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Direitos fundamentais indisponíveis Os limites e os padrões do consentimento para a autolimitação do direito fundamental a vida - BARROSO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO 
DOUTORADO EM DIREITO PÚBLICO 
 
 
 
 
 
 
 
DIREITOS FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS – OS LIMITES E OS PADRÕES DO 
CONSENTIMENTO PARA A AUTOLIMITAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA 
 
 
 
 
 
LETÍCIA DE CAMPOS VELHO MARTEL 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
2010 
LETÍCIA DE CAMPOS VELHO MARTEL 
 
 
 
 
 
 
DIREITOS FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS – OS LIMITES E OS PADRÕES DO 
CONSENTIMENTO PARA A AUTOLIMITAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA 
Tese de Doutoramento, apresentada ao 
Centro de Pós-Graduação em Direito 
Público da Universidade do Estado do Rio 
de Janeiro, como requisito para obtenção 
do título de Doutor em Direito Público. 
 
 
 
Orientador: PROF. DR. LUÍS ROBERTO BARROSO 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
2010 
Elogio da sombra 
Jorge Luis Borges1 
 
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão) 
pode ser o tempo de nossa felicidade. 
O animal morreu ou quase morreu. 
Restam o homem e sua alma. 
Vivo entre formas luminosas e vagas 
que não são ainda a escuridão. 
Buenos Aires, 
que antes se espalhava em subúrbios 
em direção à planície incessante, 
voltou a ser a Recoleta, o Retiro, 
as imprecisas ruas do Once 
e as precárias casas velhas 
que ainda chamamos o Sul. 
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas; 
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para 
pensar; 
o tempo foi meu Demócrito. 
Esta penumbra é lenta e não dói; 
flui por um manso declive 
e se parece à eternidade. 
Meus amigos não têm rosto, 
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos, 
as esquinas podem ser outras, 
não há letras nas páginas dos livros. 
Tudo isso deveria atemorizar-me, 
mas é um deleite, um retorno. 
Das gerações dos textos que há na terra 
só terei lido uns poucos, 
os que continuo lendo na memória, 
lendo e transformando. 
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte 
convergem os caminhos que me trouxeram 
a meu secreto centro. 
Esses caminhos foram ecos e passos, 
mulheres, homens, agonias, ressurreições, 
dias e noites, 
entressonhos e sonhos, 
cada ínfimo instante do ontem 
e dos ontens do mundo, 
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa, 
os atos dos mortos, 
o compartilhado amor, as palavras, 
Emerson e a neve e tantas coisas. 
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro, 
a minha álgebra e minha chave, 
a meu espelho. 
Breve saberei quem sou. 
 
1 BORGES, Jorge Luís. Elogio da sombra. In: BORGES, Jorge Luis. Elogio da Sombra e Um ensaio 
autobiográfico. Trad. [para Elogio da Sombra] Carlos Nejar e Alfredo Jacques; Trad. [para Um ensaio 
autobiográfico] Maria da Glória Bordini. 5.ed. São Paulo: Globo, 1993, p.67. 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
Abr./Apr. Abril 
ACP Ação Civil Pública 
ADIn ou ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade 
Ago/Ag. Agosto 
AMM Associação Médica Mundial 
CCB Código Civil Brasileiro 
CEDH Corte Européia de Direitos Humanos 
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
CFM Conselho Federal de Medicina 
Cit. Citado 
CNS Conselho Nacional de Saúde 
COE Conselho Europeu 
CP Código Penal 
CPC Código de Processo Civil 
CPP Código de Processo Penal 
CRM Conselho Regional de Medicina 
Des. Desembargador(a) 
Dez. Dezembro 
DJ Diário de Justiça 
e.g. exempli gratia 
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente 
Extr. Extraordinário 
Fev. Fevereiro 
FMC Fundamentação da Metafísica dos Costumes 
GT Grupo de Trabalho 
HC Habeas Corpus 
i.e. isto é 
IEE Intervenção Efetiva Estabelecida 
Jan. Janeiro 
Jul. Julho 
Jun. Junho 
LCT Limitação Consentida de Tratamento 
LICC Lei de Introdução ao Código Civil 
M.S. Ministério da Saúde 
Mai. Maio 
Mar. Março 
Min. Ministro(a) 
MP Ministério Público 
MPT Ministério Público do Trabalho 
MS Mandado de Segurança 
n. Número 
nº Número 
Nov. Novembro 
NSV Não-oferta de suporte vital 
 ii 
OMS Organização Mundial da Saúde 
ONR Ordem de Não-Ressuscitação 
ONU Organização das Nações Unidas 
Out./Oct. Outubro 
PGR Procuradoria Geral da República 
POP Procedimento Operacional Padrão 
RE Recurso Extraordinário 
Rel. Relator(a) 
REsp. Recurso Especial 
RISF Regimento Interno do Senado Federal 
RSV Retirada de Suporte Vital 
Set. Setembro 
STF Supremo Tribunal Federal 
STJ Superior Tribunal de Justiça 
TJ Tribunal de Justiça 
TJRJ Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 
TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 
TRF Tribunal Regional Federal 
TST Tribunal Superior do Trabalho 
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e 
Cultura 
UTI Unidade de Terapia Intensiva 
v. Versus 
v. Volume 
 
 iii 
LISTA DE SÍMBOLOS 
 
^ Combinado com (conjuntivo) 
= Igual 
⌐ Negação 
↔ Logicamente Equivalente 
C Competência 
D Direito 
E Destinatário do Direito (Estado) 
F Operador deôntico indicador de Proibição 
G Objeto do Direito 
O Operador deôntico indicador de Mandato 
P Operador deôntico indicador de Permissão 
S Sujeição 
X Titular do Direito 
Y Destinatário do Direito (particular) 
A Titular do Direito 
B Destinatário do Direito (particular) 
 
 
 
 
 iv 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese defendida em 18 de Março de 2010. Aprovada com nota máxima (10,0), Distinção e Louvor. 
Banca examinadora: 
Luís Roberto Barroso - UERJ 
Ricardo Lobo Torres – UERJ 
Daniel Antônio de Moraes Sarmento – UERJ 
Clemerson Merlin Cleve – UFPR 
Cláudio Pereira de Souza Neto – UFF 
 
 
 
 
 
