Buscar

Dissertação Ortotanásia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 229 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 229 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 229 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ANDRÉ MENDES ESPÍRITO SANTO 
ORTOTANÁSIA E O DIREITO À VIDA DIGNA 
MESTRADO EM DIREITO 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
SÃO PAULO 
2009
ANDRÉ MENDES ESPÍRITO SANTO 
ORTOTANÁSIA E O DIREITO À VIDA DIGNA 
Dissertação de mestrado apresentada à banca 
examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência parcial 
para obtenção do título de Mestre em Direito, 
sob a orientação do Professor Doutor Gabriel 
Benedito Issaac Chalita.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
SÃO PAULO 
2009
Banca Examinadora 
_______________________________
_______________________________
_______________________________
À
Celeste Macêdo Mendes 
(in memoriam) 
Aos meus queridos pais, Álvaro e 
Ângela, pelo amor com que criaram 
seus filhos e pelo exemplo de vida que 
representam. 
Agradecimento 
Em que pese a dificuldade em listar em poucas 
linhas todas as pessoas que de alguma forma 
contribuíram para que este trabalho fosse 
concluído, não poderia deixar de agradecer ao 
professor Gabriel Chalita, pela orientação, 
amizade e apoio incondicional. 
À professora Márcia Cristina de Souza Alvim, pelo 
convívio e aprendizado. 
À Maria Lúcia Borba Rolim, bibliotecária 
incomparável, cujo amor pela profissão é 
contagiante. 
À professora Sandra Konrad, companheira de 
magistério, pela ajuda e estímulo. 
Ao professor Fabiano Albuquerque de Moraes, 
estimado amigo, pelas sugestões e cuidadosa 
revisão.
A todos os amigos queridos, pelo apoio e carinho. 
“Como um instrumento musical, a vida 
só vale a pena ser vivida enquanto o 
corpo for capaz de produzir música”. 
(Rubem Alves)
RESUMO 
Esta dissertação propõe-se a estudar a ortotanásia à luz dos 
princípios constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. 
Pretende refletir sobre o conceito de “vida” e tentar demonstrar que a vida 
protegida pelo texto constitucional de 1988 não é qualquer vida, mas sim a vida 
digna. 
O texto apresenta uma reflexão sobre o direito à liberdade e ao 
princípio bioético da autonomia e a influência que esses direitos exercem sobre os 
pacientes terminais. Discute-se, ainda, a teoria de Ronald Dworkin no tocante à 
interação de princípios, regras e valores, e a relação que estes três aspectos 
possuem na busca de respostas e soluções para aparentes conflitos entre 
princípios constitucionais. 
Procura-se demonstrar, ainda, as diferentes classificações 
existentes acerca da eutanásia, bem como as convergências e diferenças com 
relação à ortotanásia.
Analisa-se também, recentes textos normativos infraconstitucionais, 
em especial a nº. 1.085/2006 do Conselho Federal de Medicina, que passou a 
determinar, de forma expressa, a permissão do médico em limitar ou suspender 
procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, 
acometidos de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou 
de seu representante legal. Preocupa-se em apresentar a polêmica surgida na 
comunidade jurídica e médica e apresenta-se um posicionamento acerca da 
constitucionalidade da Resolução e da ortotanásia. 
Por fim, traz-se à reflexão alguns casos reais de pacientes terminais 
em outros países e no Brasil, a fim de se analisar, por um lado, qual o tratamento 
que é dado ao tema no direito estrangeiro, e por outro, qual tem sido a conduta 
adotada por médicos e pacientes brasileiros quando se deparam com o fim da 
vida iminente. 
ABSTRACT 
This dissertation aims at studyi ng ortotanasia according to the 
constitutional principles of the right to life and dignity of the human being, with the 
intent to reflect on “life” concept and try to show that the life protected by the 1988 
Constitution is not any life, but a worthy life. 
The text presents a reflection on the right to freedom and the 
bioethical principle of autonomy and the influence that such rights exercise over 
terminal patients. Further, it is discussed the theory of Ronald Dworkin with regard 
to the interaction of principles, rules and values and the relation that these three 
aspects have in the search for answers and solutions for apparent conflicts among 
constitutional principles. 
Furthermore, the different classifications about euthanasia as well as 
the convergences and differences with regard to ortotanasia are intended to be 
shown.
Recent normative texts below the Constitution are also under 
analysis, especially No. 1.085/2006 of t he Medicine Federal Council which 
expressly determined the author ization from the physician to restrict or suspend 
procedures and treatments extending the life of the terminal patient with a serious 
and incurable disease, subject to the will of the person or his/her legal 
representative. The concern in this dissertation is to present the debate arisen 
amidst the legal and medical communities, with an opinion on the constitutionality 
of the Resolution and the ortotanasia. 
Finally, some actual cases of termi nal patients in other countries and 
in Brazil are presented so as to be analyzed, on the one hand, what is the 
treatment given to the subject in foreign law, and on the other hand, which has 
been the conduct adopted by Brazilian physi cians and patients when faced with 
the imminent end of life. 
SUMÁRIO
Introdução
1. A Vida, a Liberdade e a Dignidade no Ordenamento Jurídico
Brasileiro ........................................................................................................
1.1 O princípio constitucional do direito à vida ...........................................
1.1.1 Os princípios jurídicos fundamentais: noção e alcance ............
1.1.2 A vida como direito individual fundamental e a
polêmica em torno de seu marco inicial e final .....................................
1.2 O princípio constitucional do direito à liberdade ...................................
1.2.1 Noção sobre o direito à liberdade e sua relação 
com a igualdade ...................................................................................
1.2.3 A autonomia como princípio bioético .........................................
1.3 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ...............
1.3.1 Mudança de paradigma: o direito à vida digna ..........................
1.3.2 Direito de morrer com dignidade: a construção da 
norma a partir da interpretação do sistema de valores,
princípios e regras: a teoria de Dworkin ...............................................
2. O Problema da Conceituação da Eutanásia “lato sensu” e a
Tentativa de Classificação ...........................................................................
2.1 Ortotanásia, distanásia e mistanásia ....................................................
2.2 Tentativa de classificação: as diferentes “espécies” de eutanásia ......
2.2.1 A eutanásia quanto ao modo de atuação do agente
(ativa e passiva): a relevante distinção entre eutanásia 
passiva e ortotanásia ............................................................................
2.2.2 A eutanásia quanto à intenção do agente: 
eutanásia de duplo efeito .....................................................................
2.2.3 A eutanásia quanto à vontade do doente/paciente ....................
2.2.4 A eutanásia quanto à finalidade do agente: a classificação 
de Jimenez de Asúa .............................................................................
