Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio Carla Vieira Turismo e patrimônio SUMÁRIO 1. Apresentação ........................................................................................147 2. Para começo de conversa: o que é Turismo? .................................148 3. Políticas públicas para o Turismo no Brasil ..................................... 151 4. Turismo cultural: questões relativas à preservação e desenvolvimento ...................................................155 Referências ................................................................................................159 1. APRESENTAÇÃO gora que aprendemos so- bre o que é patrimônio cul- tural, sua caracterização e sua importância para as sociedades, estudamos so- bre as principais políticas públicas e os instrumentos de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, eu lhes convido a refletir sobre as ligações entre o patrimônio cultural, a me- mória social, as identidades culturais e uma das atividades econômicas cujo poten- cial de impacto sobre o patrimônio cultural é bastante relevante: a atividade turística. Em nosso módulo, veremos como a atividade turística apropria-se do patri- mônio cultural como espaço e suporte para o seu desenvolvimento. Observa- remos também a complexidade das ma- neiras como essa apropriação acontece. Que ela pode ser nociva e predatória, por meio de um “turismo de massa”, que tende a degradar e transformar, segundo seus interesses, os espaços culturais. Mas que ela pode, sim, mais importante, ser de maneira sustentável e positiva, opor- tunizando, por meio do desenvolvimen- to da atividade econômica, o reconhe- cimento e a preservação do patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial. Ao final, apresentamos a bibliografia que fundamentou as reflexões realizadas em nosso conteúdo e que também servi- rá como um pequeno roteiro àqueles que pretenderem se ater mais às questões aqui propostas, que inter-relacionam os campos do turismo e do patrimônio. Espe- ramos que apreciem o nosso passeio. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 147 2. PARA COMEÇO DE CONVERSA: O QUE É TURISMO? s estudos sobre a Teoria do Turismo, enquanto atividade econômica, são bastante recentes, o que faz com que não tenha- mos uma conceituação mais rígida sobre o que é turismo. Ainda assim, para o propósito desse fascículo, vamos eleger alguns entendimentos do que é o turismo, que podem ser vistos como consensuais. O primeiro deles compreende o tu- rismo como um sistema de atividades e serviços que envolvem o planejamento, a promoção e a execução de uma viagem, seja ela especificamente atrelada ao lazer ou não (MOESCH, 2002). 148 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Quando se pensa em uma viagem a um destino fora daquele onde residimos, não apenas o destino em si importa – país, esta- do, cidade –, mas todas as questões relacio- nadas ao atendimento dos nossos objetivos como viajantes, a exemplo da hospedagem, do receptivo, da infraestrutura de demais serviços e dos pontos a serem visitados no destino escolhido. É ao atendimento de todas essas necessidades que se propõe a atividade turística que, como atividade eco- nômica – não percamos de vista – visa prin- cipalmente à produção de riquezas. Outro conceito que podemos tomar é o expresso pela Organização Mundial de Turismo (OMT), órgão internacional de caráter intergovernamental, hoje agên- cia especializada da Organização das Na- ções Unidas (ONU), que visa à promoção e ao desenvolvimento da atividade turís- tica através de políticas e instrumentos de apoio à área. Ela apresenta o turismo como “um fenômeno social, cultural e econômi- co, que envolve o movimento de pessoas para lugares fora do seu local de residência habitual, geralmente por prazer (NACIO- NES UNIDAS/ UNWTO, s/d, apud TROCCO- LI, 2014). Esse entendimento dá ênfase às relações sociais, culturais e econômicas da atividade turística, ligando-a principal- mente ao tempo livre e à cultura do lazer. Historicamente, foi em meados do sé- culo XX, sobremaneira após a Segunda Guerra Mundial, que