RESUMO 
O tema da tese é a indisponibilidade dos direitos fundamentais de cunho pessoal. Está delimitado no exame da 
possibilidade de disposição de posições subjetivas do direito fundamental à vida e na análise dos limites e 
padrões do consentimento para a autolimitação, no contexto da morte com intervenção, à luz do sistema 
constitucional brasileiro. Como marco teórico, foi adotado o liberalismo igualitário, aliado a teorias 
primariamente baseadas em direitos. O objetivo geral foi discutir a possibilidade de disposição de posições 
subjetivas do direito fundamental à vida e os limites e padrões do consentimento autolimitador, no contexto da 
morte com intervenção. Para atender ao objetivo, foram traçados quatro objetivos específicos, cada qual 
correspondente a um Capítulo. O primeiro foi delimitar conceitualmente a disposição de direitos fundamentais, 
distinguindo-a de figuras afins. Concluiu-se que a indisponibilidade é normativa e que dispor de um direito 
fundamental significa enfraquecer, por força do consentimento do titular, uma ou mais posições subjetivas de 
direito fundamental perante terceiros, quer seja o Estado, quer sejam particulares, permitindo-lhes agir de forma 
que não poderiam, tudo o mais sendo igual, se não houvesse o consentimento. Reputado indisponível um direito, 
apenas o consentimento do titular não será suficiente a alterar posições subjetivas de direito fundamental, não 
justificando a interferência de terceiros, nem criando novos deveres de mesmo conteúdo para o titular. O 
consentimento é necessário à disposição e opera como justificação procedimental. O segundo objetivo específico 
foi investigar as teses de justificação da (in)disponibilidade. O estudo levou à adoção da premissa operativa da 
tese, a disponibilidade prima facie das posições subjetivas de direitos fundamentais. Concluiu-se pela 
necessidade de justificação para o emprego de argumentos de paternalismo jurídico e afins, bem como para a 
dignidade como heteronomia, eis que o sistema constitucional, à luz da integridade, tende mais à dignidade como 
autonomia. O terceiro objetivo específico foi investigar as teses de aplicação sobre a disponibilidade. Concluiu-
se que a genuinidade do consentimento, centrada na escolha livre e informada, é elemento aplicativo nuclear, ao 
lado das modalidades de disposição, da relação de base, dos postulados normativos aplicativos e do conteúdo 
essencial dos direitos fundamentais. Concluiu-se que para que o titular possadispor, é preciso que seja um 
sujeito do consentimento. Em hipóteses de julgamento por substituição e de atuação de representantes, poderá 
ocorrer disposição, se houver recondução ao consentimento ou modo de decidir do titular. O quarto objetivo 
específico consistiu em compreender e discutir a autolimitação de posições jurídicas subjetivas do direito 
fundamental à vida no contexto da morte com intervenção. Como conclusão central, entendeu-se que é 
justificável que sejam reputadas indisponíveis as posições subjetivas do direito fundamental à vida como linha de 
princípio, em função da proteção dos direitos de terceiros, da manutenção dos níveis de proteção do direito à 
vida em sua dimensão objetiva e da dignidade humana como heteronomia. As condicionantes fáticas e jurídicas 
da morte com intervenção modificam a justificação para a indisponibilidade das posições subjetivas do direito 
fundamental à vida quanto à LCT, em razão: (a) das diferenças entre a LCT e os cuidados paliativos, de um lado, 
e a eutanásia e o suicídio assistido, de outro; (b) do equacionamento diferenciado na aplicação do postulado da 
proporcionalidade; (c) da dignidade humana como autonomia; (d) da vedação do paternalismo e afins 
injustificados. Em assim sendo, há hipóteses permitidas de disposição de posições subjetivas do direito 
fundamental à vida, quais sejam, a recusa genuína em iniciar ou persistir em intervenções médicas de 
prolongamento e de manutenção de vida. Concluindo-se pela permissão da LCT e das disposições de posições 
subjetivas do direito à vida que acarreta, elaboraram-se as diretrizes para a genuinidade do consentimento. Além 
das diretrizes básicas, expostas no Capítulo 3, na LCT são necessárias: (a) verificação da origem da decisão e da 
maturidade da manifestação por profissionais habilitados, após o adequado processo de informação; (b) 
confirmação do diagnóstico e do prognóstico; (c) verificação da inocorrência de depressão tratável; (d) 
verificação da adequação dos paliativos e tratamentos para a dor oferecidos; (e) verificação de eventuais 
conflitos de interesses entre a instituição hospitalar, a equipe de saúde e os interesses dos pacientes e de seus 
responsáveis; (f) garantia de assistência plena, se desejada, e verificação da inexistência de conflitos 
econômicos; (g) verificação da inexistência de eventuais conflitos de interesses entre o paciente e seus familiares 
ou representantes; (h) debate dos casos e condutas por Comitês Hospitalares de Bioética, quando ainda não 
houver posicionamento em situações análogas; (i) formulação de TCLE específico. Conjuntamente às 
salvaguardas, concluiu-se pela necessidade de adoção de quatro políticas públicas: (a) regulamentação dos 
contornos da LCT; (b) incentivo, aperfeiçoamento e promoção dos sistemas de cuidados paliativos e de controle 
da dor; (c) incentivo, aperfeiçoamento e promoção dos CBs; (d) educação dos profissionais da saúde para a 
tomada de decisões morais complexas e para o trato com a finitude humana, além de informação do público em 
geral. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
“No fim da minha visita ao hospital, ele começou a contar suas lembranças. Lembrou-me de 
coisas que devo ter dito quando tinha dezesseis anos. Naquele momento, compreendi o único 
sentido que a amizade pode ter hoje. A amizade é indispensável ao homem pata o bom 
funcionamento de sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo é talvez 
condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu. Para que o eu não se 
encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as lembranças como flores num vaso e 
essa rega exige um contato regular com testemunhas do passado, quer dizer, com os amigos. 
Eles são nosso espelho; nossa memória; não exigimos nada deles, a não ser que de vez em 
quando nos lustrem esse espelho para que possamos nos olhar nele. Mas estou pouco ligando 
para o que fazia no ginásio! O que sempre desejei, desde a adolescência, desde a infância 
talvez, foi outra coisa: a amizade como valor elevado acima de todos os outros. Gostava de 
dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia para provocar, mas acreditava 
seriamente nisso. Hoje sei que esta máxima está superada. Podia ser válida para Aquiles, amigo 
de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até mesmo para Sancho, que era um 
amigo verdadeiro de seu amo, apesar de todas as suas desavenças. Mas para nós ela não vale 
mais. Vou tão longe no meu pessimismo que hoje estou pronto a preferir a verdade à amizade. 
(…) A amizade para mim era a prova de que existe alguma coisa mais forte do que a ideologia, 
do que a religião, do que a nação. No romance de Dumas, os quatro amigos se encontram muitas 
vezes em campos opostos, obrigados assim a lutar uns contra os outros. Mas isso não altera a 
amizade deles. Não deixam de se ajudar (…). Como a amizade nasceu? Certamente como uma 
aliança contra a adversidade, sem a qual o homem ficaria desarmado perante seus inimigos. 
Talvez não se tenha mais necessidade de alianças desse tipo. (…) [os inimigos] são invisíveis e 
anônimos (…). Atravessamos nossas vidas sem grandes perigos, mas também sem amizade”.2 
 
Ao pensar em como redigir os agradecimentos, lembrei de um trecho de Milan Kundera, sobre a 
diferença entre caminhos e estradas. Minha memória me traiu e procurei na obra errada. Foi então que 
encontrei o excerto que transcrevi. As personagens de Kundera invariavelmente levam-me à reflexão 
sobre a formação do caráter e da identidade e sobre o nosso relacionamento com o outro. Jean-Marc 
que me perdoe, mas penso que o pessimismo incorre em petição de princípio. Posso até compreender 
que, diante de inimigos invisíveis, as amizades desmanchariam no ar. Como diria Baumann, nossas 
relações liquefeitas, em rede distante e virtual. Compreender não significa concordar. Ainda creio na 
amizade como uma das virtudes nicomaquéias, aquelas amizades que são preciosamente cultivadas 
nos mais diversos âmbitos da existência, cada qual com suas nuances, na vida familiar, íntima, 
profissional. Acredito na solidez em tempos líquidos e creio que os agradecimentos que seguem dão 
uma boa prova. 
 Agradeço imensamente a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram na construção 
deste trabalho. Os agradecimentos não se restringem às pessoas e instituições que colaboraram de 
modo direto para a pesquisa, mas àquelas que, por algum meio, tornaram-na viável. Meu sincero 
muito obrigada: 
 
2 KUNDERA, Milan. A identidade. Trad. Teresa Bulhões de Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, 
p.43-46. 
 vi 
À Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aos meus olhos que buscam cor, a primeira impressão 
foi cinzenta. Mas as cores estão nas pessoas que compõem a Universidade. Bastou saber olhar para 
encontrar um ambiente de aprendizagem, respeito e efervescência acadêmica. Agradeço especialmente 
à Pós-Graduação em Direito, pela acolhida, seriedade, republicanismo e espaço proporcionado. 
À CAPES, por viabilizar materialmente parte da realização da pesquisa, bem como pela manutenção 
dos portais de periódicos e de teses e dissertações. 
À Universidade do Extremo Sul Catarinense, por proporcionar aos seus docentes a constante busca 
pelo saber. 
Ao Prof. Dr. Luís Roberto Barroso, pelo exemplo. Pela confiança. Pela sabedoria. Por ser a pessoa que é. 
Mais do que exemplo acadêmico, exemplo de vida. Em um dos seus discursos, ele escreveu que teve uma pitada 
de sorte em sua carreira (mas eu creio que o merecimento, no seu caso, não depende de sorte alguma...). De 
qualquer modo, desta vez a sorte esteve comigo, por ser orientada por um estudioso tão competente e com tantas 
virtudes morais. Como aprendi com meu orientador de mestrado, existem virtudes que só os espíritos elevados 
possuem. Felicidade a minha conviver academicamente com uma pessoa assim, que não apenas crê no bem, na 
tolerância e igualdade,mas os pratica, sem perder a leveza e o bom humor. Tudo isso em conjunto a um 
conhecimento jurídico inigualável. Obrigada. 
Ao Prof. Dr. Daniel Sarmento, pesquisador incansável, que constrói e pratica o direito sempre ao ensejo do igual 
respeito e consideração. Como Professor, instiga os estudantes ao exercício do pensar, com abertura, inteligência 
e, claro, com igual respeito e consideração. Obrigada por todos os ensinamentos, pelo espaço, pelas indicações 
de leitura, troca de ideias. Com certeza minha trajetória acadêmica estará profundamente marcada pelas suas 
aulas. Obrigada. 
À Profª. Drª. Bethânia de Albuquerque Assy, uma daquelas surpresas inacreditáveis que a vida nos traz. 
Obrigada pelos ensinamentos, pelos debates, pela confiança. Obrigada por mostrar a sabedoria, o tempero da 
força com a gentileza, da razão com a sensibilidade. Obrigada pela inspiração. 
Ao Prof. Dr. Ricardo Lobo Torres, pela sua seriedade e amor pela vida acadêmica, que se transmite aos seus 
alunos. Agradeço também pela paciência e incentivo. Expresso minha intensa admiração pela combinação ímpar 
de conhecimento e humildade. 
À Profª. Drª. Maria Celina Bodin de Moraes e à turma de civil-constitucional pela instigação ao conhecimento e 
pela acolhida. 
À Professora Ana Paula de Barcellos, pela seriedade, caráter e receptividade. 
Ao Prof. Dr. Ingo Sarlet, pelos ensinamentos e, especialmente, por ter enviado um texto crucial para o 
desenvolvimento do projeto de doutoramento. 
A todos os professores da Pós-Graduação em Direito da UERJ, em especial às professoras Jane Reis Gonçalves 
Pereira, Patrícia Glioche e Paulo Galvão. 
Agradeço imensamente à Sônia Leitão, que, com gentileza, simpatia e competência, está sempre pronta a 
auxiliar e amparar os pós-graduandos da UERJ. 
Ao Prof. Dr. Cláudio Ladeira de Oliveira, pelo grande apoio acadêmico. 
Ao Prof. Dr. Salo de Carvalho, pela colaboração acadêmica. 
 vii 
Aos colegas do mestrado e do doutorado em Direito da UERJ, em especial: Amália, uma amiga de verdade. 
Bruno e Antônio, colegas, interlocutores e amigos. Fábio Andrade e Rachell, pela amizade e gentileza. Fábio 
Leite, pela interlocução e amizade. À Ana Maria, pela força e constância. 
Aos Professores Sílvio Dobrowolski e Moacyr Motta da Silva, sempre presentes. 
Ao meu grande e primeiro amigo Daniel Aragão, ou seria Dartagnan? À minha grande e primeira amiga, Carla 
Ribeiro, ou seria Aramis? À minha amiga Cristiane de Menezes. Única. Demorei mais de dez anos para 
perceber sua estatura real, tão grande a alma... À minha amiga Leca. À minha amiga Mônica, “em todo tempo 
ama o amigo, e na angústia se faz o irmão” (Rogério, você também...). Ao meu amigo Carlos 
Strapazzon, ou seria Athos? À minha amiga Liana Lins, que sabe onde a beleza está. À minha amiga 
Dida, presente enviado pela Liana, a riqueza em pessoa. À minha querida amiga Débora, “presença 
certa nas horas incertas”. As amigas de sempre, Dani Estevão, Fofa, Bila, Luthi, Karen (eu estou muito 
ligando para o que fazíamos no ginásio!), Di, Simone, Kümell, Pati, Josi, Flica&Fábio. Agradeço também à 
Aline Daronco, Valerinha, Bibi, Rogério e Ekatherina. Ao Gustavo Pedrollo, pela trilha sonora. À Ju, por cuidar 
de como pisar com alma leve. Agradeço à Diana, Ivi e Maíra, pelo apoio. 
Aos colegas e estudantes da UNESC, principalmente os Professores Luís Afonso, Gildo Volpatto, Félix, 
Ricardo Pinho, João Quevedo, Michel Alisson, Aline Bez, Alfredo Engelmann, Janete, Sheila, Geralda, Carlos 
Magno, Clélia, Tânia, Vanessa e Karina. À Patrícia Gaspar dos Santos. E, mais do que especial, à Louvani de 
Fátima Sebastião da Silva. 
Aos amigos da Prorunner, especialmente Riro e Kari, Santi e Vavá, Gerusa e ao Marco. Aos amigos da Água 
Doce, por entenderem a falta de horários... 
À Maria Joana, presença constante, forte e discreta na minha vida acadêmica. Creio que todos os meus textos 
passaram por suas mãos... 
À Ana Agassi e sua família, verdadeiros amigos. 
 Reservei o final àqueles a quem mais grata sou. Sempre: Nadão (in memorian), Izara, Teca, João, Gué (a 
terceira), Paulo, Inho, Greice, Camilinha, Kenji, Fer, Zé, Ellen, João, Rafa, Catito, Clarice, Lelo, Jamile, Lucca e 
Jaime. 
A propósito, o doutorado foi um caminho, não uma estrada. E a obra era A imortalidade... 
 