05
05
05
10
19
19
29
33
37
45
51
53
64
69
73
76
83
2.3 Suicídio assistido ..................................................................................
2.4 Aspectos extra-jurídicos da eutanásia: aspecto religioso .....................
3 Eutanásia e Ortotanásia no Direito Estrangeiro .........................................
3.1 Estados Unidos da América e o Polêmico Caso Terri Schiavo ............
3.2 Espanha e a batalha de Ramón Sampedro .........................................
3.3 França e o Pedido de Vincent Humbert................................................
3.4 Holanda ................................................................................................
4. A Possibilidade da Ortotanásia como Garantia Fundamentada
no Princípio do Direito à Vida Digna ...........................................................
4.1 A interpretação da Resolução nº. 1.805/2006 
do Conselho Federal de Medicina ..................................................................
4.2 Ortotanásia: constitucionalidade ou inconstitucionalidade? ................
4.2.1 Análise da esfera infraconstitucional: a ortotanásia
à luz do atual Código Penal brasileiro e os anteprojetos de 
1994, 1998 e 1999 ................................................................................
4.2.2 A legalidade e a constitucionalidade da ortotanásia ..................
5 A Ortotanásia como Forma de se Alcançar um Final de 
Vida Sereno: Análise de Casos Reais .........................................................
5.1 Em Busca de Um Final Sereno ............................................................
5.2 A recusa de obstinação terapêutica para um bebê de 8 meses, 
portador “Amiotrofia Espinhal Progressiva Tipo I” – Consagração da 
ortotanásia ......................................................................................................
Conclusão .................................................................................................................
Bibliografia ...............................................................................................................
86
88
95
95
98
101
105
113
113
130
130
135
142
142
149
156
159
Anexos
1
INTRODUÇÃO
A bioética tem apresentado uma série de novas realidades e novos 
desafios àqueles que se dispõem a estudar o fenômeno jurídico na órbita 
constitucional.
Vida, liberdade e dignidade, enquanto direitos fundamentais 
protegidos sob o manto da Carta de 1988, têm sido, a todo tempo, chamados a 
oferecerem respostas, nem sempre claras, a novas realidades que a evolução da 
ciência e da medicina ora apresentam. Aborto de fetos portadores de anencefalia, 
possibilidade de pesquisas com células-tronco embrionárias, clonagem humana, 
eutanásia, ortotanásia, são alguns temas que estão na pauta de discussão 
nacional, dos bancos acadêmicos ao Supremo Tribunal Federal. 
São inúmeras as perguntas ainda carentes de respostas 
definitivas: afinal, quando começa e quando termina a vida? A vida protegida pela 
Constituição de 1988 é qualquer vida humana, em qualquer estágio, em 
quaisquer situações? 
No tocante à ortotanásia, tema que nos interessa em especial na 
presente reflexão, trata-se de medida constitucionalmente possível? Quais suas 
implicações e diferenças em relação à eutanásia em seu sentido estrito? 
As modernas Cartas Constitucionais possuem como fundamento, 
a defesa da dignidade humana, elevando a proteção da vida, da dignidade, da 
liberdade e da igualdade como direitos inerentes a todo ser humano. A 
Constituição da República Federativa do Brasil, tal como outras constituições 
ocidentais contemporâneas, apresentam, de igual forma, amplo repertório no 
tocante aos direitos fundamentais e garantias individuais. 
Resta saber se a interpretação do chamado superprincípio da 
dignidade da pessoa humana, tal como até hoje tem prevalecido, está em 
2
consonância com os anseios dos pacientes terminais, ou daqueles que, privados 
do gozo de uma vida digna são impedidos – sob o argumento da prevalência da 
vida a qualquer custo – de permanecerem na indignidade e no sofrimento. 
Os hospitais brasileiros estão lotados de pacientes internados em 
Unidades de Terapia Intensiva, acometidos por doenças incuráveis ou em 
situações clínicas irreversíveis, sendo a morte uma certeza científica irrefutável. 
Presos a farta aparelhagem técnica, fruto do avanço tecnológico galopante, 
permanecem dias, meses, anos, presos em uma fria cama de hospital, 
aguardando seu fim inevitável. 
Será importante analisar casos reais, sejam nacionais ou 
estrangeiros, a fim de se verificar como é o processo de tratamento médico, em 
que condições são tratados esses pacientes, e tentar precisar em que momento a 
vida de alguém deixa de ser digna. Será isso possível?
Na experiência brasileira, tem-se debatido com afinco a Resolução 
do Conselho Federal de Medicina nº. 1.085/2006. Publicada em 28 de novembro 
de 2006, causou comoção na comunidade jurídica ao estabelecer de forma 
objetiva que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e 
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade 
grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. 
Trata-se de norma constitucionalmente aceita? 
A questão ganhou relevo e impulsionou o Ministério Público 
Federal a ingressar com Ação Civil Publica pretendendo, em síntese, revogar 
referida resolução, pois, na concepção do parquet, o direito à vida é absoluto e 
uma mera resolução não pode ter o condão, mesmo que de forma tangencial, de 
relativizar este direito fundamental. 
A sociedade, os operadores do Direito, os filósofos e os médicos 
se dividem na argumentação: os que defendem a prática da ortotanásia prendem-
se ao argumento de que, na medicina, existem quadros clínicos irreversíveis em 
que o paciente, muitas vezes passando por terríveis dores e sofrimentos, almeja a 
3
“morte na hora certa”, como é comumente chamada a ortotanásia - como forma 
de se livrar do padecimento que se torna viver. Rejeitam o uso de aparato 
tecnológico que permite a sobrevida do paciente, quando já não há mais nada a 
fazer e a interferência médica muitas vezes só resulta em mais dor e sofrimento. 
Os que se opõem à prática da ortotanásia sustentam ser dever do 
Estado preservar, a todo custo, a vida humana, que é o bem jurídico supremo. O 
poder público estaria obrigado a fomentar o bem-estar dos cidadãos e a evitar 
que sejam mortos ou colocados em situações de risco. Eventuais direitos do 
paciente estariam, muitas vezes, subordinados aos interesses do Estado, que 
obrigaria a adoção de todas as medidas visando ao prolongamento da vida, até 
mesmo contra a vontade da pessoa ou de seus familiares.
À luz do direito brasileiro, uma das questões que emergem é a 
seguinte: ainda que existam regras específicas sobre o homicídio, poder-se-ia, 
diante de casos concretos, proceder a julgamentos com fulcro em princípios 
atinentes à situação, a fim de se buscar uma decisão justa, de modo a respeitar a 
integridade do Direito, tal como preconiza Dworkin? Vale dizer: há possibilidade 
de se construir a norma a partir da interpretação do sistema de valores, princípios 
e regras?
Interesses conflitantes estão em xeque: de um lado o princípio da 
liberdade, da autonomia; de outro, o princípio da indisponibilidade da vida – ou 
inviolabilidade do direito à vida. Mas a vida que se busca e se protege é qualquer 
vida? Qual o alcance do princípio da dignidade da pessoa humana? Será que vida 
digna – tal qual aquela defendida em nossa Carta Magna – é aquela segundo a 
qual o indivíduo, a despeito de todas as dores e sofrimentos que lhe tenham sido 
causados por determinada doença, ainda se mantenha ligado a aparelhos até o 
fim? Nessa linha de raciocínio, a vida só deveria prevalecer como direito 
fundamental oponível erga omnes enquanto for possível se viver bem. Entende-se 
que outros valores deveriam ser repensados a partir do momento em que a saúde 
do corpo e da mente já não mais garanta o bem-estar do indivíduo. 
