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Antônio Jorge Pereira Júnior Justiça e diálogo sociaL 2 A importância da Justiça na Democracia Sumário 1. A importância da Justiça na Democracia ..........................................................20 1.1 Duas acepções de Justiça e sua conexão com a democracia .......................20 2. Acesso à justiça e desenvolvimento social .......................................................26 2.1. Três categorias de Justiça: Comutativa, Distributiva e Legal .........................26 3. Mecanismos de participação popular .................................................................28 3.1. Mecanismos de participação popular no Poder Executivo .............................28 4. Imparcialidade e efetividade na prestação jurisdicional ..................................29 4.1. Os limites hermenêuticos do magistrado ..........................................................29 Referências ..............................................................................................................31 1. A importância da Justiça na Democracia 1.1. Duas acepções de Justiça e sua conexão com a democracia “Justiça” é termo equívoco, tendo diver- sas conotações. Vale examinar dois de- les. Enquanto virtude, justiça é o hábito de dar a cada pessoa o que lhe é devido. Uma predisposição da vontade que pau- ta a conduta e aperfeiçoa o seu autor, in- clinando-o a agir conforme a dignidade humana. O ato de justiça se manifesta como um ato livre, ou seja, de autodeter- minação ao bem. A justiça é a virtude social por ex- celência. Por ela, cada pessoa respeita a ordem da divisão dos bens entre os indi- víduos, garantindo-lhes o gozo pacífico do que lhes pertence, sejam as coisas dispostas pela natureza ou repartidas mediante pactos condizentes com a dig- nidade humana. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE20 Assim, quando uma pessoa contra- ta com outra, se o acordo está dentro de parâmetros razoáveis e conforme à digni- dade humana, é justo que o compactua- do seja cumprido. Esse procedimento de respeito ao que cabe a cada um está na base de todas as relações sociais, a partir das quais surgem direitos e deveres. Justiça natural e lei positiva Muitas vezes as divisões e atribui- ções de deveres decorrem de situações derivadas da natureza dos acontecimen- tos. Por exemplo, é de justiça natural que o pai ou mãe cuidem do filho; mas tam- bém é justo por lei positiva, uma vez que se fez constar assim do direito posto; também é de justiça natural que o Esta- do zele pelo bem comum, que igualmen- te é prescrito pela lei. O direito positivo torna mais fácil a realização daquilo que é devido, na medida em que esclarece as regras de convivência consideradas es- senciais à viabilidade e sustentabilidade da vida social. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 21 Também é próprio do direito positivo definir, mediante lei — que é sobretudo ferramenta política, ou seja, para gover- nar —, regras para situações indiferentes e estabelecer critérios para casos de la- cuna ou de conflitos entre normas. Tal é a importância do direito positivo, que sua própria existência responde a uma ne- cessidade de direito natural. É um erro, conceitual e filosófi- co, estabelecer uma oposição de raiz entre o direito natural e o direito posi- tivo 1. Já Aristóteles e Tomás de Aqui- no explicavam a plena harmonização e 1 “Para Aristóteles, as duas fontes do di- reito: direito natural e positivo, são com- plementares. Aristóteles é um defensor das leis positivas, reconheceu sua ne- cessidade, descreveu suas fontes e ava- liou sua autoridade. “O justo natural é incapaz de nos con- duzir a soluções concretas, seu estudo compreende o primeiro estágio da elabo- ração do direito (especulativo), nos pro- porciona apenas matéria que nos resta informar. Os princípios vagos e gerais que podem ser extraídos do justo natural não são suficientes para nos dar soluções concretas, é preciso decidir um determi- nado pedido, para determinado autor, em determinado Estado, com determinada cultura, fatos que exigem a intervenção do legislador e do juiz. (...) “Em “Retórica”, Aristóteles nos fornece dois motivos para confeccionar leis es- critas e para preferir sua solução ao justo natural, que é vago e impreciso. A primei- ra razão é que não se poderia deixar toda a tarefa ao juiz (observar o justo natural e dele extrair leis que se amoldem ao justo particular), visto que seria mais fácil em uma pólis encontrar alguns legisladores filósofos, mais cultos que guiem a socie- dade, do que uma grande quantidade de juízes com as mesmas qualidades. Em segundo, porque é preciso desconfiar da imparcialidade dos juízes, cujo julgamen- to pode ser levado pela simpatia ou pelo temor. A lei constitui inteligência sem paixão. “Assim, o direito positivo ocupa um lu- gar fundamental nas fontes do direito tal como disposta pelo estagirita. “As leis positivas são necessárias em razão da própria natureza do homem: homem social destinado à ordem políti- ca. Além do seu conteúdo repressivo e permissivo, é responsável por criar novas obrigações entre homens na pólis. “O direito positivo é um prolongamento do direito natural, fruto da razão nesse sentido, mas também, da vontade huma- na, na medida em que o poder legislati- vo apresenta-lhe concretude, conteúdo fixo, objetivo e preciso”. Cf. ZAKIA, Maria Lucia Perez Ferres. Equidade como pa- râmetro do justo: a passagem do logos teórico ao logos prático no raciocínio jurídico. Dissertação em Filosofia do Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, 2016 p. 39-40. complementariedade de ambos. Surge oposição apenas quando acontece de se pretender usar do aparato legislativo para manipular o poder estatal e criar lei em benefício de alguns, ao tempo em que prejudica outros. Por isso, o exame de conformidade da lei à “justiça mate- rial”, comumente passa por seu contras- te com o “justo natural”, ao qual nunca deveria contrariar. Isso foi recordado e reforçado ao fim da Segunda Grande Guerra, quando réus nazistas tentavam defender-se nos Tribunais internacionais alegando estrito cumprimento da lei ale- mã. Os julgadores afirmaram existir uma lei e um direito que estariam acima do direito positivo dos alemães, e que os re- feridos réus poderiam reconhecer como de valor universal, ao qual seu direito po- sitivo deveria estar conforme. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE22 Justiça material e Justiça institucional Desde tempos remotos também se chama de “Justiça” a estrutura do po- der estatal especializada na função de prevenir ou remediar situações em que a justiça concreta é ameaçada ou rom- pida. Nesse sentido, a “Justiça” está en- carregada de administrar as colisões de direito, reais ou aparentes, e de se pro- nunciar sobre o direito dos envolvidos – de onde “dizer o direito” ou “jurisdictio” —, bem como determinar que sua deci- são seja cumprida, mediante coerção, se necessário, uma vez que o Estado exerce o monopólio do uso da força a ser em- pregada para que suas determinações sejam obedecidas. O descumprimento da “justiça” concreta ou material, se não corrigido, inviabiliza a vida em sociedade. A injus- tiça é desagregadora, sendo ela mesma fruto de um abuso ou violência, que por sua vez se irradia no meio social. “Sem justiça, não há paz social. Logo, não ha- veria convivência e nem mesmo o Esta- do Democrático de Direito que, no fim, nada mais é do que um Estado regido e garantidor da justiça”. Em sentido amplo, “a despeito da especialização funcional atribuída ao Poder Judiciário, tanto o Executivo, me- diante políticas públicas, como o Legisla- tivo, por meio da viabilização normativa, trabalham para a Justiça” (PEREIRA JÚ- NIOR; BRITO, 2017). Conexões da justiça com a democracia A democracia tem relação com a justiça por várias conexões. Entre os diversos elementos consti- tuintes do conceito de “democracia”,ao longo da história, comumente se evocam três: a participação popular nos assuntos do Estado mediante voto, desde a Grécia antiga; a limitação do poder absoluto dos governantes e a proteção dos cidadãos JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 23 contra a ingerência abusiva das autoridades públicas em sua vida privada, em geral desde a Magna Carta inglesa até o estabeleci- mento de direitos fundamentais nas Constituições; a repartição, atribuição ou reconhecimento de novas competências ao cidadão, em âmbitos outrora reservados ao Estado e seus agentes. Esses três elementos se alinham no protagonismo progressivo da participação do cidadão na gestão do bem comum. Deve-se notar que es- tão vinculados à repartição de poderes, de bens e ao gerenciamento do interes- se público. Tudo isso precisa acontecer “conforme a justiça” para que haja de- mocracia e não demagogia. Com relação às três situações acima descritas, é possível associá-las ainda às notas mais relevantes que a “democracia” assumiu em cada uma das Constituições do Brasil durante sua respectiva vigência. Pode-se dizer que o conceito de de- mocracia busca traduzir um status de or- ganização da vida social mediante o qual se garante a máxima liberdade de ação individual para realização de interesses particulares e participação do cidadão na definição e gestão de interesses pú- blicos. Naturalmente, em cada época e período haverá uma democracia possível, vinculada mesmo à maturi- dade do povo que a vivencia. “A De- mocracia ... não se resume num quadro institucional rígido, universalmente vá- lido, para todas as épocas e para todos os povos [...]. Ela pode e deve ser ajustada para cada caso, para cada nação, para cada tem- po” (FERREIRA FILHO, p. 133). Há atores e fatores de ordem polí- tica, jurídica, social, econômica, históri- ca e cultural que influenciam os hábitos democráticos, individuais e coletivos, em cada época e lugar. Em cada meio viceja um determinado tipo de vivência da de- mocracia. Em razão disso, ao olhar para a História é possível reconhecer que o conceito de democracia tende a assumir um determinado viés como nota prepon- derante em cada etapa e lugar, segundo as circunstâncias de seu tempo e am- biente. De modo geral, ela tende a ma- nifestar um papel principal de natureza política, jurídica ou principiológica. Segundo Jaqueline Saiter (2005), sob as Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937, a democracia no Brasil foi enten- dida como “modalidade de regime po- lítico”, tendo preponderado assim uma perspectiva “política”. Nas Constituições de 1946, 1967, e na Emenda Constitucio- nal de 1969, ela teria sido ampliada, as- sumindo a nota de “direito fundamental”; ou seja, teria adotado um caráter jurídi- co como elemento configurador princi- pal, sem perder sua referência anterior. Na Constituição de 1988, por sua vez, a democracia avançaria para uma pers- pectiva maior, sem deixar de exprimir as concepções antecedentes. Ela alcança- ria um matiz principiológico, sendo con- siderada “princípio constitucional” que se subdividiria em outros: no princípio democrático representativo e no princí- pio democrático participativo 2. Isso fa- cilitaria chegar ao quadro de maior atua- ção do cidadão na gestão do poder e dos interesses públicos, com protagonismo, para além da democracia representativa. Dentro da perspectiva do “princípio democrático participativo”, a partir de 1988 se vislumbra o crescimento paula- tino da participação do cidadão nos três níveis de Poder do Estado: executivo ou administrativo; legislativo e judiciário. Dizia Franco Montoro em 1974 que “A condição humana não permite que os membros da comunidade sejam consi- derados e tratados simplesmente como “objeto” passivo das atenções dos gru- pos dirigentes, como se fossem mer- cadoria, ficha ou peça na vida social”. Completava o saudoso professor com uma exortação que ganharia corpo na Constituição de 1988, ao sublinhar que sua “dignidade de pessoa exige outro tratamento”. 