SUMÁRIO 
1. (IN)DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DEMARCAÇÕES 
CONCEITUAIS E DISTINÇÃO DE FIGURAS AFINS................................................................. 15 
1.1 DIREITOS INDISPONÍVEIS: CONCEITO LACÔNICO, CONSEQUÊNCIAS DUVIDOSAS ...................... 17 
1.1.1 A DOUTRINA: TENDÊNCIA CONCEITUAL E DISTINTOS POSICIONAMENTOS ................................... 17 
1.1.2 A LOCUÇÃO DIREITOS INDISPONÍVEIS: SEUS DIVERSOS SENTIDOS NA LEGISLAÇÃO E NA 
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRAS ............................................................................................................. 22 
1.1.3 SÍNTESE CONCLUSIVA .................................................................................................................. 34 
1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: COMPREENDER A ESTRUTURA PARA COMPREENDER O CONCEITO
............................................................................................................................................................... 37 
1.2.1 CONFUSÃO CONCEITUAL E A IMPORTÂNCIA DA CLAREZA ........................................................... 37 
1.2.2 OPÇÃO METODOLÓGICA ............................................................................................................... 38 
1.2.3 ESTRUTURA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL................................................................................ 40 
1.2.4 SÍNTESE CONCLUSIVA E TOMADA DE POSIÇÃO............................................................................. 57 
1.3 DISPOSIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA PROPOSTA CONCEITUAL ............................... 60 
1.3.1 O TRIPÉ: TITULARIDADE DA DIMENSÃO SUBJETIVA, INTERSUBJETIVIDADE E O OBJETO DA 
RELAÇÃO JURÍDICA JUSFUNDAMENTAL................................................................................................. 60 
1.3.2 CONDIÇÃO NECESSÁRIA: MANIFESTAÇÃO AUTÔNOMA ................................................................ 63 
1.3.3 ENFRAQUECIMENTO DE POSIÇÕES JURÍDICAS SUBJETIVAS DE DIREITO FUNDAMENTAL.............. 67 
1.4 DISTINÇÃO DE FIGURAS AFINS ...................................................................................................... 75 
1.4.1 NÃO-EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL............................................................................... 75 
1.4.2 RESTRIÇÃO HETERÔNOMA DO DIREITO ........................................................................................ 77 
1.4.3 O DANO A SI E A AUTOCOLOCAÇÃO EM RISCO.............................................................................. 83 
2. (IN)DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM INVENTÁRIO DAS 
TESES DE JUSTIFICAÇÃO............................................................................................................. 85 
2.1 CONCEPÇÕES DE DIREITO SUBJETIVO: AS TEORIAS DA VONTADE E DO INTERESSE .................. 88 
2.1.1 DIREITO SUBJETIVO, TEORIA DA VONTADE E DISPOSIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............ 89 
2.1.2 DIREITO SUBJETIVO, TEORIA DO INTERESSE E DISPOSIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS........... 91 
2.2 A EXTENSÃO DO DIREITO DE LIBERDADE E SEUS REFLEXOS SOBRE A DISPOSIÇÃO DE DIREITOS 
FUNDAMENTAIS .................................................................................................................................... 93 
2.2.1 O DIREITO GERAL DE LIBERDADE: DIREITOS FUNDAMENTAIS DISPONÍVEIS PRIMA FACIE ............ 94 
2.2.2 LIBERDADES BÁSICAS: EXERCÍCIO INTERPRETATIVO PARA DETERMINAR O PONTO DE PARTIDA 99 
 iv 
2.2.3 SÍNTESE CONCLUSIVA E TOMADA DE POSIÇÃO........................................................................... 108 
2.3 LIMITES À LIBERDADE:O PRINCÍPIO LIBERAL DO DANO E O PATERNALISMO JURÍDICO ........ 113 
2.3.1 O PRINCÍPIO LIBERAL DO DANO .................................................................................................. 115 
2.3.2 O PATERNALISMO JURÍDICO ....................................................................................................... 121 
2.3.3 PATERNALISMO JURÍDICO E INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................... 142 
2.4 A DIGNIDADE HUMANA: A TENSÃO ENTRE AS VERSÕES AUTÔNOMA E HETERÔNOMA ............ 147 
2.4.1 A DIGNIDADE HUMANA COMO CONCEITO INÚTIL ....................................................................... 149 
2.4.2 A DIMENSÃO MATERIAL DA DIGNIDADE HUMANA ..................................................................... 151 
2.4.3 DIGNIDADE HUMANA COMO VIRTUDE ....................................................................................... 153 
2.4.4 A DIGNIDADE HUMANA COMO AUTONOMIA ............................................................................... 154 
2.4.5 A DIGNIDADE HUMANA COMO HETERONOMIA ........................................................................... 172 
2.4.6 DIGNIDADE HUMANA E DISPOSIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASSUMINDO UMA POSIÇÃO188 
3 (IN)DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM INVENTÁRIO DAS 
TESES DE APLICAÇÃO................................................................................................................. 201 
3.1 AS MODALIDADES DE DISPOSIÇÃO DE POSIÇÕES JURÍDICAS SUBJETIVAS DE DIREITOS 
FUNDAMENTAIS .................................................................................................................................. 203 
3.2 QUALIDADE DO CONSENTIMENTO.............................................................................................. 212 
3.2.1 OS SUJEITOS DO CONSENTIMENTO.............................................................................................. 217 
3.2.2 GENUINIDADE DO CONSENTIMENTO .......................................................................................... 232 
3.3 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO FUNDAMENTAL .......................................... 267 
3.4 OS POSTULADOS NORMATIVOS................................................................................................... 275 
3.5 O CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DISPOSIÇÃO: O LIMITE DOS 
LIMITES?............................................................................................................................................. 289 
4 (IN)DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: O DIREITO À VIDA NO 
CONTEXTO DA MORTE COM INTERVENÇÃO ..................................................................... 297 
4.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA: UM VELHO (DES)CONHECIDO............................................ 303 
4.1.1 O DIREITO À VIDA: APONTAMENTOS INICIAIS ......................................................................... 303 
4.1.2 A ESTRUTURA BÁSICA DO DIREITO À VIDA................................................................................. 311 
4.2 DA INDISPONIBILIDADE DO DIREITO À VIDA ........................................................................... 326 
4.3 DISPOSIÇÃO DE POSIÇÕES SUBJETIVAS DO DIREITO À VIDA NO CONTEXTO DA MORTE COM 
INTERVENÇÃO ..................................................................................................................................... 333 
4.3.1 MORTE COM INTERVENÇÃO: UM DIÁLOGO SOBRE NOVOS CONCEITOS E SEUS REFLEXOS 
JURÍDICOS ............................................................................................................................................ 333 
 v 
4.3.2 CONCLUSÕES PARCIAIS SOBRE OS NOVOS CONCEITOS ............................................................ 358 
4.3.2 HIPÓTESES DE DISPOSIÇÃO DE POSIÇÕES SUBJETIVAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA 
MORTE COM INTERVENÇÃO................................................................................................................. 360 
4.4 REVISITANDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: A LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO 364 
4.4.2 LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO: OUTRA INTERPRETAÇÃO POSSÍVEL NA MOLDURA 
DO DIREITO PENAL ............................................................................................................................... 373 
4.4.3 LEGISLAÇÃO PENAL E LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO: A NECESSÁRIA FILTRAGEM 
CONSTITUCIONAL.................................................................................................................................. 377 
4.4.4 A LEGISLAÇÃO CIVILISTA: A VEDAÇÃO DA RENÚNCIA, TRANSMISSÃO E NÃO-EXERCÍCIO 
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO.................... 392 
4.4.5 LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO: QUAL DIGNIDADE? .......................................... 398 
4.5 AINDA É LONGO O CAMINHO: AO PERMITIR, É PRECISO REGULAMENTAR .......................... 402 
4.5.2 A LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO: DIRETRIZES BASILARES ................................. 404 
4.5.3 OS SISTEMAS DE CUIDADOS PALIATIVOS ................................................................................ 410 
4.5.4 OS COMITÊS HOSPITALARES DE BIOÉTICA ............................................................................. 414 
4.5.5 EDUCAÇÃO DOS PROFISSIONAIS E INFORMAÇÃO DO PÚBLICO ................................................ 417 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 430 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
“Gosto imensamente desta vida e desejo falar sobre ela com liberdade: dá-me o 
orgulho de minha condição de homem. Sobre o mar, o silêncio enorme do meio-
dia. Todo ser belo tem o orgulho natural de sua beleza, e o mundo, hoje, deixa 
seu orgulho destilar por todos os poros. Diante dele, por que haveria de negar a 
alegria de viver, se conheço a maneira de não encerrar tudo nessa mesma alegria 
de viver? Não há vergonha alguma em ser feliz. Há um tempo para viver e um 
tempo para testemunhar a vida. (…). Penso agora em flores, sorrisos, desejo de 
mulher, e compreendo que todo o meu horror de morrer está contido em meu ciúme 
de vida. Sinto ciúme daqueles que virão e para os quais as flores e o desejo de 
mulher terão todo o seu sentido de carne e de sangue. Sou invejoso porque amo 
demais a vida para não ser egoísta... Quero suportar minha lucidez até o fim e 
contemplar minha morte com toda a exuberância de meu ciúme e de meu horror.”3 
 