4
Não se tem aqui, a pretensão de trazer respostas últimas sobre o 
tema, sob pena de, o fazendo, banalizar matéria tão importante. Pretende-se tão 
apenas contribuir de alguma forma para o debate da ortotanásia, enquanto tema 
central da bioética. 
A presente dissertação é um exercício de reflexão que tenta 
harmonizar princípios constitucionais, na busca de encontraralguns caminhos 
possíveis para perguntas ainda carentes de respostas. 
5
CAPÍTULO 1 
A VIDA, A LIBERDADE E A DIGNIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO
1.1 O Princípio Constitucional do Direito à Vida 
1.1.1 Os princípios constitucionais fundamentais: noção e 
alcance
São incontáveis as acepções encontradas para o vocábulo 
“princípio”. Desde os dicionários tradicionais, como o Houaiss, a defini-lo como “o 
primeiro momento da existência (de algo), ou de uma ação ou processo; começo, 
início; o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão; 
proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de 
conhecimentos; lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento 
de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas; proposição lógica 
fundamental sobre a qual se apóia o raciocínio”, até a concepções modernas, 
trazidas por ferramentas contemporâneas de pesquisa, como a Wikipédia, a
entender que princípio “pode ser definido como causa primária, ou, o momento, 
local ou trecho em que algo tem origem, de uma ação ou de um conhecimento, a 
proposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório, e cuja verdade 
não é questionada. Sinônimo de início”1.
Aristóteles desdobrou a noção de princípio em sete acepções: ponto 
de partida do movimento de algo; ponto de partida de uma ciência; o primeiro 
elemento na construção de uma coisa (um navio, ou uma casa, por exemplo), ou 
no desenvolvimento de um organismo vivo; aquilo de que se origina algo, como 
os pais em relação ao filho, ou a contenda após o insulto; os chefes ou príncipes 
nas cidades, assim como os diferentes políticos; as artes ou técnicas, sobretudo 
que se sobrepõem às outras, recebendo, por isso, a qualificação de 
1 http://pt.wikipedia.org 
6
arquitetônicas; o ponto de partida do conhecimento de algo, como as premissas 
ou hipóteses, em relação à conclusão de raciocínio ou da pesquisa.2
O elemento comum a todos esses significados, na concepção 
aristotélica, é o de princípio ou começo de onde algo provém ou é gerado, ou de 
onde emana o conhecimento. 
Na idade moderna, enquanto o sentido ontológico e lógico do 
vocábulo princípio foi aos poucos sendo abandonado, o seu uso como causa ou 
norma de ação tornou-se predominante. 
Montesquieu funda suas reflexões políticas na noção de princípio, 
como mola mestra do funcionamento dos diferentes sistemas de governo .“Há a 
seguinte diferença entre a natureza do governo e o seu princípio: sua natureza é 
o que o faz ser o que é, ao passo que o seu princípio, o que o faz agir. Uma é a 
sua estrutura particular e a outra, as paixões humanas que o fazem mover-se”. E 
acrescenta em nota: “Esta distinção é muito importante, e eu deduzirei dela várias 
conseqüências; ela é a chave de uma infinidade de leis”.3
Na seara do direito, os princípios desempenham papel estrutural. 
Sobre os princípios jurídicos, De Plácido e Silva assevera que 
no sentido jurídico, notadamente no plural, princípio quer significar as 
normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, 
como alicerce de alguma coisa. 
E assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se 
fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, 
assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. 
Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma 
ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das 
coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas. 
Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que 
servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. 
Indicam o alicerce do Direito. 
2 ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Leonel Vallandro. Globo, Porto Alegre, 1936, p. 316. 
3 MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 104. 
7
E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos 
jurídicos, legalmente instituídos, mas todo o axioma jurídico derivado da 
cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da 
Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis 
científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o 
próprio Direito. 
Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque 
servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para 
a prática do Direito e proteção aos direitos.4
Geraldo Ataliba assevera que “...princípios são linhas mestras, os 
grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a 
serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos 
órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do 
querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da 
administração e da jurisdição. Por estas não pode ser contrariados; têm que ser 
prestigiados até as últimas conseqüências”5.
Na visão de José Afonso da Silva, “a palavra princípio é equívoca. 
Aparece a acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de 
princípio), por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de um 
órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio institutivo e as 
de princípio programático”6. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípios 
da expressão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí 
exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”7.
Para o autor, os princípios são ordenações que se irradiam e 
imantam os sistemas de normas8, “são núcleos de condensações” nos quais 
confluem valores e bens constitucionais. Ou, como observam Gomes Canotilho e 
Vital Moreira, “os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, 
4 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico: Rio de Janeiro: Forense, 1961. V3, p. 1220. 
5 ATALIBA, Geraldo.Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992. 
6 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Melhoramentos, p. 107 e 
ss.
7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Criação de secretarias municipais, RDP, n. 15, jan/mar 1971 e 
Curso de direito administrativo. São Paulo: Melhoramentos, p. 450 e 451, onde define o princípio jurídico 
como “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia 
sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e 
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a 
tônica e lhe dá sentido harmônico”. 
8 Ibidem, p. 92. 
8
pode estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e 
constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.9
Já Luiz Antônio Rizzato Nunes, entende que os princípios 
constitucionais “são verdadeiras vigas mestras, alicerces sobre os quais se 
constrói o sistema jurídico. Os princípios constitucionais dão estrutura e coesão 
ao edifício jurídico. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo 
o ordenamento jurídico se corromper”10.
Nessa mesma linha, assevera Gabriel Chalita: 
Todo sistema legislativo deve obedecer a princípios que estabeleçam 
com clareza o tipo de sociedade que se quer construir. Por isso existe 
uma hierarquia entre essas leis. A Constituição Federal é superior a 
qualquer legislação infraconstitucional e os seus princípios orientam, 
norteiam o legislador que resolve inovar o sistema, o executor que 
precisa de parâmetros para exercer o seu ofício e o julgador que não 
pode se distanciar do núcleo central do sistema estatal11.
Na ordem constitucional brasileira, os chamados princípios 
constitucionais fundamentais representam os pilares do Estado Democrático de 
Direito.
É fato, entretanto, que são de natureza variada, e sendo assim, não 
é tarefa fácil fixar-lhes um conceito preciso em um enunciado sintético. 
Mais uma vez é J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que dãoo 
norte do conceito: 
Os princípios fundamentais visam essencialmente definir e caracterizar a 
coletividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-
constitucionais. Revelam a sua importância capital no contexto da 
constituição e observam que os artigos que os consagram constituem 
por assim dizer a síntese ou matriz de todas as restantes normas 
9 CANOTILHO, J. J. Gomes, e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 
1991, p. 50.
