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CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa Unidade de Cuidados Intensivos Marisa Alexandra Marques Coimbra, julho 2016 CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa Unidade de Cuidados Intensivos Marisa Alexandra Marques Coimbra, julho Orientadora: Professora Doutora Maria Isabel Domingues Fernandes, Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra para obtenção do grau de Mestre em Enfermagem Médico-cirúrgica. O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos. E ele nos cura temporariamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isto é, arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas. (Marguerite Yourcenas) AGRADECIMENTOS Esta investigação só foi possível de realizar com a ajuda e apoio de diversas pessoas que me acompanharam durante a sua execução. A essas pessoas o meu agradecimento e reconhecimento por todo o apoio. À Professora Doutora Maria Isabel Fernandes, os meus sinceros agradecimentos pelo apoio, disponibilidade, paciência e todo o conhecimento que me transmitiu. Ao Professor José Carlos Amado Martins pelo apoio dispensado durante o tratamento estatístico dos dados. Aos doentes participantes pelo tempo despendido, que contribuiu de forma decisiva neste estudo. Aos enfermeiros pela aceitação e disponibilidade demonstrada, o tempo despendido para a formação, a discussão e o preenchimento do instrumento de colheita de dados Ao Alexandre, meu marido, pelas ausências necessárias, apoio e paciência demostrada. Ao Salvador, o meu filho, pelas ausências da mãe nesta fase de crescimento tão importante. À minha família em geral, pais, irmão, cunhados, pela aceitação da minha ausência no desenrolar desta investigação. Aos meus amigos, Sónia e António, pela amizade, apoio e incentivo. E por fim, a todos os meus colegas e amigos que estiveram presentes nesta fase da minha vida, e que muito contribuíram para a consecução este estudo, com concelhos ou simplesmente por me ouvirem. SIGLAS CAM_ICU – Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit CI – Cuidados Intensivos dB – Decibéis D. R. – Diário da Républica ECG – Escala de Coma de Glasgow EEG – Electroencefalograma EMG – Electromiograma EOG – Electrooculograma NREM – Movimento não rápido dos olhos RASS – Richmond Agitation-Sedation Scale REM – Movimento rápido dos olhos RCSQ – Richards Campbell Sleep Questionnaire SPSS – Statistical Package for the Social Science UCI – Unidade de Cuidados Intensivos RESUMO Durante o internamento da pessoa em situação critica em unidades de cuidados intensivos (UCI) os despertares frequentes e a falta de estádios de sono reparadores, prejudicam a sua recuperação. O envolvimento dos profissionais de enfermagem, proporcionando intervenções promotoras de um período de sono em quantidade e qualidade adequadas, é fundamental para uma correta recuperação e manutenção da sua saúde física e emocional. São objetivos da investigação - identificar os fatores perturbadores do ciclo de sono na pessoa internada numa UCI; avaliar a perceção, da pessoa internada numa UCI, sobre a qualidade e quantidade do seu ciclo de sono, assim como a do enfermeiro que a cuidou; intervir, pela sensibilização da equipa, com vista à promoção do sono do doente internado numa UCI; analisar o impacto de uma atividade formativa, desenvolvida no seio da equipa de enfermagem, sobre a perceção da qualidade e quantidade de sono da pessoa internada numa UCI. Investigação com uma abordagem de natureza quantitativa do tipo pré-experimental. O sono da pessoa internada na UCI é avaliado quanto á sua qualidade e quantidade pelos doentes e pelos enfermeiros através da aplicação do Richards-Campbell Sleep Questionnaire (RCSQ). A colheita de dados ocorreu em dois momentos, antes e após uma atividade de formação com a equipa de enfermagem donde emergiram alterações a implementar na prestação de cuidados. A amostra foi definida em número de observações, consistindo em 60 observações dos doentes e 60 dos enfermeiros em cada um dos momentos. Em ambos os momentos, os doentes percecionam uma razoável qualidade de sono (RCSQ - 64.30; 66.80) enquanto, os enfermeiros percecionam uma boa qualidade (RCSQ - 71.00; 71.70) de sono do doente. As estratégias promotoras do sono implementadas acarretaram diferenças significativas ao nível do ruido na unidade, traduzindo-se em noites mais silenciosas. Os doentes identificam o ruído como o fator mais perturbador da qualidade de sono. Os enfermeiros avaliam mais positivamente a qualidade do sono das pessoas que cuidam do que os próprios. O conhecimento por parte da equipa de enfermagem, da avaliação que o doente crítico faz sobre a qualidade do sono e, o confronto com a avaliação que realiza, permitiu um espelhamento da sua práxis e conduziu à implementação de estratégias promotoras do sono e à melhoria do ambiente da UCI pela redução do nível do ruido. Palavras-Chave: Sono; Cuidados de Enfermagem; Unidade de Cuidados Intensivos; Pessoa em estado crítico. ABSTRACT The recovery process of critically ill patients admitted to the Intensive Care Unit (ICU) is undermined by frequent awakenings and the absence of restorative sleep stages. Nursing professionals’ interventions, aimed at promoting adequate sleep cycles, both in terms of quantity and quality, are essential for the adequate recovery and maintenance of the patients’ physical and emotional health. This research study aimed at: identifying sleep-disrupting factors in ICU patients; assessing ICU patients and nurses’ perceptions of the patients’ sleep quality and quantity; raising awareness among healthcare team members so as to maximise ICU patients’ sleep; analysing the impact of a nursing training activity on ICU patients’ perceptions regarding sleep quality and quantity. This was a pre-experimental and quantitative research study. The ICU patient’s sleep quantity and quality was assessed by both patients and nurses through the application of the Richards-Campbell Sleep Questionnaire (RCSQ). Data were collected at two different observation moments, before and after the nursing training activity. This activity resulted in the implementation of changes to care provision. The sample size was determined by the number of observations, consisting of 60 patient observations and 60 nurse observations at each moment. At both observation moments, the patients reported acceptable sleep quality (RCSQ - 64.30; 66.80), while the nurses assessed the patients’ sleep quality as good (RCSQ - 71.00, 71.70). Patients identified noise as the main sleep-disrupting factor. The implementation of sleep-promoting strategies led to significant differences in noise levels at the ICU, which translated into quieter nights. Nurses have a more positive perception of patients’ sleep than the patients themselves. Nurses’ awareness of the critically ill patients’ assessment regarding sleep, when compared to their own perception, allowsthem to reflect on their practice, implement sleep-promoting strategies, and improve the ICU environment, particularly by reducing noise levels. Keywords: Sleep; nursing care; Intensive Care Unit; Critically ill patient. SUMÁRIO Pág. NOTA INTRODUTÓRIA 21 PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCETUAL 25 1 – A PESSOA E O SONO 27 1.1 – MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO PADRÃO DO SONO 28 1.2 – FISIOLOGIA E ESTÁDIOS DO SONO 29 2 – CUIDADOS INTENSIVOS – O AMBIENTE DA UNIDADE 33 3 – PERTURBAÇÕES DO PADRÃO DO SONO NA PESSOA EM SITUAÇÃO CRITICA 37 3.1 – FATORES DESENCADEANTES 38 3.2 – RESPOSTAS ORGÂNICAS ÀS ALTERAÇÕES DO PADRÃO DO SONO 41 3.3 – AVALIAÇÃO DO PADRÃO DO SONO EM CUIDADOS INTENSIVOS 43 3.4 – ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO DO SONO 44 PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO 47 1 – O TEMA EM ESTUDO 49 1.1 – TIPO DE ESTUDO 50 2 – QUESTÃO E OBJETIVOS DE INVESTIGAÇÃO 51 3 – INSTRUMENTO DE COLHEITA DE DADOS 53 4 – POPULAÇÃO/AMOSTRA DO ESTUDO 57 5 – COLHEITA DE DADOS 59 6 – CONSIDERAÇÕES FORMAIS E ÉTICAS 63 7 – TRATAMENTO ESTATISTICO 65 PARTE III – ESTUDO EMPIRICO 67 1 – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS 69 1.1 – CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES 70 1.2 – A QUALIDADE E QUANTIDADE DE SONO – CARACTERIZAÇAO SEGUNDO OS PARTICIPANTES 77 1.3 – FACTORES PERTURBADORES DO SONO DO DOENTE 86 2 – DISCUSSÃO DE RESULTADOS 89 CONCLUSÃO 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 103 APÊNDICES APÊNDICE I – Questionário sócio-biográfico aplicado ao enfermeiro APÊNDICE II – Instrumento de colheita de dados aplicado ao doente APÊNDICE III – Instrumento de colheita de dados aplicado ao enfermeiro APÊNDICE IV – Consentimento informado ANEXOS ANEXO I – Richards Campbell Sleep Questionnaire ANEXO II – Permissão para a utilização do questionário ANEXO III – Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM- ICU) ANEXO IV – Escala de Coma de Glasgow (ECG) ANEXO V – Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) ANEXO VI – Parecer favorável da comissão de ética e conselho de administração ÍNDICE DE TABELAS Pág. Tabela 1 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes de acordo com o grupo etário 71 Tabela 2 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes de acordo com o sexo 71 Tabela 3 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes de acordo com