferecia comida e bebida em mesas postas com toalhas e talheres. O guarda- napo, utilizado já na antiguidade pelos romanos, só apareceu no século XVI. Sua função era, até então, preenchida pela borda da toalha (FRANCO, 2010, 161). Pode ser observado, na citação acima, que o Renascimento provocou uma evolução dos cos- tumes e, também, de uma cultura alimentar diferente, muito em função do tipo de sociedade que emergia por toda Europa. Não apenas a cul- tura alimentar fora modificada, mas os próprios usos e costumes com relação aos instrumentos para se alimentar. Mesmo no início da Renascença, os talheres eram frequentemente dese- nhados para serem levados no bolso, pois nem sempre os anfitriões dispu- nham de talheres para seus convida- dos. Somente no final do século XVII, surgem faqueiros contendo colheres, facas e garfos. Mais tarde, a aristocracia começaria a acumular talheres de esta- nho, de prata e de ouro. Até o século XVIII estojos de talheres individuais constituirão um símbolo de distinção e presente muito apreciado (FRANCO, 2010, p. 163). Em suma, o Renascimento representou uma mudança mais do ponto de vista da atitude do homem frente à vida que ele levava. Os valores medievais foram, aos poucos, sendo substituí- dos pelos valores de uma sociedade em que o ser humano era cada vez mais o centro do universo e tudo isso alterou profundamente a relação dele com a forma de se alimentar. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a 23G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Os “Aplicativos”que Formaram a Civilização Ocidental Prezado(a) aluno(a), atualmente, a palavra “aplicativo” tem se tornado muito comum, em razão das novas tecnologias que foram criadas nos últimos anos. Essa palavra, hoje, tornou-se uma expres- são que nos remete à ideia de algo que foi criado para solucionar um determinado problema, melhorar um determinado produto, acelerar uma função, enfim, basta aparecer uma nova moda e já nos vem a ideia de “baixar” o aplicativo. Foi baseando-se nesses pressupostos que o historiador britânico Niall Ferguson (2012) desenvolveu a ideia de que o Ocidente conseguiu se sobressair como modelo de civilização ideal, em razão de sua capacidade de ter criado “aplicativos” que foram mais baixados pelas pessoas ao redor do globo terrestre. O termo aplicativo, para denominar tais transformações, inclusive, fora cunhado por esse autor. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Lembra-se da introdução desta unidade, quando mencionamos que, se você tivesse a ca- pacidade de criar uma máquina do tempo e retor- nar à Europa do século XV, seria difícil acreditar que o mais bem-sucedido modelo de civilização emergiu daquele lugar? Você iria se deparar com a potência do Império Turco Otomano, que já havia dominado, praticamente, toda a Europa Oriental, além de se impressionar com o es- plendor do Império Chinês. Entretanto, cabem as perguntas: o que fez o Ocidente se tornar tudo isso em tão pouco tempo? Quais fatores contribuíram para a ocidentalização do mundo? Segundo o historiador Niall Ferguson (2012), o que colocou o paradigma civilizatório Ocidental na dianteira do mundo na Era Moderna foram os aplicativos criados pelos ocidentais. Isso mesmo que você leu! Paraesse historiador, se Ásia, Europa e África fossem um tablet, os aplica- tivos criados pelos europeus teriam sido os mais “baixados” e isso fez toda a diferença. Niall Ferguson (2012) enumera seis “apli- cativos”, que são: a competição, a ciência, a pro- priedade, a medicina, o consumo e o trabalho. Não será o nosso objetivo principal detalhar cada um desses aplicativos, entretanto, em linhas gerais, buscaremos apresentar a você, aluno(a) de gastronomia da Unicesumar, dois pontos que acreditamos ser essenciais à nossa formação, que são a competição e o consumo, pois, queira ou não, eles estão presentes em nosso dia a dia. Primeiramente, gostaria de mostrar a você a importância da competição. Você já pensou a razão pela qual está fazendo um curso supe- rior? Sabemos que muitas pessoas já possuem alguma formação profissional, seja de âmbito técnico ou mesmo universitário. Embora sai- bamos que muitos dos alunos que decidiram cursar Gastronomia na modalidade a distân- cia já possuem uma graduação, é importante considerar que grande parcela de nossos alunos estão entrando pela primeira vez no mundo universitário. Sendo assim, a pergunta será refeita: qual a razão de você ter optado por um curso superior? A resposta é bem simples, porém necessita de uma reflexão importante. A razão pela qual você optou por cursar uma faculdade é que, com essa graduação, melhores e maiores oportunidades de trabalho, bem como de sucesso profissional irão aparecer. “Não há nada de importante na vida, exceto a sua competência no seu traba- lho. Nada. Só isso. Tudo o mais que você for vem disso. É a única medida do valor humano. (...). O código da competência é o único sistema moral baseado no padrão ouro” (AYN RAND. A Revolta da Atlas). 25G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R As palavras inveja e cobiça, quando as ouvi- mos, quase sempre nos causam ojeriza, indepen- dente do contexto em que elas estão inseridas. Entretanto, quando elas são colocadas na prática no mundo comercial, elas podem ser o grande motor do desenvolvimento das sociedades. Em suma, inveja e cobiça são os motores da compe- tição. Quando você estiver trabalhando, desem- penhando as suas funções como profissional da gastronomia, certamente objetivará ser o melhor de todos. Ninguém entra em campo para perder. Você gostará de ser reconhecido como aquele que faz o melhor molho, o melhor tempero, enfim, tudo isso fará com que você se dedique ainda mais e que se aperfeiçoe para que seu desem- penho atraia uma clientela bastante qualificada. Contudo, infelizmente, muitas pessoas interpre- tam que, para ser melhor do que o outro, não é preciso melhorar, mas sim sabotar o concorrente. Nada mais ruim do que isso! Adam Smith (1723- 1790), o pai do libe- ralismo econômico. Ninguém melhor do que o filó- sofo Adam Smith (1723-1790) soube entender perfeitamente a cobiça como motor da competição. Em sua obra mais famosa, a Riqueza das Nações, publicada originalmente em 1776, mostrou como a competição, motivada pelos in- teresses