uma onda otimista cercou os grandes centros urbanos, re- construindo suas economias e oportuni- zando o cultivo da ideia do direito ao lazer pago e a de que as férias representam um período importante dentro do calendário laboral, servindo como forma de renova- ção do trabalhador (URRY, 2001). É justamente esse tempo livre possibilita- do ao lazer, como finais de semana, feriados ou férias, o principal incentivador da busca pelo Turismo como necessário ao bem-es- tar, importante para a qualidade de vida de todas as pessoas, sem que esqueçamos sua importância no desenvolvimento econômi- co e sua influência política e cultural. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 149 SE LIGA! Em muitas cidades, a atividade turís- tica passou a ter enorme destaque, movi- mentando vultosas somas e impactando a vida de milhares de pessoas. Devemos avaliar esse impacto de duas formas: 1. uma que incide sobre a economia, que envolve todas as cadeias de serviços ligados direta ou indire- tamente – como empresas de tu- rismo, guias, hotéis, restaurantes etc. – aos processos que compre- endem a chegada, a permanência e a partida do turista; e 2. a que impacta sobre o usuário desses processos, o turista, que é modificado em sua forma de compreender o mundo, uma vez que suas viagens lhe proporcio- nam o conhecer não apenas de outros espaços, alheios aos seus rotineiros, mas outros “olhares” a outras culturas, um conhecer nas- cido ante à diferença de outras for- mas de organização do mundo. Todas essas questões nos fazem pen- sar sobre a importância do turismo para as sociedades. As palavras inglesas tourism e tourist aparecem em documentos britânicos desde o ano de 1760. É também da Inglaterra aquele que é considerado “o pai das agências de viagens”, Thomas Cook, que teria organizado, em 1841, a primeira excursão “turística” da história, quando elaborou os preparativos e a viagem de 578 pessoas da cidade de Loughborough a Leicester, para participarem de um congresso antialcoolismo. Foi ele o criador da primeira agência de viagens (OLIVEIRA, 2001). SAIBA MAIS A OMT tem, na verdade, uma história bem mais longeva que a iniciada na década de 1970. A Orga- nização tem origem no I Congresso Internacional de Associações Ofi- ciais de Tráfego Turístico, aconteci- do em Haia, em 1925. O evento objetivava tratar dos desafios até então apresentados pelo crescente desenvolvimento do turismo. Ao longo das décadas, muitas organizações sucederam-se até a formação da OMT e sua posterior vinculação à ONU, em 2003. 150 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 3. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O TURISMO NO BRASIL turismo no Brasil é carac- terizado pela oferta de inúmeros atrativos natu- rais espalhados por todo o seu território e pautados na exuberante beleza de seus biomas, mas tam- bém por um diverso re- pertório de bens culturais, materiais e imateriais, que contam sobre a história e a cultura brasi- leiras a todos que visitam nosso território. Essas características tornam o país um destacado lugar de atratividade turística, que ao longo dos anos vem demandando a elaboração de políticas públicas para re- grar e regulamentar, bem como estabele- cer objetivos, diretrizes e estratégias para a sua promoção e o seu desenvolvimento em território brasileiro, uma tarefa que não tem sido necessariamente fácil. Data da década de 1950 a elaboração dos primeiros instrumentos de regu- lação do turismo no Brasil, quando da criação do Conselho Nacional de Tu- rismo (CNT), da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) e do Fundo Geral de Turismo (Fungetur). Nas últimas décadas, o governo brasilei- ro tem demonstrado uma maior disposição para implementar políticas de regulação e desenvolvimento do setor. Em 2003 – atra- vésde um Decreto, posteriormente con- vertido na Lei nº 10.683, de 28 de maio do referido ano – a pasta do Turismo ganhou autonomia dentro do governo federal, saindo do antigo Ministério do Esporte e do Turismo, ganhando um Ministério próprio. Atualmente, é de competência do Mis- tério do Turismo (Portaria nº 36, de 29 de