2 “O primeiro limita-se a estabelecer os métodos clássicos de participação po- pular, que envolve o exercício do direito de voto. Nesse tópico, são estudados os princípios da soberania popular, da representação popular, assim como o direito de sufrágio e o sistema eleitoral. Pode-se, assim, verificar que a acepção clássica do princípio democrático pro- move uma participação popular, mas ainda muito restrita diante da promovida pela sua nova acepção. “O segundo permite vislumbrar exata- mente a ampliação que a democracia sofreu ao assumir uma dimensão prin- cipiológica. Nesse momento, a análise do principio democrático exige uma as- sociação ao princípio da participação popular. Afinal, trata-se do princípio de- mocrático participativo e, portanto, ele estabelece uma ampliação na participa- ção popular. “A associação entre os referidos prin- cípios acaba por construir outros três subprincípios: o princípio da participação legislativa, o princípio da participação ad- ministrativa e o princípio da participação jurisdicional. Trata-se de extensão da participação popular às divers as áreas de atuação desenvolvidas pelo Estado: legislativa, executiva e jurisdicional. Ao se permitirem essas novas modalidades de participação, implementa-se uma ampliação do instituto democrático”. (SATIER, p.17) Em razão disso, concluía que “de- senvolvimento propriamente humano só é aquele que é feito com a “participação” consciente e responsável das pessoas e grupos que integram a comunidade (MONTORO, 1974. p. 43). FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE24 Redemocratização e valorização do cida- dão na Constituição de 1988 No Brasil, a presença maior do cida- dão no exercício de poderes outrora re- servados com exclusividade aos agentes públicos é resultado da redemocratização da segunda metade dos anos 1980, que culminou na Constituição Federal de 1988. A Constituição de 1988 trazia em seu bojo um programa de descentraliza- ção do poder estatal e de repartição dele com o cidadão. Por isso, na década de 1990 se observará a primeira etapa da construção dos fundamentos necessá- rios para implementar a ordem consti- tucional inaugurada em 1988, e viabilizar maior ação do cidadão no cenário polí- tico, em sentido amplo. Nesse período estabeleceram-se bases doutrinárias e legais para consolidar o Estado Demo- crático de Direito projetado na Norma Fundamental, para que se traduzisse em maior poder ao cidadão para a ges- tão dos interesses públicos. Também se assistiu à sedimentação dos “interesses difusos e coletivos”; à difusão da “co- gestão de interesses públicos com os cidadãos”, em colaboração com agentes estatais, mediante delegação ou com- partilhamento de poderes com “leigos”. Produtos dessa nova etapa de- mocrática seriam, ainda, na década de 1990, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos de 1990, a Lei de Arbitragem e a Lei que criou os Jui- zados Especiais Estaduais, ambas de 1996. Nessas leis é possível reconhecer o fortalecimento do cidadão, tanto por sua maior proteção, quanto pelo cha- mado a estar presente sob novas formas na gestão e administração estatal, bem como na resolução de conflitos jurídicos (PEREIRA JÚNIOR, 2019). Em paralelo, após a promulgação da Constituição, majorou a quantidade de organizações não-governamentais e de entidades públicas mistas – conse- lhos -, compostas simultaneamente por cidadãos e agentes estatais. Por meio delas, entidades civis e cidadãos atuam com poder consultivo ou deliberativo dentro de órgãos estatais, assim como por meio de entidades de pressão que detêm competências concorrentes com as do Estado. Tudo isso vai redundar em maior acesso à justiça, nos dois sentidos expressos, formal e material, em razão de maior difusão de direitos e multiplica- ção de meios para protegê-los. Vale chamar especial atenção ao fato de que, a partir de 1996, coma Lei da Arbitragem e a Lei dos Juizados Es- peciais, com juízes leigos, começaria também a democratização do poder jurisdicional, marcos da evolução da democracia que sinaliza e favorece o desenvolvimento social de um povo. A cultura e o progresso dos meios alter- nativos de resolução de conflitos, como arbitragem, conciliação e mediação te- riam aqui seu nascedouro institucional (PEREIRA JÚNIOR, 2019, p. 658-667). Naturalmente Estados centraliza- dores tendem a reservar para si exces- so de atribuições e, logo, dificilmente JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 25 conseguem sustentar-se de modo con- veniente e perdurável, sem um siste- ma fiscal e de controle que termine por reduzir a liberdade dos cidadãos. Isso afetará a elasticidade da democracia, posto que reduz a autonomia do cida- dão, e a reserva legal de competências excessivas ao Estado tende a infirmar o papel das entidades intermediárias e a atuação mais livre por parte do cidadão. Por outro lado, ao não atender satisfato- riamente as competências assumidas e não permitir que cidadãos ou sociedades menores atuem, o Estado se torna fonte de injustiças. Logo, ele termina por invia- bilizar a própria democracia em alguma de suas virtualidades, ao reduzir a ação do cidadão em prol do bem comum. Nesse sentido, o movimento de re- conhecimento ou atribuição de pode- res ao cidadão na gestão de interesses públicos e na resolução de conflitos é fenômeno corretivo da concentra- ção de competências pelo ente esta- tal, quando tal circunstância se mostra fonte de injustiças. O princípio da subsi- diariedade na redemo- cratização Por trás do movimento de descen- tralização do poder e de fortalecimento do cidadão é possível reconhecer, assim, a atualização de um princípio de ordem social que permeia inúmeros dispositi- vos