pessoais, seria capaz de fornecer a todas as pessoas produtos de excelente qualidade e por bons preços. Faça um teste! Caminhe pela sua cidade e observe como nosso comércio é variado. Vamos observar a quantidade de produtos que existem e por preços variados. Tudo isso devido à “ganância” do comerciante que, para obter mais lucros, buscará oferecer os melhores produtos, com o melhor custo benefício. Adam Smith (1999) uti- lizou um exemplo muito per- tinente para ilustrar como a competição é necessária e benéfica às pessoas. Ele afirmou que o seu jantar somente seria possível pelo interesse pessoal do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro, não pela benevolência deles. Ou seja, nas próprias palavras de Smith, se alguém deseja acordar de manhã e comer um pão bem fresquinho, com uma casquinha bem crocante, basta ir direto à padaria mais próxima de casa. Contudo, precisa- mos compreender que a razão pela qual homens e H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a mulheres passaram a noite trabalhando para esse desejo ser atendido não está relacionada apenas a uma questão sentimental, mas sim com o desejo que eles possuem de que aquela pessoa se torne um cliente fiel, consumindo os produtos dessa padaria com bastante frequência, o que possibili- ta a esse estabelecimento crescimento comercial, qualitativo e, sobretudo, financeiro. Sabemos que muitas pessoas trabalham por paixão e de- senvolvem produtos maravilhosos pelo simples prazer do trabalho, mas, em regra, o que ocorre no mercado é uma intensa competição. E se, por acaso, abrisse outro estabelecimen- to como esse, com um pão muito melhor e com preço mais acessível? Podemos destacar, nesse caso hipotético, duas opções: ou o primeiro es- tabelecimento fecha as portas, encerrando suas atividades, ou usaria a competição para aprimo- rar seus produtos, fidelizando ainda mais seus clientes. E foi isso que, segundo Niall Ferguson (2012), fez com que o Ocidente se sobressaísse ao Oriente. Tanto China quanto o Império Otomano, no século XV, atingiram seu apogeu. Entretanto, em razão da dimensão territorial desses impé- rios, a capacidade de se sentirem ameaçados diminuiu. Dessa forma, eles passaram por um período de acomodação, não percebendo a ne- cessidade de inovarem suas tecnologias. Para justificar essa afirmação, com relação a China, Ferguson (2012, p. 47) compara dois rios, o Yangtze, na China, e o Tâmisa, na Inglaterra: O Yangtze era parte de um vasto com- plexo de canais que ligava Nanquim a Pequim, mais de 800 quilômetros para o norte, e a Hancheu, ao sul. No centro desse sistema, estava o Grande Canal, que, em sua máxima extensão, tinha mais de 1000 quilômetros. Datando do século VII a.C., com comportas intro- duzidas no século X d.C. e belíssimas pontes como a Baodai, cheia de arcos, o Canal foi significativamente restaurado e aprimorado durante o reinado do im- perador Yongle (1402-24), da dinastia Ming. Quando o engenheiro responsável, Bai Ying, terminou de represar e desviar o fluxo do rio Amarelo, foi possível trans- portar cerca de 12 mil carregamentos de grãos pelo Canal a cada ano. Vamos observar a comparação feita pelo autor com o rio Tâmisa: Em comparação ao Yangtze, o Tâmisa, no início do século XV era um verda- deiro fim de mundo. Londres era um porto movimentado, é verdade; o prin- cipal centro de comércio inglês com o continente. O mais famoso prefeito da cidade, Richard Whittington, era um importante comerciante de seda que fizera fortuna com a exploração de lã, em notável crescimento na Inglaterra. E a indústria de construção naval da capital inglesa era impulsionada pela necessidade de transportar homens e suprimentos para as recorrentes campa- nhas da Inglaterra contra a França. Em Shadwell e Ratcliffe, os navios podiam ser rebocados em ancoradouros para ser reabastecidos. E havia, é claro, a Torre de Londres, mais sinistra do que proibida (FERGUSON, 2012, p. 48). 27G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Como foi possível perceber, eram situações bas- tante distintas. De um lado, um esplendoroso império Chinês que transportava centenas de toneladas de grãos por ano e, do outro, um país em que sua maior preocupação era transportar homens para uma batalha que, naquele contex- to, parecia sem fim contra a rival França. A Guerra dos 100 Anos (1337-1453), que envolveu França e Inglaterra na Baixa Idade Média, foi um evento que retardou o processo de unificação política desses Estados. Houve um prejuízo humano muito grande, além de ter enfraquecido finan- ceiramente esses países, que acabaram demorando muito para se expandir, em comparação a Portugal e Espanha. Para conhecer mais sobre esse assunto acesse: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o- -que-foi-a-guerra-dos-cem-anos>.Acesso em: 14 dez. 2014. Em suma, prossegue o autor: Para os padrões do século XV, a China era um lugar relativamente agradável de se viver. A rígida ordem feudal estabelecida no início da dinastia Ming estava sendo afrouxada com o florescimento do co- mércio interno. Quem visita Suzhou hoje em dia ainda pode ver os frutos arquitetônicos daquela prosperidade nos canais arborizados e nas calçadas elegantes do velho centro da cidade (FERGUSON, 2012, p. 49). Esses exemplos, prezado(a) aluno(a), foram para ilustrar como a acomodação de alguém – nesse caso, de um país – pode o levar à ruína. A Europa era um emaranhado de reinos que, pouco a pouco, foi conquistando sua soberania. Em razão dos limites territoriais reduzidos, eles tiveram de ser extremamente eficientes naquilo que se propuseram a fazer, já que qualquer des- lize poderia significar a perda de uma posição para o país vizinho. Foi justamente essa competição que fez um pequeno reino, situado a Oeste do continente Europeu, denominado Portugal, lançar-se no desconhecido Oceano Atlântico em busca da tão cobiçada rota de especiarias indianas, fato esse que alterou profundamente a história da humanidade. Portugal queria ser o primeiro e realmente foi. Outros países, para não ficarem para trás, resolveram se lançar nessa disputa e as consequências foram inúmeras. A principal delas foi que os países europeus fizeram desse continente um local onde a competitividade estava mais avançada e, em decorrência