Buscar

A tutela da personalidade no ordenamento jurídico

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 31 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 31 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 31 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A TUTELA DA PERSONALIDADE NO ORDENAMENTO CIVIL-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO 
 
 
Gustavo Tepedino* 
 
 
Sumário: 1. Introdução: a personalidade como objeto 
de situações jurídicas subjetivas. A configuração 
dogmática dos chamados direitos da personalidade; o 
debate em torno do objeto do direito. 2. Características, 
classificações e delimitação dos direitos da 
personalidade. Personalidade e direitos humanos: 
necessidade de superação da dicotomia entre o direito 
público e privado. 3. Fontes dos direitos da 
personalidade. Crítica às concepções jusnaturalistas. 4. 
Teorias pluralista e monista: crítica. 5. A insuficiência 
das orientações doutrinárias tradicionais. A pessoa 
humana como valor unitário e sua proteção integral. A 
cláusula geral de tutela da personalidade no 
ordenamento brasileiro. Os direitos da personalidade 
no Código Civil de 2002. A diversidade axiológica das 
relações patrimoniais e extrapatrimoniais. Os 
chamados direitos da personalidade das pessoas 
jurídicas. 
 
 
1. Introdução: a personalidade como objeto de situações jurídicas subjetivas. A 
configuração dogmática dos chamados direitos da personalidade; o debate em torno 
do objeto do direito 
 
Poucos temas revelam maiores dificuldades conceituais quanto os chamados direitos 
da personalidade. De um lado, os avanços da tecnologia e dos agrupamentos urbanos 
expõem a pessoa humana a novas situações que desafiam o ordenamento jurídico, 
reclamando disciplina; de outro lado, a doutrina parece buscar em paradigmas do passado 
 
* Professor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro - UERJ. 
as bases para as soluções das controvérsias que, geradas na sociedade contemporânea, não 
se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadrá-las. 
Com efeito, o direito romano não tratou dos direitos da personalidade aos moldes hoje 
conhecidos. Concebeu apenas a actio injuriarum, a ação contra a injúria que, no espírito 
prático dos romanos, abrangia qualquer “atentado à pessoa física ou moral do cidadão”, 
hoje associado à tutela da personalidade humana.1 
A categoria dos direitos da personalidade constitui-se, portanto, em construção 
recente, fruto de elaborações doutrinárias germânica e francesa da segunda metade do 
século XIX. Compreendem-se, sob a denominação de direitos de personalidade, os direitos 
atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.2 
Em síntese feliz, observou-se que “o homem, como pessoa, manifesta dois interesses 
fundamentais: como indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do 
consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da `vida em relações'. A esses dois 
aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as 
instâncias específicas da personalidade”.3 
Perduraram, todavia, por muito tempo, hesitações da doutrina quanto à existência 
conceitual da categoria, expandindo-se dúvidas no que tange à sua natureza e conteúdo, 
bem como no que concerne à extensão da disciplina aplicável. 
Destacam-se, antes de mais, as chamadas teorias negativistas (Roubier; Unger; Dabin; 
Savigny; Thon; Von Tuhr; Enneccerus; Zitelmann; Crome; Iellinek; Ravà; Simoncelli, 
 
1 Ebert Chamoun, Instituições de Direito Romano, Rio de Janeiro, Forense, 1951, p. 398. Para uma 
percuciente análise da gênese e evolução histórica da tutela da personalidade, desde a antiguidade oriental, v. 
R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 26 e ss. Cf., 
ainda, sobre o tema, Elimar Szaniawski, “Direitos da Personalidade na Antiga Roma”, in Revista de Direito 
Civil, vol. 43, p. 28 e ss. e, especialmente, pp. 37 e 38. 
2 Para o exame da configuração dogmática dos direitos da personalidade, v. E. H. Perreau, “Des droits de la 
personnalité”, in Revue trimestrielle de droit civil, 1909, p. 33 e ss. Fundamental, ainda, no direito francês, 
Pierre Kayser, Les droits de la personnalité: aspects théoriques et pratiques, in Revue trimestrielle de droit 
civil, 1971, p. 30 e ss. V., também, além das obras ulteriormente referidas ao longo do texto, Davide 
Messinetti, “Personalità (diritti della)”, in Enciclopedia del diritto, vol. XXXIII, Milano, Giuffrè, 1983, p. 355 
ss.; Ezio Capizzano, “Vita e integrità fisica (diritto alla)”, in Novissimo digesto italiano, vol. XX, Torino, 
UTET, 1975, p. 999 e ss; e, do mesmo autor, “La tutela del diritto al nome civile”, in Rivista di diritto 
commerciale, 1962, p. 249 e ss.; Adolfo di Majo Giaquinto, “Profili dei diritti della personalità”, in Rivista 
trimestrale di diritto e procedura civile, 1962, p. 69 e ss., todos com ampla bibliografia italiana, francesa e 
germânica. 
3 Giorgio Giampiccolo, “La tutela giuridica della persona umana e il c.d. diritto alla riservatezza”, in Riv. 
trimestrale di diritto e procedura civile, 1958, p. 458. 
dentre outros), que, no século passado, refutaram a categoria dos direitos da personalidade. 
Afirmava-se, em síntese estreita, que a personalidade, identificando-se com a titularidade de 
direitos, não poderia, ao mesmo tempo, ser considerada como objeto deles. Tratar-se-ia de 
contradição lógica.4 Segundo a famosa construção de Savigny, a admissão dos direitos da 
personalidade levaria à legitimação do suicídio ou da automutilação, sendo também 
eloqüente a objeção formulada por Iellinek, para quem a vida, a saúde, a honra, não se 
enquadrariam na categoria do ter, mas do ser, o que os tornaria incompatíveis com a noção 
de direito subjetivo, predisposto à tutela das relações patrimoniais e, em particular, do 
domínio.5 
Conforme registrado em doutrina, “a origem dessa discussão parte da concepção de 
alguns autores que vêem os direitos de personalidade como o direito de alguém sobre sua 
própria pessoa, na evolução da idéia do antigo ius in se ipsum. De acordo com esse 
pensamento, não se constituem os direitos de personalidade em direitos subjetivos, mas sim 
em meros efeitos reflexos do direito objetivo, donde ser concedida uma certa proteção 
jurídica a determinadas radiações da personalidade”.6 
 
4 V., por todos, Enneccerus, in Tratado de Derecho Civil, vol. I, Parte General, Barcelona, Bosch, 1947, p. 
307, que aduz aos argumentos deduzidos no texto: “Pero además no hay necesidad alguna de reconocer un 
derecho general de la personalidad, pues los bienes indisolublemente unidos a la persona, como la vida, el 
cuerpo, la salud y la liberdad corporal tienen una protección absoluta general igual que los derechos 
subjetivos. En cuanto a otras irradiaciones de la personalidad, por ejemplo, la libre actuación de la 
individualidad espiritual, el honor, la potencia de trabajo, la libertad económica, la esfera privada secreta, 
etcétera, es suficiente la protección especial e ilimitada de estos bienes por el derecho penal, las normas de 
policía y el derecho civil. La inclusión de un derecho general de la personalidad entre los derechos subjetivos 
opondría graves entorpecimientos al desenvolvimiento de otras personalidades y obstacularizaría el progreso.” 
5 Tais argumentos são analisados e rebatidos por Francesco Ferrara, “Trattato di diritto civile italiano”, vol. I, 
Dottrine Generali, Roma, Athenaeum, 1921, p. 395. 
6 Elimar Szaniawski, Direitos de Personalidade e sua Tutela, São Paulo, Rev. dos Tribunais, 1993, pp. 36-37. 
Ainda o mesmo autor registra o pensamento de Von Tuhr, segundo o qual “nem todos os bens jurídicos 
protegidos pela lei devem ser considerados como direitos subjetivos e, conseqüentemente, a ocorrência de 
certo fato que é proibido e que produz danos não pode simplesmente ser tratado como lesão de um direito 
subjetivo. Pois nesse caso teríamos, diante da fraude, umdireito à verdade, e na hipótese de falsificação, 
teríamos um direito à autenticação e assim por diante. O titular do direito de personalidade não possui um 
poder ou domínio semelhante ao titular de um direito de propriedade. Nem possui o poder de monopolizar a 
seu favor alguma atividade lícita (...) A vida, o corpo, a liberdade de obrar, constituem um estado natural, não 
podendo esses bens ser monopolizados. Também não podem existir em relação aos direitos de personalidade 
disposições sobre o nascimento, extinção, renúncia ou transferência desses direitos (...) A agressão a tais bens 
personalíssimos, segundo o tratadista alemão constitui ato contrário aos bons costumes”. Para Enneccerus, 
referido na mesma resenha (p. 39), os chamados direitos das pessoas seriam um “poder jurídico de alguém 
sobre sua própria pessoa”. Devido a tal entendimento, nega a existência dos direitos de personalidade, 
admitindo, porém, que “a personalidade humana deve ser protegida na esfera penal através da cominação de 
penas aos infratores (...) A proteção de reparação constitui inegavelmente um direito subjetivo; não se poderia 
afirmar, porém, que exista um direito especial que se constitui no chamado direito da personalidade.” 
Em outras palavras, não se considerava a proteção jurídica da personalidade revestida 
dos característicos do direito subjetivo, limitando-se à reação do ordenamento contra a 
lesão — o dano injusto —, através do mecanismo da responsabilidade civil. Daí 
decorreriam situações objetivas, não já o direito subjetivo, figura jurídica autônoma e 
preestabelecida pela lei ou pela vontade das partes, que assegura poderes ao titular não 
apenas para protegê-lo contra lesões mas para que possa dispor livremente do próprio 
direito. 
Muitas foram as críticas antepostas às teorias negativistas. Atacou-se sua premissa. É 
que a personalidade, a rigor, pode ser considerada sob dois pontos de vista. Sob o ponto de 
vista dos atributos da pessoa humana, que a habilita a ser sujeito de direito, tem-se a 
personalidade como capacidade, indicando a titularidade das relações jurídicas. É o ponto 
de vista estrutural (atinente à estrutura das situações jurídicas subjetivas), em que a pessoa, 
tomada em sua subjetividade, identifica-se como o elemento subjetivo das situações 
jurídicas. 
De outro ponto de vista, todavia, tem-se a personalidade como conjunto de 
características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte 
do ordenamento jurídico. A pessoa, vista deste ângulo, há de ser tutelada das agressões que 
afetam a sua personalidade, identificando a doutrina, por isso mesmo, a existência de situa-
ções jurídicas subjetivas oponíveis erga omnes.7 
Dito diversamente, considerada como sujeito de direito, a personalidade não pode ser 
dele o seu objeto. Considerada, ao revés, como valor, tendo em conta o conjunto de 
atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano (que se irradiam da personalidade), 
constituem bens jurídicos em si mesmos, dignos de tutela privilegiada. 
Nesta direção, lecionava em 1942 o professor San Tiago Dantas: “A palavra 
personalidade está tomada, aí, em dois sentidos diferentes. Quando falamos em direitos de 
personalidade, não estamos identificando aí a personalidade como a capacidade de ter 
direitos e obrigações; estamos então considerando a personalidade como um fato natural, 
 
