Buscar

Autocomposição na Administração Pública

Prévia do material em texto

1
ELISA BERTON EIDT
ELISA BERTON EIDT
AUTOCOMPOSIÇÃO 
NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Elisa 
Berton Eidt
Mestre em Direitos Hu-
manos pela Universida-
de Regional do Noroes-
te do Rio Grande do Sul 
(UNIJUÍ). Especialista em 
Direito Previdenciário 
(CESUSC) e em Direito 
Público (Universidade 
Potiguar). Graduada em 
Direito pela Universi-
dade Federal de Santa 
Catarina (UFSC). Procu-
radora do Estado do Rio 
Grande do Sul. 
RESUMO
A presente obra analisa a incorporação dos métodos consensuais 
de resolução de conflitos pelo Poder Judiciário e a sua aplicação 
no âmbito da Administração Pública. Passados mais de 10 (dez) 
anos da denominada Reforma do Judiciário (Emenda Constitucio-
nal 45/2004), a Lei nº 13.140/2015 vem regular a prática do 
instituto da mediação, além de tratar da autocomposição de con-
flitos na União, nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal. 
A crescente inadequação da forma tradicional de resolução de 
conflitos, sobretudo após o advento da Constituição Federal de 
1988, tornou a prestação de justiça no Brasil um serviço caro, 
lento e ineficiente. O Poder Público em muito contribui para esse 
quadro, pois participa da maior parte dos processos judiciais em 
tramitação. Este trabalho visa demonstrar que a adoção de solu-
ções consensuais pela Administração Pública encontra amparo 
na maior eficiência da prestação estatal, em que a ausência da in-
termediação de um processo judicial dá ao Estado melhores con-
dições de realizar os direitos e garantias constitucionais. Nesse 
sentido, demonstra-se que o regime de direito público perpassa 
por uma revisão de seus conceitos, abrindo espaço para os méto-
dos autocompositivos como meio de bem atender aos interesses 
da sociedade e, ainda, de propiciar melhor funcionamento das 
atividades estatais.
A
U
TO
CO
M
PO
SI
ÇÃ
O
 N
A
 A
D
M
IN
IS
TR
AÇ
ÃO
 P
Ú
BL
IC
A
EL
IS
A 
BE
R
TO
N
 E
ID
T
2
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2017
Santa Cruz do Sul
1ª edição
ELISA BERTON EIDT
AUTOCOMPOSIÇÃO 
NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3
ELISA BERTON EIDT
4
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia
Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil
COMITÊ EDITORIAL
Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil
Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil
5
ELISA BERTON EIDT
Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Correção ortográfica: Rodrigo Bartz
Projeto gráfico e diagramação: Daiana Stockey Carpes
Essere nel Mondo
Rua Borges de Medeiros, 76
Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul
Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269
www.esserenelmondo.com.br
www.facebook.com/esserenelmondo
Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser repro-
duzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser criado, sem o 
prévio e expresso consentimento da Editora. A utilização de citações do texto deve-
rá obedeceras regras editadas pela ABNT. As ideias, conceitos e/ou comentários 
expressos na presente obra são criação e elaboração exclusiva do(s) autor(es), 
não cabendo nenhuma responsabilidade à Editora.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
E34s Eidt, Elisa Berton 
Solução de conflitos no âmbito da administração pública e o 
marco regulatório da mediação: da jurisdição a novas formas de 
composição / Elisa Berton Eidt. – Santa Cruz do Sul: Essere nel 
Mondo, 2017. 
122 p. 
 
Originalmente apresentado como Dissertação de Mestrado, 
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – 
UNIJUÍ. 
 
1. Administração pública. 2. Mediação. 3. Jurisdição. 4. 
Conciliação (Processo civil). 5. Poder judiciário. 6. Estado de direito. 
I. Título. 
 
 
 CDD-Dir: 341.4618 
 
 
 Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 
184
Livro impresso:
Prefixo Editorial: 67722
Número ISBN: 978-85-67722-71-9
Livro digital:
Prefixo Editorial: 67722
Número ISBN: 978-85-67722-71-9
6
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
7
ELISA BERTON EIDT
PREFÁCIO
A Lei 13.140 de 26 de junho de 2015 dispõe so-
bre a mediação entre particulares como meio adequado 
de solução de controvérsias e sobre a composição de 
conflitos no âmbito da Administração Pública. Essa lei 
compilou propostas legislativas de outros três projetos 
PLS 517/11, PLS 434/11, PLS 405/13 determinando, em 
seus 48 artigos, sobre mediação judicial e extrajudicial, 
a respeito dos mediadores judiciais e extrajudiciais, dos 
procedimentos de mediação, sobre a confidencialidade 
na mediação e suas possíveis exceções. Trata, ainda, da 
composição de conflitos em que for parte a pessoa ju-
rídica de direito público, trabalha com os conflitos en-
volvendo a administração pública federal direta, suas 
autarquias e fundações e traz disposições finais. 
A proposta dividiu opiniões de modo que exis-
tem adeptos e opiniões contrárias, tecendo críticas que 
merecem consideração. O fato é que a lei tem seus mé-
ritos e suas deficiências e analisar, de modo crítico, esse 
contexto foi o trabalho sobre o qual se debruçou a autora 
Elisa Berton Eidt. Importa salientar que pouco foi escrito 
a respeito até o presente momento e que, por ser nova, 
a legislação merece amadurecimento e reflexão. Elisa foi 
uma das primeira autoras a analisar o texto que, sabe-
se, poderá ainda sofrer várias e profundas modificações 
8
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
na sua interpretação. Por conseguinte, é importante fri-
sar a coragem da autora que, dentro de um contexto 
de insegurança, ineditismo e estranhamento se propôs 
a investigar a Lei 13.140/2015, mais conhecida como 
Marco Legal da Mediação no Brasil, concentrando sua 
pesquisa na possibilidade de autocomposição na admi-
nistração pública. 
Talvez a melhor iniciativa da lei tenha sido divi-
dir os dispositivos em três capítulos, nos quais primei-
ramente se aborda a mediação e posteriormente a com-
posição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de 
direito público. Essa divisão é salutar pois evita a manu-tenção da enorme confusão instalada no País (entre defi-
nições, procedimentos e conflitiva alvo) em cada um dos 
meios de lidar com os conflitos atualmente conhecidos 
e praticados. Explica-se: muitos confundem mediação 
com outros meios de composição de conflitos, dentre 
eles a conciliação, por exemplo, usando mediação para 
conflitos nos quais a conciliação poderia ser mais eficaz 
e ter maior aplicabilidade. É o caso dos conflitos que 
envolvem pessoa jurídica de direito público que podem 
e devem ser tratados por meios compositivos, mas não 
necessariamente pela mediação em função das caracte-
rísticas a eles inerentes. 
Nesse sentido, os conflitos envolvendo pessoa 
jurídica de direito público serão alvo de práticas compo-
sitivas, dentre elas a negociação, a conciliação e a me-
diação (no que couber) encontrando regulamentação que 
permita sua aplicação. Essa iniciativa é importante e pio-
neira em termos de legislação pois busca mecanismos 
para tratar uma conflituosidade crescente em termos de 
jurisdição brasileira. Essa afirmativa pode ser corrobora-
9
ELISA BERTON EIDT
da pelo relatório “Os cem maiores litigantes” da Justiça 
Brasileira, elaborado em 2012, pelo CNJ e divulgado em 
sua página1. Nessa lista é possível perceber que os dez 
maiores litigantes do sistema de justiça no Brasil (envol-
vendo a esfera Estadual, Federal e Trabalhista) são, na 
sua grande maioria, pessoa jurídica de direito público2. 
O projeto de lei, especialmente no que diz res-
peito ao seu capítulo II, vem oferecer uma hipótese para 
lidar com esses conflitos que efetivamente causam o 
congestionamento do sistema de justiça no Brasil. A 
iniciativa é interessante porque até o momento todas 
as propostas legislativas bem como os projetos a elas 
vinculados se preocupavam em oferecer mecanismos 
complementares à jurisdição para lidar com litígios in-
dividuais, referentes a família, sucessões, vizinhança, 
consumidor, danos morais, dentre outros. Agora, a pro-
posta dispõe sobre conflitos envolvendo os grandes li-
tigantes3 que efetivamente congestionam as vias judi-
ciais e que agora poderão lidar com o conflito utilizando 
práticas compositivas.
Atualmente é possível verificar uma situação de 
esquizofrenia completa: o Judiciário (um dos três po-
deres estatais) busca alternativas para lidar com uma 
1 Ver: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publica 
coes/100_maiores_litigantes.pdf, acesso em 11.11.2016.
2 Ordenados pela quantidade de demandas temos: 1º Instituto Na-
cional do seguro Social – INSS; 2º B.V. Financeira S/A; 3º Município 
de Manaus; 4º Fazenda Nacional; 5º Estado do Rio Grande do Sul; 6º 
União; 7º Município de Santa Catarina; 8º Banco Bradesco S/A; 9º CEF 
– Caixa Econômica Federal; 10º Canco Itaúcard S/A. http://www.cnj.
jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_liti-
gantes.pdf, acesso em 11.11.2016. 
3 Assim considerados pelo número de processos nos quais fazem 
parte como autor ou requerido.
10
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
litigiosidade crescente produzida pelo próprio Estado e 
encontra portas que dão conta apenas da litigiosidade 
individual e de menor quantidade. Nesse ponto a Lei em 
comento tem seus méritos.
Diante de tais vantagens e das características do 
Marco Legal da Mediação e, principalmente, conhecen-
do profundamente a matéria, a autora Elisa fez dela sua 
fonte de inspiração e de análise científica na elaboração 
de sua dissertação de mestrado. O trabalho tornou-se 
primoroso por apresentar a abordagem de uma conhe-
cedora das agruras conflitivas que envolve a administra-
ção pública e suas relações com outros entes federados 
e com o particular. 