disso, acabaram tomando a dianteira das transforma- ções e inovações tecnológicas. Essa explicação H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a está na própria geografia da região: Podemos encontrar a resposta obser- vando os mapas da Europa medieval, que mostram literalmente centenas de Estados concorrentes, dos reinos da costa Ocidental às muitas cidades-esta- dos situadas entre o Báltico e o Adriático, de Lübeck a Veneza. Havia aproximada- mente mil cidades na Europa do século XIV; e ainda cerca de 500 unidades mais ou menos independentes 200 anos mais tarde (FERGUNSON, 2012, p. 63). Essa fragmentação fez com que essas cidades- -estados competissem entre si. Conforme já foi dito, a competição foi a mola propulsora que impulsionou o Ocidente para a dianteira do mundo. Em suma, podemos concluir com as palavras de Ferguson (2012, p. 65) que: A fragmentação política que caracterizou a Europa impossibilitou a criação de qual- quer coisa que lembrasse remotamente o império Chinês. Também incentivou os europeus a procurar oportunidades – econômicas, geopolíticas e religio- sas – em terras distantes. Você poderia dizer que se tratou de dividir e governar – exceto que, paradoxalmente, foi divi- dindo a si mesmos que os europeus con- seguiram governar o mundo. Na Europa, o pequeno era belo porque significava competição – e competição não só entre Estados, mas também no interior destes. Como você já percebeu, a competição é a mola pro- pulsora do capitalismo. Sem a competição, não te- ríamos roupas, calçados, telefones, computadores, nem comida. Entretanto, tudo isso pode ser reme- tido à ideia do consumo, que é o outro “aplicativo” que caracteriza a sociedade Ocidental, conforme já destacamos. Entretanto, como tudo na vida, sempre há dois pontos de vista. A competição, bem como a necessidade de as empresas maximizarem os lucros, do ponto de vista da cultura alimentar, foi o que criou um formato de alimentação, o qual, praticamente, foi a marca principal do século XX: a empresa McDonalds. Segundo Franco (2010, p. 243), no afã de maximizar o lucro, a McDonaldização dissimula um dos seus artifícios mais eficazes: substituir a maior parte possível do trabalho assala- riado pelo trabalho da própria clientela. Para tanto, as empresas devem conven- cer os clientes de que tudo é feito para oferecer-lhes serviços mais eficientes. Na verdade, à medida que a sociedade se McDonaldiza, todos gastamos mais tempo fazendo fila e executando tarefas não remuneradas para um número cres- cente de empresas. Isso, segundo o autor, está em todos os ramos da vida civil, pois o termo McDonaldização já se tornou um paradigma de produção e maximização dos lucros, pois vemos isso em bancos, em call cen- ters e vários outros estabelecimentos comerciais. Assim como Taylor, Ford e Toyota, o Mcdonald’s também poderá ser elevado à categoria como modelo produtivo a ser seguido. Entretanto, esse é um outro debate! 29G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Parece que o exercício da viagem no tempo é um meio bastante didático de pensar a história. Da mesma maneira, se viajarmos uns 150 anos no tempo passado, observando qual o tipo de roupa que as pessoas vestiam nos diferentes continentes, bem como os utensílios utilizados por elas, perceberíamos o quão diferente eram as populações em seus usos e costumes. É jus- tamente essa impressão que ficou no álbum de fotografias que Albert Kahn resolveu criar. Em 1909, inspirado por uma visita ao Japão, o banqueiro e filantropo fran- co-judeu Albert Kahn resolveu criar um álbum de fotografias coloridas de pessoas de todas as partes do mundo. O objetivo, segundo Kahn, era “fazer uma espécie de inventário fotográfico da superfície do globo habitada e desenvol- vida pelo homem no início do século XX”. Criadas com o recém-inventado processo de autocromo, as 72 mil fotografias e 100 horas de filmagem nos “arquivos do planeta” de Kahn mostram uma va- riedade impressionante de trajes e cos- tumes de mais de 50 países diferentes: camponeses miseráveis no Gaeltacht, recrutas desgrenhados na Bulgária, líde- res hostis na Arábia, guerreiros comple- tamente nus em Daomé, marajás cheios de adornos na Índia, sacerdotisas sedu- toras na Indochina e caubóis de aparên- cia estranhamente impassível no Velho Oeste americano. Naquele tempo, o que parece espantoso atualmente, éramos o que vestíamos (FERGUSON, 2012, p. 235-236). H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Pois bem, prezado(a) aluno(a), imagine você saindo agora de sua residência com destino a dar uma volta ao mundo. A possibilidade de você ficar espantado com a forma das pessoas se vestirem em locais muito distantes ainda é grande, mas, certamente, a quantidade de locais que lhe proporcionará tal espanto foi bastante reduzida, em comparação ao período em que Kanh fez o seu inventário imagético. Se, por acaso, for visitar as mesmas regiões onde esse banqueiro esteve, as chances de você se deparar com as mesmas situações são remotas. A que se deve isso? A evolução da ciência e da tecnologia? Sim, são dois fatores importantes, mas todos eles devem ser colocados a serviço do consu- mo, pois foi esse um dos principais fatores da ocidentalização do mundo. Em linhas gerais, podemos afirmar que, em qualquer canto do mundo que visitar, di- ficilmente não encontrará uma calça jeans, um restaurante de fast food, uma pessoa usando tênis, telefonando com seu celular, divertindo- -se com seus smartphones, ou, simplesmente, deslocando-se de um lado para o outro com um automóvel. Isso é um fenômeno recente e que merece muita discussão e questionamentos para entender a razão de tudo isso. O que há em nossas roupas que parece ser irresistível aos outros povos? Vestir-se como nós significa querer ser como nós? Claramente, não se trata só de roupas. Trata-se de abraçar toda uma cultura popular que passa pela música e pelo cinema, sem falar dos refrigerantes e da fast food. Essa cultura popular contém uma mensagem sutil. Diz respeito a li- berdade – o direito de se vestir ou beber ou comer como você quiser (mesmo que isso signifique ser como todos os demais). Diz respeito à democracia – porque só os produtos de consumo que realmen- te agradam as pessoas são produzidos (FERGUSON, 2012, p. 237). 