7 Sobre o tema, v. Francesco Carnelutti, “Diritto alla vita privata (contributo alla vita privata)”, in Rivista 
trimestrale di diritto pubblico, 1955, p. 3 e ss., o qual, após criticar ironicamente as doutrinas negativistas 
florescidas na Alemanha (e não na Itália, “segno del nostro buon senso”...), define o direito da personalidade 
como um “diritto sul proprio corpo” (ao invés da fórmula usual diritto sulla propria persona), “dove la 
differenza tra corpo e persona risponde alla opposizione tra il soggetto e l'oggetto del rapporto”. 
como um conjunto de atributos inerentes à condição humana; estamos pensando num 
homem vivo e não nesse atributo especial do homem vivo, que é a capacidade jurídica em 
outras ocasiões identificada como a personalidade”.8 
A distinção entre os conceitos de personalidade como objeto e como sujeito de 
direitos é clarificada pelo Código Civil Português, a partir da análise do art. 70, I, que 
estabelece a tutela geral da “personalidade física ou moral” dos indivíduos, assim 
considerada, pela doutrina, como “os bens inerentes à própria materialidade e 
espiritualidade de cada homem”. Remarcou-se que “a personalidade surge, aqui 
imediatizada no ser humano e configurada como objeto de direitos e deveres, não se 
perspectivando como elemento qualificador do sujeito da relação jurídica enquanto tal, cuja 
qualificação nos é dada antes pelas idéias de personalidade jurídica, ou seja, pelo 
reconhecimento de um centro autônomo de direitos e obrigações, e de capacidade jurídica, 
isto é, pela possibilidade jurídica inerente a esse centro de ser titular de direitos e obriga-
ções em concreto”.9 
Adriano De Cupis, em página clássica, afirma que “existem direitos sem os quais a 
personalidade restaria uma atitude completamente insatisfeita, privada de qualquer valor 
concreto; direitos desacompanhados dos quais todos os outros direitos subjetivos perderiam 
 
8 Programa de Direito Civil, Rio de Janeiro, Ed. Rio (ed. Histórica), I, p. 192. E conclui o mesmo autor, que 
introduziu o estudo do direitos da personalidade em suas aulas já em 1942: “Quer dizer que a palavra 
personalidade pode ser tomada em duas acepções: numa acepção puramente técnico-jurídica ela é a 
capacidade de ter direitos e obrigações e é, como muito bem diz Unger, o pressuposto de todos os direitos 
subjetivos e, numa outra acepção, que se pode chamar acepção natural, é o conjunto dos atributos humanos, e 
não é identificável com a capacidade jurídica. Aquele pressuposto pode perfeitamente ser o objeto de relações 
jurídicas”. O Professor Ebert Chamoun, em suas lições admiráveis, expõe de maneira extremamente clara o 
tema: “a personalidade pode ser considerada do ponto de vista jurídico ou do ponto de vista vulgar. 
Juridicamente, a personalidade é a qualidade da pessoa que em verdade é titular de direito e tem deveres 
jurídicos, mas, vulgarmente, a personalidade é um conjunto de características individuais, de valores, de bens, 
de aspectos, de parcelas, que são realmente dignos de salvaguarda jurídica. Quando se diz que há um direito 
subjetivo da personalidade, não se está dizendo que a titularidade coincida com o objeto, apenas se está 
referindo a certos aspectos da personalidade, tomada a palavra no sentido vulgar, que são objetos da 
personalidade sob o ponto de vista jurídico” (aulas datilografadas da Faculdade de Direito da UEG, ano 
acadêmico de 1965, sem responsabilidade da cátedra). 
9 R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, cit., p. 106, o qual ressalva: “Todavia, os institutos 
da personalidade e da capacidade jurídicas interpenetram-se, sem se confundirem, com o bem da 
personalidade humana juridicamente relevante, na medida em que os valores jurídicos que aqueles institutos 
incorporam são reabsorvidos também no bem jurídico da personalidade, enquanto objeto da tutela geral 
referida.” 
qualquer interesse para o indivíduo: a ponto de chegar-se a dizer que, se esses não 
existissem, a pessoa não seria mais a mesma. São esses os chamados direitos essenciais”.10 
Já Francesco Ferrara, no início do século, admitia a existência dos direitos da 
personalidade associando, para tanto, o conceito de direito subjetivo ao respeito pelo 
ordenamento da incidência da vontade do sujeito sobre a tutela do interesse. No direito 
subjetivo a alavanca do mecanismo de proteção é colocada nas mãos do titular. Este pode, 
na imagem oferecida por aquele autor,movimentá-la no seu interesse quando quiser.11 
Assim é que a doutrina predominante, a partir dos anos 50, admitiu a existência dos 
direitos subjetivos atinentes à personalidade, embora bastante apegada, como adiante se 
demonstrará, ao modelo dos direitos subjetivos patrimoniais, e em particular à 
propriedade.12 
Admitido que a personalidade possa ser objeto de direito, discutiu-se se estes direitos 
subjetivos incidem sobre a própria pessoa — ius in se ipsum —, já que todo homem é 
considerado como unidade física e moral, ou sobre parte ou algumas partes dela; ou, ao 
contrário, se incidiriam sobre objeto externo, fora da própria pessoa, constituindo numa 
obrigação negativa geral.13 
Na lição de Orlando Gomes, “em Direito, toda utilidade, material ou não, que incide 
na faculdade de agir do sujeito, constitui um bem, podendo figurar como objeto de relação 
jurídica, porque sua noção é histórica, e não naturalística. Nada impede, em conseqüência, 
que certas qualidades, atributos, expressões ou projeções da personalidade sejam tuteladas 
no ordenamento jurídico como objeto de direitos de natureza especial”. Segundo o mestre 
baiano, os direitos da personalidade “recaem em manifestações especiais de suas projeções, 
consideradas dignas de tutela jurídica, principalmente no sentido de que devem ser 
 
10 I diritti della personalità, Milano, Giuffrè, 1950, pp. 18-19. No original: “Vi sono certi diritti, vale a dire, 
senza dei quali la personalità rimarrebbe un'attitudine completamente insoddisfatta, priva di ogni concreto 
valore; diritti, scompagnati dai quali tutti gli altri diritti soggettivi perderebbero ogni interesse rispetto 
all'individuo: tanto da arrivarsi a dire che, se essi non esistessero, la persona non sarebbe più tale. Sono essi i 
c.d. `diritti essenziali', con cui si identificano precisamente i diritti della personalità.” 
11 Francesco Ferrara, Trattato di diritto civile italiano, cit., p. 388 e ss., e em particular pp. 396-397, onde 
demonstra magistralmente a autonomia dos direitos da personalidade. 
12 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. VII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, p. 5, 
observa: “a imediata influência do instituto da propriedade, em tempos que conheceram a servidão e a 
escravidão, concorria para que se pensasse em propriedade, sempre que se descobria serem absolutos os 
direitos em causa. Ainda no século em que vivemos, juristas de prol resistiram a tratar a integridade psíquica, 
a honra e, até, a liberdade de pensamento como direitos”. 
resguardadas de qualquer ofensa, por necessária sua incolumidade ao desenvolvimento 
físico e normal de todo homem”.14 
Afirmou-se que os direitos da personalidade “são os direitos supremos do homem, 
aqueles que garantem a ele a fruição de seus bens pessoais. Em confronto com os direitos a 
bens externos, os direitos da personalidade garantem a fruição de nós mesmos, asseguram 
ao indivíduo a senhoria da sua pessoa, a atuação das próprias forças físicas e espirituais”.15 
O debate, portanto, como se depreende do último excerto, ressente-se da preocupação 
exasperada da doutrina em buscar um objeto de direito que fosse externo ao sujeito, tendo 
em conta a dogmática construída para os direitos patrimoniais. Em outras palavras, a 
própria validade da categoria parecia depender da individuação de um bem jurídico — 
elemento objetivo da relação jurídica — que não se confundisse com a pessoa humana — 
elemento subjetivo da relação jurídica —, já que as utilidades sobre as quais incidem os 
interesses patrimoniais do indivíduo, em particular no direito dominical, lhe são sempre 
exteriores. 
A dificuldade de individuação do bem jurídico objeto dos direitos da personalidade 
revela-se na lição de Ferrara, para quem “nos direitos absolutos o objeto não é a res, mas os 
outros homens obrigados a respeitar o seu exercício”. Assim sendo, os direitos da 
personalidade “têm por conteúdo a pretensão de exigir respeito de tais bens pessoais. A 
vida, o corpo, a honra, são o ponto de referência (termine di riferimento) da obrigação 
negativa que incumbe à coletividade”.16 
 