janeiro de 2019): I. a política nacional de desenvolvi- mento do turismo; II. a promoção e a divulgação do turis- mo nacional, no país e no exterior; III. o estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às ativida- des turísticas; IV. o planejamento, a coordenação, a supervisão e a avaliação dos planos e dos programas de incen- tivo ao turismo; V. a criação de diretrizes para a inte- gração das ações e dos programas para o desenvolvimento do turismo nacional entre os governos federal, estaduais, distrital e municipais; VI. a formulação, em coordenação com os demais ministérios, de po- líticas e ações integradas destina- das à melhoria da infraestrutura e à geração de emprego e renda nos destinos turísticos; VII. a gestão do Fundo Geral de Turis- mo (Fungetur); e VIII. a regulação, a fiscalização, e o estímulo à formalização, à certi- ficação e à classificação das ati- vidades, dos empreendimentos e dos equipamentos dos prestado- res de serviços turísticos. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 151 Quando pensamos na busca do patri- mônio cultural como atrativo turístico, importa-nos observar que muitas das discussões que aconteceram nas últimas décadas falam da urgência da realização de um turismo sustentável como forma de realização de atividades que atendam, com o mesmo grau de importância, às necessidades econômicas e sociais dos agentes promotores do turismo e das po- pulações das regiões receptoras. No entanto, conforme anunciado, essa não tem sido tarefa fácil, uma vez que muitas das formas de turismo, so- bremaneira aquelas entendidas como “turismo de massa”, trazem um número descontrolado de visitantes que usu- fruem de maneira irresponsável dos es- paços visitados e de seus recursos, tra- zendo, às vezes, mais prejuízos do que desenvolvimento às populações locais. Pode-se, inclusive, gerar o esgotamento dos recursos naturais ou o esvaziamen- to de significados dos espaços culturais, que são desfigurados para o atendimen- to imediato das expectativas da ativida- de turística ou ainda problemas de natu- reza social, como o desenvolvimento de polos de turismo sexual, o aumento da venda e consumo de drogas ilícitas, entre outros fatores nocivos. PARA OS CURIOSOS O seu estado ou cidade possuem Planos Estaduais ou Municipais de Turismo? Caso positivo, que tratamento esse documento oferece à necessidade de sustentabilidade sociocultural? O que se diz, se garante ou recomenda sobre a preservação do patrimônio cultural? 152 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE PARA OS CURIOSOS Como se realizam as políticas públicas de proteção ao patrimônio em sua cidade ou estado e como elas podem favorecer o desenvolvimento do turismo? Caso não existam, que projetos ou ações você pode sugerir aos poderes públicos locais ou organizações da sociedade civil? Há que se realizar um planejamento baseado em pontos de partida que visem à sustentabilidade das áreas receptoras (RUSCHMANN, 2001). Os Planos Nacionais de Turismo, expressos em metas, diretrizes e programas, trazem tal preocupação. O mais recente deles, o Plano Nacional de Turismo 2018-2022, estabelece, em sua Di- retriz 3.4, a promoção da sustentabilidade, entendida como a “preservação não ape- nas dos recursos naturais, mas da cultura e da integridade das comunidades visitadas”. O documento, que deve servir de “car- ta de navegação” ao desenvolvimento das políticas públicas para o turismo no Bra- sil, bem como estabelece compromissos a serem cumpridos pelo governo federal, destaca a importância da sustentabili- dade sociocultural, que deve assegurar a preservação das culturas locais e dos valores morais das populações, da mes- ma forma que deve fortalecer as iden- tidades das comunidades e contribuir para o seu desenvolvimento. O Plano 2018-2022 traz também, como uma de suas iniciativas principais, a de apri- moramento da oferta turística nacional, ten- do como primeira estratégia a promoção da valorização do patrimônio cultural e natural, entendendo-se que, para que os destinos turísticos do país sejam mais atrativos, eles Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 