da Constituição de 1988: o princí- pio da subsidiariedade. O conceito foi propalado de modo especial pela doutrina social católica e pode ser lido na encíclica Quadra- gesimo anno, de Pio XI, de 1931 3. O excesso de competências para o Estado gera desequilíbrio nas contas e prestações estatais, com consequências gravosas para a vida em sociedade. Aqui se compreende de modo preclaro a má- xima da subsidiariedade: aquilo que os indivíduos ou sociedades menores têm aptidão para realizar por conta e inicia- tiva próprias, que eles possam fazê-lo, sendo-lhes reconhecida e respeitada a competência preferencial, pois são a fonte e os protagonistas dos poderes estatais, e não o contrário 4. A correção do excesso de poder estatal, programado pela Constituição Federal de 1988, atualiza-se nos princí- pios de descentralização do poder, de valorização da livre iniciativa e de con- vocatória do cidadão para a cogestão do poder público. Isso se expressa, dentre outros exemplos, na revalorização das organizações não governamentais; nos conselhos públicos políticos com pre- sença paritária de cidadãos; nos conse- lhos gestores compostos por cidadãos eleitos; na liberdade de constituição de árbitros em substituição aos juízes; na possibilidade de negociação processual em qualquer etapa; no estímulo estatal à mediação e conciliação; nas parce- rias público-privadas, etc. Dessa forma, poderá o Estado melhor aplicar recur- sos públicos nas situações em que haja efetivamente maior necessidade de sua ação, compartilhando tarefas com os ci- dadãos 5. Sem isso, ou seja, sem contar com o cidadão e a sociedade civil para a realização de inúmeras tarefas, o Estado centralizador será artífice de injustiças, pois não entregará o que assumiu, ou o fará com demora, o que equivale tam- bém à omissão. 2. Acesso à justiça e desenvolvimento social A justiça é requisito do desenvolvi- mento social. A injustiça, por sua vez, quebra a coesão social e gera instabi- lidade, elementos necessários para o progresso. Assim, a justiça é elemento 3 No trecho que segue é possível vislum- brar um diagnóstico e uma proposta de solução para o que se passaria ainda na- quele quadrante histórico no Brasil e em outros Estados: “Ao falarmos na reforma das instituições temos em vista sobre- tudo o Estado; não porque dele só deva esperar-se todo o remédio, mas porque o vício do já referido «individualismo» levou as coisas a tal extremo, que enfraquecida e quase extinta aquela vida social outrora rica e harmonicamente manifestada em diversos gêneros de agremiações, quase só restam os indivíduos e o Estado. Esta deformação do regime social não deixa de prejudicar o próprio Estado, sobre o qual recaem todos os serviços das agre- miações suprimidas e que verga ao peso de negócios e encargos quase infinitos”. (PIO XI). 4 “Verdade é, e a história o demonstra abundantemente, que, devido à mudan- ça de condições, só as grandes socieda- des podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; per- manece contudo imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma socie- dade maior e mais elevada o que socie- dades menores e inferiores podiam con- seguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é co- adjuvar os seus membros, não destruí- -los nem absorvê-los”. Cf. PIO XI 5 Deixe pois a autoridade pública ao cui- dado de associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiado; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e efi- cazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a neces- sidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam: quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as varias agremiações, segundo este princípio da função « supletiva » dos poderes públi- cos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da nação.” (PIO XI) FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE26 básico para viabilizar tanto a democra- cia quanto o desenvolvimento social sustentável. Por isso deve ser garanti- da e protegida. 2.1. Três categorias de Justiça: Comutativa, Distributiva e Legal O desenvolvimento social se consolida quando as relações sociais fluem con- forme a dignidade e a natureza social e individual do ser humano, em conformi- dade com o que é próprio de sua condi- ção. Nesse contexto, há três acepções clássicas para as relações de justiça se- gundo as peculiaridades das situações por elas criadas: justiça comutativa, jus- tiça distributiva e justiça legal. A Justiça Comutativa e a Justi- ça Distributiva abrangem relações nas quais importam algumas particularidades e subjetividade das partes envolvidas. Por isso se diz que são modalidades de “justiça particular”. Enquanto isso, há si- tuações nas quais interessam menos as especificidades das partes e há prepon- derância do ente estatal como sujeito na relação. Neste sentido, as relações se destacam pelo dever dos cidadãos co- laborarem com o Estado, para que este possa agir em prol do bem comum. As relações que envolvem prestação do ci- dadão perante o Estado estão classifica- das como de “Justiça legal”. A “Justiça distributiva” é aquela na qual o ente estatal deve, tal como sugere o termo, “distribuir” bens conforme uma proporcionalidade razoável, orientada pelas necessidades dos cidadãos, a par- tir do montante arrecadado pelo esforço colaborativo dos cidadãos, mormente por meio de impostos, taxas e demais modalidades tributárias. O Estado deve primeiro atender às demandas gerais e comuns de todos para depois servir às necessidades pe- culiares de cada um, sem sacrificar o “mínimo necessário” da maioria, para salvaguardar direitos excepcionais de minorias. É fato que nem sempre há bens suficientes para todas as demandas. Disso nasce o dever de a autoridade avaliarcom prudência a quem, como e quando atender em face da escassez, e saber lançar mão, quando oportuno, do conceito de “reserva do