13 Sobre o tema, v., por todos, R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, cit., p. 106 e ss. 
14 Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1996, 12ª edição, p. 151. Em outro passo (Novos 
Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 254), acrescenta Orlando Gomes: “é o direito da 
pessoa humana a ser respeitada e protegida em todas as suas manifestações imediatas dignas de tutela jurídica, 
assim como na sua esfera privada e íntima. Na sua concepção, esse direito geral de personalidade é o 
fundamento de todos os direitos especiais da personalidade, logicamente antecedente e juridicamente 
preferencial”. 
15 Francesco Ferrara, Trattato di diritto civile italiano, cit., p. 389. Na mesma esteira, no direito pátrio, 
Anacleto Faria, Instituições de Direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, 2ª edição, p. 293, os 
designava como direitos personalíssimos, definindo-os como “aqueles que têm por objeto a própria pessoa do 
sujeito, considerada em seu todo, ou em alguns aspectos, prolongamentos ou projeções da mesma”. 
16 Francesco Ferrara, Trattato di diritto civile italiano, cit., p. 395. V., ainda, a tentativa de esclarecimento 
proposta por Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. VII, cit., p. 7: “a) no suporte fáctico de 
qualquer fato jurídico, de que surge direito, há, necessariamente, alguma pessoa, como elemento do suporte; 
b) no suporte fáctico do fato jurídico de que surge direito de personalidade, o elemento subjetivo é o ser 
humano, e não ainda pessoa: a personalidade resulta da entrada do ser humano no mundo jurídico.” 
A matéria é magistralmente enfrentada por Giampiccolo, segundo o qual a utilidade 
juridicamente protegida não se confunde com o dever geral de abstenção (necessário à sua 
conservação, não já à sua constituição), identificando-se “con l'essere e le condizioni 
essenziali dell'essere ed è quindi acquisita e intriseca al soggetto per ragione di natura”. 
Daí decorreria o equívoco dos autores que consideravam estranho à pessoa o ponto de 
referência da relação jurídica (postulado que, segundo o mesmo autor, acarretaria um direito 
sem objeto ou a negativa de direito subjetivo). E remata, demonstrando que a separação 
entre o sujeito e o objeto do direito é postulado lógico quando o interesse protegido dirige-
se a uma utilidade externa, tal qual ocorre nas relações jurídicas patrimoniais. Entretanto, a 
regra não se adapta definitivamente à categoria das relações jurídicas não-patrimoniais.17 
 
 
2. Características, classificações e delimitação dos chamados direitos da 
personalidade. Personalidade e direitos humanos: necessidade de superação da 
dicotomia entre o direito público e privado 
 
A preocupação com a pessoa humana, surgida com as declarações de direitos, a partir 
da necessidade de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado totalitário, limitava-se, por 
isso mesmo, à tutela conferida pelo direito público à integridade física e a outras garantias 
políticas, não existindo nas relações de direito privado um sistema de proteção fora dos 
limites dos tipos penais. 
Durante o liberalismo, o indivíduo não encontrava limites nas relações jurídicas 
patrimoniais, cuidando o direito privado basicamente de estipular garantias para que o 
domínio fosse exercitado sem ingerência externa; e para que a transferência de riqueza (da 
propriedade, portanto) pudesse ter livre curso mediante a disciplina dos contratos. A lesão à 
 
17 Giorgio Giampiccolo, La tutela giuridica della persona umana e ilc.d. diritto alla riservatezza, cit., pp. 
466-477: “è naturale che, dove oggetto di tutela è l'essere stesso della persona, epperò una condizione di 
utilità che non implica relazione alcuna com un bene esterno, la prospettiva debba mutare; e diviene allora 
una necessità logica riconoscere che qui, per la speciale natura dell'interesse protetto, è proprio la persona a 
costituire, al tempo stesso che il soggetto titolare del diritto, il punto di riferimento oggettivo del rapporto. 
Non è già che con questo si pretenda dividere l'uomo in due aspetti (io e non io); si tratta di accetare semmai 
il concetto, niente affatto contradditorio e in tutto aderente alla realtà, di una duplice rilevanza formale dello 
stesso elemento, in relazione al diverso angolo visuale dal quale volta a volta può procedere l'analisi; a parte 
subiecti, a parte obiecti”. 
integridade das pessoas era matéria do direito público, que asseguraria, com o direito penal, 
a repressão aos delitos. 
Na medida em que a pessoa humana torna-se objeto de tutela também nas relações de 
direito privado, com o estabelecimento de direitos subjetivos para a tutela de valores 
atinentes à personalidade, trataram os civilistas de definir a sua configuração dogmática, 
delineando-se um direito iluminado pelo paradigma do direito subjetivo privado por 
excelência, o direito de propriedade. 
Cogita-se, nesta esteira, que tais direitos pertencem à categoria dos direitos privados 
exatamente porque “a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, satisfazem aspirações 
e necessidades próprias do indivíduo em si mesmo considerado, e inserem-se, portanto, na 
esfera da utilitas privada”. Ao lado de tais direitos subjetivos privados conviveriam, assim, 
os direitos subjetivos públicos, também chamados direitos civis, os quais atenderiam às 
aspirações do indivíduo em face do Estado, para protegê-lo das opressões oriundas da 
coletividade estatal, “cujo objeto seria sempre o mesmo, embora diversificado nas suas 
manifestações”.18 Quando o ordenamento considerasse que certas necessidades do homem 
possuem características tais a justificar a proteção do direito privado, além daquela que a 
ordem pública oferece para a tutela da pessoa humana, estabeleceria o respectivo direito 
subjetivo privado. 
Daí considerar-se que “os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da 
personalidade; mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos 
aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos 
protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da 
personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o 
ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defendê-los 
frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.”19 
Assim sendo, considerados como direitos subjetivos privados, os chamados direitos 
da personalidade possuem, como característicos, no dizer da doutrina brasileira 
 
18 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., p. 27. 
19 Fabio De Mattia, “Direitos da Personalidade II”, in Enciclopédia Saraiva, vol. 28, São Paulo, Saraiva, 
1979, p. 150, que invoca, em apoio à sua posição, o entendimento de Arturo Valencia Zea, Alex Weill, Jean 
Carbonnier e Orlando Gomes. 
especializada, a generalidade, a extrapatrimonialidade, o caráter absoluto, a 
inalienabilidade, a imprescritibilidade e a intransmissibilidade.20 
A generalidade significa que esses direitos são naturalmente concedidos a todos, pelo 
simples fato de estar vivo, ou pelo só fato de ser. Por isso mesmo alguns autores os 
consideram como inatos, terminologia que, todavia, mostra-se por vezes dúbia, já que, 
como se verá adiante, suscita a conotação jusnaturalista, adotada por alguns autores, no 
sentido de que tais direitos preexistiriam à ordem jurídica, independentemente, portanto, do 
dado normativo. A extrapatrimonialidade consistiria na insuscetibilidade de uma avaliação 
econômica destes direitos, ainda que a sua lesão gere reflexos econômicos.21 São absolutos, 
já que oponíveis erga omnes, impondo-se à coletividade o dever de respeitá-los. A 
indisponibilidade retira do seu titular a possibilidade de deles dispor,22 tornando-os também 
irrenunciáveis e impenhoráveis; e a imprescritibilidade impede que a lesão a um direito da 
personalidade, com o passar do tempo, pudesse convalescer, com o perecimento da 
pretensão ressarcitória ou reparadora. Finalmente, a intransmissibilidade constitui 
característico controvertido, estando a significar que se extinguiria com a morte do titular, 
em decorrência do seu caráter personalíssimo, ainda que muitos interesses relacionados à 
personalidade mantenham-se tutelados mesmo após a morte do titular.23 
 