31G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Emborapercebemos que muitas dessas transformações ocorreram na segunda metade do século XX, isso é fruto de um modelo de sociedade denominado american way of life. O estilo de vida americano, conhecido como american way of life, surgiu no início do século XX e teve seu auge nos anos de 1920, nos Estados Unidos. A intensa transformação eco- nômica e tecnológica que esse país vinha sofrendo desde o fim da Guerra de Secessão (1861-1865) proporcionou o desenvolvimento econômico e, como consequência, a vida das pessoas melhorou muito. Com uma indústria voltada aos trabalhos domésticos e ao entretenimento, logo os EUA se tornou um modelo ideal de sociedade. Os imigrantes que chegavam aos Estados Unidos não tinham outra escolha a não ser se adaptar a esse estilo de vida. Em linhas gerais, a liberdade adquirida pelas mulheres, os padrões sociais mais flexíveis do que os da Europa, a maneira de se vestir, de se comportar, as mais diversas formas de se divertir, comer, beber, etc. tudo isso ficou conhecido como american way of life. Trocando em miúdos, o modelo de vida Ocidental, intimamente ligado ao vestuário, foi o meio mais democrático, no que diz respeito a atender aos anseios da população, já que nin- guém vai até sua casa com uma calça jeans e o obriga a vestir. Da mesma maneira que ninguém vai até você e lhe força a utilizar um tênis. Nós utilizamos essas vestimentas porque elas são mais confortáveis e simples. O tênis, bem como a calça jeans – só para utilizar dois exemplos bá- sicos – somente são produzidos em larga escala, em diferentes tonalidades de cores e tamanhos, além de preço, porque os próprios consumidores assim o desejam. Dessa forma, prevalece o velho brocardo: “o cliente sempre tem razão”. O consumismo é um fenômeno que veio para ficar. Nem as sociedades anticapitalistas, principalmente aquelas oriundas da doutrina marxista, foram capaz de resistir a esse modo de vida. O consumo é eficiente porque ele é sedutor, não é preciso impor nada a força, basta fazer com que as pessoas sintam vontade em consumir determinado produto e pronto. Não é necessária qualquer ação violenta. Ao mesmo tempo em que a sociedade de consumo se propôs democrática, pois visava fornecer às H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a pessoas uma grande variedade daquilo que elas queriam consumir, esse modelo acabou por ho- mogeneizar a forma de se vestir, de comer, ou seja, criou um paradoxo (FERGUSON, 2012). Foi justamente essa sociedade de consumo, bem como a revolução da produtividade do século XX, que acabou por diminuir a diferença aparente entre ricos e pobres. O paradigma taylorista de produtividade proporcionou ao industrial produzir mais com menores custos, podendo repassar essa economia no preço final da mercadoria, fazendo com que as pessoas tivessem um acesso cada vez maior a produtos mais baratos. Segundo Silveira, Carvalho e Alexandre (2010, p. 89), “através da Revolução da Produtividade, gerada com base nas experiências de Taylor, é que foi possível a mul- tiplicação de bens, riqueza e a melhoria real nas condições de vida dos trabalhadores”. A sociedade de consumo é tão forte que até mesmo nos movimentos ditos revolucionários, que levantam bandeiras contra o capitalismo, é possível ver jovens com seus iPhones, iPads, vestindo roupas de marcas da moda, bem como fazendo um lanchinho em alguma rede de fast food famosa. Essa imagem é comum em todos os cantos do mundo, não apenas restrita ao mundo Ocidental. Isso é a prova mais concreta de que o consumo foi um aplicativo que deu certo! Toda essa cultura do consumismo se tornou evidente logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A primeira metade do século XX foi bastante complicada, principalmente para a Europa, em função da Primeira Guerra (1914- 1918), além dos regimes totalitários de orientação socialista que dominaram países como Alemanha, Itália e a União Soviética. Tudo isso limitou demais o acesso das pessoas e dos empreendedores ao crédito. Crédito esse que foi, digamos, mais farto a partir da década de 1950. Isso afetou profun- damente a economia, já que, com a facilidade de se emprestar dinheiro, as empresas passaram a produzir mais e as pessoas, como agora podiam pagar os produtos parcelados, também puderam adquirir produtos sem a necessidade de dinheiro à vista. Isso jamais havia acontecido! Os pais dos baby boomers foram a pri- meira geração a ter acesso significativo ao crédito ao consumidor. Eles compra- ram sua casa a prazo, seu carro a prazo e seus eletrodomésticos – geladeiras, aparelhos de TV e máquinas de lavar roupa – a prazo. Em 1930, quando veio a Depressão, mais da metade dos lares norte-americanos tinha eletricidade, um automóvel e uma geladeira. Em 1960, cerca de 80% dos norte-americanos tinha não só essas conveniências, como também telefone. E a velocidade com que os novos bens de consumo duráveis se difundiam continuou aumentando. A Máquina de lavar foi inventada antes da Depressão, em 1926. Em 1965, 39 anos mais tarde, metade dos lares tinha uma. O ar condicionado foi inventado em 1945. Passou da marca dos 50% em 1974, 29 anos depois. A secadora de roupas apareceu em 1949, e 23 anos depois estava em mais da metade dos lares (FERGUNSON, 2012, p. 278-279). 33G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Frederick Winslow Taylor, conhecido como o pai da organização científica do trabalho, nasceu na Filadélfia, EUA, em 1856. Pertenceu a uma família de classe média, o que lhe propiciou uma boa formação escolar. Autor do livro Princípios da Administração Científica, Taylor conseguiu implantar um processo produtivo que revolucionou a indústria. Por meio de seus estudos, ele conseguiu fazer com que funcionários tivessem maior pro- dutividade dentro das empresas, evitando o desperdício e fazendo com que toda essa economia fosse repassada ao produto final, barateando as mercadorias e permitindo que mais pessoas tivessem acesso a elas. Fonte: SILVEIRA, Itamar Flávio; CARVALHO, Suelem Halim Nardo de; ALEXANDRE, Luís Fernando Pessoa. O Taylorismo e a Questão do trabalho na contemporaneidade. In: SILVA, Moacir José da; SILVEIRA, Itamar Flávio. História Econômica Moderna e Contemporânea. Maringá: EDUEM, 2010. p. 85-104 (Com adaptações). Isso é apenas para mostrar um pouco das trans- formações que o incentivo ao consumo pro- vocou na sociedade. No que diz respeito aos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Canadá, Japão e outros da Europa, esse fenô- meno do consumismo foi algo experimentado logo após a Segunda Guerra, entretanto, nos países emergentes, esse consumismo somente fora transformado em um estilo de vida mais recentemente, e isso pode ser visto principal- mente aqui no Brasil. Sendo assim, a sociedade de consumo, bem como a competição, é um dos principais pilares da civilização Ocidental. Foram esses aplicativos que colocaram o Ocidente na condição de vanguarda das inovações e transformações, que mudaram cul- turas, usos, costumes, além de proporcionar muito desenvolvimento e conforto em nossas vidas. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a 35G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R A Globalização e a Difusão do Modelo de Civilização Ocidental Quando, em 1492, Cristóvão Colombo desembarcou aqui na América, um dos grandes objetivos de sua missão era cristianizar os povos “das índias”, pois, como sabemos, seu objetivo principal era o de atingir o Continente Asiático, partindo do Ocidente, rumo ao Oriente. Embora seu projeto de descobrir uma rota alternativa às Índias não tenha surtido efeito, a missão de cristianizar os nativos foi cumprida com êxito. Entretanto, isso não se deve a Colombo, mas, em grande parte, a atuação dos jesuítas a partir do século XVI. A expressão globalização é utilizada para definir o processo de in- teraçãocomercial e cultural que o mundo vem sofrendo nos últimos séculos, principalmente após o advento das Grandes Navegações, iniciadas pelos portugueses no século XV (SILVA; ALEXANDRE; ROCHA, 2010). Vale lembrar que a interação comercial e cultural entre os povos é bem antiga, pois, desde a antiguidade, os relatos mostram que essa interação era presente. No entanto, essa globa- lização na velocidade que conhecemos hoje somente foi possível com o advento da comunicação em massa. Sendo assim, cabe a seguinte indagação: o que temos é um processo de globalização ou de massificação? Embora deixaremos a resposta por sua conta, vamos expor aqui alguns pontos para refletirmos sobre o assunto. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Sem dúvida alguma, um dos instrumen- tos mais eficientes para a divulgação da cultu- ra Ocidental foram os meios de comunicação de massa. Inclusive, o rádio, a TV, a Internet, além da prensa de Gutemberg, são produtos do Ocidente. Nada mais justo utilizá-los para a difusão de sua cultura. Entretanto, o acesso a esses meios de comunicação somente se in- tensificou a partir da segunda Guerra Mundial. Prezado(a) aluno(a), qual é o principal objeto que podemos destacar como símbolo da Ocidentalização do mundo? Certamente que, se você pensou Coca-Cola, a resposta está cor- reta. Mas, para ampliar nossa discussão, qual o outro símbolo do Ocidente presente em todos os cantos do mundo? Acertou quem pensou na simples e confortável calça jeans. Esse ícone do mundo Ocidental tem uma presença global em razão de dois elementos essenciais do século XX: o cinema e a publicidade. Começou quando o jovem John Wayne trocou as elaboradas chaparreiras de couro com franja dos primeiros filmes de caubói pelo jeans comum que usou em "No tempo das diligências" (1939). Então vieram o jeans e a jaqueta de couro de Marlon Brando em "O selvagem" (1953), seguidos dos traje vermelho (jaqueta), azul (jeans) e branco (cami- seta) de James Dean em "Juventude transviada" (1955) e do jeans negro de Elvis Presley em "O prisioneiro do rock and roll" (1957). Os publicitários promoveram ainda mais o novo visual rústico com o “homem de Marlboro”, o caubói que usava jeans e fumava cigarro, concebido pelo executivo de publicida- de Burnett, em 1954. Marilyn Monroe também foi uma das primeiras a adotar o jeans (FERGUNSON, 2012, p. 282). Como foi possível observar, o cinema e a pu- blicidade foram as duas grandes ferramentas que estimularam a ocidentalização do mundo. Vale lembrar que o estilo de vida transmiti- do pela mídia, em geral, fazia uma associação entre o jeans e a liberdade. Acredito que todos os alunos que já passaram dos trinta anos de idade devem se lembrar da propaganda dos cigarros Marlboro e de como a imagem trans- mitida era estimulante. A elevação do jeans como um ícone da cultura Ocidental foi as- cendente. Hoje, ele está presente na vida de todas as classes sociais, sem exceção. Segundo Ferguson (2012, 182-183): Começou nos traseiros de peões e presidi- ários; foi obrigatório para os trabalhadores da defesa civil durante a guerra; passou aos grupos de ciclistas nos anos pós-guer- ra; foi adotado pelos estudantes de West Coast e então da Ivy League; graduou-se para “conquistar” escritores, cantores de música folk e grupos pop nos anos 1960; e acabou sendo usado em público por todos os presidentes depois de Richard Nixon. Sem dúvida alguma, o jeans, assim como a Coca- Cola, são as principais marcas que atestam a 37G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Os meios de comunicação foram indis- pensáveis para evolução da humanidade. A prensa de Gutemberg, desenvolvida no renascimento, representou um grande salto no que diz respeito à comunicação. Com o Iluminismo, a difusão de ideias por meio dos livros impressos também foi de grande importância, principalmente em razão do movimento enciclopedista, que tinha como objetivo aglutinar todo conhecimento humano, para que fossem passados para novas gerações. No século XIX, tivemos a invenção do telégrafo, do telefone, mais tarde, tivemos o rádio, a televisão, até que pudéssemos chegar a Era da comunicação via Internet. Confira, também, alguns equipamentos desen- volvidos para a Guerra e que fazem parte de nosso cotidiano: <http://www.tecmundo.com. br/tecnologia-militar/34671-8-tecnologias-in- ventadas-para-a-guerra-que-fazem-parte-do- -nosso-cotidiano.htm>. Acesso em: 14 dez. 2014. presença do modelo de vida desenvolvido no Ocidente por todo mundo. Esse modelo de glo- balização, conforme já destacamos, é algo muito antigo. Sendo assim, é importante destacar o que defende Silva, Alexandre e Rocha (2010, p. 105): Desde os tempos em que