10 RIZZATO NUNES, Luiz Antônio. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: 
Saraiva, 2002, p. 37. 
11 CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Os dez mandamentos da ética. São Paulo: Nova Fronteira, 2003, p. 
110. 
9
constitucionais, que àquelas podem ser directa ou indirectamente 
reconduzidas.12
Por fim, a opinião do constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, a ensinar que 
Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores 
fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que 
estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam 
lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios 
esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de 
conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles 
ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre 
uma área muito mais ampla do que uma norma etabelecedora de 
preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha 
como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de 
outras normas.13
A partir dos conceitos e reflexões acima destacadas, vê-se que, 
embora não seja fácil definir com precisão e síntese o que venha a ser os 
chamados “princípios constitucionais fundamentais”, é fato – e quase um 
consenso – que constituem o norte de todo o ordenamento jurídico, servindo de 
base e referência para aplicação de qualquer norma dentro de um sistema. 
A partir da noção de princípios constitucionais fundamentais, pode-
se dar início à análise do principal direito individual fundamental, elevado à 
condição de princípio constitucional, dada sua importância enquanto direito 
norteador de toda ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito: o 
direito à vida. 
É verdade que há correntes divergentes, a entender que os direitos 
da pessoa humana rigorosamente não seriam princípios, “mas ‘valores supremos’ 
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme o preâmbulo 
da própria Constituição”14.
Concorda-se em parte com essa opinião. Apesar de se entender 
que os direitos da pessoa humana, tal como o direito à vida, são de fato, valores 
12 J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., vol. I, 
p.66.
13 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional.São Paulo: Saraiva, p. 143-144.
14 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, p. 28. 
10
supremos, isso não significa que não possam constituir, ao mesmo tempo, 
princípios constitucionais fundamentais. 
1.1.2 A vida como direito individual fundamental e a polêmica 
em torno de seu marco inicial e final 
Insculpido no caput do art. 5º da Constituição da República 
Federativa do Brasil15, dentro do Titulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) 
e Capítulo I (Dos Direitos e deveres Individuais e Coletivos), o direito à vida 
constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a 
Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a 
intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses 
direitos. No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade da 
pessoa humana16, o direito à privacidade, o direito à integridade físico-corporal, o 
direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência. 
Parece razoavelmente claro que a vida a que se refere e quis 
proteger o texto constitucional é a vida humana. Mas o que vem a ser vida?
Na concepção comum é “o estado de atividade funcional, peculiar 
aos animais e vegetais; existência; tempo decorrido entre o nascimento e a morte; 
origem. Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e 
plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantém em 
contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, 
o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução e 
outras”.17
15 Art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, à 
liberdade, á igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes”. 
16 De que trataremos em profundidade posteriormente, no item 1.3. 
17 BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. MEC; Dicionário básico da 
língua portuguesa/Aurélio. “Características que têm certos fenômenos de se produzirem ou se regenerarem 
por si mesmos, ou a totalidade de tais fenômenos. Essa caracterização é aqui dada apenas por ser aquela em 
torno da qual é mais amplo o acordo entre filósofos e cientistas e a título puramente descritivo, sem que o 
reconhecimento de uma característica própria dos fenômenos da Vida implique o reconhecimento de um 
princípio ou de uma causa em si desses fenômenos”.
11
Maria Celeste C. dos Santos assevera que sob o ponto de vista 
biológico, o desenvolvimento da vida humana antes de seu aparecimento, até o 
fim, constitui um “processo contínuo: o respeito à vida é respeito a todas as 
formas de vida humana”18.
Para Alexandre de Moraes, “o direito humano fundamental à vida 
deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição 
humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médica-
odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá 
garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana 
respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa 
humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos 
fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade 
livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a 
pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e 
regionais”19.
Quando iniciaria a vida humana? A legislação brasileira como um 
todo não apresenta, de forma suficientemente clara, resposta a esta pergunta. A 
Constituição de 1988, embora garanta expressa “proteção à vida”, não sinaliza 
sobre quando esta começa e termina.
Em geral, tem sido papel dos magistrados, analisando o caso 
concreto, determinar se em determinada situação já se poderia ou não falar da 
existência de “vida” propriamente dita. 
Recentemente, tem-se assistido a polêmicas discussões sobre qual 
seria o verdadeiro marco inicial e final da vida humana. 
Em 20 de abril de 2007, numa iniciativa inédita, o Supremo Tribunal 
Federal realizou audiência pública reunindo 22 especialistas das mais diferentes 
18 O equilíbrio do pêndulo. A bioética e a lei. São Paulo: Icone, 1998, p. 152-153. 
19 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São 
Paulo: Atlas, 2004, p. 176.
12
áreas do conhecimento (médicos, biólogos, sociólogos, antropólogos, juristas etc.) 
para que respondessem, entre outras, à seguinte pergunta: “quando começa a 
vida e a partir de quando ela deve ser protegida pelo Estado?”. 
Durante 7 horas, os 22 especialistas debateram a questão, sem 
chegar, entretanto, a um consenso. 
O evento aconteceu por iniciativa do Ministro Carlos Ayres Brito, 
relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 3540 movida pelo antigo 
Procurador Geral da República Claudio Fontelles, em que se requeria a 
inconstitucionalidade de dispositivosda Lei de Biossegurança (Lei nº. 
11.105/2005), em especial o artigo 5º, relativo às pesquisas relacionadas às 
células-tronco embrionárias. Insurgiu-se o nobre jurista contra a permissão de 
utilização, para fins de pesquisa e terapia, de células-tronco obtidas de embriões 
humanos, produzidos mediante fertilização in vitro, e que não foram transferidos 
para o útero materno. A tese central sustentada na ação é a de que a “vida 
humana acontece na, e a partir da, fecundação”. Fundado em tal premissa, alega 
que a legislação aprovada violaria os preceitos constitucionais que consagram o 
direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. 
Analisando com propriedade a questão, o professor Luis Roberto 
Barroso assim analisou a questão: 
1. As pesquisas com células tronco embrionárias representam uma 
perspectiva de tratamento eficaz para inúmeras doenças que 
causam sofrimento e morte de milhões de pessoas. A legislação 
trata da matéria com moderação e prudência, somente permitindo a 
utilização de embriões remanescentes dos procedimentos de 
fertilização in vitro.
2. As células-tronco embrionárias somente podem ser extraídas até o 
14º dia após a fertilização, antes do início da formatação do sistema 
nervoso central ou da existência de qualquer atividade cerebral. De 
acordo com a maior parte das concepções existentes, ainda não 
existe vida humana nesse momento. A Lei. 11.105/2005, ademais, 
veda expressamente a clonagem humana, a engenharia genética e a 
comercialização de embriões.