 
 
 
“Aqui, compreendo o que se “Aqui, compreendo o que se “Aqui, compreendo o que se “Aqui, compreendo o que se 
chama glória: o direito de chama glória: o direito de chama glória: o direito de chama glória: o direito de 
amar sem medida”amar sem medida”amar sem medida”amar sem medida”4 
 
 
 
 
“Eu amo a vida, eis minha 
verdadeira fraqueza. Amo-a tanto 
que não tenho nehuma imaginação 
para o que não for vida”5 
 
 
3 CAMUS, Albert. Núpcias, o verão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. 
4 CAMUS, Albert. Núpcias..., Op. cit. 
5 Atribuído a Albert Camus, na obra A Queda, por Jorge Luis Gutiérrez. 
 2 
Conta-se que Sigmund Freud, após dezesseis anos de sofrimentos atrozes em 
decorrência de um câncer de maxilar, solicitou ao seu fiel amigo e médico Schur a abreviação 
daquilo que chamou tortura. Com a aquiescência de Anna, o médico despediu-se do amigo e 
ministrou doses demasiadamente altas de morfina. Diz-se que Freud havia viajado à Inglaterra 
para morrer em liberdade (parafraseando Veríssimo, é assim que nascem os mitos)*. 
Setenta anos se passaram. Neste longo lapso, o mundo assistiu à barbárie nazista, à 
matança, dita eugênica, de milhões de pessoas. Forjaram-se Declarações Internacionais de 
Direitos, manifestou-se, mais e mais, o intenso e sagrado valor da vida e da liberdade 
humanas. Paralelamente,muito avançou a medicina, tanto em suas técnicas, como na 
discussão do seu papel ético. Também mudaram muito as sociedades políticas ocidentais, que 
vem se modificando, se reconstruindo criticamente e quebrando muitos tabus, como os 
referentes à sexualidade, à família, e também à morte. Repudiada a ideia eugênica, segue 
aceso o debate a respeito da escolha, livre, do momento e das condições da própria morte. 
Sabe-se que o tema da eutanásia voluntária, do suicídio assistido e da recusa e da suspensão 
de tratamentos médicos está na ordem do dia. 
Na linguagem cinematográfica, o morrer voluntariamente foi retratado em quatro 
magnânimas obras, todas galardoadas com prêmios de destaque. No canadense As Invasões 
Bárbaras, um professor, acometido de incurável enfermidade, escolhe morrer entre seus 
amigos, e recusa, com veemência, a internação em um sistema de saúde altamente avançado, 
para manter-se fiel às suas mais altas convicções político-sociais. No espanhol Mar adentro, 
versão artística de um caso real, um homem luta com todas as forças para despedir-se da vida, 
diante de uma condição que considerava exageradamente sofrível. No estadunidense Menina 
de Ouro, sentimentos confusos levam um treinador, a pedido da amiga boxeadora, a realizar 
um homicídio piedoso. Mais leve, o Escafandro e a Borboleta mostrou, biograficamente, a 
realidade de quem padece e os diferentes modos de enfrentar o sofrimento. 
São representações simbólicas de um assunto da mais alta seriedade e complexidade. 
Os profissionais e pesquisadores da saúde, os bioeticistas, os juristas, os ativistas dos direitos 
humanos, os pacientes e a sociedade em geral abordam-no sob os mais variados ângulos. 
 
* A palavra “conta-se” foi utilizada porque não há certeza histórica a respeito dessa passagem da vida de Freud, 
que é largamente repetida, por vários autores e até mesmo via internet. Informa-se que, a título de estruturação 
de texto e ordenação metodológica, a Introdução e a Conclusão da tese não trazem indicações bibliográficas, 
pois as informações nelas contidas encontram-se devidamente atribuídas ao longo da tese. Salvo quando tal não 
ocorre é que se faz a menção completa. 
 3 
Variam entre extremos: há tabus, há estudos profundos à luz da principiologia da bioética, de 
teorias da moral e da justiça, há pesquisas sob a ótica da dignidade da pessoa humana, da 
intangibilidade do direito à vida, da exaltação da liberdade humana, há visões religiosas. Há 
preocupação com o perigo constante da ladeira escorregadia, de reviver os tempos 
hitlerianos. Há preocupação com o perigo constante da submissão compulsória de pessoas 
acometidas por doenças incuráveis, debilitantes, no limiar da vida, a sofrimentos 
exasperadores. 
O debate atinge a arena das instituições jurídico-políticas em diversos países. 
Legisladores propõem desde proibições mais árduas às práticas de abreviamento piedoso da 
vida até permissões relativamente amplas da limitação consentida de tratamento, da eutanásia 
voluntária e do suicídio assistido. Nancy Cruzan, Sue Rodriguez, Ramon Sampedro, Diane 
Pretty, Anthony Bland, Terry Schiavo, Hannah Jones e Eluana Englaro tiveram seus dramas 
privados expostos na arena pública quando eles, ou seus representantes, levaram ao Judiciário 
seus pleitos pela abreviação do processo de morrer ou pelo direito de recusar intervenções 
médicas de prolongamento de vida, pela permissão de suicidar-se com auxílio e até pelo assim 
chamado direito de morrer. Também há casos como os dos médicos Thimothy Quill, Jack 
Kervockian e Maurice Genereux, que foram acusados por haver, deliberadamente, auxiliado 
ou causado as mortes de seus pacientes. 
Então, os órgãos judicantes são chamados a se manifestar, quer quando da acusação de 
pessoas que realizaram estes atos, quer quando da arguição de inconstitucionalidade de leis 
restritivas ou permissivas. Já houve, inclusive, decisões judiciais reconhecendo o direito à 
morte digna e também o direito de recusar ou exigir suspensão de tratamento médico. Está-se 
frente a uma importante gama de problemas práticos da justiça. Não somente os legisladores 
e julgadores de países específicos enfrentam a questão. Organismos, Cortes e Associações 
Profissionais, nacional e internacionalmente, são chamados ao debate. 
Juridicamente, o assunto faz emergir muitas perguntas, dentre elas, se é possível 
dispor do direito fundamental à vida. É possível, mediante consentimento genuíno, despojar 
alguns ou diversos indivíduos dos deveres gerados pelo direito fundamental à vida? 
Responder essas indagações exige enfrentar, no plano jurídico-constitucional, a teoria dos 
direitos fundamentais, em especial no que toca a uma característica que é comumente 
impingida ao direito à vida: a indisponibilidade. 
 4 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em que pese manifestar a 
inviolabilidade de uma série de direitos fundamentais, não expressa proibição geral acerca da 
livre disposição dos direitos fundamentais pelo titular. O Código Civil brasileiro, por seu 
turno, ao tratar dos direitos da personalidade, proíbe expressamente sua renúncia e a limitação 
voluntária do seu exercício, ressalvando os permissivos legais. Ora, se a Constituição 
brasileira não elencou tal enunciado geral de indisponibilidade dos direitos fundamentais, 
poderia o legislador ordinário fazê-lo quanto aos direitos da personalidade6? Ao categorizar 
um direito fundamental como indisponível, não seria lançada sobre o titular uma ablação 
correlata em seu âmbito de liberdade? Tal não significaria que, na exata medida em que o 
titular não pudesse dispor do direito, existiria constrição à sua liberdade quanto ao destino de 
seus próprios direitos? Além disso, quando um direito fundamental é identificado como 
indisponível, recairia, sobre todos os demais, o dever de não infringi-lo mediante 
consentimento do titular. Haveria, nesse dever, ablação de posições jusfundamentalmente 
protegidas?7 Se efetivamente houver ablação de posições jusfundamentalmente protegidas, 
quer do titular, quer de terceiros, é necessária justificação adequada, é preciso arcar com o 
ônus argumentativo. 
Quando se tem em mente o direito fundamental à vida, a justificação para a 
indisponibilidade soa autoevidente. Trata-se de proteger zelosamente o direito que se afigura 
como pré-condição à titularidade e exercício de todos os outros direitos; trata-se de 
demonstrar a valorização e o respeito que uma determinada sociedade lança sobre o valor 
vida humana; trata-se, prioritariamente, de proteger direitos de terceiros. 
Acaso fosse o direito fundamental à vida reputado disponível, considerar-se-ia o 
consentimento do titular, mesmo em circunstâncias banais e simplistas, mecanismo hábil a 
ensejar seu desrespeito. Com dois exemplos, um singelo, outro até macabro, inspirados em 
casos reais, pode-se ilustrar a situação. Um jovem, ao colocar uma garrafa na boca, consente 
que outro atire na garrafa, assumindo declaradamente o risco de perder a vida com a 
brincadeira. Quando o tiro é proferido, acerta o alvo e o jovem, que falece. Noutra hipótese, 
 