O livro divide-se em três capítulos. O primeiro 
capítulo aborda o Poder Judiciário no pós Constituição 
Federal de 1988, apontando para a sua relevância no 
desenvolvimento da democracia. O segundo capítu-
lo, analisa o funcionamento do Poder Judiciário como 
prestador de um serviço público, apontando para suas 
dificuldades, seus pontos de exaurimento e para as hi-
póteses de aperfeiçoamento. Por fim, o último capítulo 
expõe o tratamento legislativo dispensado à autocom-
posição na administração pública. 
No decorrer do livro a autora Elisa defende a Ad-
vocacia Pública como instrumento essencial para a con-
cretização de um Estado mais eficiente na maneira de 
lidar com seus litígios. Nessa linha de raciocínio, a partir 
da Lei nº 13.140/2015, o texto investiga a atuação dos 
Advogados Públicos para tornar viável a resolução con-
sensual no âmbito dos entes federados, contribuindo 
para a máxima realização dos direitos e garantias cons-
titucionalmente previstos. 
11
ELISA BERTON EIDT
Por fim, importa dizer que trata-se de obra in-
teressantíssima, alicerçada em autores de renome na-
cionais e estrangeiros, que debate tema atual, polêmico 
e inovador. Muito me honrou o convite para elaborar o 
prefácio e apresentar essa obra que, sem dúvidas, servi-
rá de base para muitos estudos e debates sobre o tema. 
A autora Elisa cabe os cumprimentos pela bela pesquisa 
elaborada com a certeza que é só o início de uma inte-
ressante carreira acadêmica!
FABIANA MARION SPENGLER
Pós-doutora em Direito pela Universitá Degli Studi 
di Roma Tre – Itália, Doutora em Direito pela UNISINOS, 
professora universitária da UNISC e da UNIJUI, 
advogada e mediadora.
12
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
13
ELISA BERTON EIDT
“Só há um tempo em que é 
fundamental despertar. Esse tempo é agora”. 
14
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
15
ELISA BERTON EIDT
AGRADECIMENTOS
O esforço pessoal no desenvolvimento deste 
projeto veio acompanhado de um apoio imprescindível 
para que a sua concretização se tornasse possível. O 
reconhecimento de que sozinha não teria alcançado o 
que me propus nesta pesquisa, torna-me ainda mais de-
sejosa do registro de alguns especiais agradecimentos. 
Agradeço, então, a minha família, a minha amiga e co-
lega de Mestrado Janaína Schorr, a minha orientadora e 
fonte de inspiração Fabiana Marion Spengler, e à Procu-
radoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul. A vocês, a 
confiança e a doação serão sempre recíprocas.
16
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
17
ELISA BERTON EIDT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 O PODER JUDICIÁRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO 
DE DIREITO 
1.1 O Estado e suas transformações
1.2 A Constituição Federal de 1988 e os Direitos Fun-
damentais
1.3 O Judiciário como um Poder de Estado
1.4 O Poder Judiciário em crise
2 A NECESSÁRIA ADAPTAÇÃO DA FUNÇÃO JURIS-
DICIONAL – NOVAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE 
CONFLITOS
2.1. A Reforma do Poder Judiciário
2.2. O Fórum Múltiplas Portas
2.3. A Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça
3 A COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NA ADMINIS-
TRAÇÃO PÚBLICA
3.1 Lei da Mediação e a Mediação no Código de Processo 
Civil
3.2 Resolução consensual de conflitos na Administração 
Pública – Lei nº 13.140/2015
3.3 Os métodos consensuais e o regime jurídico de Direito 
Público
3.4 A promoção dos métodos consensuais pela Advocacia 
Pública
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
19
25
25
33
37
52
65
66
86
91
107
107
114
130
146
163
169
18
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
19
ELISA BERTON EIDT
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa visa investigar a inserção dos 
métodos consensuais de resolução de conflitos no âmbito 
do Poder Judiciário e, em seguida, na Administração Pública
A crescente demanda de ações judiciais contra 
o Estado permite diversas análises sobre a relação dos 
cidadãos com o poder estatal e sobre como a função 
precípua do Estado para dirimir estas controvérsias – o 
Poder Judiciário – vem lidando com a questão. Inicial-
mente, necessário pontuar que o excesso de ações em 
tramitação na Justiça brasileira não diz respeito somen-
te às questões que envolvem o Poder Público, mas sim, 
a uma gama de problemáticas que culminam em pro-
cessos judiciais a fim de se chegar a uma solução. E o 
Estado, devido a sua maciça presença nos mais diversos 
setores da sociedade brasileira,também sofre o reflexo 
deste excesso de judicialização. 
A Carta Constitucional brasileira prevê uma exten-
sa lista de direitos e garantias fundamentais, bem como 
direitos sociais, que exigem do Estado a assunção de di-
mensões tanto negativa quanto positiva a fim de concre-
tizá-los. A frustração no atendimento destes direitos, por 
parte do Estado, leva os cidadãos a baterem às portas de 
um Judiciário que, no intuito de dar cabo às inúmeras con-
trovérsias que lhe são postas, encontra-se assoberbado e 
incapaz de fornecer respostas rápidas e eficientes. 
20
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Depara-se o cidadão, então, com dois proble-
mas: de um lado, a violação de um direito por parte do 
Estado, seja ele individual ou social; de outro, a ausên-
cia de alternativa a não ser esperar a solução por um Po-
der – do Estado – que assumidamente reconhece a sua 
incapacidade de atender às demandas que lhe chegam, 
de modo célere e eficaz. 
 Nesse contexto, buscam-se novas formas de 
solução de litígios em geral, sem que se tenha que ne-
cessariamente perpassar por todos os trâmites de um 
processo judicial, com toda a burocracia e lentidão que 
lhe são próprias. A Resolução nº 125/2010, do Conselho 
Nacional de Justiça, seguida da Lei nº 13.105/2015, que 
traz o novo Código de Processo Civil e, por fim, da Lei nº 
13.140/2015, trazem em seu texto os institutos da me-
diação e da conciliação, além de incentivos à sua prática. 
Este último diploma normativo interessa mais ao 
presente trabalho, pois trata de modo mais específico a 
autocomposição de conflitos na Administração Pública. A 
partir deste marco regulatório, demonstra-se a possibi-
lidade e as vantagens de conformação da estrutura dos 
entes públicos à adoção de métodos mais adequados de 
solução de conflitos que não a prestação jurisdicional
Com base nessas considerações, a presente 
pesquisa objetiva averiguar as possíveis vantagens que 
as resoluções consensuais podem propiciar ao Estado, 
sem esquecer de analisar a sua compatibilização com o 
regime de Direito Público. Como objetivos específicos, 
busca-se estudar a função do Poder Judiciário no Estado 
Democrático de Direito e evidenciar a crise da presta-
ção jurisdicional tal como é concebida tradicionalmente, 
para então tratar de novos métodos de tratamento de 
conflitos e a sua aplicação pela Administração Pública. 
21
ELISA BERTON EIDT
Neste intuito, a presente pesquisa utiliza o méto-
do hipotético-dedutivo, por meio de consulta bibliográfi-
ca e análise histórica dos diplomas normativos que tra-
taram do aperfeiçoamento do Poder Judiciário brasileiro. 
O trabalho está dividido em três capítulos. O 
capítulo primeiro insere o Poder Judiciário no cenário 
montado a partir do advento da Constituição Federal de 
1988, destacando a sua relevância para o desenvolvi-
mento da democracia. A sua postura ativa, como ne-
cessário contrapeso ao agigantamento que acomete os 
demais Poderes, é reforçada pela urgência da sociedade 
no usufruto de um status nunca antes assegurado pelo 
Estado. A demonstração inicial da importância do Judi-
ciário, contudo, contrasta com a seguinte constatação 
revelada ainda na primeira parte do presente trabalho, 
a respeito da ineficiência da função jurisdicional frente 
àqueles que procuram o seu serviço. 
No segundo capítulo, adentra-se no funciona-
mento do Poder Judiciário na sua acepção de prestador 
de serviço público, em que são expostos os gargalos da 
prestação jurisdicional e as tentativas de seu aperfeiçoa-
mento. O poder constituinte derivado deu nova roupa-
gem aos tribunais superiores e cuidou da celeridade na 
tramitação de processos judiciais, como forma de aten-
der aos anseios de uma sociedade dotada de amplos 
direitos, mas com limitações de seu exercício.
O enfoque das modificações, contudo, não atin-
ge o resultado esperado, pois remanescem os proble-
mas identificados desde antes da Reforma do Judiciário. 
Inicia-se a abordagem, então, dos métodos consensuais 
de solução de conflitos, que visam antes um tratamento 
qualitativo dos conflitos que emergem na sociedade do 
que a sua eliminação por meio de respostas mais rápi-
22
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
das, mas nem sempre mais adequadas. O Fórum Múl-
tiplas Portas ilustra essa ampliação de possibilidades 
em relação ao encaminhamento dos litígios que buscam 
auxílio para sua solução, quando são apresentadas as 
hipóteses da mediação, da conciliação, da negociação e 
da arbitragem. 
Após a introdução dos métodos consensuais, 
vem o terceiro capítulo expor o tratamento legislativo 
dispensado à matéria até o momento, ainda no calor 
das recentes promulgações das Leis nºs. 13.105/2015 
(novo Código de Processo Civil), 13.129/2015 (nova 
Lei de Arbitragem) e 13.140/2015 (Lei da Mediação). A 
institucionalização das soluções alternativas à jurisdi-
ção para o tratamento de conflitos introduz no sistema 
legislativo um regramento básico para o funcionamento 
destes novos métodos, em especial no âmbito do pro-
cesso judicial. 