20 V., por todos, Milton Fernandes, Os Direitos da Personalidade, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 12 e ss., que 
os designa como direitos personalíssimos. 
21 Sobre esta específica característica, cf., na doutrina estrangeira, a lição de Adriano De Cupis, I diritti della 
personalità, cit., p. 28: “L'oggetto dei diritti della personalità essendo un modo di essere fisico o morale della 
persona, bem s'intende come esso mai contega in se stesso una immediata utilità d'ordine economico. La vita, 
l'integrità fisica, la libertà e così via dicendo permettono al soggetto di conseguire altri beni muniti di utilità 
economica: ma non possono nè identificarsi nè confondersi con questi altri beni. Quando viene leso un diritto 
della personalità, sorge nel soggetto un diritto al risarcimento del danno, rivolto a garantirgli il tantundem di 
quei beni che l'oggetto del dirritto leso era in grado di fargli conseguire. L'equivalenza tra il diritto al 
risarcimento del danno e il diritto leso della personalità è una equivalenza di carattere indiretto: 
l'equivalenza tra i diritti non può essere che un riflesso dell'equivalenza tra i rispettivi oggetti; ed equivalenza 
non sussiste direttamente tra la somma di danaro attribuita a titolo di risarcimento e la vita, l'integrità fisica 
e via dicendo, ma bensì tra quella e i beni che quest'ultime possono far conseguire al soggetto.” 
22 Da indisponibilidade deriva o intenso debate sobre a licitude dos atos lesivos aos direitos da personalidade 
praticados com o consenso do interessado. Sobre o ponto, v., ainda, Adriano De Cupis, I diritti della 
personalità, cit., p. 50, para quem não existe um princípio geral de invalidade de tais atos, os quais, embora 
por vezes reprimidos pelo ordenamento, não necessariamente afetam a ordem pública, refletindo um aspecto 
particular e mais modesto da faculdade de dispor. 
23 Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, cit., p. 43, observa que, embora a morte 
cesse a personalidade, “a doutrina, as leis, os juízes, afirmam a permanência, depois da morte, de um certo 
número de interesses e dos direitos respectivos: o direito à sepultura e à sua proteção; o direito ao seu cadáver 
e de decidir o seu destino; o direito à imagem que `era', e também o direito à imagem do cadáver; o direito ao 
nome; o direito moral do autor; etc”. Daí ter o Código Civil Português, no art. 71, previsto que os direitos da 
A tais característicos há quem acrescente, especificamente, a essencialidade e a 
preeminência dos direitos da personalidade em relação aos demais direitos subjetivos, em 
função da peculiaridade do seu objeto.24 
Estabelecidos os seus contornos, os civilistas em geral pretendem classificar os 
direitos da personalidade, embora não sejam suficientemente convincentes os critérios 
científicos adotados e a importância prática de tais partições.25 De toda sorte, costuma-se 
distingui-los em dois grupos: os direitos à integridade física e os direitos à integridade 
moral. No primeiro grupo situam-se o direito àvida, o direito ao próprio corpo e o direito 
ao cadáver. No segundo, encontram-se o direito à honra, o direito à liberdade, o direito ao 
recato, o direito à imagem, o direito ao nome e o direito moral do autor.26 
Este conjunto de direitos decorre da previsão constitucional, do Código Civil e das 
leis especiais que, pontualmente, fornecem elementos normativos capazes de permitir sua 
configuração dogmática. Vale registrar, a título exemplificativo: o art. 5o, X, da 
Constituição da República, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a 
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou 
moral decorrente de sua violação”; o art. 220, também do texto maior, que assegura a 
liberdade de “manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob 
qualquer forma, processo ou veículo”, em conformidade com o art. 5º, IV e V, do rol das 
garantias fundamentais; a Lei nº 9.434/97 (modificada pela Lei nº 10.211/2001) que, 
respondendo ao comando do art. 199, § 4º, da Constituição, regula o transplante de órgãos; 
o art. 5º, XXVII e XVIII, da Constituição e a Lei nº 9.610/98, que disciplinam os direitos 
 
personalidade são protegidos depois da morte do seu titular, tendo legitimidade para pedir a sua proteção, o 
cônjuge e qualquer descendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido. Comentando o dispositivo, aquele 
autor português leciona que “Os parentes e herdeiros do falecido não defendem um interesse próprio (o que é 
evidente, por exemplo, tratando-se da defesa de um nome que não é usado pelo que o defende) mas sim um 
interesse do defunto”. E remata: “Assim a personalidade jurídica prolonga-se, é `empurrada', para depois da 
morte.” 
24 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., p. 22, para quem o seu objeto apresenta duas 
características distintivas (ressaltando-se a sintomática referência à senhoria): “1) si trova colla persona in un 
nesso strettissimo, così da potersi dire organico; 2) si identifica, tra i beni suscettibili di signoria giuridica, 
con quelli più elevati.” 
25 Milton Fernandes, Os Direitos da Personalidade, cit., p. 145, passa em revista as diversas classificações 
propostas pela doutrina, as quais, segundo leciona, “não têm bases sólidas de apoio nem produzem resultados 
úteis”. 
26 Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, cit., p. 153. 
morais do autor; os arts. 54 e ss. da Lei nº 6.015/73, que fixam a normativa do direito ao 
nome. 
Sublinhe-se, ainda, que o Código Civil de 2002 dedica um capítulo aos direitos da 
personalidade, em dez artigos, do 11 ao 21. Na esteira de disposições semelhantes dos arts. 
5 a 10 do Código Civil italiano, encontram-se aí enunciados os direitos à integridade física, 
o direito ao nome, a proteção à honra, à imagem e à privacidade. 
Os atos de disposição do corpo são vedados quando ocasionam uma diminuição 
permanente da integridade física ou quando sejam contrários aos bom costume. Ressalva-
se, contudo, a hipótese de necessidade médica, como no caso da cirurgia de mudança de 
sexo.27 O Código protege ainda a autonomia do paciente, no caso de tratamento médico ou 
intervenção cirúrgica com risco de vida (art. 15). 
A tutela do nome e do pseudônimo, que deve ser entendida na acepção mais 
abrangente de um direito à identidade pessoal28, é afirmada nos artigos 16 a 18. Já o direito 
à imagem e o direito à honra foram misturados na confusa redação do art. 20, contra a 
tendência doutrinária e jurisprudencial de reconhecer autonomia ao direito à imagem.29 
Junte-se a isso, a infelicidade do dispositivo, ao estabelecer a administração da justiça e a 
manutenção da ordem pública como os únicos casos em que se justifica a utilização da 
imagem de uma pessoa sem sua autorização. Tais critérios não encontram amparo 
constitucional, motivo pelo qual já se observou, em doutrina, que para evitar a declaração 
formal de inconstitucionalidade do dispositivo há de se utilizá-lo somente em situação 
excepcional, para a proibição prévia de divulgações “quando seja possível afastar, por 
 
27 Resta pacificado o entendimento de que a cirurgia de transgenitalização realizada em transexuais tem a 
finalidade terapêutica de corrigir a chamada “disforia de gênero”, quando o sexo psicológico do paciente não 
é condizente com seu fenótipo, como determina a Resolução n. 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina. 
Sobre o tema, v. Ana Paula Ariston Barion Peres, Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. 
Rio de Janeiro, Renovar, 2001. 
28 É o que ressalta Maria Celina Bodin de Moraes em seu artigo A tutela do nome da pessoa humana, in 
Revista Forense, vol. 364, 2002, pp. 217 e ss. 
29 Esta tendência foi consolidada no julgamento, pela Segunda Seção do STJ, em 25.12.2002, dos Embargos 
de divergência em REsp 230268, quando o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira destacou: “Não há como 
negar a reparação à autora, na medida em que a obrigação de indenizar, em se tratando de direito à imagem, 
decorre do próprio uso indevido desse direito, não havendo, ademais, que se cogitar de prova da existência de 
prejuízo. Em outras palavras, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo 
desnecessário perquirir-se a conseqüência do uso, se ofensivo ou não”. 
motivo grave e insuperável, a presunção constitucional de interesse público que sempre 
acompanha a liberdade de informação e de expressão”.30 
Duas cláusulas gerais são veiculadas nos arts. 12 e 21. O artigo 12 prevê a 
possibilidade de cessão de ameaça ou da lesão a direito da personalidade (a chamada “tutela 
inibitória”) e o ressarcimento pelos danos causados.31 Nos termos do art. 21, “a vida 
privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as 
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. 
Ambos os dispositivos, lidos isoladamente no âmbito do corpo codificado, não trazem 
grande novidade, sendo certo que os dispositivos constitucionais mencionados já traziam 
previsão geral a esse respeito. Os preceitos ganham contudo algum significado se 
interpretados como especificação analítica da cláusula geral de tutela da personalidade 
prevista no Texto Constitucional no art. 1o, III (a dignidade humana como valor 
fundamental da República). A partir daí, deverá o intérprete afastar-se da ótica tipificadora 
seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de 
contemplar novas hipóteses de ressarcimento mas, em perspectiva inteiramente diversa, no 
intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos 
previstos pelo legislador codificado. 
A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram 
assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em 
todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos 
sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legislativa para todas as possíveis situa-
ções jurídicas de que seja a pessoa humana titular. Além disso, os rígidos compartimentos 
do direito público e do direito privado nem sempre mostram-se suficientes para a tutela da 
personalidade que, as mais das vezes, exige proteção a só tempo do Estado e das sociedades 
intermediárias — família, empresa, associações —, como ocorre, com freqüência, nas 
matérias atinentes à família, à inseminação artificial e à procriação assistida, ao 
 