6 Nesta tese, entende-se, com apoio em Luís Roberto Barroso, que os direitos da personalidade são algumas 
projeções dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas. Já os direitos humanos, como situa Ingo 
Sarlet, referem-se aos sistemas de proteção internacional dos direitos (sistemas regional e global) e os direitos 
fundamentais ao sistema nacional de proteção. 
7 Não se desconhece a problemática da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, apenas 
se está a referir o direito à vida como aplicável a estas relações em razão das mediações concretizadoras já 
existentes. Tampouco é ignorada a diferença entre Estado e particulares na violação de direitos fundamentais.As 
distinções serão formuladas ao longo da tese. 
 5 
dois homens adultos pactuam que um pode matar o outro, dividir seu corpo e comê-lo, com o 
consentimento da vítima e evidências, inclusive escritas, da aquiescência. Teria o 
consentimento, emitido em frente a testemunhas, ou devidamente comprovado, o condão de 
neutralizar os efeitos jurídicos do ato praticado, bem como de absolver o agente? Se a 
resposta a esta indagação for afirmativa, diversos problemas serão postos. Um deles, de 
fundo, é a vulgarização da vida humana e até a aceitação de uma cultura da morte. Outro 
deles refere-se a uma séria diminuição da capacidade de um sistema jurídico de responder a 
ataques ao direito à vida. Dificilmente um homicida deixaria de alegar que a vítima consentira 
na sua conduta. Desta feita, a tutela do direito à vida de terceiros não consententes estaria sob 
sério risco. 
Percebe-se, com certa nitidez, que pode haver coerência e plausibilidade na 
justificação da indisponibilidade do direito fundamental à vida, e, por conseguinte, na 
eventual restrição do âmbito de liberdade do titular e dos outros indivíduos. Sustentar a 
indisponibilidade do direito à vida acarretaria uma série de benesses e produziria impactos 
mínimos sobre outros direitos ocasionalmente colidentes. Todavia, a questão foi 
exemplificada a partir de um de seus extremos. Existe outro ângulo a considerar. Uma vez 
categorizado o direito à vida como indisponível, uma outra gama de situações será abrangida. 
Incluem-se nesse extrato pessoas que, em condições nada ordinárias, reclamam a 
possibilidade de dispor de posições subjetivas do direito à vida, seja por estarem acometidas 
por doenças terminais extremamente dolorosas ou por enfermidades degenerativas que 
conduzem à perda paulatina da independência. Ou, ainda, por pessoas que, antevendo 
algumas condições que julgam demasiadamente penosas para suportar, manifestam 
formalmente sua vontade no sentido de não serem mantidas em estado vegetativo persistente, 
ou de não serem submetidas a processos de ressuscitação. 
Em posição distinta, mas incluídos na mesma gama, estão os profissionais da saúde. 
Versados na arte do cuidado e da cura, os profissionais da saúde podem ser levados a tratar 
alguns pacientes que não mais querem receber tratamento, iniciando uma relação que não se 
funda no consentimento nem no reconhecimento do outro como um sujeito jurídico-moral 
pleno, mas na autoridade ou no paternalismo. Nestas ocasiões, pode-se dar vazão à chamada 
distanásia, ao prolongamento sacrificado da vida, até com o emprego da futilidade médica, ou 
mesmo à obstinação terapêutica. A arte de curar se transmuda, então, na arte de prolongar a 
vida a qualquer custo e sob quaisquer condições. Além disso, os profissionais da saúde, 
 6 
acuados pelas normas jurídicas vigentes, podem lançar mão das técnicas referidas, não apenas 
contra a vontade dos pacientes, mas em violação à sua própria consciência. 
Nestas situações in extremis, a equação formulada para fundamentar a 
indisponibilidade do direito à vida parece inverter-se. Se a linha geral, a indisponibilidade, 
quando aplicada a um sem-número de casos distintos, atinge resultados plausíveis e acordes 
com a proteção dos direitos fundamentais, da vivência societária e da dignidade humana, 
quando aposta neste outro extremo, composto por um grupo bem seleto de casos, torna-se 
perversa. Começam a pesar, ao lado da liberdade, outros direitos e metas societárias, como a 
prevenção do sofrimento, o bloqueio de tratamentos desumanos ou degradantes, a dignidade 
na morte e a memória póstuma. 
Aqui, as justificações da indisponibilidade mostram-se mais tênues, e as inquietações 
mais salientes. É justificável que um sistema jurídico, ancorado nas teses de indisponibilidade 
do direito fundamental à vida, exija que um indivíduo sofra dolorosamente? É justificável que 
exija que as relações dos profissionais da saúde com seus pacientes sejam autoritárias e 
paternalistas? É justificável a limitação da esfera de liberdade de pacientes e profissionais da 
saúde? Nestas situações, são efetivamente mínimos os danos proporcionados por figurar o 
direito à vida no rol dos direitos indisponíveis? Para que a indisponibilidade do direito à vida 
siga plausível mesmo nessas condições, seus argumentos de sustentação devem possuir 
relevância suficiente frente aos mencionados direitos e interesses. 
Foi exatamente a partir deste segundo extremo que nasceu o problema de pesquisa 
desta tese de doutoramento: “Podem-se considerar hipóteses de disposição de posições 
jurídicas do direito fundamental à vida? Quais os limites e padrões a serem observados, sob 
o enfoque constitucional, para a autolimitação de posições jurídicas subjetivas do direito à 
vida?” Como hipótese, foi formulada a seguinte: Apesar de ser justificável, em linha de 
princípio, que um sistema jurídico repute o direito à vida indisponível, poderá ocorrer a 
autolimitação, mediante consentimento genuíno, quando associada a determinadas 
condicionantes de fato e de direito. Então, a par de todas estas vertentes de exame e das 
questões práticas, a tese que ora se apresenta tem como meta estudar a temática em um recorte 
epistemológico bastante definido. Em virtude da muito difundida tese da indisponibilidade 
dos direitos fundamentais, lança-se como questão central a possibilidade de se considerar 
hipóteses de disposição do direito fundamental à vida, bem como a existência de limites e 
padrões a serem observados, sob o enfoque constitucional, para a autolimitação, mediante 
consentimento, de posições jurídicas subjetivas deste direito fundamental. 
 7 
A pesquisa é justificada em face da gravidade dos casos-limite apontados linhas atrás. 
Como será visto, é necessário definir com precisão e rigor a locução indisponibilidade dos 
direitos fundamentais. Faz-se mister que sejam densamente conhecidas as origens e as razões 
das teses de defesa da indisponibilidade dos direitos fundamentais, assim como é necessário 
aprofundar o estudo das consequências dessa classificação. Importa conhecer, ainda, as teses 
que negam a indisponibilidade dos direitos fundamentais e examinar os resultados da sua 
adoção. 
Assevera-se que essas investigações são necessárias, pois a indisponibilidade do 
direito fundamental à vida (assim como dos demais direitos), se tomada como simples 
comando a priori, ou como dogma, pode se converter em um absoluto que oblitera o debate. 
Sem que se conheçam suas raízes e suas formulações teóricas, pode ela demudar-se em um 
rótulo que traduz tanto as mais sinceras e aceitáveis defesas constitucionais do direito à vida, 
quanto as mais arraigadas vertentes ideológicas, religiosas ou morais abrangentes, muitas 
vezes situadas à longa distância dos argumentos constitucionalmente admissíveis. Sem o 
devido aprofundamento teórico, a indisponibilidade pode tornar-se um locus argumentativo 
privilegiadíssimo, cuja simples invocação é capaz de encerrar e fundamentar o deslinde de um 
problema concreto, por mais que ele se afigure um hard case. 
Mais premente se torna este exame, na medida que se visualiza, na doutrina e na 
jurisprudência nacionais, uma imprecisão conceitual muito intensa no cenário da 
indisponibilidade dos direitos fundamentais. Os vocábulos jurídicos adicionados aos direitos 
fundamentais, absolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, intransferíveis e invioláveis, são 
compreendidos de diversas maneiras, havendo quem iguale absolutização, indisponibilidade e 
inviolabilidade, quem elabore distinções entre tais termos, ainda que tais distinções sejam, por 
vezes, divergentes e até antagônicas. 
Ademais, algumas concessões já são feitas à tese da indisponibilidade dos direitos 
fundamentais, tanto no plano de justificação quanto no aplicativo. No primeiro, são 
construções teóricas sobre as funções dos direitos fundamentais, sobre a extensão do direito 
deliberdade, o paternalismo jurídico e seus institutos afins e, também, sobre a dignidade 
humana. No segundo, são construções teóricas referentes ao núcleo mínimo dos direitos 
fundamentais, à diferenciação entre um direito e seu exercício, entre um direito e seu objeto, 
e, ainda, à categorização de modalidades de disposição. Neste ponto, o direito à vida mostra 
sua singularidade. É extremamente difícil tentar imaginar situações nas quais o titular possa 
 8 
dispor do bem protegido ou do exercício do direito à vida sem que esteja a abrir mão do 
próprio direito, assim como parece o direito à vida confundir-se com seu conteúdo essencial. 
A temática da indisponibilidade do direito à vida é carregada de nuances que a tornam 
unicamente intrincada. Várias das propostas de relativização da tese da indisponibilidade 
mostram-se falhas ou superficiais quando a ele aplicadas. O direito possui certos elementos 
distintivos que efetivamente dificultam a situação. Entretanto, é preciso manifestar que da 
dificuldade teórica não se pode retirar a indisponibilidade de um direito. Pois, frisa-se, ao 
passo que se caracteriza o direito à vida como indisponível, pode-se impactar negativamente 
outros direitos do titular ou de terceiros, sem, muitas vezes, haver uma proteção correlata de 
outros direitos, tampouco cumprimento do ônus argumentativo. O exposto torna clara a razão 
da escolha do direito à vida. Suas singularidades teóricas e os problemas práticos e atuais 
relativos à sua indisponibilidade são justificativas suficientes. 
O problema da indisponibilidade do direito à vida reclama propostas de solução 
acordes com o sistema constitucional. Não podem valer soluções demasiadamente simplistas, 
calcadas em noções paternalistas de proteção do indivíduo contra seus próprios atos, à revelia 
de seus interesses, direitos, e das suas mais profundas convicções, nem soluções cujo lastro 
são axiomas intocáveis, que, com a palavra mágica indisponíveis, fundamentam hard cases e 
desconsideram direitos fundamentais. Na mesma esteira, não são aceitáveis soluções vazias de 
argumentação, como aquelas que alçam o direito à vida à posição hierarquicamente superior 
aos demais e, portanto, o excluem de qualquer debate. Cada uma das soluções propostas deve 
estar respaldada em profundas reflexões quanto ao desenho de políticas públicas de proteção 
dos direitos fundamentais. E qualquer olhar acurado não pode prescindir da análise do 
impacto adverso nos mais variados leques de situações, não pode abster-se de investigar 
detidamente todos os direitos fundamentais em jogo, nem pode deixar de considerar a 
proteção de terceiros. É necessário, pois, um arrazoado qualificado e o estabelecimento de 
mecanismos razoáveis de tutela. 
Nesse sentido, o objetivo geral da tese consiste em investigar a possibilidade de 
disposição de posições jurídicas subjetivas do direito fundamental à vida e os limites e 
padrões para o consentimento autolimitador, à luz do atual sistema brasileiro de regras e de 
princípios constitucionais, no contexto da morte com intervenção. Para tanto, há quatro 
objetivos específicos, cada qual correspondente a um capítulo da pesquisa: (a) delimitar 
conceitualmente a disposição de direitos fundamentais, distinguindo-a de figuras afins e de 
outros institutos jurídicos; (b) investigar as teses de justificação da (in)disponibilidade dos 
 9 
direitos fundamentais, ou seja, os motivos pelos quais se aceita-se ou se rechaça a 
possibilidade de disposição; (c) investigar as teses de aplicação propostas para o problema da 
disponibilidade; (d)compreender e discutir a autolimitação de posições jurídicas subjetivas do 
direito fundamental à vida à luz do atual sistema constitucional brasileiro de princípios e de 
regras no contexto da morte com intervenção. 
Para tanto, a tese está dividida em quatro capítulos. No Capítulo 1, será formulado um 
mapeamento dos sentidos conferidos à expressão direitos indisponíveis na doutrina e na 
jurisprudência brasileiras, pois a expressão parece confusa e de aplicação discutível. A seguir, 
será estudada a estrutura dos direitos subjetivos e as posições jurídicas subjetivas de direito 
fundamental, a fim de melhor apreender a primeira parte da expressão direitos indisponíveis. 
Compreendida a estrutura dos direitos subjetivos fundamentais, será discutido o sentido de 
indisponível e proposto um conceito para a indisponibilidade de posições jurídicas subjetivas 
de direito fundamental. Por fim, a (in)disponibilidade será diferenciada de institutos que 
podem com ela confundir-se, como o não-exercício de posições jurídicas subjetivas de direito 
fundamental, a interferência heterônoma nos direitos fundamentais, a autocolocação em risco 
e o dano a si. Perceber-se-á que a disposição está associada ao consentimento, condição 
necessária à disposição. 
No Capítulo 2, serão inventariadas as teses de justificação tanto da disponibilidade 
quanto da indisponibilidade. Nem todas as teses pertencem ao mesmo marco teórico. Por isso, 
será discutida sua possível adequação ao marco teórico adotado na tese e, também, ao sistema 
constitucional brasileiro. Será visto que nem todas as teses admitem ou recusam de plano a 
disponibilidade ou a indisponibilidade de posições jurídicas subjetivas de direito fundamental. 
No fundo, trata-se de discutir a suficiência do consentimento para a disposição diante de 
aspectos substantivos, ou seja, trabalhar as razões pelas quais o consentimento deve ou não ser 
suficiente à disposição em um sistema jurídico. Neste rumo, serão apreciadas as seguintes 
justificações: (a) a concepção de direito subjetivo; (b) a extensão do direito de liberdade; (c) o 
paternalismo jurídico e seus institutos afins; (d) a dignidade humana. 
No Capítulo 3, serão investigadas as teses de aplicação propostas para o exame da 
disponibilidade de posições jurídicas subjetivas de direito fundamental. A simples existência 
das teses denota certa aceitação da disponibilidade, dando a perceber que já existe 
relativização da propagada ideia de indisponibilidade de todos os direitos fundamentais. Serão 
examinadas as seguintes propostas: (a) as modalidades de disposição de posições jurídicas 
subjetivas de direitos fundamentais; (b) a qualidade do consentimento; (c) os sujeitos da 
 10 
relação de disposição; (d) a proteção de direitos de terceiros; (e) os postulados normativos 
aplicativos; (f) o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. 
Enfim, no Capítulo 4, os elementos dos três primeiros capítulos serão conjugados para 
aplicação no problema da morte com intervenção, que envolve disposição de posições 
jurídicas subjetivas do direito fundamental à vida. Neste ensejo, será, inicialmente, formulada 
a estrutura do direito subjetivo fundamental à vida, com demarcação das posições subjetivas e 
discussão das suas características e alcance. Logo após, serão trabalhadas as situações 
referentes à terminalidade da vida, à luz dos conceitos adotados no campo hegemônico da 
bioética. Discutir-se-á a limitação consentida de tratamento (forma de recusa de tratamento 
médico), a extensão do dever de salvamento e a disposição de posições jurídicas subjetivas de 
direito fundamental no ponto. Como se trata de uma tese de doutoramento, serão propostos 
alguns limites e padrões à disposição de posições jurídicas subjetivas do direito à vida em 
cada uma das hipóteses. 
Como será percebido, nesse Capítulo final sustentar-se-á que as posições jurídicas 
subjetivas do direito à vida são, em linha de princípio, indisponíveis. Para defender esta 
posição, serão evitados alguns argumentos, anteriormente descartados na tese. O ponto é 
muito relevante, uma vez que a tese gira em torno da possibilidade de disposição de posições 
jurídicas subjetivas do direito fundamental à vida. Ou seja, demonstrar-se-á, primeiro, que é 
substantivamente justificável que o sistema jurídico brasileiro reputeas posições jurídicas 
subjetivas do direito à vida indisponíveis, considerando o consentimento, ainda que válido, 
insuficiente para que terceiros ajam ou deixem de agir de forma que não poderiam se não 
houvesse o consentimento. Depois, mostrar-se-á que a justificação não é absoluta e válida 
para toda e qualquer situação. Haverá situações nas quais não subsiste a justificação e o 
consentimento passa a adquirir suficiência, pois associado a outras condicionantes fáticas e 
jurídicas. 
Embora pareça circular e até contraditório primeiro sustentar a indisponibilidade das 
posições jurídicas subjetivas do direito à vida para depois mostrar situações nas quais haverá 
disponibilidade, trata-se apenas de uma aparência. Em primeiro lugar, porque efetivamente 
existem razões de monta para que se considere o direito à vida indisponível. Ademais, este é o 
pensamento corrente na doutrina e na jurisprudência. Em sendo assim, a pesquisa acadêmica 
exige não apenas compreender tais razões com olhar crítico, como arcar com o ônus 
argumentativo caso se pretenda defender posturas diversas, ainda que em casos bem 
determinados. Em segundo lugar, porque o direito à vida é delicadíssimo. Considerado 
 11 
jusfundamental desde as primeiras Declarações de Direitos e Constituições em sentido 
moderno (século XVIII), componente da bem conhecida tríade lockeana, ele possui força não 
apenas substantiva, mas também instrumental. Alguns salientam, inclusive, que seu valor é 
intrínseco. 
O direito à vida, por sua estrutura, características e funções, é um direito individual. 
Todo o engendramento teórico da tese é formulado prioritariamente para os direitos 
individuais. De início, pode ser semelhante a uma teoria geral, aplicável a todos os direitos. 
Mas não é este o foco. Alguns argumentos podem, até mesmo, em novas pesquisas, ser 
transladados para outros tipos de direitos, mas a tarefa exige muito cuidado e atenção às 
peculiaridades de cada tipo, segundo suas características, estrutura e, especialmente, sua razão 
de ser e funções em um sistema jurídico. A clivagem epistemológica inclui os direitos 
individuais. Utilizar os argumentos e conclusões que serão expostos para outros grupos de 
direitos exige honestidade intelectual. 
Outro recorte da tese é o tipo de disposição que será examinada. Tratar-se-á apenas 
dos casos de disposição não-onerosa, ligados ao viés pessoal dos direitos. Estão excluídas do 
objeto de estudo as hipóteses de disposição onerosa e ligadas ao viés patrimonial ou 
econômico das posições jurídicas subjetivas de direito fundamental. Então, o centro está nos 
direitos pessoais (em oposição aos direitos reais), no seu viés existencial (em oposição a um 
eventual viés econômico dos direitos pessoais). Em sendo o foco primário o sistema jurídico 
nacional, entendeu-se oportuno centrar a discussão sobre a disponibilidade de posições 
subjetivas do direito à vida no contexto da morte com intervenção, mais precisamente na 
limitação consentida de tratamento e nos cuidados paliativos. A agenda dos direitos 
fundamentais, no que tange à disposição de posições subjetivas do direito à vida, está nesses 
dois pontos. Há um relevante processo em andamento (ACP da Ortotanásia) e discussões 
legislativas de monta, inclusive com a realização de audiência pública e aprovação, em uma 
das Casas Legislativas, da excludente de ilicitude de formas de limitação consentida de 
tratamento. 
Cumpre tornar claro que o marco teórico selecionado é o liberalismo igualitário, no 
qual se concebe o sujeito como hábil a fazer escolhas morais relevantes no que toca à sua 
existência e também visualiza os sujeitos como iguais entre si8. O marco teórico possui como 
 