Em seguida à exposição dos dispositivos gerais 
da novel legislação sobre os métodos consensuais, o 
terceiro capítulo aborda de maneira positiva a inclusão 
de comandos específicos à Administração Pública, no 
sentido de organização de sua estrutura para o desen-
volvimento de soluções consensuais nos conflitos em 
que se encontre envolvida e, não menos importante, 
para a prevenção de novos litígios relacionados ao po-
der público. A fundamentação para tanto não veio por 
meio dos novos diplomas legais anteriormente expos-
tos, eis que já se encontrava insculpida na própria Cons-
tituição Federal. 
Tal como será demonstrado, o desiderato da 
estrutura estatal está na realização dos escopos cons-
titucionais, os quais devem pautar toda a atuação da 
Administração Pública. É sob esta ótica que devem ser 
23
ELISA BERTON EIDT
interpretados todos os princípios e regras de direito pú-
blico, desmantelando-se certos dogmas que mais ser-
vem para escudar o poder público do cumprimento de 
suas obrigações do que efetivamente atender aos inte-
resses da sociedade. 
Na luz deste raciocínio, confere-se ao Estado 
verdadeiro dever de solucionar seus litígios de forma 
mais eficaz, sem a necessária atuação do Judiciário para 
este fim. Conforme os dados que serão expostos no 
presente trabalho, a presença do Estado nos processos 
judiciais revela inabilidade na condução das soluções 
administrativas e até certa intencionalidade na delega-
ção à função jurisdicional para toda e qualquer deman-
da que envolve o poder público. 
Diante desse quadro, defende-se a Advocacia 
Pública como instrumento essencial para a concretiza-
ção de um Estado mais eficiente na maneira de lidar com 
seus litígios, seja de maneira preventiva seja ao resolvê
-los por meio de uma relação mais direta com a socie-
dade. Com o incentivo trazido pela Lei nº 13.140/2015, 
busca-se definir a atuação dos Advogados Públicos de 
forma a viabilizar a resolução consensual no âmbito dos 
entes federados, contribuindo para a máxima realização 
dos direitos e garantias constitucionalmente previstos. 
24
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
25
ELISA BERTON EIDT
1 O PODER JUDICIÁRIO NO 
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O presente capítulo visa demonstrar a relação 
entre a consolidação do Estado Democrático de Direito e 
a essencialidade do Poder Judiciário tanto na concretiza-
ção dos direitos fundamentais constitucionalmente pre-
vistos quanto na sua função moderadora em relação aos 
demais Poderes Legislativo e Executivo. A configuração 
do Estado Democrático Social passa a vincular as ações 
estatais à realização dos direitos fundamentais em sua 
máxima potência, quando a sociedade ganha autonomia 
para o exercício dos seus direitos de liberdade em con-
junto com a garantia de uma vida minimamente digna. 
Neste contexto, o Judiciário protagoniza a possibi-
lidade de acesso dos cidadãos às promessas advindas com 
a Constituição de 1988, ao mesmo tempoem que interfe-
re na desordenada atividade dos demais poderes políticos, 
igualmente imbuídos de fortalecer o regime democrático. 
Contudo, a prestação jurisdicional vem descolada da ex-
pectativa em relação ao seu resultado, a reboque de uma 
estrutura judicial ineficaz para atender às demandas de 
uma sociedade exponencialmente mais ágil e conflituosa. 
1.1 O Estado e suas transformações
A sociedade atual presencia nas suas relações 
uma intensa intervenção do Estado. Seja a prestação de 
26
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
um serviço público, a obediência a determinada norma, a 
exigência de algum direito, o cumprimento de um dever: 
a inter-relação entre a vida cotidiana e a atividade estatal 
é inevitável, porém complexa. Não obstante esta intensi-
dade – e talvez por causa dela –, o Estado muitas vezes 
frustra a expectativa dos cidadãos sob seu manto, quan-
do não é ele mesmo o próprio causador de algum dano. 
Antes de se chegar ao estágio acima narrado, o Es-
tado assumiu outras versões. Uma análise histórica desde 
a sua versão moderna, no início do século XVII, e das múlti-
plas feições exercidas ao longo dos séculos, faz-se necessá-
ria para compreender o Estado contemporâneo que hoje se 
manifesta deste modo tão intenso e tão diverso. Conforme 
alertam STRECK e MORAIS (2014), o pano de fundo de to-
das estas evoluções pelas quais perpassa o Estado diz res-
peito a um determinado momento histórico e ao respectivo 
modo de produção, não havendo, portanto, uma continui-
dade evolutiva até o seu aperfeiçoamento final. 
A fim de melhor estruturar as diversas formas 
que o Estado pode assumir, Norberto Bobbio (2014, p. 
113) utiliza-se de dois critérios principais, “o histórico 
e o relativo à maior ou menor expansão do Estado em 
detrimento da sociedade”. Em relação ao critério histó-
rico, expõe o autor as seguintes configurações de Esta-
do: feudal1, estamental, absoluto e representativo. Esta 
1 Na lição de Gilmar Antonio Bedin (2013), a sociedade feudal é mar-
cada pela forte dependência nas relações entre o senhor feudal e o 
vassalo, em que há uma estrutura hierárquica extremamente rígida e 
sem a presença de um poder central, à vista da soberania parcelada 
entre os senhores feudais. À medida que se desenvolvem o comércio 
e a indústria, os feudos perdem espaço para as cidades, produzindo, 
aos poucos, “um homem novo, com um sistema de valores diferente 
daquele do senhor, do servo e do clérigo, que passa a ser chamado 
de citadino ou cidadão” (BEDIN, 2013, p. 59).
27
ELISA BERTON EIDT
última é a que permanece até hoje, sendo marcada pelo 
verdadeiro reconhecimento dos direitos do homem e do 
cidadão, “direitos que cada indivíduo tem por natureza 
e por lei e que, precisamente porque originários e não 
adquiridos, cada indivíduo pode fazer valer contra o Es-
tado” (BOBBIO, 2014, p. 116). 
Já no que diz respeito ao critério do tamanho do 
Estado em relação à sociedade, Norberto Bobbio (2014, 
p. 121) faz referência à categoria do Estado totalitário, 
em que “toda a sociedade está resolvida no Estado, na 
organização do poder político que reúne em si o poder 
ideológico e o poder econômico. Não há espaço para o 
não-Estado”. Explica Bobbio (2014) que se trata de uma 
situação limite, eis que o não-Estado sempre esteve pre-
sente nas esferas religiosa e econômica e a sua variação 
de intensidade é que trará o critério de diferenciação das 
formas históricas do Estado. Diante disso, tem-se o Esta-
do confessional ou laico em relação à religião e Estado in-
tervencionista ou abstencionista em relação à economia. 
Após estas classificações, diferencia o autor a 
questão do fim do Estado com a crise do Estado, esta 
última referindo-se à “crescente complexidade e à con-
sequente ingovernabilidade das sociedades complexas, 
ou ao fenômeno do poder difuso, cada vez mais difícil 
de ser reconduzido à unidade decisional que caracteri-
zou o Estado de seu nascimento a hoje” (BOBBIO, 2014, 
p. 126). Nesse sentido, a incapacidade do Estado de dar 
sustento ao que lhe foi proposto realizar e de manter a 
integridade de suas instituições relaciona-se à crise de 
um tipo de Estado, e não propriamente ao fim do Estado. 
E é partir destas crises, que mais se relacionam 
com as transformações dos modelos de Estado desde a 
época do Feudalismo, que se perfectibiliza a passagem 
28
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
do Estado Mínimo para o Estado Social. Com efeito, a 
concepção de um Estado liberal que tem como função 
principal resguardar a liberdade individual de seus ci-
dadãos cede espaço, a partir de meados do século XIX, 
para um Estado que “passa a assumir tarefas positivas, 
prestações públicas, a serem asseguradas ao cidadão 
como direitos peculiares à cidadania, agindo, assim, 
como ator privilegiado do jogo socioeconômico” (STRE-
CK e MORAIS, 2014, p.64). 
A transformação do Estado Mínimo em Estado 
Social fica mais evidente após a Segunda Guerra Mun-
dial, quando as lutas por melhores condições de traba-
lho e de bem-estar ganham força entre os movimentos 
operários. Segundo ensina José Luiz Bolzan de Morais 
(2011), neste dado momento histórico não mais basta 
ao Estado assegurar a liberdade negativa dos indivíduos 
e de suas relações sociais, mas sim, são necessárias me-
didas que tornem efetivos os direitos sociais, tais como 
alimentação, transporte, saúde pública, etc. Diante des-
tas lutas sociais, todavia, “o Estado liberal não sucumbiu 
nem desapareceu: transformou-se. Deu lugar ao Estado 
social (BONAVIDES, 2014, p. 37). 
Dessa forma, pode-se concluir que a transforma-
ção do Estado como Welfare State é decorrência justamente 
das conquistas alcançadas com a fórmula liberal do Estado 
Mínimo, uma vez que o fim da escravidão, a liberdade de 
imprensa, o desenvolvimento industrial, a ampliação do 
sufrágio e a elaboração de Constituições escritas fazem 
aumentar as reivindicações sociais. Assim, o Estado passa 
a assumir espaços antes reservados à iniciativa privada, 
em busca de uma maior justiça social em resposta às novas 
demandas e inclusive para aparar as próprias fragilidades 
do modelo liberal (STRECK e MORAIS, 2014).
29
ELISA BERTON EIDT
 No destaque feito por Morais (2011), a inter-
venção do Estado por intermédio de prestações sociais 
não se trata de assistencialismo, mas de direitos pró-
prios da cidadania e pressuposto da dignidade da pes-
soa humana:
Ou seja, o Welfare State seria aquele Es-
tado no qual o cidadão, independente de 
sua situação social, tem direito a ser prote-
gido por meio de mecanismos/prestações 
públicas estatais, contra dependências e/
ou ocorrências de curta ou longa duração, 
dando guarida a uma fórmula onde a ques-
tão da igualdade e do bem-estar aparecem 
– ou deveriam aparecer – como fundamen-
to para a atitude interventiva do Estado 
(MORAIS, 2011, p. 40). [grifo no original]
Conforme já assinalado, esta mutação do inter-
vencionismo estatal, de condição de excepcionalidade 
à exigência de sua prática para que direitos sociais e 
políticos sejam assegurados, decorre de determina-
dos eventos históricos e, também, é fruto das próprias 
transformações que o modelo liberal propiciou. A Revo-
lução Industrial e as necessidades do proletariado, as-
sim como a Crise de 1929 e as duas Guerras Mundiais, 
demandaram do Estado maior controle da economia, 
culminando na inviabilidade da separação entre econo-
mia e política a fim de manutenção da estabilidade so-
cial (MOREIRA, 2002). 