as nações eu- ropeias promoveram as expansões ma- rítimas, especialmente a partir do século XV, a tendência verificada nas atividades econômicas foi a de um alargamento de horizontes geográficos, culturais, políti- cos e sociais. Corolário disso foi um, por assim dizer, processo de “arredondamen- to” do mundo, vez que naqueles idos era concebido que a terra tinha a forma do tabernáculo e que sua pedra fundamen- tal fora lançada pelos portugueses; esse processo alcançou uma tal complexidade de relações que até mesmo nos dias de hoje seus efeitos se fazem sentir, não apenas em regiões longínquas e retira- das, mas por toda a ordem social. Conforme destacaram os autores, como você pode perceber, esse processo “encurtou” as dis- tâncias. Não é preciso ser italiano para se deliciar com a culinária típica desse país, tampouco será necessário ir até a Alemanha para degustar sua culinária ou os seus costumes. Enfim, quando se fala em cultura, com o avanço da globalização causado pela evolução dos meios de comunica- ção, o modo de vida do Ocidente conseguiu se sobressair aos demais. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Roberta era uma garota que adorava dançar. Devido ao seu talento nato, entrou para um grupo de danças típicas alemãs, pois, na cidade onde havia nascido, Rolândia, no norte do Paraná, a cultura germânica era muito forte. Ela sempre participava das apresentações com o seu grupo e isso chamava a atenção de muitas pessoas, inclusive de estrangeiros, que prestigiavam a apresentação do grupo em festas tradicionais. Certo dia, o grupo do qual Roberta fazia parte foi convidado a fazer uma apresentação em uma cidade na Alemanha. Diante disso, Roberta se indagou: qual a razão de nós irmos nos apresen- tar na Alemanha, será que eles não conhecem essas danças por lá? Sua curiosidade a levou a descobrir que, na verdade, em razão da globalização, muito da cultura tradicional alemã acabou sendo esquecida. Ficando apenas registrada na memória e no folclore dos descendentes de alemães que ainda estão vivos. A necessidade de preservar a cultura fora do território germânico foi tão grande que, atual- mente, muitas danças típicas de regiões da Alemanha somente são conhecidas no Brasil. Por isso, a importância da apresentação do grupo de Roberta na Alemanha, pois iriam mostrar aos germânicos um pouco da própria cultura que eles haviam esquecido. Fonte: história fictícia, criada pelo autor, para ilustrar como a manutenção da cultura é importante a um grupo social. 39G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Prezado(a) aluno(a), cabe aqui uma importante observação. Durante os anos da Guerra Fria, o embate entre capitalismo e socialismo foi a tônica desse período. URSS e EUA disputavam palmo a palmo a hegemonia do mundo. No final das contas, o capitalismo se sobressaiu ao comunismo. Qual a razão de tudo isso? Inúmeras explicações poderiam ser ditas, en- tretanto, podemos destacar apenas um ponto. Enquanto o esforço dos países comunistas, liderados pela URSS era de fortalecer o Estado, fazendo com que todo esforço fosse em dire- ção a torná-lo potente, as nações capitalistaslideradas pelos EUA tinham como maior ob- jetivo o foco na satisfação das pessoas. Como toda economia de mercado, o foco principal está no cliente, nos consumidores. Afinal, são eles que irão destinar os seus ganhos à aquisição de uma determinada mercadoria. Essa disputa por uma fatia maior do mercado fez com que a qualidade de vida dos países capitalistas, bem como o índice de desenvol- vimento humano fossem bem superiores aos países comunistas. Para ilustrar mais uma vez a nossa afirmação, destacaremos novamente a calça jeans: Assim como os jovens do mundo inteiro, os adolescentes da União Soviética e seus satélites na Europa Oriental estavam clamando por jeans. Portanto, é realmente estranho que o principal rival dos Estados Unidos no mundo pós-guerra não tenha sido capaz de copiar essa peça de roupa tão óbvia. Talvez se tenha pensado que a loucura ocidental por jeans havia tornado a vida mais fácil para os soviéticos. Afinal, supostamente a União Soviética era o paraíso proletário, e os jeans são muito mais fáceis de fazer que as calças Sta-Prest, por exemplo (outra invenção de Levi Strauss, introduzida em 1964). Mas, de alguma forma, o bloco comunista foi incapaz de entender o poder de sedução de uma peça de indumentária que poderia ter simbolizado com igual eficácia as virtudes do dedicado trabalhador soviético. Em vez disso, o jeans azul, e a música pop com a qual logo esteve intimamente associado, tornaram-se símbolos perfeitos da superioridade ocidental. E, ao contrário das ogivas nucleares, o jeans foi de fato lançado contra os soviéticos: houve exposições da Levi’s em Moscou em 1959 e em 1967 (FERGUSON, 2012, p. 284-285). Para se ter uma ideia, prezado(a) aluno(a), Niall Ferguson destaca, também, que havia na Alemanha Oriental o chamado “crime do jeans”, pois os jovens da Alemanha Oriental que possuíam algum parente do lado Ocidental sempre arranjavam uma maneira de conseguir algumas peças dessa vestimenta. Era, por assim dizer, um dos produtos mais contrabandeados do lado Oriental. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a A globalização do modo de vida Ocidental, simbolizada pelo jeans, fica explícita, principalmente, nos movimentos revolucionários que se proliferaram a partir dos anos 1960. O principal “uniforme” de atos antiamericanos era o jeans. Ou seja, mais um paradoxo, já que eles protes- tavam contra aquilo que vestiam. Há um filme que retrata muito bem a forma como o modelo de vida, bem como os produtos criados pelo mundo Ocidental capi- talista se sobressaíram ao Oriental capitalista. O nome é "Adeus Lênin" e mostra a experiência de uma família da Alemanha Oriental depois que o muro de Berlim caiu. O que aconteceu após a queda foi, literalmente, uma inunda- ção de produtos capitalistas. Desde comida a vestimentas. As transformações ocorridas foram em uma velocidade extraordinária. O engraçado é pensar que o tal muro havia sido construído pelos comunistas com a justifica- tiva de que era para evitar que os moradores do lado capitalista não atravessassem para o lado comunista, sobrecarregando o sistema daquele lado. O que se viu, na prática, foi algo totalmente inverso. Portanto, para concluirmos este tópico, é importante esclarecer mais uma vez que toda essa globalização somente foi possível devido ao fato de que o modelo de vida capitalista Ocidental sempre objetivou atender aos anseios e necessidades colocados pelas pessoas, pelos cidadãos comuns. Essas pessoas não queriam mísseis ou ogivas nucleares, mas sim liquidifi- cadores, ar-condicionado, televisores em cores, aparelhos de som, carros e, principalmente, ves- timentas confortáveis, baratas e agradáveis aos olhos. Infelizmente, nenhum outro modelo de civilização conseguiu ser mais eficiente do que o Ocidental nesse quesito. 