8 Compreende-se que se situam nesse marco autores como John Rawls, Ronald Dworkin, Joel Feinberg, Robert 
Alexy e Cass Sustein, respeitadas suas peculiaridades, é claro. Nesta tese, exercerão influência determinante o 
 12 
pressuposto o fato do pluralismo9. Não se pode confundir o liberalismo igualitário com o 
libertarianismo, tampouco com o liberalismo clássico e suas neoversões. O liberalismo 
igualitário situa no indivíduo a unidade de agência, não o substituindo por outras agências 
coletivas, como a comunidade. Porém, não adota um sujeito completamente ilhado, 
autossuficiente por si só e absolutamente distanciado de manifestações coletivas do eu. No 
amplo arco liberal, o liberalismo igualitário não é refratário à ideia de justiça social e suas 
manifestações na formulação de políticas públicas. Também não recusa de plano a ideia da 
formação de alguns consensos substantivos a serem protegidos pela força estatal ou 
promovidos pelo Estado, desde que não sejam produto exclusivo de doutrinas morais 
abragentes, que penetram nos mais variados ângulos da vida dos sujeitos sem uma base 
comum de justiça política que eles possam razoavelmente endossar. Tais consensos 
substantivos, no marco do liberalismo igualitário, coexistem com o fato do pluralismo e com 
o respeito devido ao sujeito, normalmente traduzido em seus direitos jusfundamentais. A 
tradução do respeito ao sujeito a partir de seus direitos, que funcionam como seu invólucro 
protetor, indica que se está a trabalhar com uma teoria baseada em direitos e não com teorias 
baseadas em deveres ou em metas10. 
 