Por conseguinte, da propriedade passa-se a exi-
gir sua função social, e da liberdade contratual resul-
ta a função social do contrato, na qual há submissão 
às intervenções estatais na economia e a padrões nor-
mativos previamente estabelecidos (STRECK e MORAIS, 
2014). O exercício da liberdade, dessa maneira, passa 
30
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
a se submeter a um maior controle do Estado, com a 
finalidade de diminuir as desigualdades que resultaram 
do livre desenvolvimento do mercado e das relações decapital e trabalho. 
Do Estado liberal ao Estado Social, ensina Paulo 
Bonavides (2014, p. 33-34) que a “trajetória de institucio-
nalização do poder” está intrinsecamente relacionada ao 
exercício real da liberdade. Em vista disso, na doutrina 
do liberalismo o Estado representa a antítese da liberda-
de vivida em sociedade. Entretanto, conforme adverte o 
autor, a plena liberdade contratual e o desenvolvimento 
do capitalismo conduziram a uma exploração econômica 
sem limites, resultando em uma “visível e nua contradi-
ção entre a liberdade do liberalismo e a escravidão social 
dos trabalhadores” (BONAVIDES, 2014, p.61). 
Daí decorre a inevitável fórmula de sobrevivên-
cia do Estado liberal, onde o poder estatal passa a atuar 
como “mitigador de conflitos sociais e pacificador ne-
cessário entre o trabalho e capital” (BONAVIDES, 2014, 
p. 185), mediante um maior gerenciamento na atividade 
econômica e uma maior participação do proletariado na 
vida política, a partir do sufrágio universal. As reivindi-
cações sociais servem de estopim para a transformação 
de um modelo que demonstrava não mais ter condições 
de prosseguir para a posteridade. 
No que diz respeito ao Brasil, contudo, o inter-
vencionismo estatal em nada tem a ver com o forne-
cimento de condições de vida mais dignas do cidadão 
brasileiro, mas sim, associa-se a uma prática autoritá-
ria/ditatorial, em que a pobreza e a desigualdade so-
cial tomam ainda mais espaço. De acordo com STRECK e 
MORAIS (2014), trata-se de fenômeno ocorrido em toda 
a América Latina, dada a colonização exploradora a que 
31
ELISA BERTON EIDT
seus países foram submetidos, resultando em um de-
senvolvimento tardio e numa atividade econômica que 
apenas atendia aos interesses de uma pequena elite do-
minadora. Por consequência, concluem, o Estado inter-
vencionista no Brasil serviu apenas para que as elites se 
mantivessem no poder e se apropriassem ainda mais do 
aparato estatal para acumulação de maiores riquezas. 
Dessa forma, o passado autoritário, fruto do pe-
ríodo ditatorial que imperou no Brasil de 1964 a 1985, 
deu ao país um arcabouço jurídico instável e desprovido 
de legitimidade, em que os indivíduos se viam ameaça-
dos pela força de um Estado arbitrário e opressor. É este 
histórico de atraso na participação popular na condução 
política do país, aliada a uma sociedade bastante de-
sigual, de estrutura patriarcal e oligárquica, que torna 
suplantada a participação da sociedade civil, reduzida 
a uma relação de passividade com os poderes estatais. 
Delimitado o contexto histórico-político no qual 
o Brasil se insere, segue o presente trabalho na apre-
sentação dos modelos de Estado para acrescentar, por 
fim, o Estado de Direito. Trata-se de Estado regido pelo 
princípio da legalidade que, na conceituação de Miguel 
Reale (1999, p. 9) “consiste em não pretender que a 
vontade individual ou coletiva seja superior à vontade 
objetivamente consubstanciada nos mandamentos da 
Constituição e das leis”. 
Por sua vez, o Estado de Direito pode se apre-
sentar na forma liberal ou social, desde que haja “a pres-
crição da supremacia da lei sobre a autoridade pública” 
(STRECK e MORAIS, 2014, p.92). Dessa forma, no Esta-
do Liberal de Direito o ordenamento jurídico irá refletir 
o ideário liberal, com a redução do papel do Estado e a 
32
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
preservação das liberdades individuais. O Estado Social 
de Direito, por seu turno, irá incluir em seu conteúdo o 
direito a prestações de ordem social a serem implementa-
das pelo Estado, em busca de uma sociedade mais justa. 
Já no que diz respeito ao Estado Democrático 
de Direito, este é resultado de um aprofundamento do 
Estado Social, no qual o conteúdo do seu ordenamento 
jurídico é informado pelos princípios da liberdade, da 
igualdade e da fraternidade. Na conclusão de Paulo Bo-
navides (2014), tal modelo é o mais adequado para fins 
de concretização dos comandos expostos nas Declara-
ções de Direitos fundamentais.
 A Constituição Federal de 1988 reflete este mo-
delo de Estado Democrático e Social2, “muito embora a 
tradição das políticas sociais brasileiras aponte para um 
déficit democrático e de cidadania forjados ao longo de 
períodos de experiências autoritárias recorrentes” (MO-
RAIS, 2011, p. 41, grifo no original). Consoante será de-
monstrado neste trabalho, esta ausência de engajamento 
da sociedade nos processos decisórios, com uma parti-
cipação política limitada ao voto, resultará em uma au-
sência de representatividade dos poderes políticos e um 
deslocamento de legitimidade para o Poder Judiciário. 
Nos termos do ensinamento de Paulo Bonavides 
(2012, p. 345), o sistema democrático tem sua sustentação 
na Constituição, onde estão representados em grau máxi-
2 Conforme adverte Ingo Wolfgang Sarlet (2011), não há na Consti-
tuição Federal de 1988 a definição expressa de nossa República com 
um Estado Social de Direito. No entanto, tal conclusão é fácil extrair 
dos diversos princípios expressos no texto constitucional (dignidade 
da pessoa humana, valor social do trabalho, construção de sociedade 
livre, justa e solidária, entre outros), bem como da extensa lista de 
direitos fundamentais sociais (arts. 6º a 11), que incluem os direitos 
dos trabalhadores e direitos a prestações sociais por parte do Estado. 
33
ELISA BERTON EIDT
mo os valores e os princípios da sociedade e que serve de 
fundamento para todos os demais textos normativos. Nas 
palavras do autor, “a Constituição se converte, assim, na 
imagem da legitimidade nacional, valor supremo que limita 
todos os poderes”, bem como no “denominador comum da 
ideologia democrática, convertida em compromisso invio-
lável que a legitimidade do sistema eleva a grau máximo”.
 É, pois, por meio da Constituição que o Estado 
Social efetivamente se concretiza, na medida em que a 
supremacia das suas normas irá não somente assegurar 
a preservação de uma justiça social, como também limi-
tará a atividade do próprio Estado. A sua legitimidade, 
consequentemente, emana do imprescindível respeito – 
pelo Estado e pela sociedade - aos seus comandos, eis 
que, sem ele, “a Constituição escrita perde a sua juridi-
cidade” (BONAVIDES, 2012, p. 352). 
A vinculação ao texto constitucional reside no 
padrão interpretativo que emana dos direitos funda-
mentais, verdadeiros vetores de todo o ordenamento ju-
rídico e da própria funcionalidade dos Poderes do Esta-
do (SARLET, 2011). Ao Estado, portanto, não é permitido 
deles dispor, ao mesmo tempo em que é sua função pro-
movê-los de forma que tenham a sua eficácia ampliada 
1.2 A Constituição Federal de 1988 e os 
Direitos Fundamentais
É no texto constitucional, então, que os direitos 
fundamentais, na condição de expressão máxima dos 
valores e princípios da sociedade, irão encontrar-se 
positivados, a fim de vincular a atividade estatal e fazer 
frente a qualquer ameaça de retorno à ditadura e ao 
34
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
totalitarismo (SARLET, 2011). Além desta proteção contra o 
arbítrio do Estado, o seu conteúdo deve refletir o respeito 
à dignidade dos indivíduos, por meio do “estabelecimento 
de condições mínimas de vida e de desenvolvimento da 
personalidade humana (MORAES, 2011, p. 20).
 A relação dos direitos fundamentais com a ideia 
de democracia torna-se evidente, uma vez que a garantia 
de autonomia aos cidadãos, com liberdade de participação 
política e oferta de iguais oportunidades para o alcance 
de uma vida digna são essenciais para que um ambiente 
democrático efetivamente se constitua. Nessa linha, dife-
rencia Ronald Dworkin (1995) o entendimento da demo-
cracia não apenas como regra da maioria, mas como regra 
da maioria legítima, na qual uma estrutura constitucional 
garanta condições posteriores de preservação dos direitos 
fundamentais, imutáveis inclusive pela maioria. 
A partir do momento em que o ordenamen-
to jurídico encontra nos direitos da pessoa humana o 
fundamento para considerar comojuridicamente válida 
determinada norma, cada indivíduo encontra-se em si-
tuação de igualdade em relação ao outro, pois titulares 
dos mesmos direitos fundamentais (BARZOTTO, 2004). 
Dessa forma, diferentes membros da sociedade são per-
cebidos pelo Estado como titulares de idênticos direitos, 
o que proporciona igualdade de participação nos pro-
cessos civis e políticos que animam a democracia. 