153 devem destacar-se não somente pela qua- lidade de infraestrutura, equipamentos e serviços, mas, fundamentalmente, por sua capacidade de inovação e criatividade. Como exemplo dessa capacidade, po- demos citar os recentes títulos de Cidades Criativas atribuídos pela Unesco às cidades de Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG). As capitais foram reconhecidas por promove- rem o desenvolvimento sustentável através, respectivamente, do design e da culinária. Com o título, as capitais têm a opor- tunidade, entre outras, de participar de projetos internacionais de fomento à indústria criativa de forma sustentável e inclusiva (O POVO, 31 de dezembro de 2019), contribuindo não apenas para seu desenvolvimento, mas para a valorização de seu patrimônio cultural. Essa valorização, para que seja apro- veitada como atrativo turístico, depende das comunidades onde os referidos bens culturais estão inseridos. Exige envolvi- mento e a capacitação de seus membros, além da construção de sólidas relações de pertencimento, impedindo a elaboração de cenários e experiências artificiais que visem tão somente a destacar elementos exóticos de atração para os turistas, preju- dicando o reconhecimento e a valorização dos patrimônios culturais locais. Nesse sentido, a educação patrimonial precisa assumir seu papel nas elaboração e execução das políticas públicas – não so- mente voltadas ao turismo, mas para várias áreas possíveis – promovendo e difundindo a importância do patrimônio cultural pe- PARA OS CURIOSOS O Brasil é formado por seis diferentes biomas de aspectos bastantes distintos, sendo esses a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, os Pampas e o Pantanal, todos eles abrigando uma incontável riqueza de biodiversidade, de flora e fauna. Conheça mais sobre esses biomas em: www.mma.gov.br/ biomas.html. las comunidades, que devem assimilá-lo e apropriar-se dele de maneira mais consis- tente, contribuindo para o entendimento e o fortalecimento de suas identidades, como também tornando mais eficientes os elos da cadeia econômica do turismo. Nesse processo, a atuação conjunta dos órgãos responsáveis pelos bens cultu- rais, como aqueles relacionados ao meio ambiente e à cultura, apresenta-se como fundamental para a criação e a efetivação de programas, projetos e ações de gestão das áreas onde está assentado o patrimô- nio cultural que se quer evidenciar. 154 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SE LIGA! 4. TURISMO CULTURAL: QUESTÕES RELATIVAS À PRESERVAÇÃO E AO DESENVOLVIMENTO odemos afirmar que “toda viagem turística é uma expe- riência cultural”, afinal, ao ex- perimentar espaços diferen- tes do seu habitual, o turista experimenta também outros olhares, sabores e visões de mundo. Para que consigamos diferenciar um turista comum do turista cultural, precisamos observar suas motivações. O turismo cultural é realizado por meio da busca por destinos turísticos que se constituem previamente como atrativos culturais, sejam de natureza material ou imaterial, chancelados ou não por órgãos oficiais, excluindo-se aqueles locais que, embora de alguma maneira estabeleçam relações com cultura de um povo, tenham suas características naturais como o princi- pal incentivo à visitação (BRASIL, 2010). Dessa forma, o turismo cultural desen- volve-se em espaços onde não é a natureza, mas os aspectos relacionados à atividade humana, às relações de um universocultu- ral diferente daquele experimentado pelo turista em seu cotidiano habitual, que se apresentam como foco principal. Ou seja, a motivação do turista cultural é a busca pela diferença, que lhe é apresentada por lugares de memória e manifestações de caráter único, carregados de simbologia expressa através da história, da arte, da ar- quitetura ou de manifestações religiosas e festivas de caráter popular, onde a música, a dança e inúmeras outras linguagens com- põem um todo diferenciado. A origem do turismo cultural antecede às outras formas de turismo, podendo ser encontrada no Grand Tour, viagem realizada mormente pelos filhos da aristocracia inglesa de finais do século XVII, em busca de conhecimentos através de viagens a lugares como Paris e algumas das cidades italianas. Durante as viagens, os estudantes ocupavam-se com a identificação e a descrição de grandes monumentos europeus, relacionando-os à história das civilizações (URRY, 2001). Ainda que bastante seletivas, uma vez que bastante caras e muito mais ligadas à educação dos jovens que as experimentavam, tais viagens são o princípio do que hoje chamamos de turismo cultural. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 155 Ao longo do território brasileiro, como vimos nos módulos deste curso, são inú- meras as cidades, os espaços e as mani- festações culturais que dão conta da plu- ralidade de características do nosso povo e da força das muitas identidades que o compõem. Não por acaso, cada vez mais a busca por destinos turísticos culturais ganha força e movimenta atores e capi- tais para a sua realização. Em decorrên- cia, são muitos os problemas que desse movimento podem surgir. Vimos também, em fascículos anterio- res, que há um repertório de leis e progra- mas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, replicado, com algumas nuan- ces, por muitos estados e municípios. Mes- mo com esses instrumentos de proteção, é importante pensarmos que o tratamen- to desse patrimônio como “produto” a ser comercializado pela atividade turística, sem o devido planejamento, tende a be- neficiar apenas os sujeitos promotores do turismo (LEITE, 2004). Como atividade relacionada ao fluxo de pessoas, o turismo estabelece o in- tercâmbio de diferentes culturas. Sua interferência nos lugares visitados pode ir desde a degradação física de monu- mentos e outros patrimônios materiais, devido a uma visitação em massa sem regramentos ou fiscalização devidos (como o caso de turistas que gravam suas iniciais em sítios arqueológicos ou remo- vem fragmentos de fachadas e edifícios históricos para levarem como suveni- res), à desfiguração e consequente esva- ziamento de sentidos ocasionados pela transformação de tradições e espaços de manifestações culturais em “mercado- ria” estilizada ao gosto de turistas ansio- sos pelo exotismo da “cultura do outro” (como a espetacularização exacerbada de folguedos e festas populares). 156 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE A medida que um bem cultural assu- me um valor comercial, o risco da perda de sua autenticidade aumenta expo- nencialmente, pois sobre ele passam a atuar outros atores e interesses que não aqueles que originalmente os cons- tituíram (OMT, 2001). Os governos, aliados à iniciativa priva- da, sempre tiveram clara a necessidade de investimento em infraestrutura turís- tica, como hotéis, restaurantes, bares e atrações culturais, objetivando a dina- mização da oferta e procura turística em um dado espaço. Porém, cada vez mais se impõe a necessidade de investimento em planejamento para a exploração do tu- rismo cultural de forma sustentável, de modo que sejam respeitados os modos de vida, as tradições e as identidades das regiões receptoras, principalmente potencializando a inserção das comuni- dades nessa cadeia produtiva. Muitos museus e sítios arqueológicos estabelecem políticas rígidas de visita- ção, como horários e número limitado de pessoas para determinadas ativida- des ou a proibição do consumo de ali- mentos ou bebidas durante as visitas, entre outros. Mas os exemplos positivos mais significativos vêm do que se con- vencionou chamar de turismo de base comunitária, que surge em oposição ao turismo de massa e contribui para que empreendedores externos não dominem as tomadas de decisão sobre o espaço e o cotidiano das comunidades. O turismo de base comunitária, ou simplesmente turismo comunitário, é um modelo de gestão da atividade turís- tica protagonizado pela comunidade, no qual as decisões e os benefícios auferidos são coletivos, “promovendo a vivência in- tercultural, a qualidade de vida, a valoriza- ção da história e da cultura dessas popu- lações, bem como a utilização sustentável dos recursos para fins recreativos e educa- tivos” (ICMBIO, 2018). Tal modalidade de turismo objetiva