41G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R co ns id er aç õe s fi na is Prezado(a) aluno(a)! Nesta unidade, nosso objetivo foi o de destacar alguns pontos essenciais para que nossa compreensão da história e da cultura gastronômica sejam mais abrangentes. Não seria possível, aqui, abarcar toda história da humanidade, aliás, nem foi esse nosso objetivo, mas é importante ressaltar que o enfoque se deu na cultura Ocidental, pois, além de ter sido o paradigma civilizatório que obteve mais êxito, nós fazemos parte dela. Sendo assim, vamos retomar alguns pontos! Primeiramente, é importante deixar claro que, na transição da Idade Média para a Modernidade, foi um período crucial na história do Ocidente. O renascimento trouxe à tona um modelo de vida que ficara esquecido na antiguidade. Esse modelo tinha o homem como seu principal objeto de preocupação, dessa forma, toda uma cul- tura foi edificada para consolidar o homem no centro do universo, ou seja, a cultura antropocêntrica. Foi também nesse momento que o modelo de vida desenvolvido na Europa Ocidental começou a tomar a dianteira de outras nações. Para ilustrar melhor essa relação, apre- sentamos ao distinto aluno os aplicativos que tornaram isso possível. Sendo assim, a sociedade de consumo e a competição foram os dois pontos abordados por nós, pois acreditamos ser esses dois a principal base do mundo atualmente. A competição fez e ainda faz com que inúmeras pessoas se debrucem em estudos para desenvolver me- canismo em que situações do conforto possam ser criadas. Além disso, essa mesma competição nos permite ter acesso a diversos produtos de marcas e preços diferentes. Essa é, por assim dizer, a mola propulsora também da sociedade de consumo que, por consequência, é também a mola propulsora de nossa sociedade. Do ponto de vista da globalização do modelo de vida Ocidental, vale lembrar que isso somente foi possível em razão do objetivo central, que é a satisfação das pessoas. Essas pessoas, transformadas em potenciais consumidores, tiveram suas vidas revolucionadas com a maior disponibilidade de bens de consumo, facilitando suas tarefas de trabalho, além de facilitar, significativamente, a vida doméstica. Portanto, diante disso, vamos, agora, tratar da intimidade dessa civilização que se formou a luz de tudo isso que fora exposto até aqui. Vamos entender como as práticas, usos e costumes que hoje possuímos foram, aos poucos, moldados por um conjunto de regras que, muitas vezes, foram inerentes à vontade das pessoas. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a at iv id ad es d e es tu do 1. Diante do contexto apresentado no início desta unidade, explique quais foram as principais transformações na forma de pensar ocor- ridas no período do renascimento. 2. Explique de que forma a competição e o consumo foram importantes para consolidar o modelo de civilização desenvolvido pelo Ocidente. 3. Descreva de que forma a globalização contribuiu à melhora da vida das pessoas: 43G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R m at er ia l c om pl em en ta r Título: Adeus Lênin. Ano de lançamento: 2002. Sinopse: Este filme mostra, de forma bem hilária, como a vida de uma família é profundamente revolucionada com a Queda do Muro de Berlim e o con- sequente fim do comunismo na Alemanha Oriental. De uma hora pra outra, eles sentem a invasão de produtos como a Coca-Cola, televisores em cores, equipamentos eletrônicos em geral, dentre outros. A parte engraçada é que os jovens buscam esconder da mãe, uma comunista fervorosa e de saúde debilitada, todas essas transformações. Sobre o Renascimento, acesse: <http://www.todamateria.com.br/renascimento-cul- tural/>. Acesso em: 14 dez. 2014. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a le it ur a co m pl em en ta r De Henry Ford ao Mcdonald’s A industrialização da alimentação e o surgimento, no nosso século, da distribui- ção em grande escala constituem fenômenos recentes deste lado do Atlântico. Datam sobretudo dos anos de 1960.Em compensação, nos Estados Unidos alguns produtos alimentares industrializados – entre os quais a Coca-Cola – encontram-se no mercado há cem anos ou mais. Heinz, Nabisco, Kellogg, Campbell, figuram já entre as maiores empresas americanas na década de 1880 ou 1890, e a indústria agroalimentar revela-se, no final do século XIX, a primeira do país. A descoberta das bactérias e a obsessão subsequente em relação aos germes favorecem, paradoxalmente, uma concentração da indústria de laticínios. No início do século XX impõe-se a obrigação de pasteurizar o leite e só conseguem sobreviver as empresas capazes de fazer investimen- tos consideráveis, que, em decorrência de tal operação, se tinham tornado necessários. Desde os anos 1930 desenvolve-se no país a distribuição em grande escala. Nesse sentido, a América antecipa tendências surgidas mais tardiamente em outras partes. Assim, a compreensão dessa realidade ame- ricana deveria permitir apreender melhor os fenômenos que, em matéria de alimentação, estão se processando há cerca de trinta anos no Velho Mundo. (...). Em duas ou três décadas, uma parte crescente do trabalho culinário, tanto em casa como no restaurante, deslocou-se da cozinha para a fábrica. Esses alimentos transformados, “marketados”, divulgados pela publicidade, são também produtos que incorporam um valor agregado cada vez mais elevado, já presente no nível da preparação: a indústria toma à sua conta o essencial do trabalho doméstico; uma vez transformados pela indústria, os alimentos tornam-se “alimentos-serviço”. (...). 