Com efeito, é neste processo de consolidação 
dos direitos de cidadania, na qual a garantia de liberdade 
e a ampliação na participação na escolha dos governan-
tes aliam-se a atitudes positivas do Estado no sentido de 
reduzir desigualdades de oportunidades, que o ambiente 
democrático ganha espaço. A eliminação do arbítrio do 
35
ELISA BERTON EIDT
poder estatal, substituído por um sistema de governo3 
que deve obediência à lei e que, por isso, tem o dever de 
preservar a liberdade dos indivíduos e de propiciar seu 
bem-estar trazem uma nova configuração do poder pú-
blico, agora vinculado aos direitos fundamentais4. 
Na Constituição Federal de 1988, os direitos fun-
damentais recebem tratamento inédito, oportunizado 
pelo contexto de redemocratização em que se inseria o 
país à época, após mais de vinte anos de ditadura militar. 
Os direitos fundamentais estão vivencian-
do o seu melhor momento na história do 
constitucionalismo pátrio, ao menos no 
que diz com seu reconhecimento pela or-
dem jurídica positiva interna e pelo instru-
mentário que se colocou à disposição dos 
operadores do Direito, inclusive no que 
concerne às possibilidades de efetivação 
sem precedentes no ordenamento nacio-
nal (SARLET, 2011, p. 69).
Três características podem ser atribuídas à carta 
constitucional e, consequentemente, aos direitos fun-
damentais nela previstos: analítica, pluralista e grande 
quantidade de normas de conteúdo programático e di-
rigente. De acordo com a explicação de Ingo Wolfgang 
Sarlet (2011, p. 65), o caráter analítico “revela certa des-
3 No tripé definido por Alain Touraine (1996), como condição para 
que a democracia realmente exista, deve haver o respeito aos direi-
tos fundamentais, o efetivo exercício da cidadania pelos indivíduos, 
com participação nos processos de construção de uma vida coletiva 
e, por fim, que haja uma representavidade dos dirigentes políticos, 
servindo com um verdadeiro elo entre o Estado e a sociedade civil. 
4 A vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais encon-
tra ressonância no comando da aplicabilidade imediata destes direitos, 
presente no §1º do art. 5º da Constituição Federal. Dessa maneira, é 
dever de todos os órgãos estatais colocá-los em prática imediatamente. 
36
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
confiança em relação ao legislador infraconstitucional”, 
o pluralismo decorreu da opção do Constituinte de “aco-
lher e conciliar posições e reivindicações nem sempre 
afinadas entre si” e o seu cunho programático resulta do 
“grande número de disposições constitucionais depen-
dentes de regulamentação legislativa”, não obstante a 
previsão constante no art. 5º, §1º, que dá aplicabilidade 
imediata aos direitos e garantias fundamentais.
Ainda no que diz respeito à caracterização dos 
direitos fundamentais, estes podem ser divididos em 
duas principais categorias, a depender da necessária 
omissão ou ação do Estado para a sua realização. Na pri-
meira categoria, encontram-se os direitos de liberdade, 
em que é garantida a autonomia individual dos cidadãos 
e o tratamento igualitário perante a lei, inclusive como 
forma de defesa contra a intervenção do Estado. 
Os direitos sociais, por sua vez, “reclamam uma 
atuação positiva do legislador e do Executivo, no sen-
tido de implementar a prestação que constitui o objeto 
do direito fundamental (SARLET, 2011, p. 284). Ensina 
Sarlet (2011, p.284) que, enquanto os direitos de liber-
dade demandam uma abstenção da atividade estatal no 
que diz respeito à liberdade dos indivíduos, os direitos 
sociais “encontram-se intimamente vinculados às tare-
fas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recur-
sos existentes, bem como à criação de bens essenciais 
não disponíveis para todos os que deles necessitem”. 
Diante disso, tem-se que a promulgação da 
Constituição de 1988 definiu uma nova abordagem em 
relação aos direitos fundamentais, eis que alçados à 
condição de verdadeiros condutores – e limitadores - de 
toda a produção normativa a partir de então. Advinda 
em um momento de transição de regime, de autoritário 
37
ELISA BERTON EIDT
para democrático, a sua extensa lista de direitos e de 
normas programáticas trazem uma diferente perspec-
tiva para a sociedade e uma outra dimensão para o Es-
tado. Aquela pode exigir deste a garantia de uma vida 
com dignidade, com o usufruto de todas as liberdades 
que lhe são asseguradas e as quais os poderes políticos 
não podem se furtar de concretizar.
1.3 O Judiciário como um Poder de Estado
O alargamento das garantias individuais e das 
obrigações de fazer pelo Estado atingem sobremaneira 
a função do Poder Judiciário. O advento do regime de-
mocrático aliado a uma Constituição abrangente e ana-
lítica descortinam um cenário onde o Judiciário assume 
um protagonismo em ascensão. Por certo, esta ampla 
gama de direitos não prescinde de um órgão capaz de 
fazer valê-los na prática, e não somente no texto da lei. 
De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido 
progressivamente reconhecido como sendo 
de importância capital entre os novos direi-
tos individuais e sociais, uma vez que a titu-
laridade de direitos é destituída de sentido, 
na ausência de mecanismos para sua efeti-
va reivindicação. O acesso à justiça pode, 
portanto, ser encarado como o requisito 
fundamental – o mais básico dos direitos 
humanos – de um sistema jurídico moder-
no e igualitário que pretenda garantir, e não 
apenas proclamar o direito de todos (CAPPE-
LLETTI; GARTH, 1988, p. 11-12)
Logo, é por meio do Poder Judiciário, seguindo 
a clássica teoria da separação de poderes de Montes-
38
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
quieu5, que o Estado garante a efetivação dos direitos 
previstos no plano normativo, pois se trata de “institui-
ção pública encarregada, por excelência, de fazer com 
que os preceitos da igualdade estabelecidos formalmen-
te prevaleçam na realidade concreta” (SADEK, 2013, p. 
10). O Estado Democrático de Direito, dessa forma, além 
da previsão em seu texto constitucional dos direitos ci-
vis, políticos e sociais, também é constituído por um 
poder autônomo e independente, que visa assegurar o 
exercício das garantias constitucionais. 
A Constituição de 1988 traduz esta importância 
conferida ao Poder Judiciário a fim de dar cabo aos avan-
ços conquistados de ordem social e democrática. Já no seu 
preâmbulo, coloca a justiça como valor supremo, certamente 
necessária para o bom desenvolvimento dos demais valores 
ali constantes, tais como a liberdade, a segurança, o bem-es-
tar, entre outros. Também consta como objetivo da Repúbli-
ca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 
3º, I), além do caráter universal de acesso à justiça, como 
direito fundamental dos cidadãos brasileiros (art. 5º, XXXV). 
A essencialidade do Poder Judiciário para o usu-
fruto das conquistas de ordem individual e social enal-
tece as funções que este poder exerce, as quais dizem 
respeito não somente à resolução de litígios com base 
na correta aplicação da lei, mas também ao controle de 
constitucionalidade e à mediação de conflitos entre o 
Executivo e o Legislativo. Na percepção de Maria Tereza 
5 Na teoria de Montesquieu, o “poder de julgar”, separado das fun-
ções do legislativo e do executivo, é condição para a efetiva liber-
dade do cidadão porque “se estivesse unido ao poder legislativo, o 
poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois 
o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz 
poderia ter a força de um opressor” (2010, p. 169). 
39
ELISA BERTON EIDT
Sadek (2004),a Constituição Federal de 1988 confere 
uma entonação mais política ao desempenho do Judiciá-
rio, em que qualquer decisão proferida tanto pelo Exe-
cutivo quanto pelo Legislativo é passível de apreciação 
judicial. De fato, uma vez que ao Judiciário é conferido 
status de Poder, torna-se ele um agente político com le-
gitimidade para, além da aplicação da lei, também inter-
ferir nas atividades legislativas e nas políticas públicas. 
Na concepção original de Montesquieu, contudo, 
os julgamentos deveriam ser fixos “a tal ponto que nunca 
sejam mais do que um texto preciso da lei” (2010, p. 170). 
A configuração da atividade do juiz como a “bouche de loi”, 
em que apenas são pronunciadas as palavras da lei, serviu 
para aquele dado momento histórico de ascensão do Esta-
do Liberal Francês, com o objetivo de neutralizar a atividade 
dos juízes e, assim, preservar o indivíduo de seus arbítrios. 
Por sua vez, no cenário contemporâneo brasilei-
ro, não obstante a separação dos poderes, o que se per-
cebe é a ascensão do protagonismo do Poder Judiciário.
Os agentes políticos encontraram no Ju-
diciário um novo interlocutor e uma nova 
arena, tanto para seus confrontos quanto 
para contestar políticas governamentais e 
decisões de maiorias legislativas. O cida-
dão, por sua vez, passou a ter na institui-
ção um espaço para a solução de disputas 
e para a garantia dos mais variados direi-
tos. (SADEK, 2013, p. 17)
A constitucionalização de uma ampla variedade 
de direitos e as ações constitucionais previstas para pre-
servação dos vetores da Constituição deu aos tribunais 
uma responsabilidade mais política. A assunção deste 
desempenho de funções como um poder do Estado, 
40
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
com a possibilidade de revisão dos atos do Executivo e 
de Legislativo, coloca o Judiciário em uma situação de 
tensão, mas como opção necessária para a preservação 
de um ambiente efetivamente democrático. 
Conforme sintetiza José Eduardo Faria (2004, p. 
111), uma vez que “a relação Governo-Congresso, que é 
eminentemente política, ficou carente de um árbitro por 
causa da excessiva rigidez como a Carta disciplinou a 
separação dos poderes, coube ao Judiciário exercer este 
papel”. O Judiciário assume, portanto, não somente a 
função de revisão de atos dos demais poderes de acor-
do com seu fundamento legal, mas também serve para 
aparar as arestas quando há sobreposição de funções 
de um pelo outro, em especial do Executivo que faz as 
vezes de Legislativo ao alvedrio da Constituição. 