3. Não há violação do direito à vida, nem tampouco da dignidade 
humana, porque embrião não se equipara à pessoa e, antes de ser 
transferido para o útero materno, não é sequer nascituro. A Lei nº. 
11.105/2005 protege, todavia, a dignidade do embrião, impedindo 
13
sua instrumentalização, ao determinar que só possam ser utilizados 
em pesquisas embriões inviáveis ou não utilizados no procedimento 
de fertilização.
4. A questão acerca das pesquisas com células-tronco tem sido 
debatida em todo o mundo, ensejando visões contrapostas. No 
Brasil, o Poder legislativo, por votação expressiva, tomou posição na 
matéria, produzindo disciplina que se harmoniza com mo tratamento 
dado na maior parte dos países ocidentais. O tem não se situa no 
espectro dos consensos mínimos protegidos pela Constituição, 
devendo prevalecer a deliberação.20
A ADIN foi a julgamento em maio de 2008 e por um placar apertado 
(6 votos a 5) o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação, decidindo 
pelo constitucionalidade do citado artigo 5º da Lei de Biossegurança. 
O voto do relator do caso foi emblemático e sua leitura àqueles que 
se debruçam sobre a seara da bioética é fundamental21. Mas apesar de histórico, 
o julgamento do Supremo Tribunal Federal não definiu, como se esperava, em 
que momento começa a vida humana. Se é na fecundação, se é no 14º dia de 
gestação, em outro momento de gestação ou no nascimento. 
O ministro Celso de Mello em seu voto afirmou que “vários podem 
ser os inícios da vida humana, tal seja a opção que se faça por determinada 
formulação teórica ou tese”22. Diante disso, os ministros restringiram-se apenas a 
concluir que a Constituição brasileira não assegura ao embrião humano mantido 
em laboratório a garantia da inviolabilidade à vida e à dignidade. 
Outro embate jurídico, ainda pendente de julgamento de mérito pelo 
Supremo Tribunal Federal é a constitucionalidade (ou não) de aborto realizado em 
fetos portadores de anencefalia. 
Trata-se de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
(ADPF) nº. 54, formulada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na 
Saúde, através do ilustre advogado Luís Roberto Barroso. O Ministro relator 
20 BARROSO, Luís Roberto. In: Nos Limites da Vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a 
perspectiva dos direitos humanos. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006, p.263. 
21 Íntegra do voto do Ministro Carlos Ayres Brito disponível em www.stf.jus.br 
22 Íntegra do voto do Ministro Celso de Mello disponível em www.stf.jus.br 
14
Marco Aurélio Mello, concedeu liminarmente, em 1º de julho de 2004, ad
referendum do Tribunal Pleno, o direito à gestante de optar pela submissão à 
operação terapêutica de parto de feto anencéfalo, a partir de laudo médico 
confirmatório dessa anomalia. Vale aqui transcrever pequeno trecho do despacho 
que concedeu a liminar pleiteada, eis que seus argumentos interessam à presente 
reflexão: 
Os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só 
tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido 
maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade 
e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo 
biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, 
sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de 
acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. 
A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu 
interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a 
sensibilidade. Este o quadro de uma gestação normal, que direciona a 
desfecho feliz, ao nascimento da criança. Pois bem, a natureza, 
entrementes, reserva surpresas, às vezes desagradáveis. Diante de uma 
deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços 
tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples 
inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para 
fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com 
margem de certeza de 100%. Dados merecedores da maior confiança 
evidenciam que fetos anencéfalos morrem no período intra-uterino em 
mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a 
sobrevida é diminuta, não ultrapassando o período que possa ser tido 
como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na 
sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta 
em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e 
psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina. 
(...) A gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a 
lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar 
um ser vivo. Se assim é – e ninguém ousa contestar – trata-se de 
situação concreta que foge à glosa própria do aborto – que conflita com 
a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia da 
vontade. A saúde, no sentido admitido pela Organização Mundial da 
Saúde, fica solapada, envolvidos os aspectos físico, mental e social.23
Muito embora a decisão liminar ora concedida pelo Ministro Marco 
Aurélio Mello tenha sido cassada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, fato é 
que suas afirmações e raciocínio lançaram um debate fundamental na ordem 
jurídica e social contemporânea ao por em xeque a idolatria que desde sempre se 
teve em relação ao direito – “sagrado” - à vida. Além disso, temas como a 
possibilidade de se autorizar o aborto em casos de comprovada anencefalia fetal, 
trouxe novamente ao debate a polêmica questão sobre o início e o fim da vida. 
23 Diário da Justiça, n 147, de 02 de agosto de 2004, p 64/65. 
15
Ao lado dessas situações que têm provocado discussões 
acaloradas, tem-se também a questão da obstinação terapêutica (distanásia) 
versus ortotanásia. O avanço tecnológico tornou possível manter uma pessoa 
muito doente ou em estágio terminal indefinidamente viva, porém ligada a 
aparelhos de sustentação artificial, como a ventilação mecânica. A obstinação 
terapêutica (distanásia) se caracteriza por um excesso de medidas terapêuticas 
que impõem sofrimento e dor à pessoa doente, cujas ações médicas não são 
capazes de modificar o quadro mórbido24. Por outro lado, tem-se a ortotanásia, 
entendida como “morte no tempo certo”, e significando a suspensão ou limitação 
de tratamento ou suporte terapêutico (que não mais trarão benefício ao paciente 
cuja morte é irreversível).25
A obstinação terapêutica é resultadode um ethos irrefletido das 
carreiras biomédicas. Os profissionais da saúde são socializados em um ethos 
que, erroneamente, associa a morte ao fracasso. O paradoxo dessa associação 
moral é que se, por um lado, são os profissionais de saúde os que mais 
intensamente lidam com o tema da morte, por outro lado, são também os que 
mais resistem a reconhecer a morte como um fato inexorável da existência. Uma 
possível explicação para este fenômeno de enfrentamento técnico e ocultamento 
moral da morte é a confusão entre sacralidade da vida e santidade da vida26-27. O 
direito a se manter vivo é um direito fundamental expresso em nosso 
ordenamento e compartilhado por diferentes concepções filosóficas e religiosas. 
O pressuposto desse direito é que a existência é um bem individual garantido 
publicamente e, em termos éticos, pode ser traduzido pelo princípio da 
sacralidade da vida28.
24 PESSINI, Leocir. Eutanásia: porque abreviar a vida? São Paulo: Ed. Loyola, 2004 apud DINIZ, Débora. 
Quando a morte é um ato de cuidado. In: Nos Limites da Vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a 
perspectiva dos direitos humanos. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006, p.295. 
25 Tratar-se-á desses conceitos e suas polêmicas no capítulo seguinte. 
26 KUHSE, Helga. Should the Baby Live? The Problem of Handicapped Infants, Cambridge: Ashgate 
Publishing, 1994. 