possível”, invo- cado quando o magistrado precisa de- cidir uma lide em face de necessidades prementes e preterir interesses em ra- zão do conflito inconciliável entre tais. Em razão da limitação de recursos, nem todos os interesses poderão ser igualmente contemplados ou aprecia- dos na mesma medida. É comum de ocorrer quando alguém pleiteia do ente federativo, por exemplo, em nome do direito à saúde, medica- mento cujo valor ultrapassa limites de gastos previstos no orçamento público de Saúde da respectiva circunscrição, que contempla despesas com remédios variados para atender necessidades de grande contingente populacional. As- sim, ao determinar o magistrado que se dê atenção e se direcionem recursos ao tratamento mais caro para atender de- terminado interesse, pode ele gerar ris- co de deixar a descoberto maior grupo de cidadãos, que gozam igualmente do direito à saúde. A insuficiência dos re- cursos impõe, nesses casos, um duro e difícil juízo. Portanto, a justiça distributiva deve ser aplicada com vistas ao que seja possível, para atender a quem precisa, sem prejudicar, por isso, maiores contin- gentes populacionais. Por Justiça legal, por fim, tem-se aquela de natureza geral, que impõe deveres na relação dos cidadãos com o Estado, permanecendo todos igualmen- te obrigados a colaborar, segundo pa- drões objetivos e comuns, em razão de incidência legal tributária. Mas também os deveres perante o Estado assumem natureza diversa, mediante prestação de serviços, como o alistamento militar, a convocatória para atuar como jura- do no Tribunal do Júri, para ser mesário nas eleições, etc. Pela Justiça legal, im- põem-se deveres aos cidadãos para a manutenção do Estado e dos serviços estatais, em favor do bem comum. A hermenêutica adequada a cada categoria de Justiça Nesse sentido, cabe compreen- der que há critérios hermenêuticos em cada categoria de relação de justiça – comutativa, distributiva e legal - de acor- do com as particularidades das situações descritas, que também devem pautar a atividade jurisdicional realizada em cada âmbito, conforme o contexto dos interes- ses particulares e públicos envolvidos nas diversas circunstâncias, sob risco de se provocar injustiça mediante interferência antidemocrática. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 27 Em todas as relações, quando surge um conflito, deve-se preservar ao má- ximo a dignidade de todas as pessoas, tanto as envolvidas diretamente quanto aquelas que, de modo mediato, podem sofrer efeitos da decisão. É oportuno re- cordar isso porque por vezes se notam magistrados a invocar o princípio da dig- nidade humana em determinado caso, deitando o olhar exclusivamente em um dos lados do conflito, ol- vidando-se que do outro lado há uma pessoa humana com igual dignidade. Também não é raro importa compreender a natureza das re- lações de justiça e dos bens envolvidos em cada uma, de modo a dar o trata- mento hermenêutico adequado a cada categoria de justiça: comutativa, distri- butiva ou legal. A democratização do Judiciário nos anos 1990 Quanto à democratização do Poder Judiciário, vale recordar que a partir da década de 1990 começou a se articular a “Reforma do Judiciário”, para fazer fren- te à “Crise do Judiciário”. Como resposta à “crise”, então, fo- ram tomadas medidas que visavam a “democratização do Judiciário”. Essas medidas convergiram para a melhoria do acesso à Justiça e para o aprimoramento da prestação jurisdicional. O “processo de democratização da Justiça” concen- trou-se no âmbito da administração e gestão da Justiça, visando a eficiência e celeridade da prestação jurisdicional. Nesse sentido, além de modifica- ções no direito processual para acelerar a resposta judicial, ocorreu a institucio- nalização da Arbitragem (Lei no. 9.307, de 23 de setembro de 1996) que teve sua constitucionalidade questionada, sendo confirmada pelo STF somente em 2001; a criação dos Juizados Especiais (Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1996), dos Juizados Especiais Federais (Lei no 10.259 de 12 de julho de 2001) e a Emen- da Constitucional no 45/2004 (EC 45), conhecida como “Reforma do Judiciá- rio”, que criaria ainda o Conselho Nacio- nal de Justiça que, entre outras funções, teria um papel de controle e aprimora- mento do Judiciário. Para além da democratização da prestação jurisdicional, cabe chamar a atenção a outros mecanismos de partici- pação popular na gestão do poder e dos interesses públicos, que redundam tam- bém em favor da justiça, por outros canais. a lógica de reciprocidade típica das re- lações comutativas, e projetará efeitos deletérios para toda a coletividade, ao usar critério próprio da justiça distributiva onde não caberia. Para exemplificar, pense-se nos planos de saúde individuais. Quando o magistrado estabelece deveres que ex- trapolam o plano-base contratado entre consumidor e prestadora, para além do que a própria Agência Nacional de Saúde tenha estabelecido, essa decisão pode levar à revisão de toda a matriz da lógica negocial dos planos de saúde, e provo- car aumento global das mensalidades para todos os cidadãos, como precaução dos fornecedores desse serviço. Nesse caso, em razão do desejo do magistrado de auxiliar um determinado consumidor, premido pela situação, pode fazer que as empresas desse mercado majorem as mensalidades de todos, como efei- to de “seguro” em face de eventuais decisões similares. Esse resultado — aumento de mensalidade — pode inviabilizar, assim, a contratação de muitos outros cidadãos que ficarão de- sassistidos. O caso serve para mostrar como as relações comutativas devem ser tra- tadas pelo magistrado dentro de sua lógica, segundo o princípio da boa-fé objetiva, subjacente às relações de reci- procidade. Ou seja, a “Justiça” (aparato judicial) teria feito uma “injustiça maior”, enquanto acreditava o magistrado que teria sido “mais