não apenas a oferta do espaço e das manifesta- ções ao usufruto do visitante, mas oportu- niza a troca de experiências entre dife- rentes grupos, com diferentes culturas e modos de vida. Para tanto, as atividades do turismo comunitário devem surgir como complemento às atividades tradicionalmen- te realizadas pelas comunidades, gerando emprego e renda, sem que isso modifique de forma profunda a dinâmica local. Deve ser uma troca em várias direções, oportuni- zando a reflexão e o aprendizado para mo- radores e visitantes, sem perder de vista as características identitárias dos nativos, onde as mudanças e as permanências de- vem ser problematizadas coletivamente. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 157 Um interessante exemplo vem da ci- dade de Nova Olinda, situada no Cariri cearense, morada de muitas referências dos saberes tradicionais, conhecidos como Tesouros Vivos. A região constitui um verdadeiro caldeirão efervescente de inúmeras manifestações culturais, como reisados, grupos de coco e de maneiro- -pau, rabequeiros, ceramistas, cabacei- ros, xilógrafos, poetas populares, mestres do couro e muitos mais. Além de agregar tesouros do patrimônio natural, especial- mente ligados à Geologia e Paleontolo- gia, no âmbito do Geopark Araripe, pri- meiro parque geológico das Américas reconhecido pela Unesco, como vimos em nosso terceiro módulo. Diante de tamanha profusão cultural, a procura pela região como atração turís- tica vem-se impondo, acompanhada da necessidade de preservação do patrimô- nio ali verificado. Por essa razão, a Fundação Casa Gran- de: memorial do Homem do Kariri, or- ganização não-governamental localizada em Nova Olinda, vem desenvolvendo há mais de 25 anos uma série de atividades de fomento à cultura da região, ao empre- endedorismo juvenil e à geração de renda voltada ao turismo. Situada em uma casa de arquitetura tradicional do sertão cearense, a Fundação possui museu, biblioteca, Gibiteca (talvez a de maior acervo no Ceará), videoteca, esta- ção de rádio, estúdio de música e vídeo, la- boratório de Arqueologia, restaurante, dois Tesouros Vivos São parte da política do Governo do Estado do Ceará para o reconhecimento, a valorização e a proteção do patrimônio cultural imaterial cearense. Anualmente, através de edital público, indivíduos e grupos detentores de saberes tradicionais são diplomados e recebem da Universidade Estadual do Ceará o título de Doutor Honoris Saber, além de uma remuneração vitalícia do estado, passando a integrar as programações de diversos equipamentos culturais públicos, nos quais divulgam seu saber para as futuras gerações. cafés, uma lojinha e o Teatro Violeta Arraes: engenho de Artes Cênicas. Suas atividades são dirigidas por crianças e geridas por elas, de forma coletiva e sob a supervisão de alunos mais velhos da instituição. Além dessas ações, foi criada a Coope- rativa de Amigos da Casa Grande (Coopa- gran). Por meio dela, os turistas que visitam a região podem hospedar-se nas pousadas domiciliares que ficam nas casas dos co- operados, famílias das crianças daCasa Grande. Lá, os visitantes convivem e fazem as refeições preparadas pelos moradores, oportunizando trocas culturais de imenso valor. Podem ainda conhecer muitos luga- res da região e os Tesouros Vivos, tendo os cooperados como guias turísticos. A ação tem como foco o fortalecimen- to das mulheres, donas das casas, e dos jovens, que se atualizam constantemente em cursos de formação e realizam o recep- tivo turístico. Como resultado, o trabalho da OSC estimulou o turismo na cidade de Nova Olinda e a tornou referência de turismo comunitário no estado do Ceará, rendendo-lhe diversas condecorações: o Prêmio Unicef de Criatividade Patativa do Assaré, em 2002; o Prêmio Fellow Empre- endedor Social Ashoka, 2002; a Ordem do Mérito Cultural, dada pelo Ministério da Cultura, em 2004; o título de Casa do Patri- mônio da Chapada do Araripe, Iphan 2009; e o Prêmio Economia Criativa 2012, do Mi- nistério da Cultura. As iniciativas da Fundação, que se so- mam às de outras instituições espalhadas pelo país, são um bom exemplo de inter- face possível entre o reconhecimento, a valorização, a preservação cultural e o de- senvolvimento da atividade turística. Dada a sua inegável importância, urge a necessidade de encontrar-se um equilíbrio para o seu desenvolvimento ordenado, sendo o bom planejamento, fundamentado nas prerrogativas da sus- tentabilidade e da educação patrimo- nial, ferramentas fundamentais. 