o estado civil 71 Tabela 4 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes de acordo com o tempo de internamento 72 Tabela 5 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes relativamente ao diagnóstico médico 73 Tabela 6 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes relativamente ao estado de consciência e orientação 73 Tabela 7 – Distribuição absoluta e percentual dos doentes relativamente ao tipo de comunicação, estado de sedação e toma de medicação indutora do sono 74 Tabela 8 – Distribuição absoluta e percentual dos enfermeiros de acordo com a idade e o sexo 75 Tabela 9 – Distribuição absoluta e percentual dos enfermeiros de acordo com o estado civil e as habilitações profissionais 75 Tabela 10 – Distribuição absoluta e percentual dos enfermeiros de acordo com o tempo de experiência profissional total e em cuidados intensivos 76 Tabela 11 – Distribuição absoluta e percentual dos enfermeiros relativamente à frequência da formação sobre o sono 77 Tabela 12 – Avaliação da qualidade do sono (RCSQ) na perspetiva dos doentes e, comparação entre momentos 79 Tabela 13 – Perceção dos enfermeiros sobre a qualidade do sono (RCSQ) dos doentes e, comparação entre momentos 81 Tabela 14 – Comparação da qualidade do sono (RCSQ), na perspetiva dos doentes e percecionada pelos enfermeiros 83 Tabela 15 – Correlação da avaliação da qualidade do sono (RCSQ), na perspetiva dos doentes e, percecionada pelos enfermeiros 84 Tabela 16 – Correlação da avaliação da qualidade do sono (RCSQ), percecionada pelos enfermeiros, com o tempo de experiência profissional total e em CI 85 Tabela 17 – Distribuição absoluta e percentual dos fatores que mais perturbaram o sono dos doentes durante a noite 86 ÍNDICE DE FIGURAS Pág. Figura 1 – Comparação entre os dois momentos de colheita de dados, da perceção da qualidade e quantidade de sono do doente 78 Figura 2 – Comparação entre os dois momentos de colheita de dados, da perceção da qualidade e quantidade de sono do doente segundo os enfermeiros 80 Figura 3 – Comparação da qualidade e quantidade de sono do doente segundo a perspetiva dos doentes e dos enfermeiros 82 A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 21 NOTA INTRODUTÓRIA As modernas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) começam a desenvolver-se nos anos 60 do século XX, quando as técnicas sofisticadas de tratamento e instrumentação sofreram um grande avanço, implicando a necessidade de implantar um local nos hospitais, destinado ao atendimento de doentes graves ou em risco a exigirem assistência médica e de enfermagem ininterruptas, equipamentos específicos, recursos humanos especializados e acesso às novas tecnologias de diagnóstico e terapêutica (Tunlind, Granström,& Engström, 2014). O aspeto humano do cuidado de enfermagem é apontado por Boemer, Rossi e Nastari citado em Silva (2008) como um dos mais descurados neste tipo de serviço. A atividade diária e complexa que envolve o ambiente da UCI faz com que os profissionais de enfermagem, por vezes, esqueçam aspetos como o tocar, conversar e ouvir o ser humano que está à sua frente. Embora as UCI sejam o local ideal para o atendimento de doentes em estado grave, elas propiciam um dos ambientes mais agressivos, tensos e traumatizantes do hospital. O internamento numa UCI é sentido como um evento assustador e stressante para a pessoa pois conduz a mudanças súbitas na sua vida deparando-se com um ambiente novo e desconhecido que aumenta a sua vulnerabilidade e diminui acentuadamente o bem-estar (Meriläinen, Kyngäs, & Ala-Kokko, 2010). Uma das necessidades humanas básicas afetada durante o internamento de uma pessoa na UCI é o sono e repouso, aspeto fundamental tanto em quantidade como em qualidade para que recupere e mantenha a ótima saúde física e emocional. Durante toda a nossa vida, o tempo para dormir é rigidamente controlado por ciclos de sono. Estas etapas representam um ritmo orgânico interno, sincronizado com a alternância entre o dia e a noite, sendo influenciado por fatores internos, externos e sociais. O sono é responsável pelo bem-estar do corpo, tendo a função de restabelecer as energias gastas. Quando se dedica tempo para o corpo repor o vigor que se deteriorou durante a vigília, proporciona-se o seu rejuvenescimento, pois após um período de descanso enfrentam-se todos os tipos de atividades do quotidiano com mais energia, atenção, compreensão e concentração (Kuhn, 2008). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 22 Os distúrbios de sono são hoje considerados um problema de saúde pública pela elevada incidência (30 a 50% da população) e pelas graves consequências dele resultante (Araújo et al., 2002). A perturbação do sono na pessoaem situação crítica pode ter origem no stress psicológico associado à doença e ao ambiente dos cuidados intensivos, stress cirúrgico, ruído, interrupções do sono para os cuidados, fármacos, procedimentos dolorosos ou processos fisiológicos, excesso de iluminação e desconforto muscular e articular resultante do tempo confinado ao leito. São estes fatores geradores de distúrbios de sono que os profissionais de saúde, principalmente os enfermeiros, devem estar atentos e integrarem no seu plano de trabalho de modo a promoverem o sono das pessoas sujeita a cuidados. A partir deste conjunto de elementos surge o interesse na realização desta investigação, com o intuito de compreender o fenómeno do sono da pessoa internada numa unidade de cuidados intensivos e, a influência das intervenções de enfermagem na qualidade e quantidade de sono da pessoa em situação crítica. Partindo da perceção da pessoa internada na UCI e dos enfermeiros quanto à perturbação do sono, e do conhecimento dos fatores que causam essas perturbações, surge este estudo com o intuito de obter contributos para promover os padrões de cuidados e para o desenvolvimento da enfermagem enquanto disciplina. Questão e objetivos do estudo A investigação surge pela necessidade de resolver uma questão problemática que causa inquietação e que exige uma melhor compreensão do fenómeno observado, neste caso o sono da pessoa internada numa UCI, a partir da questão central de investigação: Como é que as práticas de enfermagem numa unidade de cuidados intensivos interferem com a quantidade e qualidade do sono dos doentes internados? Para podermos dar resposta à questão central de investigação, surgem questões secundárias articuladas com os objetivos delineados, de modo a compreender a perceção dos doentes e enfermeiros. Assim, pretende-se responder a: Qual a perceção dos doentes, em relação à sua qualidade de sono? Qual a perceção dos enfermeiros, em relação à qualidade do sono do (s) doente (s) que cuida (m)? Que relação há entre a avaliação realizada por doentes e enfermeiros sobre a qualidade e quantidade de sono? A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 23 Qual a relação entre a experiência profissional e experiência profissional em cuidados intensivos dos enfermeiros e a avaliação que realizam da qualidade e quantidade do sono da pessoa em situação critica? Que fatores são identificados, pelos doentes, como perturbadores do seu sono durante o internamento na UCI? Perante o problema definido delinearam-se objetivos alcançáveis para responder à questão formulada. São objetivos deste estudo: Identificar os fatores perturbadores do ciclo de sono na pessoa internada numa unidade de cuidados intensivos; Comparar as avaliações que doentes e enfermeiros realizam, relativas à qualidade e quantidade do sono dos doentes internados numa unidade de cuidados intensivos; Intervir, pela sensibilização da equipa, com vista à promoção do sono do doente internado numa UCI; Analisar o impacto da atividade formativa, desenvolvida no seio da equipa de enfermagem, na perceção da qualidade e quantidade de sono da pessoa internada numa unidade de cuidados intensivos. É uma investigação com uma abordagem quantitativa, um estudo pré-experimental, em que o sono da pessoa internada na UCI é avaliado, em dois momentos, quanto à sua qualidade e quantidade tanto pelos doentes como pelos enfermeiros. Entre os dois momentos de avaliação há um trabalho conjunto com a equipa, para análise das perceções de enfermeiros e doentes quanto à qualidade e quantidade do sono e implementação de eventuais mudanças na prestação de cuidados. A população em estudo engloba a pessoa internada numa unidade de cuidados intensivos, num determinado período, e os enfermeiros a exercer funções nessa mesma unidade. A investigação científica em saúde é essencial para facultar novos conhecimentos e avaliar a prática respondendo a questões sobre as intervenções dos cuidados de saúde sempre no sentido de promover qualidade dos cuidados à pessoa. Estruturalmente este documento encontra-se dividido em três partes: a primeira parte expõe o enquadramento concetual, a segunda parte descreve o enquadramento metodológico, e uma terceira parte onde consta o estudo empírico. Em relação à primeira considerou-se ser fundamental destacar aspetos relacionados com o sono, tais como o conceito, os fatores perturbadores e os métodos de avaliação. Aspetos relacionados com as perturbações do padrão do sono na pessoa em situação crítica, onde se faz referência ao ambiente de uma UCI, os fatores que A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 24 perturbam o sono especificamente numa UCI, os métodos utilizados para avaliar o sono numa unidade deste tipo, assim como às intervenções de enfermagem perante o problema em questão. Relativamente à segunda parte, o enquadramento metodológico, expõe-se o tema em estudo, a metodologia utilizada, o procedimento utilizado para a recolha de dados, as considerações éticas tidas em conta e o tratamento estatístico. Por fim, no estudo empírico, exibe-se a apresentação e análise dos dados e a discussão dos resultados. O presente relatório de investigação termina com as conclusões, sugestões e limitações, onde se realiza uma síntese dos aspetos mais relevantes da investigação, as implicações que este trabalho teve e tem para a prática de enfermagem, e ainda as futuras investigações que daqui poderão surgir. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 25 PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCETUAL Para iniciar qualquer processo de investigação o investigador tem que, em primeiro lugar, definir um domínio de estudo e o quadro conceptual que o define. É uma fase que consiste, de acordo com Creswell (2010), em definir os elementos de um problema, elaborando conceitos, formulando ideias e recolhendo documentação precisa sobre o tema. Só após o conhecimento do quadro conceptual é possível compreender o domínio do estudo e ajustar todo o processo de investigação. Assim, nos capítulos seguintes será realizada uma revisão da literatura sobre o fenómeno a investigar, abordando a fisiologia do sono e a sua importância no bem-estar da pessoa, as perturbações do padrão do sono, fatores desencadeantes e estratégias com vista á promoção da sua qualidade na pessoa em situação crítica. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 26 A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 27 1 – A PESSOA E O SONO Os seres humanos passam cerca de um terço da sua vida num processo conhecido como o sono, que comparado com o tempo dedicado a outras necessidades humanas básicas tais como comer ou beber, ocupa uma parte significativa das suas vidas. O interesse por este tema existe desde há muitos anos e ainda hoje a verdadeira essência sobre este fenómeno não foi completamente capturada, permanecendo num estudo constante pelos diversos especialistas. Ao longo dos anos, vários conceitos sobre o sono foram surgindo. Para Hoeman (1996) este é “uma componente essencial da saúde que afeta o bem-estar e a qualidade de vida”. É um relaxamento necessário a todos os seres humanos, sendo um processo natural e universal de serenidade para restaurar as funções cerebrais (Sorensen & Luckmann, 1998). Carateriza-se por uma redução na perceção e na reação ao meio ambiente, em que o individuo é despertável por sensações táteis, auditivas e visuais. O interesse pelo estudo do sono,de acordo com Dinarés, Rocha e Fernandes (2004), tem vindo a aumentar significativamente, o que tem conduzido a descobertas sobre este complexo fenómeno e sobre a sua importância para a recuperação da pessoa doente. O sono e repouso enquanto necessidade é conceituada por Dorland (1981), como um estado de bem-estar isento de sentimentos, ansiedade ou medo. É algo que se efetua para obter a sensação de repouso e regeneração dos processos do organismo. Definindo-se como um período de repouso durante o qual a volição e a consciência estão em inatividade parcial ou completa, e as funções corporais estão parcialmente suspensas. É um estado comportamental reversível de rutura percetual e ausência de resposta ao meio ambiente, fundamental para a recuperação em situação de doença e manutenção de uma boa saúde física e emocional. Mais recentemente Silveira, Bock, e Silva (2012), classificam o sono como um estado de consciência particular, bastante diferente do coma ou situação anestésica, pois traduz-se num estado que surge de forma espontânea, reversível e recorrente. Tendo em conta o conjunto de conceitos apresentados, pode afirmar-se que o objetivo do sono é permitir que o corpo se regenere e rejuvenesça. Referenciando o sono como uma necessidade humana básica, Dinarés et al. (2004), identificam-lhe diversas funções relevantes para o organismo, entre elas destacam: a A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 28 produção e a conservação de energia; um papel fundamental nos processos de crescimento e de renovação celular; manutenção de mecanismos que detetam doenças do sistema imunitário; estabilização do humor; regulação da temperatura corporal; melhoria do fluxo sanguíneo; controlo das funções respiratórias e promoção do bem-estar mental e emocional. As causas mais frequentes dos problemas do ciclo sono-vigília segundo Martins, Mello e Tufik (2001) dizem respeito à sua fragmentação, à inadequada quantidade e qualidade e à restrição. Tendo como consequências a redução do tempo de reação, a redução da atenção, o défice de memória, o aumento da irritabilidade e as alterações metabólicas e endócrinas. 1.1 – MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO PADRÃO DO SONO O sono é avaliado em termos de quantidade, qualidade, continuidade e distribuição nas 24 horas do dia (Khalil, 2008), a partir de vários métodos, entre eles a polissonografia, a actigrafia de pulso e a perceção do doente e do enfermeiro. A polissonografia é para Turpin (1990) a abordagem mais objetiva e de longe a que mais informação nos faculta acerca do sono, sendo também a mais utilizada. No mesmo sentido e mais recentemente, Campos (2003) refere que a polissonografia é o método mais objetivo de avaliação, quantificando e qualificando o sono da pessoa, designando-se como o método de diagnóstico padrão-ouro. Este método efetua-se através do registro contínuo de três parâmetros, o eletroencefalograma (EEG) que classifica o sono em estádios, o eletrooculograma (EOG) que mede a atividade dos olhos e permite afirmar em que estádio está a pessoa, e do eletromiograma (EMG) sub-mentoniano. A saturação de oxigénio arterial, frequência respiratória e pressão arterial são também avaliações importantes, de acordo com Khalil (2008), assim como o eletrocardiograma, fluxo aéreo e esforço respiratório (Perin, 2012). A avaliação do sono da pessoa estudada é estimada por um período de 6 a 8 horas em laboratório, e tem por base o padrão das ondas cerebrais (EEG), a atividade muscular mentoniana (EMG) e a atividade dos olhos (EOG) a cada período de 20 segundos a 2 minutos (Perin, 2012). A actigrafia de pulso consiste, segundo Togeiro e Smith (2005), numa técnica de avaliação do ciclo sono-vigília pelo registo da atividade motora através dos movimentos dos membros durante 24 horas, recorrendo ao uso de um dispositivo semelhante a um relógio. Através desta técnica, são obtidas informações como o A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 29 tempo total de sono, tempo total de vigília, número de despertares e latência para o sono. Quando comparada com a polissonografia, a actigrafia é tida como um método de menor custo e que permite a sua utilização em ambiente natural, como o domicílio da pessoa a estudar. Outro dos métodos utilizados para a avaliação do sono é a perceção do doente e do enfermeiro, através da aplicação de questionários ou entrevistas. Usando este método de avaliação, alguns estudos, entre eles os de Aurell e Elmqvist, citado em Khalil (2008) demonstram que o tempo de sono dos doentes, quando avaliado pelos enfermeiros, é mal interpretado e consistentemente superestimado. Quando há avaliação através da perceção do próprio doente, esta poderá estar sujeita a viés de memória principalmente nos que necessitam de internamentos prolongados (Novaes et al., citado em Khalil, 2008). 1.2 – FISIOLOGIA E ESTÁDIOS DO SONO O sono é um fenómeno complexo envolvendo processos organizados - circadiano e homeostático. O processo circadiano é regulado através do núcleo supraquiasmático do hipotálamo e possui como função a regularização do tempo de sono consolidando o ciclo sono-vigília. Desenvolve-se em 24 horas em que o indivíduo alterna sono e vigília, podendo ser influenciado por diversos fatores externos, como a postura, o exercício ou a luz, que desviam o ritmo desfragmentando-o (Martins et al., 2001; Bertolazi, 2008). Este processo circadiano é influenciado por ritmos endógenos e exógenos, em que os primeiros são provenientes do interior do organismo e os segundos provenientes de exterior desse mesmo organismo (Urden, Stacy & Lough, 2008). O ciclo de luz e escuridão são ritmos exógenos que regulam a produção de hormonas supra-renais, como o caso da melatonina que tende a desenrolar-se em sintonia com o sono-vigília. O processo homeostático de regulação do sono relaciona-se com a quantidade de sono que o indivíduo apresenta na sua rotina diária, dependendo da quantidade e qualidade dos episódios de sono. Ou seja, quando o indivíduo está privado de episódios de sono adormece mais rapidamente independentemente da fase circadiana em que se encontra (Urden et al., 2008; Bertolazi, 2008). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 30 Este processo homeostático de regulação do sono funciona em conjunto com o processo circadiano de modo a assegurar ao indivíduo um ótimo sono, tanto em quantidade como em qualidade. O avanço do conhecimento acerca do sono foi possível a partir do domínio sobre o registo das ondas cerebrais por EEG, permitindo a discriminação clara entre vigília e sono, bem como, entre os seus diferentes estádios. Tal conhecimento culminou, ao longo do século XX, com o desenvolvimento de registos poligráficos, para o esclarecimento da fisiologia do sono (Fernandes, 2006). Foi em 1929 que Hans Berger observou os primeiros registos da atividade elétrica do córtex cerebral, e que foram designados por EEG. Mais tarde, em 1937, Harvy e Lomis desenvolveram um estudo em seres humanos que consistia no registo do EEG durante toda a noite. Neste demonstrou-se que o ciclo de sono se desenrola numa alternância espontânea de diferentes estádios, diferenciados pelos padrões no EEG. Esta demonstração veio culminar na classificação do sono em estádios que comporiam o designado sono NREM (de movimentos não rápidos dos olhos). A descoberta e caraterização do sono REM (de movimentos rápidos dos olhos) por Aserinsky e Kleitman em 1953, foi o grande passo da investigação do sono como fenómeno biológico (Martins et al., 2001; Bertolazi, 2008; Perin, 2012). A investigação objetiva por meios auxiliares de diagnóstico identificou duas fases no sono: a de movimentos não rápidos dos olhos constituída por quatro estádios,e a de movimentos rápidos dos olhos. Esta designação para as duas fases do sono deve-se essencialmente a uma característica observada no EOG, onde se verifica que o sono REM é acompanhado de movimentos intensos oculares, em oposição ao que se verifica no sono NREM, onde os movimentos dos olhos, caso existam, são lentos (Dinarés et al., 2004). O sono REM corresponde a 25% de uma noite de sono, e o sono NREM corresponde a 75% de uma noite de sono e é caracterizado pelo relaxamento gradual. Assim, o período de sono no ser humano é dividido em sono REM e em sono NREM, composto por 4 estádios, o estádio 1 conhecido como estádio de transição, caracteriza-se por um sono leve, em que o individuo está relaxado e pouco reativo a estímulos externos, embora ainda facilmente despertável (Honkus, 2003; Urden et al., 2008) e ocupa cerca de 2 a 5% da noite de sono (Sorensen & Luckmann, 1998); o estádio 2 ocupa de 45 a 55% de uma noite de sono, tornando-se cada vez mais profundo com aumento do limiar necessário para o despertar; o estádio 3 é caracterizado por um sono muito mais profundo sendo o individuo mais difícil de despertar, com baixa atividade e movimentos oculares ausentes, ocupando cerca de 8% da noite de sono; o estádio 4, de sono mais profundo, surge após 15-20 minutos A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 31 sendo o individuo dificilmente despertável e ocupa 15% da noite (Sorensen & Luckmann, 1998). O sono NREM exibe a progressão da profundidade do sono e é fisiologicamente tranquilo ocorrendo uma diminuição da frequência cardíaca e respiratória, diminuição da pressão arterial e débito cardíaco, relaxamento muscular, movimentos oculares raros, dissipação periférica do calor conduzindo ao aumento da transpiração e redução da taxa metabólica basal. Como consequência da diminuição da temperatura e atividade cerebral, este estádio de sono conduz a um menor gasto de energia, a uma redução do metabolismo cerebral e à facilitação dos processos imunológicos (Martins et al., 2001; Perin, 2012). O sono REM é conhecido como sono ativo ou paradoxal, pois é nesta fase que algumas das áreas do cérebro estão bastante ativas e outras estão suprimidas. Esta fase do sono é caracterizada por intensa atividade no EEG, movimentos oculares rápidos, e atonia muscular. Verifica-se aumento e irregularidade da frequência cardíaca e respiratória, aumento da pressão arterial, aumento do fluxo sanguíneo cerebral, aumento da temperatura cerebral e aumento do consumo de oxigénio (Martins et al., 2001; Perin, 2012). Alguns autores designam o sono REM por “Estádio dos Sonhos”, pois é aquele em que ocorrem sonhos mais dramáticos a partir de experiências vividas e bizarras contendo componentes auditivos e emocionais. Contudo é a fase NREM que é caracterizada pela atividade onírica, embora os sonhos sejam menos dramáticos e mais realistas (Sorensen & Luckmann, 1998). Quando a pessoa é acordada durante o seu sono, em 70% dos casos relata o conteúdo do sonho se for acordada durante o sono REM, e apenas relata pensamentos e imagens quando acordada durante o sono NREM (Martins et al., 2001). O sono desenvolve-se, dependendo do tempo total de sono da pessoa, entre quatro a seis ciclos de sono por noite. Este ciclo inicia-se na passagem da vigília para o estádio 1 do sono NREM progredindo para o estádio 2. A partir daqui ocorre progressivamente o aprofundar do sono surgindo os estádios 3 e 4 sucessivamente, regredindo para o estádio 2, altura em que a pessoa entra no sono REM. Este processo até ao sono REM demora cerca de 90 minutos, sendo que este estádio apenas tem a duração de 2 a 10 minutos. É este momento que delimita o final do primeiro ciclo de sono, tendo inicio então o segundo ciclo com o ressurgimento do estádio 2 e seguintes estádios (Bertolazi, 2008). As opiniões entre autores diferem quanto à duração dos ciclos do sono, Urden et al. (2008) referem que o primeiro ciclo de sono dura geralmente 70 a 100 minutos e os seguintes entre 90 a 120 minutos, enquanto que Sorensen e Luckmann (1998) A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 32 afirmam que a extensão do ciclo do sono é cerca de 60 a 120 minutos sendo a média de 90 minutos. Mas estão de acordo quanto à proporção ocupada por cada estádio. Não existe um número de horas específicas para garantir um sono com qualidade, pois são diversos os fatores que o influenciam, tais como, a idade, o ritmo circadiano, a temperatura corporal, a utilização de fármacos e doenças associadas (Bertolazi, 2008). Com o aumento da idade o sono tende a alterar-se, aumentando os episódios de estádios 3 e 4 NREM e diminuindo o sono REM, o que se traduz num sono pouco repousante e dividido durante o dia com pequenas sestas (Urden et al., 2008). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 33 2 – CUIDADOS INTENSIVOS – O AMBIENTE DA UNIDADE As UCI’s são serviços hospitalares que se caracterizam por serem unidades complexas, altamente apetrechadas tecnologicamente cujo objetivo é apoio, monitorização e tratamento de pessoas em situação critica considerada potencialmente reversível (Administração Central do Sistema de saúde, 2013). A evolução destas unidades passou pelo avanço tecnológico e científico que impulsionou a gestão hospitalar a organizar os seus cuidados por diversas e diferenciadas áreas de trabalho, com o intuito de promover uma maior eficiência do uso de recursos materiais e humanos. As UCI´s nasceram então, pela necessidade de concentrar e aperfeiçoar os recursos humanos e materiais existentes no cuidar à pessoa em situação critica, de modo a oferecer uma monitorização e vigilância permanente (Vila & Rossi, 2002; Tunlin et al., 2014). Já Florence Nightingale, na Guerra da Crimeia em 1854, dividiu os soldados feridos durante a guerra segundo o seu grau de dependência em cuidados de enfermagem, tendo a preocupação de dispor os mais graves junto às áreas de trabalho das enfermeiras, de modo a proporcionar uma maior vigilância e melhor cuidado, aumentando assim a sua probabilidade de recuperação (Malta e Nishide, citado em Silva, 2011; Oliveira, 2011; Vincent, 2013). Mais tarde, em 1923, Walter Dandy criou uma unidade específica de doentes neurocirúrgicos em pós-operatório, e na década de 40 foi a vez da criação de unidades de queimados após um incendio em Boston. Já na década de 50, durante a epidemia de poliomielite, foram criadas unidades de assistência intensiva com técnicas modernas de ventilação mecânica prolongada (Ribeiro, Silva & Miranda, 2005; Malta e Nishide, citado em Silva, 2011; Oliveira, 2011). É a partir da década de 60 que surgem as primeiras unidade destinadas aos doentes portadores de doença cardíaca, assim como, as unidades especializadas em obstetrícia, neonatologia e pediatria, bem como o funcionamento da primeira UCI em Portugal. Pode afirmar-se que nos últimos 50 anos temos assistido ao aparecimento e desenvolvimento da área da saúde mais marcante como as UCI’s (Portugal, 2003). Estas unidades destinam-se à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de doentes em situação crítica com falência de uma ou mais funções vitais, sendo estas potencialmente reversíveis. Mais recentemente, Gomes (2009) define UCI como “… o A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 34 local onde estão reunidos meios humanos e tecnologia sofisticada que permitem a vigilância e a terapêutica das situações clínicas potencial ou realmente graves”. Para Portugal (2003) as UCI’s são locais qualificados para prevenir e reverter falências com implicações vitais, assumindo a responsabilidade total por doentes com disfunções.Estas unidades têm vindo a progredir em número devido ao alargamento dos critérios de admissibilidade, aos melhores e mais rápidos recursos existentes intra e extra-hospitalar e ainda devido ao avanço noutras áreas médicas. As UCI’s, segundo o mesmo autor, explicam-se e identificam-se em função de três critérios majores: A prática – assente na continuidade, durante as 24 horas do dia e em função das necessidades do doente, de ações e procedimentos para assegurar a monitorização, avaliação, diagnóstico e tratamento; A avaliação – executada em harmonia com a função atribuída a cada UCI. É pela análise de diversas variáveis (a natureza dos doentes