Na análise de Mauro Cappelletti (1993, p. 49), 
a permanência do Judiciário no espaço confinado pela 
teoria tradicional da separação dos poderes permitiria o 
excesso de atividades do Legislativo e do Executivo e a 
total ausência de controle sobre elas, de modo a amea-
çar a liberdade das sociedades modernas. A elevação 
do Judiciário, por sua vez, na condição de um “terceiro 
gigante na coreografia do estado moderno” é de vital 
importância para um efetivo equilíbrio entre os poderes, 
na medida em que atividade dos juízes ultrapassa o âm-
bito dos conflitos de natureza privada e passa a cuidar, 
também, dos atos emanados pelos poderes políticos. 
Diante disso, o Poder Judiciário assume, no perío-
do pós Constituição de 1988, o caráter de uma instituição 
com dupla função. Ao mesmo tempo em que se institui 
como um dos Poderes da República, com capacidade de 
agir politicamente, também se trata de um órgão presta-
dor de serviço público, qual seja, a prestação jurisdicional 
41
ELISA BERTON EIDT
(SADEK, 2004). Neste cenário, o protagonismo decorrente 
da ampla constitucionalização de direitos e da possibilida-
de de exercer o controle de constitucionalidade de leis e 
atos normativos dos demais poderes colocam o Judiciário 
em um grau de relevância nunca antes experimentada. 
A extensa constitucionalização de direitos, em es-
pecial os de cunho social, torna o acesso ao Poder Judiciário 
uma ferramenta disponibilizada à sociedade de modo a de-
mandar do Estado o cumprimento destas normas. Ao “guar-
dião da Constituição” (Supremo Tribunal Federal, art. 102 
da Constituição Federal) e consequentemente a todos os 
órgãos do Poder Judiciário, incumbe uma prestação jurisdi-
cional que preserve a aplicabilidade dos direitos fundamen-
tais, muitas vezes prejudicada pela inércia na implemen-
tação de políticas públicas ou pela deficitária ou ausente 
regulamentação das normas constitucionais, resultando no 
“deslocamento do polo de tensão dos demais poderes em 
direção ao Poder Judiciário (STRECK, 2011, p. 190). 
O alcance dos objetivos fundamentais da Repú-
blica (art. 3º da Constituição Federal) somente é possí-
vel a partir de uma postura ativa do Estado, com a rea-
lização de ações concretas para a promoção da justiça 
social e do desenvolvimento da cidadania, sob pena de 
a democracia se constituir em uma “ditadura mal disfar-
çada” (SANTOS, 2014, p. 146). Ao Poder Judiciário, con-
sequentemente, como parte integrante dos Poderes da 
República, incumbe o controle das prestações estatais a 
fim de compatibilizá-las com estes objetivos fundamen-
tais, sem querer isto dizer que houve desrespeito ao 
princípio da separação dos poderes (GRINOVER, 2013).
De acordo com a exposição de Luiz Werneck 
Vianna et al (2014, p. 22 e p. 43), as inovações trazidas 
com o constitucionalismo do pós-guerra e os processos 
42
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
sociais que se desenvolvem a partir do fomento da ci-
dadania e da globalização contribuem para este “novo 
padrão de relacionamento entre os Poderes”, que coloca 
o Judiciário como alternativa à sociedade tanto para a 
resolução de conflitos entre si quanto para “deflagrar o 
processo judicial contra as instâncias de poder”.
Boaventura de Souza Santos (2014, p. 23) igual-
mente relaciona o processo de redemocratização experi-
mentado pelo país, em conjunto com a nova carta consti-
tucional, como fomentadores de uma “maior credibilidade 
ao uso da via judicial para alcançar direitos”. Dessa forma, 
o amplo acesso ao Judiciário, aliado à incapacidade de 
o Estado atender a todas demandas sociais, contribuem 
para o que o sociólogo português denomina de verdadeira 
substituição da administração pública pelo sistema judi-
cial, a fim de ver atendidas as prestações sociais. 
Na conclusão de Luiz Werneck Vianna et al (2014) 
e Maria Tereza Sadek (2004), a presença do Judiciário na 
arena política resulta da adoção, pela Constituição de 
1988, do modelo de controle de constitucionalidade das 
leis, por meio do qual os tribunais diretamente interfe-
rem na atuação tanto do Executivo quanto do Legislati-
vo. Conforme constata Maria Tereza Sadek (2004), hou-
ve um expressivo aumento no número de Ações Diretas 
de Inconstitucionalidade, que desde a promulgação da 
Constituição até o ano de 2010, somaram 4.383 ações6. 
6 Em consulta ao site do Supremo Tribunal Federal, conta a infor-
mação de que o Plenário proferiu, no ano de 2015, 130 decisões no 
âmbito de ações de controle concentrado de constitucionalidade. No 
ano de 2012 foram 38 decisões, no ano de 2013, 51 decisões e no 
ano de 2014, o número saltou para 181 decisões. Disponível em: 
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfConhecaStfRelatorio-
Atividade/anexo/Relat_Ativ_STF2015.pdf. Acesso em 15/05/2016.
43
ELISA BERTON EIDT
A intensa utilização deste recurso7, na sugestão de Luiz 
Werneck Viana et al (2014, p. 53), tem ocasionado uma 
mudança de postura do Supremo Tribunal Federal, que 
começa a migrar de sua posição como poder coadju-
vante na produção legislativa para um “ativo guardião 
da carta constitucional e dos direitos fundamentais da 
pessoa humana”. 
O Poder Judiciário como prestador da função 
jurisdicional não pode deixar de responder à deman-
da que lhe chega, seja de ordem individual ou coletiva. 
Considerando todo o arcabouço normativo da Constitui-
ção, em que ao Estado, por meio de normas de caráter 
aberto programático, é infligido o dever de promover 
o bem-estarda sociedade, aliada à disponibilização de 
meios processuais a fim de que seja impelido a cumprir 
esta função, a atividade jurisdicional somente intensifi-
cou. Na conclusão de José Eduardo Faria (2004, p. 110), 
a Justiça “teve sua discricionariedade ampliada na dinâ-
mica do processo de redemocratização do País, sendo 
levado a assumir o papel de legitimador, legislador e até 
de instância recursal das próprias decisões do sistema 
político, formado pelo Executivo e pelo Legislativo”. 
Na medida em que a concepção do Estado 
do welfare state deu-se basicamente mediante pro-
7 O extenso número de legitimados para o ajuizamento das ações de 
constitucionalidade, ao total de nove, certamente contribuiu para a 
presença do Judiciário nos assuntos afetos ao Legislativo. Consoante 
art. 109 da Constituição Federal, podem propor estas ações: Presiden-
te da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Depu-
tados, Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do 
Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, Procu-
rador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados 
do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, 
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 
44
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
dução legislativa e que coube ao Executivo a imple-
mentação destas garantias sociais, inevitavelmente 
o Judiciário também expandiu suas atividades, na 
forma de um “necessário contrapeso” (CAPPELLETTI, 
1993, p. 19) a fim de acompanhar a ampliação das 
funções dos demais poderes. Nesta linha de racio-
cínio, a atividade dos juízes não mais se conforma 
à mera aplicação da lei, sobretudo porque os direi-
tos sociais vêm normatizados de forma muito mais 
programática e principiológica, tornando inevitável a 
atuação do Judiciário como mediador das atividades 
do Executivo e do Legislativo. 
Denominando este fenômeno de destaque do 
Poder Judiciário como “judicialização”, Luis Roberto 
Barroso (2012) explica que a saliência – em especial 
do Supremo Tribunal Federal - decorre basicamente 
de três fatores: a redemocratização trazida pela Cons-
tituição de 1988, quando, além da consagração dos 
direitos da cidadania, o Judiciário é instituído como 
um Poder autônomo e independente e os juízes go-
zam de garantias e prerrogativas funcionais; a consti-
tucionalização abrangente, propiciando o aumento do 
número de ações judiciais a fim de serem cumpridas 
as normas constitucionais e, por fim, o sistema bra-
sileiro de controle de constitucionalidade, que possui 
as modalidades de controle incidental e difuso e per-
mite que qualquer juiz ou tribunal, e não somente o 
STF, pode deixar de aplicar uma lei acaso a considere 
inconstitucional. 
O fenômeno da judicialização, porém, nos ter-
mos muito bem destacados por Luiz Werneck Vianna et 
al (2014), não diz respeito somente à repercussão do 
Judiciário na esfera política, mas sim ao seu avanço para 
45
ELISA BERTON EIDT
as relações sociais8, em que o Direito se imiscui em as-
suntos tradicionalmente encarados como de natureza 
estritamente privada. O compromisso herdado do Esta-
do do bem-estar social e cravado na Constituição em re-
lação a uma agenda de igualdades faz com que grupos 
e indivíduos demandem seus direitos a fim de melhor 
firmarem suas identidades neste novo espaço cívico que 
o regime democrático propiciou. 
Nesse contexto, novos direitos (BOBBIO, 1992) 
demandam uma regulação pelo Estado, tais como a ho-
mossexualidade, a igualdade de gênero e o racismo, na 
medida em que indivíduos buscam o exercício da cida-
dania de acordo com as novas oportunidades advindas 
da ultrapassagem do regime autoritário que vigorou no 
Brasil por mais de vinte anos. De outro lado, na ponde-
ração feita por Luiz Werneck Vianna et al (2014), a dita-
dura militar reverberou na ausência de convívio social e 
no distanciamento da vida política, sendo que o retorno 
ao sistema democrático vê-se carente de normas e de 
instituições confiáveis. Concluem os autores, dessa for-
ma, que o Judiciário vem preencher este vazio, atuando 
de forma a solidarizar as relações sociais e a permitir o 
pleno desenvolvimento da cidadania. 