45G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R le it ur a co m pl em en ta r As modificações introduzidas nos gêneros alimentícios não correspondem somente a uma demanda dos consumidores. Nesse aspecto, desde os anos de 1960, a distribuição desempenha um papel determinante. Com efeito, ela obedece a diversos imperativos – logísticos, tecnológicos, econômicos. É também sob a pressão dos distribuidores que se desenvolvem e se gene- ralizam mercadorias mais fáceis de estocar, transportar, exibir e conser- var nas prateleiras. A agricultura seleciona produtos por sua aparência e duração de vida nas lojas. Das frutas aos queijos, os alimentos cotidianos passam por profundas transformações. Do mesmo modo, é sob a pressão dos supermercados que, nos anos 1960, aparecem e depois se impõem as embalagens plásticas, em particular para a água mineral e o óleo. As garrafas de PVC implantam-se rapidamente porque são mais fáceis de transportar em paletes, mais leves, menos frágeis, além de serem descartáveis. Somente muito mais tarde as pessoas se deram conta de seus inconvenientes para o ambiente. Alguns consumidores começam a se queixar: seu queijo favorito é, quase sempre, pasteurizado, as maçãs são apenas da variedade insípida dita Golden delicious, as frutas chegam aos supermercados sem o devido grau de maturação, o pão já não tem as características gustativas às quais estavam acostumados. Em contrapartida, os supermercados oferecem preços vantajosos ao conseguirem consideráveis economias pelas compras em alta escala. Fonte: FISCHLER, Claude. De Henry Ford ao McDonalds. (texto adaptado). In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massino. (Org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 845-848. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Civilização, Usos e Costumes KLEBER EDUARDO MEN A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • A evolução do conceito de civilização: apontamentos preambulares • O comportamento à mesa • O que é bom e o que é ruim? Comentários a respeito dos hábitos em geral • Apresentar ao aluno como o comportamento social foi moldado ao longo dos anos. • Destacar que o comportamento está diretamente ligado ao tipo de sociedade que se deseja formar. • Estudar como as necessidades fisiológicas também foram objeto de preocupação para a concepção de uma nova sociedade. • Observar como os hábitos, em geral, foram objeto de preocupa- ção das civilizações. Plano de Estudo Objetivos de Aprendizagem IntroduçãoIntrodução Olá, aluno(a)! Nesta segunda unidade de nosso livro, vamos fazer uma análise sobre o comportamento e os usos e costumes que fizeram parte do processo civilizatório. Vamos refletir de que maneira as nossas práticas comportamentais foram inseridas em nossas vidas, bem como a forma como elas estão presentes, além de sua importância para a consolidação do modelo de Civilização Ocidental. Certa vez, ao ficar encantado com a sobremesa de um restaurante, veio-me uma vontade imensa de lamber o delicioso creme de chocolate com pimenta que havia sobrado no prato. Ao perceber a minha ideia, minha esposa logo me repreendeu, dizendo que não seria educada tal atitude. Entretanto, mesmo sabendo que tal ato não seria bem visto pelos frequentadores do restaurante, fiquei me indagando, quem foi o responsável por criar esses códigos de etiqueta? De onde veio essa lista de mandamentos do que podemos ou não fazer? Qual diferença tem entre eu passar o dedo sobre o meu próprio prato e levá-lo à boca ou utilizar uma colher para isso? Esta unidade terá como objetivo abordar essas questões, lançando luzes sobre esses manuais de comportamento que surgiram com a finalidade de moldar os costumes. O que diferencia os homens dos animais é a nossa capacidade de raciocinar. Se você pisar na pata de seu dócil cão de estimação, certamente, se a pisada for dolorida, ele irá lhe morder em busca de se defender. Isso, pelo menos em regra, não ocorre com os seres humanos, pois temos outros meios para solucionar nossos problemas que não a agressão física. Posto isso, devemos compreender que o processo de civilização do homem passou, antes de tudo, por uma formatação dos seus usos e costumes. A criação desse conjunto de regras foi uma maneira de nos separar ainda mais dos animais. Por isso, compreendê-los é, acima de tudo, entender a nossa própria existência em sociedade. Para que nosso trabalho obtenha êxito, vamos utilizar como referência principal a obra do sociólogo Norbert Elias, que, em seu livro “O processo civilizador”, conseguiu nos mostrar onde se encontra toda a gênese dos costumes que hoje são praticados em todo mundo Ocidental. Sendo assim, convido você, estimado(a) aluno(a), para fazer uma viagem sobre o nosso com- portamento social, observando como as práticas que nos cercam são oriundas de uma ampla experiência civilizatória. 49 H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a 51G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R A Evolução do Conceito de Civilização: Apontamentos Preambulares Prezado(a) aluno(a), por mais que a qualidade do futebol brasileiro tenha caído nas últimas décadas, o esporte bretão (nome esse que é dado em razão da origem do futebol ter sido a Grã Bretanha) ainda continua como o mais popular aqui no Brasil. Basta ver a quantidade de canais nas TVs por assinatura que dedicam grande parte do seu tempo à transmissão de jogos, bem como à cobertura de eventos relacionados ao futebol. Além, é claro, dos programas de debates acerca de quem foi o melhor jogador, o gol mais bonito, a maior polêmica, enfim, a criatividade da imprensa é infinita para angariar telespectadores. H i s t ó r i a e C u l t u r a G a s t r o n ô m i c a Entretanto, o nosso futebol não é feito apenas de pontos positivos, pois há muito que se me- lhorar, principalmente no que diz respeito à relação entre os torcedores. Em outras palavras, temos a violência nos estádios de futebol como um mal que precisa ser combatido. Mas por que razão eu iniciaria a unidade de um livro sobre história e cultura gastronômica abordando o futebol brasileiro? A resposta é simples: toda vez que há cenas de violência entre as torcidas a primeira expressão que os narradores e co- mentaristas utilizam para denominar tais atos é
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