admitidos, a taxa de sobrevida, a capacidade de recuperação das funções vitais, a disponibilidade e a capacidade para acorrer às necessidades) bem como pela avaliação do respetivo desempenho, que se definem os recursos necessários para cada UCI; A investigação – consiste em promover a qualificação dos desempenhos organizacionais, através da monitorização contínua dos doentes, num contexto multidisciplinar de diagnóstico e avaliação de resultados, permitindo assim, compreender a doença, acumular experiência, sistematizar e enriquecer saberes. Tem sido diversa a terminologia utilizada para caracterizar o nível de assistência médica das UCI’s. A Sociedade Europeia de Medicina Intensiva citada por Portugal (2003) e por Valentin & Ferdinande (2011) caracteriza este tipo de serviço de acordo com as técnicas utilizadas e as valências disponibilizadas pela respetiva área hospitalar, abordando três níveis de classificação: Nível I – visa a monitorização normalmente não invasiva, assegurando a reanimação de doentes e articulação com outros serviços ou unidades de nível superior; Nível II – visa a monitorização invasiva e suporte de funções vitais, podendo ou não proporcionar acesso a meios de diagnóstico e especialidades diferenciadas pelo que deve garantir a articulação com unidades de nível superior e a presença de médico com formação; Nível III – visa acesso aos meios de monitorização, diagnóstico e terapêutica. Deve implementar medidas de controlo contínuo de qualidade e programas de A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 35 ensino em cuidados intensivos. Deve ainda, possuir equipas funcionalmente dedicadas (médicos e enfermeiros) e assistência médica qualificada em presença física 24 horas por dia. São as UCI’s dos hospitais com urgência polivalente. O internamento numa UCI é, para Portugal (2003), um tempo transitório para os doentes em risco de vida, sendo parte de um processo e não o fim dele. Esse processo começa no momento inicial do motivo que levou a pessoa à unidade, inclui o internamento e continua após a alta. Embora a UCI seja o local ideal para o atendimento de doentes em situação crítica recuperável, ela oferece um dos ambientes mais agressivos, tensos e traumatizantes de um hospital (Vila & Rossi, 2002). A hospitalização provoca no doente uma fragilidade humana e com ela uma destabilização emocional e inquietação, sofrendo um processo de “separação do mundo” que condiciona o aparecimento de mudanças significativas tanto nos hábitos de higiene, como na alimentação, eliminação, sono e repouso, afeto e interação social (Ribeiro et al., 2005). O processo de hospitalização é por si só, de acordo com Ribeiro et al. (2005), uma experiência de vida stressante para o doente e família, pela indefinição do futuro e incerteza do diagnóstico que causam uma destruturação física e psicológica. À medida que o internamento se complica e evidencia a possibilidade de ir para uma UCI a reação é de medo, tanto pelo ambiente físico como pelo confronto com a morte, a presença ou ausência da família, a qualidade dos cuidados e a humanização do cuidar. O doente internado em UCI´s necessita de cuidados de excelência dirigidos não somente às questões fisiopatológicos mas também a questões psicossociais, ambientais e familiares, que tanto permanecem ligadas à doença física. O enfermeiro da UCI deve tomar decisões baseadas na compreensão das condições fisiológicas e psicológicas (Vila & Rossi, 2002), nunca esquecendo que cuidar não é um ato único nem a soma dos procedimentos técnicos ou qualidades humanas, é sim o resultado de um processo em que se integram valores, sentimentos, atitudes e princípios científicos, com o objetivo de satisfazer os indivíduos envolvidos (Silva, Sanches & Carvalho, 2007). Pode concluir-se que uma UCI é um ambiente diferenciado que visa a manutenção da vida e recuperação da saúde da pessoa, que necessita de cuidados complexos e especializados, pelo seu estado de doença. Possui diversos recursos tecnológicos e uma equipe multidisciplinar constantemente presente. A alta tecnologia presente e o ambiente muito próprio, onde se integra a mais sofisticada intervenção das equipas no A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 36 combate à doença que ameaça a vida, causa medo e stress tanto nos doentes como nos familiares e profissionais, cabendo a estes últimos prevenir ou atenuar esses medos a partir do trabalho desenvolvido. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 37 3 - PERTURBAÇÕES DO PADRÃO DO SONO NA PESSOA EM SITUAÇÃO CRÍTICA Segundo o D.R. II Série. Nº 35 (2011) a pessoa em situação crítica “ é aquela cuja vida está ameaçada por falência ou eminência de falência de uma ou mais funções vitais e cuja sobrevivência depende de meios avançados de vigilância, monitorização e terapêutica.” A pessoa em situação crítica necessita de internamento em unidades específicas e com meios adequados ao seu quadro clínico como as UCI´s. Este internamento, é sentido como um evento assustador e stressante para a pessoa pelas mudanças súbitas na sua vida, pelo ambiente novo e desconhecido, desencadeador do aumento da vulnerabilidade e da diminuição acentuada de bem-estar. Uma das necessidades humanas básicas afetada durante o internamento na UCI é o sono e repouso. Contudo, está largamente documentado que a recuperação do doente crítico e a manutenção de uma ótima saúde física e emocional, estão associadas à adequada quantidade e qualidade do sono (Pisani et al., 2015). A perturbação do sono na pessoa em situação crítica define-se como a insuficiência na duração dos estádios do sono que resulta em desconforto e interfere com a qualidade de vida. Uma contínua falta de sono restaurador ao longo do tempo resulta em sequelas físicas e cognitivas (Tembo, Parker & Higgins, 2013). A privação do sono foi reconhecida por Nesbitt e Goode (2014) como uma complicação recorrente que emana das práticas de uma UCI. Autores como Gabor, Cooper e Hanly (2001) e Tembo et al. (2013) também consideram que a perturbação do sono na UCI é um fenómeno que tem vindo a ser observado e documentado há cerca de 30 anos e considerado como um fatores stressante para o doente, impedindo a sua total recuperação. Vários estudos têm sido desenvolvidos, e demonstram que a exposição ao ambiente de uma UCI consistentemente resulta em reduzida eficiência do sono. De forma similar Sousa e Veludo (2012) e Delaney, Van Haren e Lopez (2015) concluem que as alterações do padrão de sono dos doentes internados em UCI são recorrentes e podem originar disfunções fisiológicas e psicológicas que conduzem ao aumento da morbilidade e mortalidade. O sono é tido como um processo ativo e fundamental, pois quando um doente crítico é privado do tempo total de sono necessário vão registar-se intercorrências não só no A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 38 processo de cura, comotambém em toda a sua sobrevivência (Nesbitt & Goode, 2014). A monitorização e os tratamentos invasivos, juntamente com os sintomas da doença e o meio ambiente ruidoso proporcionam desconforto ao doente, incluindo a incapacidade de dormir (Ferrie et al., citado em Elliot, McKinley & Cistulli, 2011). Sendo o sono considerado física e psicologicamente restaurador, essencial para a recuperação e cura da doença, os efeitos adversos de um sono de má qualidade devem ser entendidos para evitar sequelas a curto e longo prazo. No estudo de Sousa e Veludo (2012) sobre as perturbações do padrão do sono do doente, as alterações da qualidade do sono assentam fundamentalmente em aspetos como o ambiente envolvente e o comportamento da equipa multidisciplinar. Num estudo recente de Hopper, Fried e Pisani. (2015), os utentes referem um sono fragmentado, com múltiplos despertares, ausência de fases do sono, perda de sono restaurador e consequentemente perda do ritmo circadiano, promovendo a fadiga e traduzindo-se num aumento do medo e ansiedade. No estudo de Silveira et al. (2012), cerca de 60% dos doentes que passam por um internamento em cuidados intensivos, referem distúrbios do sono fundamentalmente atribuída à sua má qualidade durante a hospitalização. Resultados similares são apresentados por Nesbitt e Goode (2014). Assim, e tendo em conta a gravidade da privação do sono, há necessidade de sensibilizar e educar os profissionais de saúde para a necessidade de implementar medidas que minimizem os fatores perturbadores do sono e melhorem a qualidade deste nas pessoas que cuidam durante a hospitalização. 3.1 – FATORES DESENCADEANTES A literatura sugere que a perturbação do sono em doentes internados em UCI surge devido a uma combinação entre fatores intrínsecos (relacionados com a pessoa) e extrínsecos (relativos à unidade), influenciando-os de diferentes formas (Pisani et al., 2015). A qualidade do sono é influenciada pela gravidade da patologia, pelo impacto causado no doente, dor, desconforto, procedimentos médicos e de enfermagem, ventilação mecânica, ambiente das unidades e medicação (Silveira et al., 2012; Tembo et al., 2013). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 39 Como fatores extrínsecos Elliot et al. (2011), apresenta o ruído, a temperatura ambiente e a iluminação e como fatores intrínsecos o padrão de sono habitual do doente, a patologia clínica e fatores psicológicos como a ansiedade. Outros autores como Dinarés et al. (2004) concluíram que os equipamentos foram o fator externo mais citado enquanto o medo foi o fator interno. Recentemente, num estudo qualitativo de Tembo et al. (2013), os doentes referem uma angústia pela ausência de sono assim como pela presença constante de pesadelos, causados pelo medo da morte, pelo receio de não acordar e consequentemente a diminuição da qualidade e quantidade de sono. A dor e o desconforto são fatores citados por Tembo e Parker (2009). A dor é atribuída aos procedimentos médicos e de enfermagem, enquanto o desconforto é atribuído às camas hospitalares desconfortáveis, à posição não habitual que a pessoa assume na cama, isto é, uma posição que lhe causa desconforto, à temperatura da unidade, e à impossibilidade de realizar o seu ritual antes de dormir. Promover o alívio da dor e o conforto deve ser uma prioridade nos cuidados, no entanto, a avaliação desta resposta pode ser complexa, em doentes críticos, especialmente naqueles que apresentam “barreiras à comunicação”. Subjacente à doença, a medicação mais frequentemente utilizada em cuidados intensivos com o intuito de melhorar o desconforto, melhorar a sincronia doente/ventilador, diminuir a dor e ansiedade também influenciam o padrão de sono. Drogas como as benzodiazepinas, antibióticos, opiáceos, antipsicóticos e corticosteroides, assim como os vasopressores noradrenalina e adrenalina podem ter um impacto negativo na qualidade e arquitetura do sono. Por outro lado, a suspensão da sedação pode provocar insónia e fragmentação do sono de acordo com Elliot et al. (2011) e Silveira et al. (2012). O acumular das drogas no organismo do doente atrasa a extubação prolongando, assim, o internamento em cuidados intensivos, aumentando o risco de complicações associadas à ventilação e podendo levar ao delírio (Ogundele e Yende apud Tembo et al. (2013)). Respeitante a este tema, são vários os autores que referem a possibilidade de melhoria a longo prazo implementando uma interrupção diária da sedação e não uma sedação contínua. Contudo, também são vários os estudos que concluem que as melhorias a longo prazo se verificam apenas na redução do stress pós-traumático e nos dias de internamento, e não na qualidade de sono do doente. A assincronia entre doente e ventilador é identificada por Dinarés et al. (2004) como fator de distúrbio do sono, enquanto Khalil (2008) considera que a causa da fragmentação do sono poderá não estar na ventilação mecânica em si mas na A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 40 gravidade da patologia, que exige tubo endotraqueal, aspiração de secreções e restrição física, assim como, na necessidade de sedação e analgesia que pode interferir no padrão de sono. Os aspetos relativos à ventilação também são abordados por Drouot, Cabell, d’Ortho e Brochard (2008) e Silveira et al. (2012), quando constatam que alguns modos ventilatórios como a pressão de suporte prejudicam menos o sono do doente que a ventilação assistida. Contudo, referindo conclusões de outros autores, Pisani et al. (2015) consideram que a “pressure support ventilation allows patients to determine their own respiratory rate and tidal volume, there are descriptions of central apneas when using this mode of ventilation” e assim “nocturnal proportional assist ventilation resulted in fewer episodes of patient–ventilator dyssynchronies and was superior to pressure support ventilation in relation to sleep quality” (p.734). O ruído surge como um dos fatores com maior impacto nos doentes de cuidados intensivos. Numa UCI o ruído provém de múltiplas fontes como o toque do telefone, alarme dos equipamentos, ventiladores, televisão, conversas entre os profissionais, entre outros. Segundo Nesbitt e Goode (2014) a Organização Mundial de Saúde recomenda que os níveis de ruído, nos quartos dos doentes, não devem ultrapassar os 35 decibéis (dB). Contudo, são vários os estudos que concluem que o ruído dos quartos chega a atingir os 55 dB em 70 a 90% do tempo, entre eles, o de Meriläinen et al. (2010) que documenta um nível de ruído na unidade, ao longo do dia, a oscilar de 48 a 81 dB. Numa revisão da literatura Tembo e Parker (2009) concluíram que o aumento do ruído numa UCI traduz-se no inicio de uma sequência de alterações fisiológicas como aumento da tensão arterial, dilatação das pupilas, aumento da tensão muscular, estimulação do sistema simpático conduzindo assim, à libertação de adrenalina, impedindo o relaxamento e consequentemente o adormecer. Apesar de ser um dos fatores mais referido, vários estudos citados por Tembo e Parker (2009) argumentaram que o grau de ruído afeta a qualidade mas não a quantidade de sono. Enquanto, Stanchina, Abu-Hijleh, Chaudhry, Carlisle e Millman (2005) contrariam esse argumento, dizendo que a elevação do nível de ruido associa- se à redução da quantidade e qualidade do sono através da fragmentação deste e redução dos períodos de sono N-REM, promovendo uma lentificação na recuperação clínica. A diminuição dos níveis de iluminação noturna e uma boa noite de sono são essenciais para o restabelecimento do indivíduo. Assim, a iluminação da UCI também é considerada como fator perturbador do sono. A quantidade de luz interfere com o ritmo circadiano pela interferência na secreção da melatonina quese efetua com o A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 41 aparecimento da noite. Quando em cuidados intensivos a iluminação não é reduzida a secreção da melatonina não acontece o que provoca alterações no padrão do sono (Drouot et al., 2008). Os níveis de iluminação noturna, de acordo com Pisani et al. (2015) “as low as 100 to 500 lux can affect melatonin scretion, and nosturnal levels between 300 to 500 lux may disrupt the circadian pacemaker” (p. 734). A prestação de cuidados por parte dos enfermeiros também interfere com o padrão de sono, de acordo com Gabor et al. (2003), pois durante a noite, o sono é interrompido pelos enfermeiros para administração de medicação, posicionamentos, avaliação de sinais vitais, entre outros. Tembo et al. (2013,) citando Olsen et al, afirmam que as intervenções de enfermagem noturnas levam a altos níveis de perturbação do sono, concluindo que uma redução das intervenções de enfermagem noturnas está positivamente associado à promoção do sono. Sousa e Veludo (2012) e Tembo et al. (2013) consideram que embora se tomem medidas para prevenir/aliviar a privação do sono dos doentes críticos na UCI, reduzindo o ruido, a luz, as intervenções de enfermagem e se adequem os modos ventilatórios na ventilação mecânica, os doentes continuam a sofrer de privação do sono, pois a grande causa advém da doença em si e da medicação administrada. De forma díspar e, partindo dos resultados de investigações realizadas por outros autores, Pisani et al. (2015) concluem sobre a importância da implementação em UCI de protocolos de intervenções promotoras do sono. Estes exigem mudanças na cultura da unidade e instituição de forma individualizada integrando assim os fluxos de trabalho mas também a educação da equipa de profissionais de saúde que ali trabalham e a monitorização do desempenho e do grau de implementação do protocolo. Mais recentemente, foi constatado por Hopper et al. (2015), num estudo de identificação de fatores perturbadores do sono mencionados pelos profissionais de saúde, que estes compreendem a importância do sono embora questionem se a implementação de medidas de promoção do sono serão efetivamente eficazes na melhoria do estado clinico do doente crítico. 3.2 – RESPOSTAS ORGÂNICAS ÀS ALTERAÇÕES DO PADRÃO DO SONO O principal problema das alterações do padrão do sono é a sua insuficiente quantidade e qualidade, e está geralmente associada a perturbações físicas ou psicológicas subjacentes. Os benefícios do sono passam despercebidos até que se manifestem problemas resultantes da sua privação como as alterações dos reflexos, A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 42 da memória, do equilíbrio, da tolerância à dor e da capacidade de atenção. A gravidade dos sintomas físicos e psicológicos é altamente variável e está relacionada com o tempo de privação do sono, a idade do doente, a sua personalidade, motivação e fatores ambientais. A privação do sono provoca: alteração do estado mental, mais conhecida como psicose da UCI; diminuição da tolerância á glicose; diminuição das concentrações de tirotrofina; aumento da produção de cortisol ao fim da tarde; aumento da atividade do sistema nervoso central; alterações de humor e fadiga; irritabilidade crescente e sentimentos de perseguição (Urden et al., 2008). Para Tung e Mendelson, citado em Saldaña, Colmenares e Beltrán (2014) os fatores perturbadores do sono desencadeiam uma desregulação metabólica e endócrina interferindo com o sistema imunológico e consequentemente tornando o doente mais suscetível a processos infeciosos. Para além disso, o desequilíbrio entre o sistema nervoso simpático e o parassimpático aumenta o risco de alterações a nível da pressão arterial, taquicardia, aumento do consumo de oxigénio, fadiga muscular e diminuição da eritropoiese. Quando há privação da fase REM do sono podem surgir sinais de irritabilidade, apatia, diminuição do estado de alerta e aumento da sensibilidade à dor, e, em casos mais graves, distorção da perceção e perturbações mentais e emocionais. Quando a privação é da fase NREM pode evidenciar-se um aumento significativo do cansaço do doente e défice do sistema imunitário provocando uma diminuição das defesas do organismo, dada a importância desta fase do sono – com propriedades de reparação, renovação e conservação celular (Thelean, citado em Dinarés et al. (2004)). A partir de uma consulta de diversos estudos, Gabor et al. (2001), Silveira et al. (2012) e Tembo et al. (2013) verificam que após 30 horas de privação do sono existe um enfraquecimento dos músculos das vias aéreas superiores, causando problemas respiratórios e uma necessidade prolongada de ventilação mecânica, o que atrasa o desmame ventilatório e consequentemente a extubação dos doentes. Também Khalil (2008) constatou que a privação do sono pode causar disfunção respiratória devido à fadiga muscular. Durante um sono reparador e profundo existe a libertação da somatostatina, responsável pelo alívio da dor, enquanto que em situação de privação de sono existe a libertação da substância P, responsável pela dor, ocasionando assim aumento da intensidade de dor (Urden et al., 2008). A avaliação do sono através da polissonografia e avaliação contínua da frequência cardíaca e tensão arterial sugerem que após 36 horas de privação do sono surgem problemas cardiovasculares adversos (Zhong et al., Citado em Tembo et al. (2013)). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 43 3.3 – AVALIAÇÃO DO PADRÃO DO SONO EM CUIDADOS INTENSIVOS A obtenção de uma medida confiável e válida da qualidade e quantidade do sono é uma barreira bastante importante para a pesquisa do sono em cuidados intensivos, pois nenhum método de avaliação do sono é universalmente aceitável e viável para ser utilizado em UCI. Apesar de demorada e desconfortável para doentes críticos, segundo Drouot et al. (2008) a polissonografia completa é a única ferramenta confiável para avaliar o sono. Embora seja um padrão de referência e a medida mais reconhecida, a interpretação em doentes críticos é difícil pois os resultados poderão ser alterados por medicação comum nas UCI’s e pelas patologias (Kamdar et al., 2012), assim como pelas alterações do padrão eletroencefalográfico tais como: frequências baixas, atividades paroxísticas, mudanças focais, alteração da consciência e redução da reatividade (Boyko, Ording & Jennum, 2012). Por outro lado Tembo et al. (2013) consideram que a utilização abusiva deste método nestes doentes poderá ter um efeito perturbador sobre o sono, pois os elétrodos poderão atuar como um potencial perturbador ambiental. Apesar das consequências e dificuldades de interpretação da polissonografia em doentes críticos, os resultados obtidos por este método confirmam que durante o internamento em cuidados intensivos, o sono é amplamente fragmentado com redução significativa dos estádios mais profundos do sono e consequentemente mais restauradores (Friese et al., citado em Tembo et al., 2013). Num estudo de Knauert et al., (2014) as limitações técnicas da utilização da polissonografia foram baixas e os dados produzidos de alta qualidade. Tal como em estudos anteriores, neste também houve referência à utilização de elétrodos como algo desagradável, mas concluiu que o sono deste tipo de doentes é altamente perturbado com a perda proeminente de sono REM e estádio 3 do sono NREM, e quantidades anormalmente elevadas de sono que ocorrem durante o dia. A actigrafia, é um exame realizado com recurso a um actígrafo (equipamento semelhante a um relógio) que deteta movimentos do corpo. Utilizado para diagnóstico, pesquisa e estudo do ciclo sono-vigília e ritmos circadianos, sendo possível traçar um gráficodos períodos de sono e vigília de uma pessoa (Pisani et al., 2015). Embora seja um bom método para avaliar a continuidade do sono em noites sucessivas, apresenta desvantagens quando utilizada em doentes críticos pois não quantifica o sono e pode fornecer resultados falsificados, dado que se baseia na avaliação do pulso (Drouot et al., 2008). A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 44 Dos métodos subjetivos, o mais fácil de implementar será a avaliação do sono através da perceção dos enfermeiros. No entanto, Drouot et al. (2008) consideram que se sobrestima o tempo de sono e não se consegue detetar com precisão o sono fragmentado. Kamdar et al., (2012) realizaram um estudo com a aplicação de questionários a doentes e enfermeiros para avaliar a sua precisão e comparar a perceção de cada um. Apesar do baixo custo, existe a preocupação sobre a adequada avaliação da qualidade do sono pelos próprios doentes tendo em conta a sedação administrada. Os autores concluíram também, que os enfermeiros sobrestimam o sono dos doentes, quer a nível do tempo de sono, eficácia e número de despertares, quando comparada com a perceção dos doentes. Como vantagens, os métodos subjetivos são fáceis de aplicar e pouco dispendiosos, contudo não nos dão qualquer informação quanto à arquitetura do sono e não podem ser aplicados a todos os doentes críticos (Boyko et al., 2012). 3.4 – ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO DO SONO Tendo em conta que a perturbação no padrão de sono dos doentes internados em UCI acarreta consequências a curto e longo prazo e, como tal, resulta numa recuperação lenta, os enfermeiros têm que proporcionar aos doentes condições para um sono consolidado e estável tentando melhorar, de alguma forma, o tempo de internamento na UCI. Estas pessoas, internadas em consequência de uma lesão grave, estão completa ou parcialmente incapazes de se envolverem na manutenção das condições adequadas para assegurar um período de sono reparador. Assim, e de acordo com Dorothea Orem, têm um deficit de autocuidado podendo “ser ajudadas através da enfermagem” (Taylor, 2004, p.213). A atividade do enfermeiro a ser praticada, neste âmbito, ocorre em resposta a um requisito de autocuidado de desvio de saúde, em que de acordo com o tempo de evolução da doença irão surgir diferentes necessidades de cuidados (Meleis, 2012). Para promover o sono nos doentes críticos Silveira et al. (2012) consideram que as intervenções de enfermagem devem focar-se na diminuição do ruído, podendo recorrer ao uso de fones, à modificação de comportamentos e à redução do som dos equipamentos. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 45 Os mesmos autores afirmam que a utilização de tampões de ouvidos melhora a experiência subjetiva do sono em doentes não submetidos a sedação, sem interferir com os procedimentos, o seu uso mostra que a latência do sono REM e a sua duração foram significativamente melhores. Num estudo anterior, de Scotto, McClusky, Spillan e Kimmel (2009), em que se recorreu a aplicação de tampões de ouvidos obtiveram-se resultados díspares, pois verificou-se que alguns doentes submetidos ao uso de tampões de ouvido referiram melhor qualidade de sono, enquanto outros consideraram o seu uso desconfortável. Semelhantes ao anterior, também Hu, Jiang, Hegadoren e Zhang (2015) constataram no seu estudo que, a utilização de tampões de ouvidos e máscaras para os olhos causaram nervosismo, sensação de pânico, sensação de sufocamento e dor no canal do auditivo. Assim, e perante resultados de investigação científica díspares, os profissionais de saúde terão de privilegiar o conhecimento dos hábitos de sono do doente, seus gostos, fontes de stress habituais, estratégias que regularmente utilizam e são eficazes na promoção do sono, negociando com o doente de modo a que aceite o método escolhido e adequado à sua situação clínica, explicando os seus benefícios. Além da redução do ruído, a modificação de fatores ambientais como a redução da iluminação, medidas de conforto do doente, a sincronia doente-ventilador, promoção de um sono ininterrupto e redução de procedimentos durante o sono, são úteis para a promoção do sono em doentes críticos. A melatonina, hormona reguladora do ciclo sono/vigília é influenciada pela luz, sendo exigível a redução da iluminação da UCI para os menores níveis possíveis durante a noite (Gabor et al., 2001). A importância da promoção do conforto do doente antes de dormir, referida por Honkus (2003) mostra que os enfermeiros devem verificar o posicionamento das linhas de infusão de soros e outras medicações assim como do transducer da linha arterial, antes do doente iniciar o seu processo de sono e aliviar a dor recorrendo a analgésicos ou massagem terapêutica. Sendo a ansiedade e o desconforto uma das principais causas de perturbação do sono, a intervenção de enfermagem deve incidir na promoção do relaxamento do doente, recorrendo à massagem de conforto (Urden et al., 2008), à aromoterapia e musicoterapia (Silveira et al., 2012), verificar se os lençóis se apresentam limpos, secos e esticados, proporcionar aquecimento corporal e posicionar os doentes em decúbitos fisiológicos compatíveis com a altura do dia e situação clínica. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 46 A necessidade de orientar a sincronia entre o doente e o ventilador no início da noite, tentando evitar a hiperventilação do doente que consequentemente provoca alterações no sono, é uma das intervenções identificadas por Drouot et al. (2008). Para que o doente obtenha um sono com duração suficiente e de qualidade, o enfermeiro deve promover ciclos de sono ininterruptos, com um mínimo de 2 horas. Deve ainda tentar calendarizar os procedimentos de enfermagem para horários apropriados, que não interfiram com os períodos habituais de sono (Honkus, 2003). Existem várias terapias complementares que promovem o sono dos doentes como é o caso da aromaterapia, acupressão e da acupunctura. Já é evidente, em diversos estudo, a relação positiva que existe entre a acupunctura e uma excelente qualidade e quantidade de sono. Para Nesbitt e Goode (2013) a acupunctura promove o sono e aumenta o seu benefício, já para Chen, Chao, Lu, Shiung e Chao (2012), a junção da acupressão e a aromaterapia com óleo de Valeriana traduz-se numa melhoria da qualidade do sono, através do aumento da quantidade de sono e da diminuição dos despertares noturnos. A importância de que se revestem as prescrições terapêuticas no sono dos doentes exigem que se analisem em maior detalhe. Os hipnóticos interferem no atingir das fases de sono mais profundo, aumentam temporariamente a quantidade de sono e por vezes causam sonolência excessiva, confusão, diminuição da energia durante o dia, podendo ainda agravar a apneia do sono nos adultos. Os betabloqueantes causam pesadelos, insónias e despertar noturno. Os ansiolíticos diminuem a fase 2, a fase 4 e o sono REM e diminuem a frequência de despertar noturno. Os analgésicos opiáceos, os antidepressivos e estimulantes vão suprimir o sono REM, sendo que os últimos podem aumentar a frequência de despertar durante o sono e causam sonolência (Urden et al., 2008). De todos os medicamentos, Honkus (2003) refere que o zolpidem, uma não benzodiazepina hipnótica, é facilitador do sono pois reduz o tempo que o doente demora a adormecer e aumenta o tempo total de sono, provocando um aumento crescente nas fases 3 e 4 do sono NREM. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 47 PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO Melhorar a qualidade dos cuidados é o principal objetivo da pesquisa em enfermagem dado que esta se destinaa desenvolver um conhecimento e uma prática baseada na evidência (Polit, Beck & Hungler, 2004). Consoante a finalidade da investigação o desenvolvimento do conhecimento cientifico incide numa investigação qualitativa ou quantitativa. A abordagem quantitativa pretende descrever e explicar o fenómeno sobre o qual recaem as observações, implicando um aprofundamento da literatura e elaborando um plano de investigação devidamente estruturado (Fortin, 2009). A partir de uma abordagem quantitativa, a presente investigação, pretende explicar e predizer as diferenças nas avaliações do sono na pessoa em situação crítica. No enquadramento metodológico apresenta-se a metodologia utilizada, o tema em estudo, os procedimentos realizados para a recolha de dados, as considerações éticas e o tratamento estatístico utilizado. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 48 A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 49 1 – O TEMA EM ESTUDO A pesquisa em enfermagem destina-se a desenvolver conhecimento sobre a prática, o ensino e a administração da enfermagem, produzindo assim resultados baseados na evidência com o objetivo de fundamentar as decisões, ações e interações dos enfermeiros (Polit et al., 2004). O desenvolvimento do conhecimento científico está ligado á investigação quantitativa e investigação qualitativa, dependendo a sua escolha da finalidade para obter respostas à questão identificada. A investigação quantitativa visa explicar e predizer fenómenos através da medida das variáveis e análise de dados, assentando no paradigma positivista, que postula a existência de uma realidade, que pode ser estudada com objetividade, resultando dados reproduzíveis e generalizáveis (Fortin, 2009). Desta premissa, o presente trabalho assumiu uma abordagem quantitativa com o objetivo de explicar e predizer as diferentes avaliações do sono na pessoa internada em cuidados intensivos. Na revisão da literatura exposta pretendeu-se orientar concetualmente o estudo, onde se evidenciou que, embora as UCI sejam o local ideal para o atendimento de doentes em estado grave, elas propiciam um dos ambientes mais agressivos e traumatizantes do hospital. Todos os procedimentos a que o doente é submetido, juntamente com o afastamento do seu ambiente natural e família, o ambiente da unidade, as respostas à doença e suas consequências, podem provocar alterações do padrão de sono. Verificou-se ainda que, apesar do estudo deste fenómeno vir a ser observado e documentado há cerca de 30 anos e, ter sido considerado como um fator stressante para o doente impedindo a sua total recuperação, são muito poucos os estudos desenvolvidos neste âmbito temático, em Portugal. A literatura refere-nos também, que muitas vezes o sono é subestimado por parte dos enfermeiros, pois o facto do doente, à observação, permanecer calmo e de olhos fechados é frequentemente avaliado como um sono de qualidade, suficiente para promover uma boa recuperação. No serviço onde se procedeu à colheita de dados, não existe nenhum instrumento de trabalho destinado á avaliação do sono do doente, portanto esta análise é efetuada empiricamente e documentada em notas de evolução pelos enfermeiros. Ao longo do percurso profissional da investigadora principal e após formação em serviço sobre o tema em questão, constatou-se a verdadeira essência e consequências da A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 50 perturbação do sono em doentes críticos, assim como, a existência de diversos fatores que interferem com o sono. Surge deste modo, o interesse pela realização do presente estudo, no sentido de descrever e aprofundar conhecimentos, de compreender a perceção do doente quanto á quantidade e qualidade do seu sono, assim como compreender a perceção do enfermeiro quanto á quantidade e qualidade do sono da pessoa internada, e conhecer os fatores que causam perturbações do sono de modo a poder intervir para os minimizar. 1. 1 – TIPO DE ESTUDO A necessidade de resolver uma questão problemática que causa incómodo e preocupação, e que exige uma explicação ou melhor compreensão pode estar, de acordo com Fortin (2009), na origem de uma investigação. De acordo com a natureza do fenómeno a estudar a opção metodológica recaiu numa metodologia quantitativa, que visa explicar e predizer fenómenos, como o sono, através da medida das variáveis e análise de dados. Inicia-se com a formulação de uma questão de investigação clara que implica uma sequência linear de etapas bem delimitadas (Polit et al., 2004; Fortin, 2009). Assim sendo, e atendendo à natureza do estudo optou-se por um estudo pré- experimental, longitudinal e prospetivo. Pois, embora esteja presente apenas o grupo experimental, ele é usado como seu próprio controlo, através das observações repetidas, tanto antes, como depois de uma intervenção. Ou seja, o sono da pessoa internada na UCI será avaliado quanto á sua qualidade e quantidade pelos doentes e enfermeiros antes e depois de uma intervenção de sensibilização da equipa para a promoção de cuidados. A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 51 2 – QUESTÃO E OBJETIVOS DE INVESTIGAÇÃO A investigação em enfermagem através da abordagem científica procura adicionar novos conhecimentos para benefício dos doentes e famílias, abrangendo todos os aspetos que considera importantes, tais como a promoção da saúde, a prevenção da doença e o cuidado à pessoa em todas as idades, quer seja durante a doença, quer na recuperação ou morte digna. Os conhecimentos adquiridos na investigação pretendem desenvolver a prática baseada na evidência, melhorar a qualidade dos cuidados prestados e maximizar os resultados de saúde (Ordem dos Enfermeiros, s.d.). Para se atingir a excelência nos cuidados prestados é importante levantar questões durante o exercício profissional diário de modo a conhecer o porquê e como melhorar as práticas. As questões de investigação são segundo Fortin (2009), premissas sobre as quais se apoiam os resultados a investigar e que decorrem diretamente do objetivo do estudo. São formuladas de forma interrogativa e no presente, incluindo uma ou duas variáveis e a população a estudar. De acordo com estes pressupostos surge a questão central de investigação: Como é que as práticas de enfermagem numa Unidade de Cuidados Intensivos interferem com a quantidade e qualidade do sono da pessoa internada? Para podermos dar resposta à questão central de investigação, surgem questões secundárias articuladas com os objetivos delineados, de modo a compreender a perceção dos doentes e enfermeiros. Assim, pretende-se responder a: Qual a perceção dos doentes, em relação à sua qualidade de sono? Qual a perceção dos enfermeiros, em relação à qualidade do sono do (s) doente (s) que cuida (m)? Que relação há entre a avaliação realizada por doentes e enfermeiros sobre a qualidade e quantidade de sono? Qual a relação entre a experiência profissional e experiência profissional em cuidados intensivos dos enfermeiros e a avaliação que realizam da qualidade e quantidade do sono da pessoa em situação critica? Que fatores são identificados, pelos doentes, como perturbadores do seu sono durante o internamento na UCI? A intervenção de enfermagem na promoção do sono: a pessoa internada numa UCI 2016 52 Estas questões de investigação orientam-nos a análise do que se pretende estudar e estão diretamente relacionadas com os objetivos que delineámos. Perante o problema mencionado no enquadramento
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