30 Luís Roberto Barroso, “Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de 
ponderação. Interpretação constitucionalmenteadequada do Código Civil e da Lei de Imprensa”, in Revista 
Trimestral de Direito Civil, n. 16, out.-dez. 2003. 
31 Mostra-se correlato ao tema o problema da indenização por dano moral, sobre a qual remete-se à obra de 
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional do dano moral. Rio 
de Janeiro, Renovar, 2003. 
transexualismo, aos negócios jurídicos relacionados com a informática, às relações de 
trabalho em condições degradantes, e assim por diante.32 
 
 
3. Fontes dos direitos da personalidade. Crítica às concepções jusnaturalistas 
 
Provavelmente na tentativa de se ampliar o espectro da tutela da pessoa humana, 
debate-se, de maneira acirrada, o problema das fontes dos direitos da personalidade. Grande 
parte da doutrina, incluindo-se aí os autores brasileiros em larga maioria, nega a primazia 
do direito positivo, buscando em fontes supralegislativas a legitimação dos direitos 
inerentes à pessoa humana. Considera-se, desse modo, que “o fundamento próximo da sua 
sanção é realmente a extratificação no direito consuetudinário ou nas conclusões da ciência 
jurídica. Mas o seu fundamento primeiro são as imposições da natureza das coisas, noutras 
palavras, o direito natural”.33 
No direito português, onde há expressa tutela no Código Civil, afirma-se que “os 
direitos da personalidade são direitos naturais. São expressão e tutela jurídicas da estrutura 
 
32 O direito de família é rico em situações não tipificadas e interdisciplinares, atinentes a aspectos da 
personalidade humana. Cf. a emblemática hipótese decidida por unanimidade pela 5ª Câmara Cível do 
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo Relator o Des. Marcus Faver (in ADV-COAD, 1997, nº 77.562), 
com a seguinte ementa: “Regulamentação de visitas. Pedido formulado por irmãos unilaterais através de 
processo cautelar (...) Não contendo o ordenamento jurídico vedação à pretensão deduzida, não há que se falar 
em impossibilidade jurídica do pedido (...) Saber se o autor tem ou não direito em relação a pretensão 
deduzida é matéria de mérito. Os irmãos, tal como os tios e avós, têm direito de visita, em relação aos 
menores, irmãos, sobrinhos ou netos, ainda que com amplitude reduzida. Embora não sendo titulares de pátrio 
poder, aos irmãos, pelos princípios que orientam o direito de família, pela solidariedade familiar, pelo 
interesse na formação da personalidade e do psiquismo, do menor, deve ser assegurado, com limitação, o 
direito de visitas, em relação aos irmãos menores, ainda que unilaterais.” Fatos inusitados, por outro lado, 
surgem a cada dia, desafiando a dogmática tradicional e a técnica regulamentar. Segundo noticiou a imprensa 
(Jornal O Estado do Paraná, 25 de maio de 1997), sob o inquietante título “O Incesto Tecnológico”, o 
príncipe herdeiro do Japão, Naruhito, de 37 anos, diante da constatação de sua esterilidade, teria consentido 
com que sua mulher Masako, de 33 anos, viesse a ser inseminada artificialmente com o sêmen do pai dele, o 
imperador Akhito, de 63 anos, a fim de garantir a continuidade da dinastia de 2.700 anos. 
33 Rubem Limongi França, “Direitos da Personalidade I”, in Enciclopédia Saraiva, vol. 28, São Paulo, 
Saraiva, 1979, p. 142. Na mesma direção, Maria Helena Diniz, “Curso de Direito Civil Brasileiro”, vol. I, 
Teoria Geral do Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1994, 10ª ed., p. 83; Fabio De Mattia, Direitos da 
Personalidade, cit., p. 154; e, ainda, Carlos Alberto Bittar, Teoria Geral do Direito Civil, São Paulo, Forense 
Universitária, 1991, p. 108, para quem os direitos da personalidade “são inatos (...) nascem com a pessoa e 
para a sua individualização no mundo terrestre; prevalecem sobre os demais direitos, que, em eventual 
conflito, fazem ceder; impõem-se como condicionantes da ordem jurídica, na exata medida do respeito à 
individualidade humana”. O mesmo autor, em monografia específica, Os Direitos da Personalidade, São 
e das funções da pessoa, do seu ser e da sua maneira de ser. O Direito tem um fundamento 
axiológico (que é a sua justificação, e sem o qual se transforma em instrumento da 
opressão) que é imposto pela pessoa humana — o Direito é produto do homem e feito para 
o homem. A primeira e principal tarefa do jurista é reconhecer e descrever os direitos da 
pessoa. A pessoa humana `anterior' e superior à sociedade. Impõe-se, portanto, ao 
Direito”.34 
Tal posição justifica-se historicamente,35 embora não se possa com ela concordar nos 
dias de hoje, em que pese o respeito que merecem as conceituadas vozes divergentes.36 A 
concepção dos direitos da personalidade teve sua gênese ligada, inicialmente, às teorias 
jusnaturalistas, como forma de proteção do homem contra o arbítrio do totalitarismo e, de 
forma geral, do poder público. Daí a concepção desses direitos como direitos inatos, 
invulneráveis, portanto, ao arbítrio do Estado-legislador.37 
Observe-se que a própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão emanada 
pela Assembléia Constituinte francesa de 20 a 26 de agosto de 1789 invoca, em seu 
 
Paulo, Forense Universitária, 1989, pp. 7-8, salienta: “Esses direitos existem antes e independentemente do 
direito positivo, como inerentes ao próprio homem, considerado em si e em suas manifestações.” 
34 Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, cit., p. 38. 
35 V., sobre o ponto, Francisco Amaral, Direito Civil Brasileiro, vol. I, “Introdução”, Rio de Janeiro, Forense, 
1991, p. 258, para quem os direitos da personalidade, produto de construção doutrinária do século XIX, 
podem ser associados a longo processo evolutivo: “Sua raiz já se encontra, porém, nas declarações históricas 
dos direitos humanos, como a Magna Carta, de 1215, o Bill of Rights, de 1689, a Declaração dos Direitos do 
Homem e do Cidadão, de 1789, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, a Convenção 
Européia dos Direitos Humanos, de 1968.” Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, cit., 
pp. 36-37, observa que, embora seja normalmente associado o fundamento da “personalidade” à Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia francesa em 1789, tal Carta “fora precedida 
de muitas outras, adaptadas nos estados norte-americanos, desde o século XVII (carta de Carlos I à colônia de 
Rhode Island de 1643; constituição de Locke para a Carolina do Norte, de 1669; Bills of Rights de diversos 
estados, particularmente o da Virgínia de 1776). Normalmente de muito maior elevação do que a declaração”. 
36 Precisamente em razão dessa relatividade histórica, não pode ser considerada contrastante a opinião de José 
Lamartine Correa de Oliveira e de Francisco José Ferreira Muniz, “O Estado de Direito e os Direitos da 
Personalidade”, in Revista dos Tribunais, vol. 532, pp. 17-18, publicada em 1980, ainda sob a égide, portanto, 
da Carta autoritária de 1969, em que sustentam uma espécie de neonaturalismo: “não se trata do 
jusnaturalismo racionalista do iluminismo, que desconhece a inserção do homem na história (...) o núcleo do 
jusnaturalismo moderno são os direitos do homem.” 
37 V., sobre o tema, Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., pp. 19-20: “la concezione dei diritti 
innati a un'origine storica che va ricercata nelle condizioni formatesi in seguito alla compressione e 
all'assorbimento dell'individuo da parte dei poteri assoluti; sorge allora la presupposizione di uno stato 
primitivo di esistenza, al quale avrebbero dovuto corrispondere i diritti innati: quando nessun settore della 
vita individuale poteva dirsi immune dall'invadente e prepotente attività degli organi dello Stato, si offriva 
spontanea la determinazione di una sfera che quella immunità avrebbe dovutogodere secondo natura”. 
preâmbulo, “les droits naturels inaliénables et sacrés de l'homme”.38 Tal circunstância 
histórica, contudo, que se justifica mais por razões metajurídicas do que técnico-jurídicas, 
não autoriza a construção de uma categoria de direitos impostos à sociedade 
independentemente de sua própria formação cultural, social e política. À essa luz, Adriano 
De Cupis aduz que a suscetibilidade de ser titular de direitos da personalidade não está 
menos vinculada ao ordenamento jurídico do que estão os demais direitos e obrigações. 
Dessa maneira, qualquer situação jurídica só pode nascer do dado positivo, ou seja, de uma 
lei.39 
De resto, conforme leciona Pietro Perlingieri, o equívoco das escolas jusnaturalísticas 
está no fato de que mesmo os princípios da razão e da natureza apresentam-se como “no-
ções historicamente condicionadas: (...) o direito natural (dever ser) é sempre condicionado 
pela experiência do direito positivo (ser)”.40 E prossegue: “os direitos do homem, para ter 
uma efetiva tutela jurídica, devem encontrar o seu fundamento na norma positiva. O direito 
positivo é o único fundamento jurídico da tutela da personalidade; a ética, a religião, a 
história, a política, a ideologia, são apenas aspectos de uma idêntica realidade (...) a norma 
é, também ela, noção histórica”.41 
A rigor, poder-se-ia mesmo dizer que, fora de um determinado contexto histórico, não 
existe possibilidade de se estabelecer um bem jurídico superior, já que a sua própria 
compreensão depende de condicionantes multifacetados e complexos atinentes aos valores 
sociais historicamente consagrados. Afinal, bastaria lembrar que, em nome da vida e da 
liberdade, inúmeros contingentes humanos já foram sacrificados, invariavelmente sob 
fundamentos éticos, religiosos e políticos que, invocados pelos Estados, pretendem 
 