158 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE REFERÊNCIAS ARAGÃO. (Org.). Visões, análises e resultados sobre turismo e patrimônio cultural. A Praça São Francisco em São Cristóvão de Sergipe del Rey. São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2013. BARRETTO, Margarita. Turismo, cultura e sociedade. Caxias do Sul: EDUS, 2006. BRASIL. Ministério do Turismo. Turismo Cultural: orientações básicas. Ministério do Turismo, Secretaria Nacional de Políticas de Turismo, Departamento de Estruturação, Articulação e Ordenamento Turístico, Coordenação-Geral de Segmentação. – 3. ed.- Brasília: Ministério do Turismo, 2010. BRASIL. Plano Nacional de Turismo, 2018-2022: mais emprego e renda para o Brasil. Disponível em: <http://www. turismo.gov.br/plano-nacional-do- turismo.html>. Acesso em janeiro de 2020. DIAS, Reinaldo. Turismo e patrimônio cultural: recursos que acompanham o crescimento das cidades. São Paulo: Saraiva, 2006. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006. LEITE, Rogério P. Contra-usos da cidade: lugares e espaços públicos na experiência urbana contemporânea. São Paulo: Ed. Unicamp, 2004. MOESCH, Marutschka. A produção do saber turístico. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2002. OLIVEIRA, Antônio Pereira. Turismo e desenvolvimento: planejamento e organização. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. OMT (Organização Mundial do Turismo). Introdução ao Turismo. Tradução Dolores Martin Rodriguez Córner. São Paulo: Roca, 2001. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidade, espaço e tempo: reflexões sobre a memória e o patrimônio urbano. Cadernos do LEPAARQ, Pelotas, Vol. 2, N. 4, 2005. PORTUGUEZ, Anderson Pereira (Org.). Turismo, memória e patrimônio cultural. São Paulo: Rocca, 2004. RUSCHMANN, Doris. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente. 7ª ed. São Paulo: Papirus, 2001. TROCCOLI P. E., Sobre as Definições de Turismo da OMT: uma contribuição à história do pensamento turístico. In: XI Seminário 2014 ANPTUR, 2014, Fortaleza. Anais, 2014. URRY, John. O olhar do turista: lazere viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Nobel/ SESC, 2001. AUTORA Carla Vieira é historiadora licenciada pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), especialista em História da Arte e mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). É autora dos livros O Theatro José de Alencar do Início do Século XX: modernidade e sociabilidades (Secult, 2010) e Sociabilidade e Lazer: Fortaleza do início do século XX (Inesp, 2015). Atua nas áreas de Patrimônio e Museologia. Desde 2013 é gestora do Museu do Ceará e do Museu Sacro São José de Ribamar (Aquiraz/CE). ILUSTRADOR Daniel Dias é ilustrador e artista gráfico, com extensa produção em projetos editoriais, sendo a maior parte destinada ao público infantil e infantojuvenil. Seu trabalho tem como base a pesquisa de materiais e estilos, envolvendo estudo de técnicas tradicionais de pintura, desenho, fotografia e colorização digital. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 159 Este fascículo é parte integrante do projeto Formação de Mediadores de Educação Patrimonial, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza, sob o nº 02/2019. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Educacional Thifane Braga Secretária Escolar CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO Raymundo Netto Coordenador Geral, Editorial e Revisor Cristina Holanda Coordenadora de Conteúdo Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Diagramador Daniel Dias Ilustrador Thaís de Paula Produtora ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-961-6 (Fascículo 10) Realização Apoio Universidade Estadual do Ceará
Compartilhar