27 SINGER, Peter e Kuhse. Unsanctifying Human Life: Essays on Etics. London: Blacwell, 2002. 
28 DINIZ, Débora. Quando a morte é um ato de cuidado. In: Nos Limites da Vida: aborto, clonagem humana 
e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006, p.296. 
16
Débora Diniz explica com clareza referido princípio e sua 
contraposição ao chamado princípio da “santidade da vida”: 
O princípio da sacralidade da vida assegura o valor moral da existência 
humana e fundamenta diferentes mecanismos sociais que garantem o 
direito de estar vivo. Esse é um princípio laico, também presente em 
diferentes códigos religiosos. Mas o princípio da sacralidade da vida não 
é o mesmo que o princípio da santidade da vida. Reconhecer o valor 
moral da existência humana não é o mesmo que supor sua 
intocabilidade. O princípio da santidade da vida é de fundamento 
dogmático e religioso, pois pressupõe o caráter heterônomo da vida 
humana. Em um estado laico como é o Brasil o que está expresso em 
nosso ordenamento jurídico público é o princípio da sacralidade da vida 
humana e não o princípio da santidade da vida humana. O valor moral 
compartilhado é o que reconhece a vida humana como um bem, mas 
não como um bem intocável por razões religiosas. A socialização dos 
profissionais de saúde confunde sacralidade da vida com santidade da 
vida, o que acaba por sobrepor valores privados e metafísicos sobre o 
sentido da existência e da morte a princípios coletivos como o da 
sacralidade da vida e o da autonomia.29
Nenhuma tomada de posição mostra-se adequada se não se partir 
de uma consideração básica: vida e morte constituem um processo contínuo, 
gradual e complexo, não um episódio isolado e, como processo, tem um 
desenrolar encadeado no tempo. Assim sendo, é evidente que o conceito de vida 
ou de morte se insere num dado momento desse desenvolvimento biológico, mas 
aí não se cuida mais de um conceito de biologia ou de medicina, e sim de algo 
que ultrapassa esses limites e chama à colação a filosofia, a ética, a lei e a 
própria sociedade. Diego Gracia, citado por Carlos Gherardi, salienta, com 
propriedade, que
a morte é um fato cultural, humano. Tanto o critério da morte 
cardiopulmonar, como o da morte cerebral e o da morte cortical são 
construções culturais, mas que não se identificam diretamente com a 
morte natural. Não há morte natural. Toda morte é cultural. E os critérios 
da morte também o são. É o homem quem diz o que é a vida e o que é a 
morte. E pode ir mudando sua definição desses termos com o transcurso 
do tempo. Dito de outro modo: o problema da morte é um tema sempre 
aberto. É inútil pretender encerrá-lo de uma vez por todas. A única coisa 
que se pode exigir é que explicitemos as razões das opções e que 
atuemos com suma prudência. Os critérios da morte podem, devem e 
têm que ser racionais e prudentes; não podem nunca aspirar que sejam 
certos.30
29 Ob. Cit., p. 296-297. 
30 GHERARDI, Carlos. La muerte cerebral: uma mirada critica y reflexiva, em GARAY, Oscar. La
responsabilidad Professional de los medicios. Bioética, ética, jurídica civil y penal, Buenos Aires, La Ley, 
2001 e http://www.medicoecuador.com , p 10. 
17
Desde o informe publicado pelo Comitê da Escola de Medicina de 
Harvard em 1968 que o coração deixou de ser o órgão central da vida e a falta de 
batimentos cardíacos, a representação da morte. Elegeu-se, em substituição, o 
cérebro, de forma que a morte passou a ser definida como a abolição total da 
função cerebral (whole brain criterion), o que “importa a perda da função 
integradora do organismo como um todo, por parte do sistema nervoso central e 
inclui o comprometimento de todo o encéfalo, do tronco encefálico e de outras 
funções neocorticais”31.
A partir da nova definição de morte, estabeleceu-se um limite na 
assistência dada a pacientes propiciando um inquestionável progresso na área 
dos transplantes. Na prática, adotou-se a retirada do suporte vital respiratório no 
tocante a determinado pacientes em estado crítico, desde o momento em que foi 
dado como morto, do ponto de vista cerebral. Entre 1968 e os anos iniciais do 
terceiro milênio, as novas tecnologias, na área da biomedicina, demonstraram, de 
forma inconteste, que o conceito de morte cerebral ou encefálica não possuía o 
nível de segurança desejável e, mais que isso, dava azo a ponderáveis dúvidas 
sobre sua legitimidade. Comprovaram-se casos em que, com “a manutenção da 
respiração mecânica em pacientes com diagnóstico firme de morte cerebral, 
persistiam sinais vitais (circulação, respiração, diurese, concepção materna, 
regulação hormonal) durante meses e até anos”32, de sorte que não encontra 
sustentação, na atualidade, “uma justificação biológica da morte cerebral sob o 
argumento da perda irreversível da função cerebral completa”33. Desfez-se, 
então, a plena identificação da morte com a morte cerebral. Essa, em verdade, 
serve apenas como um diagnóstico clínico ou mais precisamente, como um 
critério a partir do qual se admite a abstenção ou a interrupção de suporte vital 
para efeito de transplante. Não é, nem nunca será, um método seguro de 
confirmação da morte. “O avanço no conhecimento neurofisiológico não permitiu 
encontrar um exame que delimite uma fronteira nítida entre a vida e a morte 
31 MARTINEZ, Stella Maris. La incorporación de La reflexión bioética a las decisiones judiciales: um 
puente al futuro. Nueva doctrina penal. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2000, p. 663. 
32 GHERARDI, Carlos. La muerte cerebral. Um permanente debate. Reflexiones sobre um simpósio 
internacional, Cuadernos de Bioética, n. 0. Buenos Aires: Ad Hoc, 1996, p 132. 
33 Idem. La muerte cerebral: uma mirada critica y reflexiva, ob. Cit., p. 10.
18
neurológica (funções corticais e troncais) de sorte que os testes diagnósticos de 
morte cerebral tendem com o passar dos anos a ser mais clínicos do que 
instrumentais”34.
Muitos autores fazem distinção entre morte cerebral e encefálica, 
entendendo como conceitos distintos. Na lição de Maria Elisa Villas-Bôas 
é comum ocorrer a confusão entre as expressões morte cerebral e morte 
encefálica. É mister, porém, distinguir tecnicamente as expressões: por 
“cérebro”, a ciência médica entende apenas a porção superior do 
sistema nervoso central, cuja abertura externa, o córtex, concentra as 
funções consideradas nobres e caracterizadoras da espécie humana. Já 
a expressão morte encefálica, denominação atual e mais adequada, 
abarca também o tronco encefálico e cerebelo, lembrando-se que é no 
tronco encefálico, situado abaixo docérebro propriamente dito, que se 
sediam os controles vitais vegetativos mais primários para a subsistência 
do organismo em suas atividades basais a exemplo do bulbo raquidiano, 
onde se encontra o centro respiratório.35
Pelos conceitos, afirmações a análises feitas até então, conclui-se 
que, com relação ao “fim da vida” há um entendimento mais sedimentado do que 
com relação ao “início da vida”. Conforme se asseverou anteriormente, nem a 
ciência, nem o direito, conseguiram chegar a um consenso com relação ao início 
da vida. Com relação ao término, contudo, a ciência tem dado melhores 
respostas, o que ajuda o operador do direito na análise de casos concretos e ao 
magistrado autorizar ou coibir que pacientes em estados terminais sejam 
considerados “vivos” ou “mortos”. 