38 O registro é de Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., p. 20, para quem “La Dichiarazione 
costituì il trionfo della scuola del diritto naturale, suggellando la concezione dell'esistenza di diritti soggettivi 
preesistenti allo Stato, non creati, ma soltanto riconosciuti da esso. Ma, nello stesso tempo che il trionfo, fu 
anche il suo canto del cigno, per la immediata reazione della scuola storica, la quale all'idea dei diritti 
dell'essere umano, deducibili per la pura ragione, volle sostituito lo studio esclusivo del datto storico, del 
diritto rivelato progressivamente dall'esperienza”. 
39 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, ob. e loc. cit. 
40 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, Napoli, Esi, 1972, p. 131, o qual 
esclarece, ainda, relativamente ao conceito de norma jurídica: “la sua nozione è relativa non tanto al sistema 
delle fonti formalmente previsto in un certo ordinamento quanto a quello effettivamente vigente, frutto non 
soltanto di una gerarchia ma della sensibilità e della mentalità degli operatori del diritto.” 
41 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., p. 131. 
justificar guerras, genocídios, apartheid e outras formas de discriminação social, sexual, 
étnica e cultural. 
No Estado de Direito, a ordem jurídica serve exatamente para evitar os abusos 
cometidos por quem, com base em valores supralegislativos, ainda que em nome de 
interesses aparentemente humanistas, viesse a violar garantias individuais e sociais 
estabelecidas, através da representação popular, pelo direito positivo. 
Resulta, em definitivo, assaz difícil para os defensores das teses jusnaturalistas 
definirem o que seria a expressão de direitos sagrados do homem, quando se pensa na 
variedade de posições adotadas pela consciência social dos povos nas diversas épocas 
históricas e pontos geográficos em que se insere a pessoa humana. A religião muçulmana, 
com suas penas corporais e as cirurgias através das quais milhares de mulheres africanas 
são mutiladas, ao nascer, nos dias de hoje42; os países cristãos e as concepções ideológicas 
que adotam a pena de morte; o regime da escravidão em sociedades consideradas 
civilizadas; a prática de torturas e de linchamento como formas de sanção socialmente 
reconhecidas em diversos estados brasileiros; tudo isso coloca em crise a simplista tese 
segundo a qual seria a consciência universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos 
da personalidade, cabendo ao ordenamento jurídico apenas reconhecê-los. 
No plano metodológico mais geral, não parece convincente qualquer tomada de 
posição quanto às fontes do ordenamento desprovida de uma prévia análise do momento 
histórico em que se insere o jurista. Do mesmo modo, não há correntes hermenêuticas que 
possam ser avaliadas fora do seu tempo. Superado o autoritarismo e admitindo-se, como 
premissa, a consolidação de um estado social de direito, o positivismo pode se constituir em 
uma sólida garantia da promoção da pessoa humana, contra costumes muitas vezes 
 
42 Edição da Revista Veja (10 de junho de 1998), em matéria intitulada Prazer Extirpado, relata o conflito 
entre o direito positivo, religião e costumes: “a mutilação genital é praticada em 28 países da África e dois do 
Oriente Médio, atingindo milhões de mulheres todo ano. O objetivo é exercer a mais total forma de controle 
do desejo sexual feminino, de forma a garantir esposas dóceis e fiéis. Segundo a ONU, 110 milhões de 
mulheres em todo o mundo já foram submetidas ao ritual da mutilaçào. Pelo mesmo cálculo, cerca de 2 
milhões de meninas são mutiladas a cada ano. Em lugares como Somália e Djibuti, estima-se que praticamente 
todas as mulheres são extirpadas. Alguns países coíbem a prática, medida inócua que não arranha a 
convicção arraigada entre homens e mulheres de que remover os genitais femininos externos é questão de 
respeito e honra. No Egito, onde se calcula que pelo menos 55% das mulheres muçulmanas e cristãs coptas 
ainda sejam submetidas à mutilação, o governo proibiu a operação em hospitais públicos e particulares em 
1996. Houve uma chuva de protestos de líderes religiosos mais ortodoxos, sobretudo os fundamentalistas 
retrógrados que tendem a reproduzir as desigualdades constituídas ao longo do tempo, a 
partir de hegemonias econômica e social que, não fosse a norma jurídica, imposta através 
do Estado democrático e interventor, jamais se alterariam.43 
Sobre o tema, já se observou, em página primorosa, que “é justo o direito, em uma 
concepção positivista, a garantir que não seja a vontade popular ou a consciência popular a 
tutelar a personalidade, pois a história ensina que exatamente a assim chamada vontade 
popular (a vontade obtida por persuasão ou por coação) cometeu os maiores crimes contra a 
humanidade, contra, pois, a pessoa”.44 
À vista de tais considerações, parece possível considerar os chamados direitos da 
personalidade como inatos unicamente pelo fato de nascerem juntamente com a pessoa 
humana, segundo a disciplina do direito positivo, despidos assim de qualquer conotação 
jusnaturalista. Neste diapasão, todos os direitos inatos são direitos da personalidade, 
embora nem todos os direitos da personalidade sejam inatos (ex., o direito moral do autor, 
cuja existência pressupõe a criação intelectual).45 
A mesma acepção dos direitos inatos é defendida por Pietro Perlingieri, ainda que 
através de construção inteiramente diversa da anterior: “o direito da personalidade nasce 
imediatamente e contextualmente com a pessoa (direitos inatos). Está-se diante do princípio 
da igualdade: todos nascem com a mesma titularidade e com as mesmas situações jurídicas 
 
muçulmanos, empenhados em `proteger as mulheres das conseqüências do excessivo desejosexual' (original 
não grifado)”. 
43 Já se observou, em outra sede (Gustavo Tepedino, Diritto all'abitazione e rapporti locatizi, tese de 
doutorado apresentada à Scuola di Perfezionamento in Diritto Civile, Università degli Studi di Camerino, ano 
acadêmico de 1985, p. 56, espec. nota 92), “quanto são inflexíveis e restritivas, na economia de mercado, 
algumas valorações correntes da realidade (...) tendo-se em conta certas práxis, consolidadas na cultura 
dominante pelas forças econômicas e pela mass-media”. Cf., ao propósito, Pietro Perlingieri, “Prassi, 
principio della legalità e scuole civilistiche”, in Rassegna di diritto civile, 1983, p. 156 e ss; e Note sulla crisi 
dello Stato sociale e sul contenuto minimo della proprietà, cit., p. 444, onde o autor adverte, inclusive, para o 
perigo de se superavaliar o princípio da efetividade em detrimento da legalidade, quando, então, “prevale chi 
a più forza di imporre, con manovre di palazzo o di piazza, il proprio punto di vista nell'interpretazione della 
Costituzione”. A necessidade de alteração de inúmeras práticas da jurisprudência e da administração pública, 
claramente em contraste com os valores constitucionais, percebe-se, ictu oculi, em diversos campos do direito. 
Na experiência italiana, por exemplo, a recusa imotivada, consolidada na práxis do tabelionato e da 
magistratura de primeiro grau, de se atribuir ao filho o sobrenome materno, ao lado do paterno, é hipótese 
criticada, em doutrina, por Maria Cristina De Cicco, “La normativa sul cognome e l'eguaglianza tra genitori”, 
in Rassegna di diritto civile, 1985, p. 960 e ss. 
44 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., p. 127. 
45 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., p. 41. 
subjetivas (...) A personalidade comporta imediata titularidade de relações 
personalíssimas”.46 
 
 
4. Teorias pluralista e monista: crítica 
 
Com a consagração dos direitos da personalidade como direitos subjetivos privados, 
absolutos, oponíveis erga omnes, dúvidas surgiram quanto à sua tipificação, debatendo as 
correntes pluralista (defensora da existência de múltiplos direitos da personalidade) e 
monista (que sustenta a existência de um único direito da personalidade, originário e geral). 
Assim como no debate relacionado às duas primeiras controvérsias, as correntes pluralista e 
monista também padecem da excessiva vinculação ao paradigma dos direitos patrimoniais, 
como se poderá, de fácil, demonstrar. 
A favor da pluralidade de direitos, sustenta-se: “admitido que a individuação dos bens 
ocorra com base na individuação das necessidades, e admitido que a exigência da existência 
seja distinta em relação àquela da liberdade; que a necessidade de viver de maneira honrada 
não se confunda com a necessidade de se distinguir dos outros sujeitos, etc. (...), daí decorre 
por conseqüência que distintos são também os bens correspondentes assim como os direitos 
sobre estes”.47 
Em defesa da tese oposta, argumenta-se que a pessoa humana é um valor unitário e 
que os seus interesses relativos ao ser, mesmo se dotados de características conceituais 
próprias, apresentam-se substancialmente interligados. Disso resultaria que as diversas 
normas atinentes à tutela da personalidade, disseminadas pelo Código Civil, Código Penal e 
leis especiais, mais do que constituírem direitos autônomos, representariam a disciplina 
específica de alguns aspectos particulares da sua tutela, da qual seriam o concreto 
desenvolvimento. “Não existem direitos da personalidade; existe um direito da 
personalidade: um direito único, com conteúdo indefinido e diversificado (como indefinido 
 