A Justiça representa para os indivíduos a manei-
ra mais direta e confiável de ter seus direitos preserva-
dos, inclusive acalentando os anseios daqueles que não 
encontram identificação com os demais poderes polí-
ticos. A crise de representação das demais instâncias, 
8 Mauro Cappelletti (1993) também faz o paralelo do crescimento do 
Estado com o que denomina “poluição jurídica”, referente à intensa 
intervenção de produções normativas e de atividades administrati-
vas do Estado nas relações sociais. 
46
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
que deposita no Judiciário a esperança no cumprimento 
das promessas da modernidade, talvez se deva, como 
supõe Antoine Garapon (1996, p. 42), “a uma instância 
neutra e imparcial, à transparência e à regularidade pro-
cessual que parecem ter atualmente mais legitimidade 
que o exercício de uma vontade política”. 
O combate à corrupção também aparece como 
uma das razões que contribuem para o fenômeno da ju-
dicialização, eis que também traz o Judiciário para den-
tro das relações políticas. Trata-se do que Boaventura 
de Souza Santos (2014) denomina “justiça dramática”, 
na qual conflitos políticos são resolvidos nos tribunais, 
tendo como partes do processo agentes políticos, gran-
des empresários ou pessoas conhecidas nos meios de 
comunicação social. Aqui, abre-se parênteses para um 
cenário de exposição midiática do sistema da justiça 
cada vez mais frequente, tendo a sociedade como es-
pectadora dos julgamentos transmitidos ao vivo pelos 
canais de televisão. 
De fato, a relação dos meios de comunicação 
com a Justiça ascende a patamares elevadíssimos, em 
que jornalistas transcrevem e comentam os julgamen-
tos, advogados manifestam-se por meio da imprensa e 
a “busca da verdade” em reportagens investigativas co-
locam de lado as regras processuais que conduzem uma 
ação judicial. Em nome da transparência conquistada 
com a democracia, a instrução processual e a narração 
midiática andam em paralelo, de modo a permitir que a 
opinião pública emita seu próprio julgamento sobre de-
terminado caso e, não somente isso, assim querer que 
a Justiça proceda. 
Esta aproximação do Judiciário com a mídia, 
além de colocá-lo em posição de destaque em relação 
47
ELISA BERTON EIDT
às demais instituições, também proporciona o que An-
toine Garapon (1996) denomina de um alinhamento da 
justiça e do quarto poder contra o político, o executivo 
e o legislativo. Na advertência do juiz francês, a exces-
siva exposição de julgamentos e suas etapas na mídia 
pode fazer prevalecer uma lógica do espetáculo alheia à 
justiça, na qual a qualidade pessoal dos julgadores vem 
antes do seu profissionalismo e a sedução da opinião 
pública sobrepõe-se ao conteúdo das decisões. 
Nesta “lógica do espetáculo”, Antoine Garapon 
(1996) chama a atenção para o efeito que a pressão 
midiática ocasiona nos processos judiciais, onde infor-
mações divulgadas antecipadamente e sem qualquer 
precaução dão à sociedade a oportunidade de definir 
quem é culpado e quem é inocente, muitas vezes in-
fluenciando na própria decisão judicial. Além disso, os 
meios de comunicação tornam a Justiça uma instituição 
personalizada, em que as qualidades humanas de seus 
integrantes importam mais que a qualidade de suas de-
cisões judiciais.
Ora, os media aboliram as três distâncias 
essenciais que são a base da justiça: a de-
limitação dum espaço protegido, o tempo 
diferido do processo e a qualidade ofi-
cial dos actores deste drama social. Eles 
distorcem o quadro judicial, paralisam o 
tempo e desacreditam a autoridade. (GA-
RAPON, 1996, p. 78) (grifo no original)
Fechado estes parênteses e continuando sobre 
o judiciário na política, que na explicação de Boaventura 
de Souza Santos (2014) ocorre “sempre que os tribu-
nais,no desempenho normal de suas funções, afetam 
de modo significativo as condições da ação política” 
48
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
(2014, p. 29), a atividade judiciária encontrar-se-á ne-
cessariamente envolvida em um campo de tensão com 
os demais poderes. Este deslocamento de tensão para 
a Justiça ocorre justamente porque já consta um prévio 
desequilíbrio entre o Executivo e o Legislativo, em que 
o primeiro assume funções típicas do segundo. 
Por certo, esta é a razão mais conhecida para 
explicar a judicialização na política, na qual o Executivo 
legisla de modo desenfreado na tentativa de regulamen-
tar a complexidade do desenvolvimento da sociedade e 
da economia, mas muitas vezes o faz por meio de tex-
tos incoerentes, fragmentados e ao arrepio da Constitui-
ção. Nesse contexto, os tribunais são chamados a fim 
de assegurar a unidade do ordenamento jurídico e de 
dar sentido a estas normas precariamente elaboradas, 
levando assim à “tribunalização” da políti-
ca ou “judicialização” da vida econômica. 
É a incapacidade desses dois poderes de 
formular uma ordem jurídica com um mí-
nimo de unidade, coerência e certeza, em 
suma, que leva o Judiciário a ter de deci-
dir questões legais de curto prazo e com 
enormes implicações socioeconômicas, 
convertendo-se assim numa instituição 
“legislativamente” ativa. (FARIA, 2004, p. 
109) (destaques no original). 
 A judicialização da política tem ocasionado, 
dessa maneira, uma transferência de legitimidade do 
Executivo e do Legislativo para o Judiciário. Nesse con-
texto, em que os tribunais são acionados para suprir 
a inércia ou a incapacidade dos poderes políticos para 
resolver suas questões internas e também para atender 
às demandas sociais, as decisões judiciais surgem como 
a alternativa mais viável de solução de conflitos e de 
49
ELISA BERTON EIDT
concretização de direitos fundamentais. Como senten-
cia Antoine Garapon (1996, p. 45), “o sucesso da justiça 
é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as 
instituições políticas clássicas, devido ao desinteresse e 
à perda do espírito público”.
Na linha deste raciocínio, Max Möller (2010) re-
laciona o fenômeno da judicialização da política com a 
possibilidade da aplicação direta de determinadas nor-
mas constitucionais, o que permite que as decisões judi-
ciais se constituam em verdadeiros atos de políticas pú-
blicas. Dessa forma, explica o autor que o juiz, ao levar 
a efeito determinada norma constitucional, adota deci-
são tão política quanto aquela praticada no âmbito do 
Executivo, pois incorrerá em inevitável eleição de quais 
meios devem ser empregados para a concretização da 
prestação estatal, bem como de quais prioridades mere-
cem a tutela jurisdicional. 
 Outro fator que contribui para este deslocamento 
diz respeito à participação da sociedade no processo polí-
tico democrático inaugurado com a Constituição de 1988, 
de modo desinteressado e indiferente, ao mesmo tempo 
em que os indivíduos esperam das instâncias políticas 
clássicas o provimento das suas mais variadas necessida-
des. A Justiça, portanto, “torna-se um espaço de exigibili-
dade da democracia. Oferece potencialmente a todos os 
cidadãos a capacidade de interpelar os seus governantes, 
de os chamar à atenção e de os obrigar a respeitar as pro-
messas contidas na lei” (GARAPON, 1996, p.46). 
Importante trazer à lume a diferenciação pon-
tuada por Luís Roberto Barroso (2012, p. 25) em rela-
ção à judicialização e o denominado “ativismo judicial”, 
expressões que às vezes se confundem. Enquanto a 
judicialização decorre do contexto político-social pós 
50
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Constituição 1988, o ativismo diz respeito a uma pos-
tura9 adotada pelo Judiciário, com maior interferência 
no âmbito de atuação dos demais Poderes, por meio da 
“escolha de um modo específico e proativo de interpre-
tar a Constituição, expandindo o seu alcance”. Nesse 
contexto, explica Barroso que o Judiciário brasileiro tem 
adotado uma postura claramente ativista10, diretamente 
relacionado ao desempenho dos demais Poderes, justi-
ficando que a sua intensificação ocorre quando a fun-
cionalidade tanto do Legislativo quanto do Executivo se 
mostram insatisfatórias. 
De outro lado, a faceta política do Poder Judiciá-
rio como contraponto importante no jogo democrático 
9 O ativismo judicial é retratado por Maria Tereza Sadek (2006) 
por meio de pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados 
Brasileiros (AMB) e que contou com sua colaboração, no ano de 
2005. Após entrevistas a juízes espalhados em todo o país, a pes-
quisa revelou que 86,5% dos juízes considera que as decisões judi-
ciais devem orientar-se preponderantemente por parâmetros legais. 
Ainda, 78,5% consideram o compromisso de suas decisões com as 
consequências sociais e 36,5% também acreditam que devem com-
promisso com as consequências econômicas. Nova pesquisa foi 
realizada no ano de 2015, e se constatou que a consideração das 
repercussões econômicas e sociais no momento da decisão judicial 
ainda permanece, sobretudo nos tribunais superiores. A pesquisa 
mais recente incluiu o item “repercussão midiática”, a qual também 
é considerada acentuada no âmbito das decisões proferidas pe-
los tribunais superiores (Disponível em: http://www.amb.com.br/
novo/wp-content/uploads/2015/12/Revista_Resultado_Pesquisa_
AMB_2015_para_site.pdf. Acesso em 22/05/2016). Na avaliação da 
autora e pesquisadora, este desejo de atender às expectativas soci-
ais e a percepção do impacto das decisões judiciais nos contextos 
econômicos e sociais do país interferem na atuação dos juízes, de 
modo a efetivamente assumirem o papel de protagonistas na con-
dução de determinadas políticas públicas no país. 
10 O autor traz exemplos trazidos em seu texto, no qual o STF 
adotou postura ativista para decidir sobre assuntos como a fideli-
dade partidária, vedação do nepotismo, aplicação da regra da verti-
calização, distribuição de medicamentos. 