método da integridade de Ronald Dworkin, a concepção dos sujeitos como destinários de igual respeito e 
consideração, o que exige considerar-se que eles possuem habilidades de agência, dentre elas a de ter uma 
concepção moral do bem e considerar uns aos outros desse modo”. Ademais, “a identidade pública ou legal do 
sujeito não se altera se se alterar a sua concepção de bem”. Também são relevantes os estudos de Alexy, 
especialmente acerca da estrutura dos direitos fundamentais e também, em certa medida, da ponderação, com 
suas características e seus limites. Joel Feinberg vem à cena especialmente por sua habilidade em precisar 
conceitos. Cass Sunstein, por seu turno, mostra-se no final do trabalho, em razão da sua proposição de um 
minimalismo judicial e de seus estudos sobre o Estado regulatório. 
9 O termo é de John Rawls. O fato do pluralismo razoável “consiste em profundas e irreconciliáveis diferenças 
nas concepções religiosas e filosóficas, razoáveis e abrangentes, que os cidadãos têm do mundo, e na idéia que 
eles têm dos valores morais e estéticos a serem alcançados na vida humana”. Outro fato que Rawls toma como 
um dado (premissa ora aceita) é o fato da opressão: certas compreensões do bem não podem ser abandonadas a 
não ser autonomamente, se a constrição for heterônoma, haverá opressão e isso se mostra de modo 
particularmente forte ao longo da história, especialmente em sociedades calçadas em uma doutrina moral 
abrangente. Por doutrina moral abrangente, no pensamento de Rawls, são “doutrinas - filosóficas, morais, 
religiosas - pessoais que englobam, de maneira mais ou menos sistemática e completa, os diversos aspectos da 
existência humana e, portanto, que ultrapassam as questões meramente políticas, considerando-as como um caso 
particular de uma concepção mais ampla”. Cf. RAWLS, John. Justiça como eqüidade – uma reformulação. 
Trad. Claudia Berliner. Rev. Técnica: Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.04-05. RAWLS, John. 
Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. RAWLS, 
John. Justiça e Democracia. Sel. Catherine Audard. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
AUDARD, Catherine. Glossário. In: Justiça e democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 
2002, p.376. 
10 Diferenciam-se aqui as teses (a) baseadas em direitos; (b) baseadas em metas; (c) baseadas em deveres. Nas 
primeiras, o centroestá no exercício e na preservação de direitos morais (e jurídicos) e os interesses que eles 
protegem. Nas segundas, o foco está nas consequências produzidas, normalmente à luz de um critério de 
utilidade. Nas terceiras, o foco está em conformar o comportamento humano segundo proibições estipuladas 
para manutenção da integridade moral (e jurídica). A respeito, consultar: DWORKIN, Ronald. Levando os 
 13 
Acredita-se que a combinação do liberalismo igualitário a uma teoria baseada em 
direitos está em ampla conformidade com a ordem constitucional vigente no Brasil, bem 
como as teorias e doutrinas formuladas no período que se segue à abertura democrática do 
país. Algumas peculiaridades de índole mais comunitária podem se mostrar na ordem vigente, 
mas, como será argumentado adiante, são pequenas aberturas do sistema liberal igualitário ao 
comunitarismo, sem que este se torne a marca da ordem constitucional atual. 
Ao liberalismo igualitário e a uma teoria baseada em direitos há outra parte do 
conjunto. Procurar-se-á, o máximo possível, lidar com a ideia de coerência interna do sistema 
jurídico, buscando reconstrutivamente a integridade principiológica subjacente ao seu 
conjunto constitucional, legal e jurisprudencial. Intui-se que a tarefa nem sempre seja 
possível, principalmente em um sistema jurídico produto de ruptura constituinte recente – 
final da década de 1980 –, no qual as tradições ainda estão em formação. 
Como toda pesquisa acadêmica, esta tese tem seus contornos delineados. Centra-se 
nos problemas da morte com intervenção e da (in)disponibilidade de posições jurídicas do 
direito fundamental à vida. Diante dos acalorados debates sobre as técnicas de abreviação da 
vida em circunstâncias extremas, não se pretende, logicamente, que esta pesquisa seja capaz 
de pôr fim à contenda, muito menos de abrangê-la integralmente. Soa sequer desejável que tal 
aconteça, pois, com tão precioso direito em liça, em uma sociedade pluralista, a maturação 
democrática (leia-se, diálogo constitucional, envolvendo os três poderes e a sociedade) há de 
ser o rumo inexorável para o estabelecimento de políticas públicas. Contudo, é importante 
tentar contribuir academicamente para o desenlace de alguns tópicos correlacionados ao tema. 
A tese, a partir de um enfoque epistêmico bastante delimitado, visa a cooperar com a 
construção de elementos de objetivação e de racionalização do discurso jurídico acerca da 
indisponibilidade do direito à vida. Salienta-se que não se trata de uma tese sobre a morte, o 
morrer e sua leitura jurídica. O tema é a (in)disponibilidade de posições jurídicas subjetivas de 
direito fundamental, aplicado ao direito à vida no contexto da morte com intervenção. 
O elemento maturação democrática traz à superfície um assunto: as correlações entre 
o direito e a bioética. Em primeiro lugar, embora seja comum referir-se à bioética como um 
sistema uno de pensar, os estudos empreendidos nesse ramo do conhecimento possuem 
diretrizes e marcos teóricos diversos. Pode-se falar em uma bioética principiológica (hoje 
 
direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, Capítulo 6. BROCK, Dan W. Life and 
death: philosophical essays in biomedical ethics. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p.95-99. 
 14 
hegemônica), comunitarista, utilitarista, feminista, kantiana, fundada na ética da virtude, laica, 
não-laica, enfim, a bioética encampa diferentes enfoques. Isso não permite que se faça 
referência ao termo como uno e fechado. Em segundo lugar, os estudos realizados por 
bioeticistas são forjados, via de regra, na ambiência da filosofia moral e da ética aplicada. 
Portanto, não podem ser tomados como as soluções únicas e necessárias a um sistema jurídico 
simplesmente porque se forma certo consenso entre bioeticistas e profissionais envolvidos 
com as ciências da vida. Se esta postura for adotada, adentra-se em um elitismo 
epistemológico, no qual um grupo de iniciados em um ou alguns ramos do saber ditam as 
regras e os princípios de conduta autoritativamente para toda a sociedade política. As soluções 
e diretrizes eventualmente sustentadas pelos bioeticistas e pelas associações profissionais 
carecem de ligação com o arcabouço jurídico, especialmente quanto ao debate nas instituições 
democráticas de cada sistema, sejam elas o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário. Nesse 
sentido, se trabalha, aprioristicamente, nesta tese, com argumentos oriundos de ramos 
diversos da bioética como autoritativos para solucionar questões jurídicas sem qualquer crivo 
democrático. O que se propõe é um diálogo entre as vertentes da bioética e o sistema jurídico, 
ou, parafraseando Potter, a construção de pontes entre as bioéticas, os sistemas jurídicos e as 
ciências da saúde. 
 
 
 
 
1. (IN)DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: 
DEMARCAÇÕES CONCEITUAIS E DISTINÇÃO DE FIGURAS 
AFINS 
“SINÔNIMOS“SINÔNIMOS“SINÔNIMOS“SINÔNIMOS 
Esses que pensam que existem sinônimos, 
desconfio que não sabem distinguir as 
diferentes nuanças de uma cor”11. 
 “AH! OS RELÓGIOS “AH! OS RELÓGIOS “AH! OS RELÓGIOS “AH! OS RELÓGIOS 
Amigos, não consultem os relógios 
quando um dia eu me for de vossas vidas 
em seus fúteis problemas tão perdidas 
que até parecem mais uns necrológios... 
 