justo”. Esse cuidado, na verdade, além de preservar a justiça própria da situação, salvaguarda a auto- nomia privada e resguarda a dignidade humana de todas as pessoas envolvidas, sendo a sociedade tão ou mais impor- tante do que uma única pessoa isolada e conjunturalmente beneficiada naquela decisão, sendo que ela mesma, depois fará parte do conjunto dos prejudicados pela majoração da mensalidade. Julgar sem tal perspectiva leva a promover um prejuízo maior do que o bem que se imaginava propiciar. Por isso que o julgador ainda se esqueça da dignidade de todos que não estão diretamente envolvidos na demanda, mas podem ser pre- judicados por uma disposição sua que venha, a despeito de be- neficiar um sujeito que é parte, impor perdas à coletividade. Por exemplo, uma decisão em uma dada relação comutativa na qual o ma- gistrado aplique critérios de justiça distri- butiva – erroneamente - e atribua maior dever do que caberia a uma das partes, pelo fato de ser economicamen- te mais forte na relação. Em situações assim, o magistra- do trata o sujeito particular, e seus bens, como se estivesse diante de bens do próprio Es- tado, que pode ser demandado na lógica distributiva, até à re- serva do possível. Estará assim a autoridade judiciária rompendo FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE28 3. Mecanismos de participação popular Dizia-se acima que pelo princípio da sub- sidiariedade cabe às sociedades inter- mediárias menores que o Estado e aos indivíduos assumirem competências que lhes são próprias. Também se esboçou um conceito amplo de democracia, que diz com a liberdade de atuação e interfe- rência nas decisões que envolvam inte- resse particulares e públicos. Nesse sen- tido, é possível listar alguns mecanismos de participação popular nos três âmbitos de exercício do poder público, que exem- plificam exercício de democracia 6. 3.1. Mecanismos de participaçãopopular no Poder Executivo No que se refere ao Poder Executivo, sem prejuízo de outras situações nas quais se pode identificar a ação do cidadão na conformação da vontade política do Es- tado, contam-se o voto nas eleições de prefeitos, governadores e presidente da República (CF, art. 14); a presença ativa e deliberativa de cidadãos nos conselhos 7 de natureza política em todas as esferas de governo, bem como nas agências re- guladoras 8; a presença intensa em con- selhos de caráter administrativo, como o “conselho tutelar”, de âmbito municipal, na área dos direitos da criança e do ado- lescente; a participação em órgãos de controle e direcionamento do orçamento público, etc. Mecanismos de participação popular no Poder Legislativo Relativamente ao Poder Legislativo, podem ser apontados como instrumen- tos de democracia a disponibilidade de concorrer, inclusive por sua associação aos partidos políticos; o exercício do su- frágio universal pelo voto direto e secre- to (no caso do Legislativo, para eleger vereadores, deputados estaduais, fede- rais e senadores), bem como participar do processo deliberativo em matéria le- gal por meio de plebiscito, referendo 9 e iniciativa popular (CF, art. 14). Também se poderiam elencar o veto popular 10 e a participação em audiências públicas nas casas legislativas como instâncias de participação popular que afetam a tarefa legislativa. Mecanismos de par- ticipação popular no Poder Judiciário Por fim, quanto ao Poder Judiciário, há abertura para a participação, substi- tutiva, complementar ou auxiliar na ta- refa jurisdicional, mediante a ação do cidadão no júri popular, na arbitragem, na conciliação por juízes leigos, na me- diação junto a particulares, vinculado ou não a órgãos jurisdicionais e, ainda a par- ticipação em audiência pública 11 ou na posição de amicus curiae. Mediante audiência pública no Ju- diciário, oferece-se aos magistrados a possibilidade de escutar a população ou a sociedade civil organizada para decidir sobre temas de relevante apelo social. De rigor, em qualquer esfera judicial se- ria possível realizarem-se escutas po- pulares. Mas o mais comum ainda são audiências no âmbito do STF. Há quem critique o modo como se tem empregado essa ferramenta de participação popular, pela restrição de convite a expertos que 6 “Vislumbra-se assim um novo modelo de democracia lastreado nos princípios representativo e participativo com a re- estruturação do espaço público, no qual possam coexistir a ordem institucional já estabelecida e a participação direta da sociedade civil”. CARVALHO, Kátia de. Da democracia representativa à democracia participativa: a auto-convocação popu- lar, um mecanismo de aperfeiçoamento da representação política. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de San- ta Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2011. 7 “Os primeiros Conselhos de Direitos da Criança e Adolescente foram criados há vinte e cinco anos como instâncias pari- tárias, em que representantes do Estado e da sociedade civil deliberariam a res- peito da elaboração e concretização de políticas públicas para o segmento”. Cf. TOSI, Matilde Alba Tumbiolo Gioia. O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente como mecanismo de par- ticipação popular: análise de sua inci- dência na implementação de políticas públicas. Dissertação de Mestrado. Uni- versidade de São Paulo: Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Programa de Mestrado em Análise de Políticas Públi- cas. 2016. 8 “Acredita-se que as agências regula- doras representam um avanço na con- cretização da democracia participativa, mesmo que não tenham ainda consegui- do alcançar um nível desejável de parti- cipação efetiva”. RODRIGUES, Cristiana Espírito Santo. Participação popular no âmbito das agências reguladoras brasileiras. Dissertação de Mestrado. Universidade de Fortaleza: Programa de Pós-graduação em Direito Constitucio- nal, 2011. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 29 4.1. Os limites hermenêuticos do magistrado Quanto aos limites hermenêuticos, o desvirtuamento costuma ser chamado de “ativismo judicial”. Há perspectivas analíticas positivas e negativas da ação exorbitante do magistrado, que não deve ser confundida com o caso de interpre- tação por lacunas na lei. Em geral, o ativismo decorre da apa- rente ou real invasão em competência do poder legislativo ou de outra esfera de poder estatal. O caso da criminalização da homofobia pelo STF em 2019 é em- blemático 12. Todavia, dada a limitação de espaço, não será aqui analisado. Os limites éticos do magistrado Quanto aos limites éticos, a palavra de ordem é a “imparcialidade”. O magis- trado não pode tomar partido em uma dada causa, que seria papel do advoga- do. Isso não significa neutralidade, até porque deve ele assumir a vontade da lei e os valores do sistema jurídico. Se o magistrado nota que sua isenção pode correr risco por relação prévia com al- guma das partes, espera-se que ele se afaste do juízo, declarando-se suspeito. Também a lei previu situações de impe- dimento, em que não seria necessário o magistrado declarar-se suspeito, porque há um dispositivo legal que impede que ele atue, como acontece em casos nos quais haja um vínculo ostensivo dele com alguma das partes 13. 9 Cf. PINTO, Érica Maria Garcia. Instru- mentos de participação democrática direta: o plebiscito e o referendo. Uni- versidade de São Paulo: Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2013. 10 Há um trabalho recente dedicado ao instituto do veto popular, a partir de sua previsão na Lei Orgânica do Município de Fortaleza. “Objetivo da presente disser- tação é analisar, sob uma perspectiva, principalmente jurídica, política e social, a constitucionalidade do instrumento de participação popular característico de democracias que embora estrutu- radas sob um regime representativo possuam mecanismos de participação direita. Dentre os diversos instrumentos existentes, será apresentado e estuda- do o veto popular previsto no artigo 59, inciso V da Lei orgânica do município de Fortaleza/CE” Cf. ACIOLY FILHO, Evaldo Ferreira. Análise do veto popular como mecanismo de aperfeiçoamento da democracia brasileira. Dissertação de Mestrado. Universidade de Fortaleza: Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, 2019. 11 Para melhor análise desse tema, suge- re-se ler A participação popular nas au- diências públicas judiciais: verdade ou engodo?, de Robson Louzada Lopes. Segundo o autor, seu trabalho “busca estabelecer a importância de se concre- tizar a democracia e a cidadania, enquan- to regime político e direito fundamental, junto ao poder judiciário, analisando centralmente se as aberturas operadas pelos tribunais por meio das audiências públicas se constituem método eficaz ou se trata de engodo. A linha de pesquisa abarcada é denominada no programa de pós-graduação strictu sensu da Faculda- de de Direito de Vitória como “Jurisdição constitucional e concretização dos direi- tos e garantias fundamentais” e se resu- me em pesquisar “o papel da sociedade e os caminhos não estritamente estatais para a efetivação dos direitos fundamen- tais da população em geral”. As referên- cias completas de acesso estão ao final desse texto. desenvolvem sua opinião sobre os temas (LOPES, 2012). Ao se operar tal redução, estaria se desvirtuando o espírito da au- diência pública, pois não mais haveria es- paço para pessoas simples participarem. Além disso, para a participação de exper- tos como auxiliares, haveria a ferramenta do “amicus curiae” pelo qual podem cola- borar com a Corte no julgamento. 4. Imparcialidade e efetividade na pres- tação jurisdicional Como se dizia, nos anos 1990 houve am- plo debate sobre a “crise do Judiciário”, que redundou em uma “Reforma do Ju- diciário”, por meio de alteração de legis- lação processual, abertura para novos atores participarem dastarefas jurisdi- cionais (arbitragem, juízes leigos, con- ciliadores e mediadores) e a criação do Conselho Nacional de Justiça, por meio de emenda constitucional. A ideia era aprimorar a efetividade do Judiciário. Ao final de 2019, assiste-se à nova onda de reforma, desta vez para blindar o sistema judiciário em face de estraté- gias procrastinatórias empreendidas por réus que se aproveitam da amplitude re- cursal para ocupar o Judiciário até pres- crever a aplicação da lei penal antes de se consumar a “coisa julgada”. Outro desafio ou oportunidade de aprimoramento diz com a conduta do magistrado na realização de sua tarefa. Aqui entra o tema dos limites hermenêu- ticos e éticos do juiz. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE30 Quando o magistrado não se afasta de causas nas quais há elementos para pensar que deveria, ainda que não ve- nha a se beneficiar ou lesar alguma das partes, ele favorece a desconfiança para com a Justiça, pois inevitavelmente sur- gem conjecturas quanto à sua parciali- dade. Caberia aos juízes serem muito mais cautelosos nesse tema. Diz o di- tado que “à mulher de Cesar não basta ser honesta; deve parecê-lo”. Em se tra- tando de Poder Judiciário vale o mesmo. Em razão de fatos assim, senadores da República trabalham para a instalação de uma Comissão Parlamentar de In- quérito que avalie casos chamativos, de modo a se propor mudanças legais que impeçam tais situações. Tal Comissão foi denominada pela mídia como “CPI da Lava Toga” 14. Também se reconhece desvio da atuação do Judiciário quando magistra- dos usam de sua posição para ultrapas- sar limites de sua competência técnica. Situações como essas terminam por macular o exercício exemplar de tantos outros que agem conforme a dignidade de sua tarefa, dentro dos limites éticos e técnicos da função. 12 Veja-se a respeito PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge; MOREAU, Caio. O des- pótico STF e a desarmonia na República. 