51
ELISA BERTON EIDT
das instituições não deve ser exercida desenfreadamen-
te. A interferência do Judiciário nos atos do Executivo e 
do Legislativo tem como fundamento a maior preserva-
ção dos direitos e garantias constitucionalmente previs-
tos, e dali devem ser extraídos os limites na qual a uma 
decisão judicial é autorizado o comando de obrigações 
aos demais Poderes. 
Nesse sentido, e de acordo com o ensinamento 
de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe (2013), a 
interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas11 
demanda alguns requisitos, justamente para preservar a 
harmonia e a funcionalidade entre os poderes políticos. 
Inicialmente, há o limite do mínimo existencial, assim en-
tendido como aquele núcleo central de direitos que ga-
rantem minimamente a existência de uma vida humana 
com dignidade. São estes direitos, segundo os autores 
e baseando-se em robusta jurisprudência dos tribunais 
brasileiros, que permitem a sua imediata judicialização, 
acaso não atendidos pelas prestações estatais.
Em seguida, há o critério da razoabilidade, incum-
bindo ao juiz, mediante o caso concreto, verificar se há o 
equilíbrio, a justa medida, entre a pretensão requerida em 
face do poder público e a atuação das autoridades estatais. 
Por fim, há o requisito da reserva do possível, que diz res-
peito aos recursos necessários para a implementação de 
determinada política pública. Advertem os autores, con-
tudo, que a escassez orçamentária não pode fazer frente 
11 A definição de política pública utilizada por ambos os autores é aquela 
dada por Oswaldo Canela Junior, como sendo “o conjunto de atividades 
do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingi-
das. Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder 
Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins 
primordiais do Estado” (GRINOVER;WATANABE, 2013, p. 129 e 216).
52
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
quando a demanda tratar do mínimo existencial, critérioeste também adotado pela jurisprudência dos tribunais. 
Ainda sobre a limitação da reserva do possível, 
explica Ingo Wolfgang Sarlet (2011) que se trata da proble-
mática do custo inerente às prestações de direito social, 
mas que é dever de todos os órgãos estatais e agentes po-
líticos envolvidos na minimização dos efeitos da escassez 
financeira sobre a concretização dos direitos fundamen-
tais. Tendo isso em mente, conclui o autor que não pode 
a reserva do possível servir como justificativa tanto para a 
omissão estatal quanto para a ausência de intervenção do 
Judiciário para a efetiva implantação de um direito funda-
mental. Isso porque, o postulado da aplicabilidade imedia-
ta dos direitos fundamentais, insculpido no art. 5º, §1º da 
Constituição Federal, vincula todos os órgãos dos três Po-
deres, de modo que deles não podem dispor e, também, 
tudo devem fazer para a sua realização. 
Evidenciada a importância do Judiciário como um 
Poder de Estado com dever de atuação na arena políti-
ca, para fins de equilíbrio entre as instituições e melhor 
persecução dos objetivos da República, resta indagar se 
o seu desempenho vem respondendo de forma eficiente 
a estas nobres expectativas. Isso porque, se o acesso à 
justiça é o requisito fundamental para o efetivo usufruto 
dos direitos e das garantias previstos no ordenamento 
jurídico, é corolário lógico que a prestação jurisdicional 
se dê de forma célere, coerente, justa e de boa qualidade. 
1.4 O Poder Judiciário em crise
A indagação acima tem resposta imediata. O de-
sempenho do Poder Judiciário brasileiro é alvo de crí-
53
ELISA BERTON EIDT
ticas pelos mais variados setores da população, pelos 
agentes políticos e por aqueles que operam com o sis-
tema da Justiça. Além das críticas, estes segmentos têm 
demonstrado certa intolerância com a baixa eficiência 
da prestação jurisdicional (SADEK, 2004). Pesquisa rea-
lizada pela Fundação Getúlio Vargas, conforme relatório 
ICJBrasil (Índice de Confiança no Judiciário), referente ao 
1º e ao 4º trimestre de 2014, revelou que 70% (setenta 
por cento) dos entrevistados não confia na Justiça12. 
Esse é o ângulo que apresenta os sinto-
mas mais visíveis do que se convencionou 
chamar de crise do Judiciário. Diz respei-
to a uma estrutura pesada, sem agilidade, 
incapaz de fornecer soluções em tempo 
razoável, previsíveis e a custos acessí-
veis para todos. A despeito de se verificar 
tendências ascendentes na demanda e na 
oferta de serviços em todas as instâncias 
e em todas as justiças, a imagem é de 
absoluta inoperância, com descompasso 
expressivo entre a procura e a prestação 
jurisdicional (SADEK, 2004, p. 88).
Esta constatada ineficiência do sistema judiciá-
rio tem suas raízes históricas, quando o Judiciário foi 
12 Consta na conclusão do Relatório: “Os dados no sexto ano do 
ICJBrasil seguem a tendência, já identificada nos relatórios anteri-
ores, de má avaliação do Judiciário como prestador de serviço pú-
blico. De maneira geral, os entrevistados consideram que o Judi-
ciário presta um serviço público lento, caro e difícil de utilizar. Para 
88% dos entrevistados o Judiciário resolve os conflitos de forma 
lenta ou muito lentamente, 77% disseram que os custos para aces-
sar o Judiciário são altos ou muitos altos e 67% dos entrevistados 
acreditam que o Judiciário é difícil ou muito difícil de utilizar” (Dis-
ponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/han-
dle/10438/14089/Relat%C3%B3rio%20ICJBrasil%20-%20ano%206.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 10/05/2015). 
54
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
concebido no Brasil colônia, ainda com traços inquisitó-
rios e com um sistema de funcionamento altamente bu-
rocratizado. Também a prestação da função jurisdicional 
foi pensada para um contexto social estável, com níveis 
equiparáveis de distribuição de renda e com um sistema 
normativo padronizado e coerente. A realidade brasilei-
ra, todavia, se apresenta de modo muito mais complexo 
e conflituoso, com diferenças abissais de níveis de ren-
da, migração da vida rural para a urbana, aumento de 
violência, mau emprego dos recursos públicos e, ainda, 
um sistema legal de extensa produção normativa nem 
sempre compatíveis entre si (FARIA, 2004). 
Desse modo, a complexidade da sociedade mo-
derna e seus potenciais conflitos enaltecem sobrema-
neira a importância do Poder Judiciário com sua função 
precípua de resolução de controvérsias. Entretanto, 
pesquisa realizada no ano de 2009 pela Fundação Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, revela 
que 73% (setenta e três por cento) dos entrevistados 
que procuraram a Justiça para resolver seu problema 
responderam que não obtiveram solução para a situa-
ção conflituosa. Ainda, daqueles que possuíram algu-
ma situação de conflito nos últimos cinco anos, 30% 
(trinta por cento) não procuraram a Justiça. O principal 
motivo entre aqueles que não procuraram a Justiça foi 
porque resolveram o problema por meio da mediação 
e da conciliação. Em seguida, está a lentidão da Justiça 
e o seu custo13. 
Trata-se a pesquisa de interessante levanta-
mento que revela, a um só tempo, a inacessibilidade 
13 Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliote-
ca-catalogo?view=detalhes&id=247311. Acesso em 11/05/2015.
55
ELISA BERTON EIDT
e a ineficiência da prestação jurisdicional. Por certo, 
esta insuficiência do Poder Judiciário é um reflexo da 
incompetência do Estado como um todo que, peran-
te às crescentes e diversas demandas que a socieda-
de contemporânea lhe impõe, mostra-se envolto em 
instituições obsoletas e burocratizadas, incapazes de 
acompanhar o dinamismo das relações sociais e de 
suas necessidades. 
Em decorrência desta inaptidão, abre-se es-
paço para outras maneiras de resolução de conflitos 
e de dizer o Direito, que não aquela restrita a proce-
dimentos formais e impessoais, baseados em códi-
gos atrasados e padronizados, sem correspondência 
com a realidade. 
O Judiciário, enquanto estrutura fortemente 
hierarquizada, fechada, orientada por uma 
lógica legal-racional, submissa à lei, torna-
se uma instituição que precisa enfrentar o 
desafio de alargar os limites de sua juris-
dição, modernizar suas estruturas organi-
zacionais e rever seus padrões funcionais 
para sobreviver como um poder autônomo 
e independente (SPENGLER, 2010, p. 103).
Com efeito, conforme revelou a pesquisa, este 
descompasso entre a função jurisdicional do Estado e 
a multiplicidade de conflitos que emergem e transmu-
tam na modernidade deslocam para outros métodos 
a tentativa de solução de controvérsias, tais como a 
mediação e conciliação. A utilização destes mecanis-
mos alternativos salienta a necessidade de revisão do 
modelo jurisdicional.
Atualmente, ele se caracteriza pela oposi-
ção de interesses entre as partes, geralmen-
56
AUTOCOMPOSIÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
te identificadas com indivíduos isolados, e a 
atribuição de um ganhador e um perdedor, no 
qual um terceiro, neutro e imparcial, represen-
tado pelo Estado, é chamado a dizer a quem 
pertence o Direito (SPENGLER, 2010, p. 115). 
Não se trata, porém, de tornar o Judiciário des-
cartável e inutilizável, mas sim de uma necessidade 
de adaptação da sua estrutura a fim de que continue 
a desempenhar suas atividades de modo mais eficien-
te. Nesse sentido, o alerta de Fabiana Marion Spengler 
(2010) para a criação de novas estratégias de atuação 
da função jurisdicional, de modo que recupere a sua cre-
dibilidade perante a sociedade e exerça de modo satis-
fatório as atribuições deste Poder tão essencial para o 
desenvolvimento da democracia. 
Na análise feita por Maria Tereza Sadek (2010) 
em relação ao Sistema de Justiça como um todo14, tra-
ta-se de um complexo de órgãos e distintas funções 
das quais a população tem pouco conhecimento do 
seu funcionamento. E se trata de um desconhecimen-
to universal, não relacionado com o nível de esco-
laridade, como por exemplo em relação à confusão 
dos papeis exercidos

Continue navegando