Porque o tempo é uma invenção da 
morte: 
não o conhece a vida - a verdadeira - 
em que basta um momento de poesia 
para nos dar a eternidade inteira. 
 
Inteira, sim, porque essa vida eterna 
somente por si mesma é dividida: 
não cabe, a cada qual, uma porção. 
 
E os Anjos entreolham-se espantados 
quando alguém - ao voltar a si da vida - 
acaso lhes indaga que horas são...12” 
““““A COISAA COISAA COISAA COISA 
A gente pensa uma coisa, acaba 
escrevendo outra e o leitor entende uma 
terceira coisa... e, enquanto se passa tudo 
isso, a coisa propriamente dita começa a 
desconfiar que não foi propriamente 
dita”13. 
 
 
 
11 QUINTANA, Mário. Caderno H. Rio de Janeiro: Globo, 2007, p.190. 
12 QUINTANA, Mário. A cor do invisível. Rio de Janeiro: Globo, 2006. 
13 QUINTANA, Mário. Caderno H, p.156. 
 16 
 
 
 
 
 
O que significa afirmar a tradicionalmente aceita indisponibilidade dos direitos 
fundamentais enunciada na introdução? O objetivo nuclear deste Capítulo é enfrentar 
essa indagação, pois o conceito de disposição dos direitos fundamentais é impreciso. 
Notam-se diferenças significativas no seu emprego. Algumas vezes, ele é invocado 
como um axioma, não carecedor de maiores explicações, tampouco de justificação; 
noutras, integra contextos tão diferenciados entre si que se torna realmente difícil 
encontrar um mínimo denominador comum que lhe confira utilidade e clareza14. 
Além disso, a assertiva indisponibilidade dos direitos fundamentais assume duas 
conotações. A primeira sustenta que a indisponibilidade é parte integrante do conceito 
de direito fundamental, constituindo-o. Na hipótese, a afirmação da indisponibilidade é 
meramente descritiva. A segunda, cuja afirmação da indisponibilidade é normativa, 
entende que é justificável que um sistema jurídico repute os direitos fundamentais como 
indisponíveis, apresentando razões para que aos titulares não seja permitido dispor dos 
seus direitos. Nesse sentido, o primeiro item do Capítulo (1.1) destina-se justamente a 
expor a imprecisão conceitual que reina sobre o assunto. 
Em seguida, a tarefa consistirá em lapidar o conceito. Porém, para fazê-lo, será 
necessário ultrapassar outra questão: o entendimento do que seja um direito 
fundamental. No exame dos direitos fundamentais, não se deterá atenção nas funções 
que exercem, nem nas razões para se ter direitos, nem na sua justiciabilidade. A opção14 O termo axioma é aqui utilizado no sentido que lhe empresta Humberto Ávila: “Axioma denota uma 
proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-la. Por 
isso mesmo são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção 
de pontos de vista materiais. A veracidade dos axiomas é demonstrada pela sua própria e mera afirmação, 
como se o fossem autoevidentes. Não se encontram, portanto, no mundo jurídico do dever ser, cuja 
concretização é sempre prático-institucional”. No entender de Ávila, um axioma é tratado “como se fosse 
descoberto a priori, sem o prévio exame da sua referência ao ordenamento jurídico” [sem grifos no 
original]. ÁVILA, Humberto. Repensando “o princípio da supremacia do interesse público sobre o 
particular”. In: SARMENTO, Daniel. Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo a 
supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.176-177. ÁVILA, Humberto. A 
distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Diálogo Jurídico, 
Salvador, CAJ – Centro de Atualização jurídica, v.I, n. 4, jul. 2001. Disponível em: 
http://www.direitopublico.com.br. 
 17 
metodológica consistirá em apreciar a estrutura de um direito fundamental, lançando 
mão de um olhar analítico e formal, com foco, apenas nas posições e nas relações 
jurídicas de direito fundamental (itens 1.2.). 
A partir da compreensão estrutural de um direito fundamental, apresentar-se-á e 
discutir-se-á um conceito de disposição de direitos fundamentais (item 1.3). Por fim, 
serão exploradas as diferenças entre a disposição de direitos fundamentais e outras 
figuras afins, como o não-exercício, a perda, a suspensão e a interferência heterônomas 
de direitos fundamentais, a autocolocação em risco e o dano a si (item 1.4.). 
1.1 Direitos indisponíveis: conceito lacônico, consequências duvidosas 
Para compreender o sentido da proclamada indisponibilidade dos direitos 
fundamentais, faz-se necessário investigar na doutrina, na legislação e na jurisprudência 
os significados atribuídos e as consequências advindas da locução direitos 
indisponíveis. Assim, iniciar-se-á o estudo pelo levantamento doutrinário quanto aos 
direitos fundamentais e aos direitos da personalidade, sendo, depois, exposto um amplo 
levantamento constitucional-legal e jurisprudencial, formulado e redigido com o intuito 
de desnudar o sentido da expressão direitos indisponíveis e seus impactos15. Analisar- 
se-á a plurissignificação dos termos direito e indisponível e sua reverberação em 
diferentes entendimentos sobre o conceito e as consequências da indisponibilidade dos 
direitos fundamentais. 
Nesta etapa do estudo, a atenção é primordialmente conceitual. Nos capítulos 
seguintes, atentar-se-á para questões de justificação e para critérios de aplicação. 
1.1.1 A doutrina: tendência conceitual e distintos posicionamentos 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) não 
consagrou dispositivo específico referente à indisponibilidade dos direitos 
fundamentais, nem foi a palavra indisponibilidade esculpida no preâmbulo 
constitucional. Existe, apenas, referência à indisponibilidade dos interesses individuais 
no art. 127, associada à legitimidade processual do Ministério Público16. Já o Código 
Civil, no Capítulo destinado aos direitos da personalidade, trata da indisponibilidade 
 
15 Foi realizada uma ampla coleta jurisprudencial, com enfoque prioritário para os tribunais superiores. 
Dos dados obtidos, foi elaborado um catálogo com os sentidos da expressão direitos indisponíveis. Não 
foram excluídos os acórdãos que lidavam com direitos não-fundamentais. Constam aqui os principais 
sentidos e os acórdãos considerados determinantes. 
16 Ver art. 127 da CF/88. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do 
Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 2008. 
 18 
desses direitos, ressalvando a limitação voluntária apenas na medida de lei 
autorizadora17. 
A doutrina publicista brasileira refere, com poucas exceções, que os direitos 
fundamentais são indisponíveis18. Na mesma esteira, os privatistas afirmam que os 
direitos da personalidade são indisponíveis19, e os internacionalistas, que os direitos 
 
17A proibição mencionada encontra-se no artigo 11 do CC: “Com exceção dos casos previstos em lei, os 
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer 
limitação voluntária”. BRASIL. Código Civil. Lei nº10.406, de 10/01/2002. São Paulo: Saraiva, 2009. 
18 No que se refere ao pensamento constitucional brasileiro, não há aprofundados estudos sobre a temática 
da existência de direitos fundamentais indisponíveis e suas consequências. O assunto é normalmente 
tratado de forma pouco generosa e recebe espaço, no mais das vezes, como simples dictum nos manuais, 
quando da explanação das características dos direitos fundamentais. Como exemplo de publicistas que 
consideram os direitos fundamentais indisponíveis, José Afonso da Silva: “II – inalienabilidade: são 
direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico patrimonial. Se a ordem 
constitucional os confere a todos, deles não se pode se desfazer, porque são indisponíveis. […] IV – 
Irrenunciabilidade: não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, 
mas não se admite sejam renunciados. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional 
positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 166. [sem grifos no original]. Tupinambá Miguel Castro do 
Nascimento assim se refere: “Os direitos e garantias individuais são indisponíveis. Seus titulares não 
podem transferi-los, negociá-los ou aliená-los a quem quer que seja. Configuram-se como direitos 
públicos subjetivos que, ingressando na esfera jurídica de alguém, passam a ser tratados como 
personalíssimos. Por isso, se demonstram intransferíveis, inegociáveis e inalienáveis. […] por idênticas 
razões, são irrenunciáveis”. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à constituição 
federal: direitos e garantias fundamentais – artigos 1º a 17. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 
1997, p.17. Luiz Alberto David de Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior mencionam que uma das 
“características intrínsecas” aos direitos fundamentais é a irrenunciabilidade. ARAUJO, Luiz Alberto 
David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 
2006, p.125. Exatamente no mesmo sentido: CAPEZ, Fernando et al. Curso de direito constitucional. 
São Paulo: Saraiva: 2004. Para Alexandre de Moraes, os direitos fundamentais estão “em elevada posição 
hermenêutica em relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, apresentando diversas 
características: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, 
universalidade, efetividade, interdependência e complementaridade: […] inalienabilidade: não há 
possibilidade de transferência dos direitos humanos fundamentais, seja a título gratuito, seja a título 
oneroso; irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de renúncia. Dessa 
característica surgem discussões importantes na doutrina e posteriormente analisadas, como a renúncia ao 
direito à vida e a eutanásia, o suicídio e o aborto”. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos 
fundamentais: teoria geral. Comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa 
do Brasil:. doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2000, (Coleção Temas Jurídicos) p.41 [itálicos 
do original. Os grifos não constam do original]. 
19 A menção ocorre, normalmente, em relação ao art.11 do Código Civil. Não obstante o fato de os 
autores enunciarem a indisponibilidade, muitos reconhecem casos de disposição, sem, no entanto, 
abandonar a classificação. Cite-se,

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