21/02/2019 Jornal: O Estado de São Paulo. 13 Causa escândalo, especialmente nas Cortes Superiores, quando ministros ju- diciais atuam como julgadores em casos nos quais parente próximo seja advo- gado de uma das partes, em situações nas quais tenham recebido valores de uma das partes para palestras, ou quan- do eles mesmos tenham atuado como advogado em favor de umas das partes antes de chegarem à posição de magis- trados. Nessas situações, mais sensato seria o juiz alegar suspeição, por prudên- cia. Mas essa decisão é discricionária: ou seja, cabe ao próprio implicado avaliar e decidir, como regra, sem que isso impe- ça eventual ação contra os seus atos no processo, por quem tenha interesse, de- monstrando-se o favorecimento ou pre- juízo que possa ser comprovado. 14 Cf. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge. Quem teme a CPI da Toga no Senado? Jornal: O Povo, 25/03/2019. JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL 31 Referências ACIOLY FILHO, Evaldo Ferreira. Análise do veto popular como mecanismo de aper- feiçoamento da democracia brasileira. Dissertação de Mestrado. Universidade de Fortaleza: Programa de Pós-Graduação em Direito em Direito Constitucional, 2019. BONALDO, Frederico. Prestação juris- dicional e caráter: a interdependência das virtudes do juiz [recurso eletrônico] Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019. CARVALHO, Kátia de. Da democracia re- presentativa à democracia participa- tiva: a auto-convocação popular, um mecanismo de aperfeiçoamento da representação política. Dissertação de mestrado. 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Des- centralização do Poder Público nos anos 1990 mediante leis promotoras de partici- pação do cidadão na gestão política e judi- cial no Brasil, Revista dos Tribunais, vol. 1000/2019, p. 657-670, Fev 2019. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge. Quem teme a CPI da Toga no Senado? Jornal O Povo, 25/03/2019. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge. Impea- chment no STF. Jornal O Povo, 06/05/2019. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BRITO, Francilene Gomes de. Prefácio. In: Acesso à Justiça: realidade e perspectivas. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BRITO, Francilene Gomes de (ORG). Brasília: Con- selho Federal da OAB, 2017. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; MO- REAU, Caio. O despótico STF e a desar- monia na República. Jornal: O Estado de São Paulo: 21/02/2019 Acessivel em ht- tps://politica.estadao.com.br/blogs/faus- to-macedo/o-despotico-stf-e-a-desar- monia-na-republica/ PINTO, Érica Maria Garcia. Instrumentos de participação democrática direta: o plebiscito e o referendo. 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Professor do Programa de Mestrado e Dou- torado em Direito da Universidade de Fortaleza (PPGD-UNIFOR). Ganhador dos Prêmios Orlando Gomes-Elson Gottshalk, pela Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ), Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e o Jabuti, com a obra Os Direitos da Criança e do Adolescente em face da TV (Saraiva, 2011). Tem mais de 150 obras publicadas entre artigos, capítulos e livros, no Brasil e exterior. É membro da International Academy for the Study of the Jurisprudence of the Family, da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas, da International Society of Family Law, da Associação de Direito deFamília e das Sucessões (ADFAS), sendo atual presidente da seção Ceará. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ). É professor da Escola Nacional de Magistratura, coordenador do pesquisa sobre o depoimento especial de criança e adolescente vítima de vio- lência do Conselho Nacional de Justiça, Árbitro, membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). É Advogado vinculado ao quadro efetivo da OAB São Paulo e Ceará, sendo atual membro das Comissões de Ensino Jurídico, Direitos da Criança e Direito de Família da OAB/CE. Articulista do jornal O POVO, desde agosto de 2018, e possui registro de jornalista. KARLSON GRACIE (ilustrador) Nasceu em Paulista, Pernambuco. Desenha desde criança. A arte e a leitura estiveram sempre presentes em sua vida. Filmes, desenhos animados, histórias em quadrinhos e videogames eram inspirações para desenhar. Integra o Núcleo de Design (NDE) da Fundação Demócrito Rocha, onde faz o que mais gosta: imaginar, criar e ilustrar. Apoio Realização FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência: João Dummar Neto Direção Administrativo-Financeira: André Avelino de Azevedo Gerência Geral: Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos: Raymundo Netto Análise de Projetos: Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica: Viviane Pereira Coordenação de Cursos: Marisa Ferreira Design Educacional: Joel Bruno Secretaria Escolar: Thifane Braga | CURSO JUSTIÇA E DIÁLOGO SOCIAL Concepção e Coordenação Geral: Cliff Villar Coordenação Executiva: Ana Cristina Barros Coordenação Adjunta: Patrícia Alencar Coordenação de Conteúdo: Gustavo Brígido Editorial e Revisão: Verônica Alves Edição de Design: Amaurício Cortez Projeto Gráfico e Diagramação: Welton Travassos Ilustração: Karlson Gracie Coordenação de Produção: Gilvana Marques Produção: Juliana Guedes Análise de Projeto: Narcez Bessa Marketing e Estratégia: Andrea Araújo, Kamilla Damasceno e Wanessa Góes Performance Digital: Alice Falcão | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargador Washington Luís Bezerra de Araújo Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Ceará: Desembargador Teodoro Silva Santos | ISBN 978-65-86094-01-5 Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP 60055-402 - Fortaleza-Ceará Tel: (85) 3255.6073 - 3255.6203 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br Copyright © 2020 Fundação Demócrito Rocha
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