A par dessa discussão sobre a primazia do direito à vida, há outros 
princípios constitucionais que têm fundamental relevância na análise da 
possibilidade (ou autorização) constitucional em relação à ortotanásia. Trata-se 
dos princípios do direito à liberdade e da igualdade, que se passa a analisar. 
34 GHERARDI, Carlos. Ob cit. O autor relata ainda a controvérsia ocorrida na Inglaterra entre médicos de 
terapia intensiva e anestesias sobre a aplicação ou não da anestesia ao doador (morto cerebral) para efetuar-se 
a ablação de órgãos (p. 4). 
35 VILLAS-BOAS, Maria Elisa. Da eutanásia ao prolongamento artificial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 
203. 
19
1.2 O Princípio Constitucional do Direito à Liberdade 
1.2.1 Noção sobre o direito à liberdade e sua relação com a 
igualdade
A liberdade e a igualdade encontram-se enraizadas na consideração 
do homem como pessoa. Tanto a liberdade quanto a igualdade servem de 
fundamento à democracia e é certo dizer que um regime é mais ou menos 
democrático pela maior ou menor liberdade que têm os cidadãos e pela maior ou 
menos igualdade existente entre eles. 
Ao tratar desses valores, Sartori afirma que “a igualdade pressupõe 
a liberdade”, o que não significa dizer que um princípio seja mais importante que o 
outro. A consideração feita pelo referido autor é no sentido de indicação de uma 
ligação procedimental: a materialização da liberdade no tempo e de fato antes da 
igualdade. Sartori ensina que: 
A liberdade vem primeiro, então, com base na simples consideração de 
que a igualdade sem liberdade é algo que não pode sequer ser 
reivindicado, Existe, claro está, uma igualdade que precede a liberdade 
e não tem relação com ela; é a igualdade que existe entre escravos, 
entre indivíduos que são iguais por nada possuírem ou por nada 
valerem, ou por ambos, iguais em sua completa sujeição. No entanto, a 
igualdade dos escravos ou dos súditos escravizados não é uma vitória 
da igualdade e não tem nada a ver, assim espero, com as igualdades 
que prezamos. É difícil não reconhecer, então, que a liberdade vem 
primeiro no sentido de que quem não é livre nem seque tem voz na 
questão36.
Contudo, o mesmo autor alerta para o fato de que quando um 
estado de liberdade abre espaço para a igualdade, o primeiro princípio passa à 
desvantagem, eis que o apelo de igualdade torna-se mais forte. Segundo Sartori,
a razão disso é que: 
Em primeiro lugar, a idéia de igualdade é mais acessível, pois é 
possível atribuir a ela um significado mais tangível (mesmo que seja 
enganoso), ao passo que à liberdade, não. Em segundo lugar, a 
igualdade resulta na concessão de benefícios tangíveis, benefícios 
materiais, ao passo que os benefícios da liberdade são, enquanto são 
desfrutados, intangíveis37.
36 SARTORI,Giovanni. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994, v. 2., p. 133. 
37 Idem, p. 134. 
20
Sartori indaga quando a igualdade realiza a liberdade. Para ele, a 
fórmula a ser adotada é aquela que concede “oportunidades iguais para se tornar 
desigual”. É que: 
Para aquele que busca a liberdade, há tanta injustiça em impor 
uniformidade àquilo que é diferente, quanto em aceitar desigualdades 
hereditárias. Equalizar ‘todos em tudo’ é criar um situação tão saturada 
de privilégios quanto a que aceita desigualdade em tudo. Seu critério é 
que é preciso opor-se tanto às igualdades injustificadas quanto às 
desigualdades injustificadas, e exatamente pela mesma razão38.
A menção e proteção da igualdade ganhou destaque principalmente 
na modernidade, no contexto da Revolução Francesa. A Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão, de 1979, já afirmava, em seu artigo 1º, que os homens 
permanecem livres e iguais em direito. 
Outro texto que deu destaque à proteção jurídica da igualdade entre 
as pessoas foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que já 
em seu artigo I preceitua: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em 
dignidades e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em 
relação umas às outras com espírito de fraternidade”. 
José Luiz Quadros de Magalhães, estudando a igualdade jurídica, 
ensina que 
Da mesma forma que as Declarações de direitos afirmam que os 
homens nascem livres, também afirmam que estes nascem iguais em 
direitos. Esta igualdade é a base sólida sobre a qual se sustentarão as 
liberdades individuais. Não haverá jamais a liberdade onde não haja 
igualdade (...). A igualdade a partir do pensamento de Rousseau e dos 
filósofos do século XVIII será inseparável da liberdade, pois será 
condição fundamental para a realização desta39.
Os ecos dos princípios contidos na Declaração surtiram efeito em 
praticamente todos os textos constitucionais das sociedades ocidentais. 
38 Idem, p. 135. 
39 MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, t. 1, p. 
89. 
21
No Brasil não poderia ser diferente. Eis que no caput do artigo 5º da 
carta Magna de 1988, diz-se que 
Todos são iguais perante as lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade à igualdade, à segurança e 
à propriedade. (grifo nosso) 
Também no preâmbulo dessa mesma constituição assegura “o 
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, 
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma 
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. 
O princípio da igualdade, além de base dos direitos individuais, 
fundamenta todos os direitos humanos, no momento em que vários são os 
preceitos constitucionais que tratam do assunto, podendo-se citar o artigo 3º, IV; 
artigo 5º, I, XLII; incisos XXX, XXXI e XXXII do artigo 7º e artigo 14, todos da 
Constituição da República. 
Mas a garantia da igualdade, muitas vezes, tem como conseqüência 
o tratamento desigual em relação às pessoas, assunto que é abordado por 
diversos doutrinadores pátrios, dentre eles, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: 
O princípio da isonomia oferece na sua aplicação à vida inúmeras e 
sérias dificuldades. De fato, conduziria a inomináveis injustiças se 
importasse em tratamento igual aos que se acham em desigualdade de 
situações. A justiça que proclama tratamento igual para os iguais 
pressupõe tratamento desigual dos desiguais. Ora, a necessidade de 
desigualar os homens em certos momentos para estabelecer no plano 
do fundamental a sua igualdade cria problemas delicados que nem 
sempre a razão humana resolve adequadamente (...). O legislador há 
de estabelecer tratamento desigual para situações desiguais, mas se 
tratar desigualmente situações que não são desiguais, o que sucede 
quando beneficia desarrazoadamente determinadas categorias, incide 
em inconstitucionalidade40.