46 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., p. 140. 
47 Adriano De Cupis, I diritti della personalità, cit., pp. 25-26. 
e diversificado é, em outro campo, o conteúdo do domínio), que não se identifica com a 
soma de suas múltiplas expressões individualmente protegidas por normas particulares”.48 
Semelhante posição doutrinária é esposada, no Brasil, ao argumento de que a pessoa 
humana é una, refutando-se, a partir daí, a técnica legislativa dos tipos preestabelecidos de 
direitos de personalidade, embora se considere inexistente no direito positivo brasileiro uma 
cláusula geral capaz de assegurar tal direito subjetivo, abrangendo todos os aspectos de 
proteção da pessoa humana.49 Quanto à objeção comumente aposta contra o direito geral de 
personalidade, no sentido de que este não teria bem definidos os seus contornos, afirma-se 
que “os limites do direito geral de personalidade são fixados em cada caso concreto, através 
da ponderação de bens e interesses postos em litígio, aplicando-se o princípio da 
proporcionalidade”.50 
San Tiago Dantas, defendendo a pluralidade dos direitos da personalidade, 
contrapondo-se à tese segundo a qual a personalidade é una e a honra, a integridade 
corpórea, a liberdade, a vida, são aspectos de manifestações da personalidade, daí 
resultando um único direito da personalidade e não uma coleção deles, leciona: “A esse 
argumento pode se objetar com uma expressão que os lógicos empregam freqüentemente: o 
argumento prova demais. Ele prova não só que não existem direitos da personalidade 
vários, como prova, também, que não existem direitos patrimoniais vários, porque assim 
como a personalidade é uma só, o patrimônio também é um só. Os bens, a propriedade, a 
posse, os contratos, todos os direitos que se distinguem dentro da esfera dos direitos 
patrimoniais, podem ser considerados de um modo unitário; sendo possível, então, dizer 
que só existe um direito patrimonial e que todos esses, que habitualmente se estudam, são 
dele simples face ou manifestações”.51 
Curiosamente, o paralelo com os direitos patrimoniais é também utilizado por 
Giampiccolo, mas em sentido oposto, vale dizer, no intuito de demonstrar a unicidade do 
direito da personalidade que, como a propriedade, não poderia ser desmembrado em tantos 
direitos quantas são as prerrogativas do proprietário. Veja-se o interessante passo do autor 
 
48 Giorgio Giampiccolo, ob. cit., p. 463. 
49 Elimar Szaniawski, Direitos de Personalidade e sua Tutela, cit., p. 57. 
50 Elimar Szaniawski, Direitos de Personalidade e sua Tutela, cit., p. 62. 
italiano: “Do proprietário de um terreno não se pensa, decerto, que ele tenha um distinto 
direito à integridade do bem, a mantê-lo fechado, à sua desafetação e assim por diante; nem 
se postula do ordenamento uma específica norma para a proteção dessas qualidades 
individualizadas, que no seu conjunto fazem a coisa ser exatamente o que é e permitem que 
ela sirva à sua função. Por que então, com estranha contradição, dever-se-ia considerar 
diferentemente quanto à pessoa, se o homem é exatamente o valor fundamental sobre o qual 
incide todo o ordenamento? Porque o homem deveria ter proteção limitada somente aos 
aspectos expressamente regulados por uma norma, não se estendendo esta proteção 
indistintamente a todos os interesses da personalidade que possam parecer socialmente 
relevantes, e assim merecedores de tutela?”52 
 
 
5. A insuficiência das orientações doutrinárias tradicionais. A pessoa humana como 
valor unitário e sua proteção integral. A cláusula geral de tutela da personalidade no 
ordenamento brasileiro. Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002. A 
diversidade axiológica das relações patrimoniais e extrapatrimoniais. Os chamados 
direitos da personalidade das pessoas jurídicas 
 
A insuficiência das elaborações antes examinadas — monista e pluralista — para a 
proteção da pessoa humana foi posta em evidência por atenta doutrina, segundo a qual tais 
correntes tratam, uma e outra, os direitos da personalidade como expressão de tutela 
meramente ressarcitória e de tipo dominical. Criticam-se, nesta direção,as construções 
dogmáticas que concebem a proteção da personalidade aos moldes (ou sob o paradigma) do 
direito de propriedade.53 
 
51 Programa de Direito Civil, cit., p. 193, onde se aduz: “Na verdade os direitos da personalidade podem ter 
um tratamento unitário, porque a personalidade é una, mas isto não quer dizer que, entre eles, não se possa 
fazer diferenciações capazes de apresentá-los como relações jurídicas, distinguindo-os tal qual o patrimônio.” 
52 Giorgio Giampiccolo, ob. cit., p. 469. 
53 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., passim. V. também, do mesmo 
autor: “La tutela giuridica della `integrità psichica' (a proposito delle psicoterapie)”, in Rivista trimestrale di 
diritto e procedura civile, 1972, p. 763 e ss.; “Il diritto alla salute quale diritto della personalità”, in Rassegna 
di diritto civile, 1982, p. 1.021 e ss; Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 153 e ss. 
Segundo Pietro Perlingieri, principal artífice desta corrente doutrinária, a 
personalidade humana mostra-se insuscetível de recondução a uma “relação jurídica-tipo” 
ou a um “novelo de direitos subjetivos típicos”, sendo, ao contrário, valor jurídico a ser 
tutelado nas múltiplas e renovadas situações em que o homem possa se encontrar a cada 
dia. Daí resulta que o modelo do direito subjetivo tipificado será necessariamente 
insuficiente para atender às possíveis situações subjetivas em que a personalidade humana 
reclame tutela jurídica.54 
O que se verifica, a rigor, do debate antes enunciado em torno das diversas correntes 
que buscam explicar a conceituação, o objeto e o conteúdo dos direitos de personalidade, é 
que todas elas se baseiam no paradigma dos direitos patrimoniais: ora se entende que, como 
o direito de propriedade, o direito em tela deve compreender uma série de atributos que, 
como no caso do domínio, são postos à disposição do titular — sem que se possa fracionar 
o poder dominical em vários direitos; ora, ao revés, entende-se que, tal qual o patrimônio, a 
universalidade de direitos não justifica a reductio in uno, sendo certo que uma única massa 
patrimonial comporta tantos direitos quantas distintas relações jurídicas possam ser 
identificadas, à luz dos interesses em jogo — ainda que entre tais relações jurídicas haja um 
vínculo orgânico. 
Imaginando-se a personalidade humana do ponto de vista estrutural (ora o elemento 
subjetivo da estrutura das relações jurídicas, identificada com o conceito de capacidade 
jurídica, ora o elemento objetivo, ponto de referência dos chamados direitos da 
personalidade) e protegendo-a em termos apenas negativos, no sentido de repelir as 
ingerências externas à livre atuação do sujeito de direito, segundo a técnica própria do 
direito de propriedade, a tutela da personalidade será sempre setorial e insuficiente. 
Não se subestime o elevado valor de todas as orientações doutrinárias que, sem 
rebuços de dúvidas, permitiram a ampliação da tutela dos direitos humanos, antes limitada 
aos tipos do direito penal e às relações entre Estado e cidadão, e hoje estendida (é bem 
verdade) às relações de direito privado. E isto ocorreu a partir das construções que 
engendraram os direitos da personalidade, quer mediante a tipificação de uma série de 
direitos subjetivos, quer através da configuração de uma relação jurídica-tipo, generalizante 
 
54 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., esp. p. 174 e ss. 
e abrangente. Entretanto, a realização plena da dignidade humana, como quer o projeto 
constitucional em vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a 
tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o ordenamento.55 
Nem parece suficiente o mecanismo simplesmente repressivo, próprio do direito 
penal, de incidência normativa limitada aos momentos patológicos das relações jurídicas, 
no momento em que ocorre a violação do direito, sob a moldura de situações-tipo. A tutela 
da pessoa humana, além de superar a perspectiva setorial (direito público e direito privado), 
não se satisfaz com as técnicas ressarcitória e repressiva (binômio lesão-sanção), exigindo, 
ao reverso, instrumentos de promoção do homem, considerado em qualquer situação 
jurídica de que participe, contratual ou extracontratual, de direito público ou de direito 
privado.56 
Assim é que, no caso brasileiro, em respeito ao texto constitucional, parece lícito 
considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do 
qual seria exercido a sua titularidade, mas como valor máximo do ordenamento, modelador 
da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de 
validade. 
Nesta direção, não se trataria de enunciar um único direito subjetivo ou classificar 
múltiplos direitos da personalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pessoa 
humana em qualquer momento da atividade econômica, quer mediante os específicos 
direitos subjetivos (previstos pela Constituição e pelo legislador especial — saúde, imagem, 
nome, etc.), quer como inibidor de tutela jurídica de qualquer ato jurídico patrimonial ou 
extrapatrimonial que não atenda à realização da personalidade. 
A prioridade conferida à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, I e III, 
CF), fundamentos da República, e a adoção do princípio da igualdade substancial (art. 3º, 
 
55 V., sobre o ponto, José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, O Estado de Direito 
e os Direitos da Personalidade, cit., p. 14, que propuseram (em 1980) uma cláusula geral de tutela da pessoa 
humana no ordenamento jurídico brasileiro, aos moldes da experiência alemã, relatada pelos autores, os quais 
destacam: “A tipologia que se pretende exaustiva não exaure a realidade e camufla o sentido único de toda a 
problemática”. 
56 Para uma crítica aguda às técnicas tradicionais dos direitos da personalidade, v. Ezio Capizzano, Vita e 
integrità fisica, cit., p. 1.003, segundo o qual “o direito à integridade física, como especificação de um mais 
amplo direito à saúde, reflete o interesse público à eliminação das condições de fato (ambientais, etc.) que, 
possibilitando a agressão a tal bem, constituem, em razão do seu próprio valor instrumental, um obstáculo de 
III), ao lado da isonomia formal do art. 5º, bem como a garantia residual estipulada pelo art. 
5º, § 2º, CF, condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido 
normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte.57 
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da 
República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da 
marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º 
do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não 
expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma 
verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor 
máximo pelo ordenamento. 
Sublinhe-se a técnica legislativa — não por acaso — empregada pelo constituinte, 
fixando, no Título I, princípios fundamentais que, ali situados, impõem específica função 
aos demais direitos constitucionais, permeando todo o sistema jurídico com os valores ali 
indicados, expressos nos fundamentos e objetivos da República. 
Significa dizer, em primeiro lugar, que qualquer lei que, mesmo cumprindo os 
ditames constitucionais específicos para certas matérias, como por exemplo o art. 199 da 
CF, em matéria de transplante—, desatendesse a preocupação do legislador constituinte 
relativamente à realização da personalidade e à dignidade da pessoa humana, padeceria do 
 
natureza social à atuação e ao desenvolvimento da personalidade”; e Massimo Dogliotti, “I diritti della 
personalità: questioni e prospettive”, in Rassegna di diritto civile, 1982, p. 657 e ss. 
57 Tal perspectiva metodológica, que mais e mais se difunde, capitaneada por Pietro Perlingieri (Perfis do 
Direito Civil, cit., passim; Scuole, tendenze e metodi, Napoli, ESI, 1988, espec. p. 109 e ss.), deve a Maria 
Celina Bodin de Moraes, “A Caminho de um Direito Civil Constitucional”, in Revista de Direito Civil, vol. 
65, p. 21 e ss., a primeira e mais importante contribuição doutrinária entre os civilistas brasileiros. A autora (p. 
29) redimensiona, inclusive, o papel atribuído — em sede interpretativa — ao art. 5º, LICC: “As finalidades 
sociais da norma e exigências do bem comum foram já delimitadas pelo legislador constituinte quando da 
elaboração do Texto Constitucional. Do que resulta que, a teor do disposto, a interpretação das normas 
jurídicas, ainda que importe sempre na sua recriação pelo Juiz, não resta submetida ao livre arbítrio do 
Magistrado ou dependente de sua exclusiva bagagem ético-cultural, encontrando-se definitivamente vinculada 
aos valores primordiais do ordenamento jurídico.” V., ainda, entre os constitucionalistas, Clemerson Merlin 
Clève, “A Teoria Constitucional e o Direito Alternativo (Para uma Dogmática Constitucional 
Emancipatória)”, in Seleções Jurídicas — ADV-COAD, 1994, p. 45 e ss., que propõe uma “Constituição 
normativa integral”, mediante interpretação na qual se reconheça que “os princípios, inclusive aqueles 
enunciados no preâmbulo, dispõem de uma funcionalidade”, “cimentam a unidade da Constituição”, “ fixam 
standards de justiça, prestam-se como mecanismos auxiliares no processo de interpretação e integração da 
Constituição e do direito infraconstitucional, (...)” (p. 48); de modo a emergir “uma prática jurídica definida 
como constitucionalização (filtragem constitucional) do direito infraconstitucional (direito civil, direito penal, 
direito do trabalho, direito processual, etc.). Esse processo fará incidir sobre o direito infraconstitucional os 
valores substanciais emancipatórios adotados pela Carta Constitucional” (p. 51). 
vício da inconstitucionalidade: não há condições ou requisitos legais destinados a promover 
e incentivar a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplantes 
que possam desconsiderar o valor máximo do ordenamento constitucional brasileiro, ou 
seja, a pessoa humana e o desenvolvimento de sua personalidade. 
Por outro lado, como se aludiu acima, tais diretrizes, longe de apenas estabelecerem 
parâmetros para o legislador ordinário e para os poderes públicos, protegendo o indivíduo 
contra a ação do Estado, alcançam também a atividade privada, informando as relações 
contratuais no âmbito da iniciativa econômica. Não há negócio jurídico que não tenha seu 
conteúdo redesenhado pelo texto constitucional. 
Mais ainda, a tutela da personalidade, como bem se acentuou na doutrina alienígena, é 
dotada do atributo da elasticidade, não se confundindo, todavia, tal característica com a 
elasticidade do direito de propriedade. No caso da pessoa humana, elasticidade significa a 
abrangência da tutela, capaz de incidir a proteção do legislador e, em particular, o ditame 
constitucional de salvaguarda da dignidade humana a todas as situações, previstas ou não, 
em que a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de 
referência objetivo.58 
Demais disso, a regulamentação dos direitos de personalidade deferida ao legislador 
ordinário não significa uma reserva legal ilimitada. À legislação infraconstitucional, tanto 
em matéria de direito civil, como no caso do direito do trabalho, acidentário ou 
previdenciário, por exemplo, só é permitido impor restrições às garantias individuais ou 
sociais na medida em que a disciplina normativa encontre justificativa na própria dignidade 
da pessoa humana. 
Já na regulamentação das relações jurídicas patrimoniais, ao revés, a dignidade da 
pessoa humana é o limite interno capaz de definir com novas bases as funções sociais da 
propriedade e da atividade econômica. A assertiva é confirmada pela técnica empregada 
 
58 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, pp. 185-186, cujo passo merece 
transcrição: “Elasticidade da tutela da personalidade significa que não existe um numerus clausus de hipóteses 
tuteladas mas que é tutelado o valor da personalidade sem limites, ressalvados os limites postos no interesse 
de outras personalidades, não de terceiros. Elasticidade nas situações subjetivas reais (ao revés), e em 
particular na propriedade assim chamada formal (elasticidade do dominium) quer significar que, com a 
extinção de um direito real limitado à propriedade readquire o seu conteúdo originário. Elasticidade das situa-
ções pessoais significa portanto que a sua tutela deve ser estendida também às hipóteses (juridicamente 
relevantes) não previstas pelas leis ordinárias” (grifou-se). 
pelo constituinte, associando, expressa e imediatamente, à garantia do direito de 
propriedade (art. 5o, XXII), o atendimento de sua função social (art. 5o, XXIII); e às 
finalidades da ordem econômica, o dever de “assegurar a todos existência digna, conforme 
os ditames da justiça social”, e observados, dentre outros, os princípios da função social da 
propriedade e da redução das desigualdades regionais e sociais, além da busca do pleno 
emprego (art. 170, caput, e incisos III, VII e VIII). 
Os grupos sociais, como a família, os sindicatos, a universidade, a empresa, as 
associações filantrópicas ou mesmo religiosas, todas elas, igualmente, embora protegidas 
constitucionalmente, devem ter o seu regulamento interno adequado ao pleno 
desenvolvimento da personalidade humana, não lhes sendo consentido impor aos seus 
associados, mercê de uma mal compreendida tutela constitucional à autonomia associativa, 
normas de conduta que não se coadunam com os princípios acima referidos. As 
comunidades intermediárias têm a sua razão de ser e sua justificativa no papel que 
representam para a promoção da pessoa humana, deixando de ser tuteladas no momento em 
que deixem de cumpri-lo.59 
Tal constatação revela a crise da dogmática tradicional, que entendia que as normas 
de direito público, em particular os chamados direitos fundamentais previstos na 
Constituição Federal, tinham como objetivo único a proteção do indivíduo em relação ao 
Estado. Definidos os objetivos maiores e os fundamentos da República, na técnica 
constitucional de enumeração introdutória de princípios fundamentais, a eles não se pode 
supor alheia toda a gama de relações de direito privado, cabendo aos operadores do direito 
cotejarem a atividade econômica privada com os parâmetros do texto maior. 
A tutela da personalidade — convém, então, insistir — não pode se conter em setores 
estanques, de um lado os direitos humanos e de outro as chamadas situações jurídicas de 
direito privado. A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada, que 
supere a dicotomia direito público e direito privado e atenda à cláusula geral fixada pelo 
texto maior, de promoção da dignidade humana.60 
 
59 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, p. 145 e ss. 
60 A necessidade de superação das técnicas setoriais é suscitada por Maria Celina Bodin de Moraes, “Recusa à 
Realização do Exame de DNA na Investigação de Paternidade e Direitos da

Outros materiais