Eis aí um dos pontos fundamentais desta questão: a idéia de 
tratamento igual aos iguais, tratando desigualmente os desiguais, entendendo que 
aquele que está enfermo, em situação debilitada em demais, sem perspectiva de 
40 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 
1996, p. 581. 
22
recuperação quelhe devolva a sadia qualidade de vida41, pode ter o mesmo 
tratamento daquele que desfruta de uma vida plena de dignidade? 
À pessoa humana são reconhecidos direitos individuais, sociais, 
econômicos e políticos, próprios de um Estado de Direito. São direitos protegidos 
tanto no campo internacional - pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, 
pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional dos 
Direitos Econômicos Sociais e Culturais – bem como internamente, 
precipuamente pela Constituição Federal. Pergunta-se, contudo: de que adianta o 
reconhecimento de todos esses direitos se, para muitos, não há possibilidade de 
desfrutá-los? Como garantir o princípio da igualdade entre pessoas tão distintas, 
especificamente para o caso deste trabalho, entre pessoas sãs e sadias, que têm 
a vida atrelada à saúde do corpo e da mente, e aquelas que sofrem as 
conseqüências de doenças várias, tendo a vida, nesses casos, se transformado 
em dever de sofrimento? 
O ponto de convergência entre os dois aspectos, de modo a garantir 
igualdade, é que a vida só deve prevalecer como direito fundamental oponível 
erga omnes quando for possível viver bem. No momento em que a saúde do 
corpo não mais conseguir assegurar o bem-estar da vida que se encontra nele, há 
de serem considerados outros direitos, sob pena de infringência ao princípio da 
igualdade. É que a vida passará a ser dever para uns e direitos para outros. E a 
confirmação desta afirmação é resultado de situações verídicas, que, ao contrário 
do que pode parecer, vêm acontecendo de maneira freqüente, principalmente
devido ao grande avanço das ciências biotecnológicas. 
A propósito do acima mencionado, é oportuno apresentar trecho 
escrito pela Dra. Elisabeth Kubler-Ross, psiquiatra americana, que se dedicou, 
por longos anos, ao estudo da morte e ao processo de morrer e que foi acometida 
por doença grave que a deixou na cama, minando-lhe o exercício de suas 
faculdades mais rudimentares: 
41 Conforme previsto no art. 225 da Constituição Federal. 
23
A morte em si é uma experiência positiva e maravilhosa, mas o 
processo de morrer, quando prolongado como o meu, é um pesadelo. 
Vai minando as nossas faculdades, em especial a paciência, a 
resistência e a equanimidade. Durante todo o ano de 1996, lutei com as 
dores constantes e as limitações impostas por minha paralisia. 
Dependendo de cuidados alheios vinte e quatro horas por dia. Se toca a 
campainha da porta, não posso atender. E a privacidade? Pertence ao 
passado. Depois de quinze anos de total independência, é uma lição 
difícil de aprender. As pessoas entram e saem. Às vezes minha casa 
parece a Grand Central Station. Outras vezes, fica quieta demais. Que 
tipo de vida é essa? Uma vida desgraçada42.
Será que a garantia do princípio da igualdade, em casos como esse, 
não dependeria da liberdade de escolha de cada um, após acompanhamento 
médico e psicoterápico, de acordo com pensamentos e ideologias próprias? No 
caso acima citado, a Dra. Elisabeth manifestou-se, em seu livro, contrariamente a 
Jack Kevorkian (o famoso Dr. Morte), sob a alegação de que o mesmo tira a vida 
das pessoas prematuramente, apenas porque elas estão sentindo dores ou 
desconforto. Segundo as convicções da médica, as pessoas não podem ser 
privadas de suas últimas lições. 
De outro lado, há aqueles que discordam da linha de raciocínio 
apresentada pela Dra. Elisabeth. Será que para eles a escolha não garantiria a 
igualdade de tratamento, já que têm outras concepções acerca da dignidade da 
vida? Vê-se a necessidade de abordar a questão relativa a outro princípio 
constitucional, o da liberdade.
Discorrer sobre liberdade não é tarefa fácil, vista ser tema poroso, 
que admite uma vasta gama de interpretações. Assim, o emprego do termo 
sempre reflete uma teoria específica, sendo certo que a liberdade, 
incomensurável, exerce, sem qualquer dúvida, um enorme fascínio em todos os 
contextos em que é tratada. 
O vocábulo latino líber, do qual deriva “livre”, teve a princípio o 
sentido de “pessoa na qual o espírito de procriação se acha naturalmente ativo”, 
donde a possibilidade de se chamar líber ao jovem, quando, ao alcançar a 
maturidade sexual, se incorpora como homem capaz de assumir 
42 KUBLER-ROSS, Elisabeth. A roda da vida. Trad. Maria Luiza Newsland Silveira. 2. ed. Rio de Janeiro: 
GMT, 1998, p.308. 
24
responsabilidades. Recebe, então, a toga virilis ou toga libera. Nesse sentido, o 
homem livre é aquele que não é escravo.43
Ser livre é estar disponível para fazer algo por si mesmo. Nesse 
sentido, a liberdade afigura-se como a possibilidade de decidir e, ao decidir, 
autodeterminar-se. Mas a liberdade pressupõe responsabilidades do indivíduo 
para consigo mesmo e ante a comunidade. Os romanos a definiam: 
A liberdade é a faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a 
violência ou o direito lhe não proíbe. Libertas est naturalis facultas ejus 
quod cuique facere libet, nisi si quid vi aut jure prohibetur.44
Na visão de Gerson Bóson, são duas as maneiras de atuação da 
liberdade: “a liberdade natural da existência na marcha da sua temporalização 
primordial – a vida em busca de si mesma, construindo-se – e a liberdade 
absoluta do espírito”45.
A primeira se desenvolve no campo da natureza, sendo certo que o 
homem age através de instintos, emoções e sentimentos. A segunda, a liberdade 
absoluta do espírito, tem seu desenvolvimento pela lógica da sua projeção 
intencional. E, a partir daí, o espírito elabora as suas idéias, nelas estando 
incluída a idéia do Direito. Na opinião de Bóson: 
É graças a este seu modo de ser livre que o espírito pode elaborar 
idéias, dentre as quais as idéias éticas e nestas a idéia do Direito, 
oferecidas às forças impulsivas da existência, juntamente com os 
valores jurídicos a fim de que possam realizar, na liberdade de sua 
temporalização natural, e segundo as formas oferecidas, as valorações 
do seu interesse – as valorações necessárias à construção da vida – 
sem os riscos precipitados da morte, os riscos do nada46.
O homem elabora a idéia do Direito através da liberdade absoluta do 
espírito e as formas normadas conduzem o comportamento do homem. A título de 
exemplo, uma determinada norma proíbe o homicídio; outra limita a validade 
desta mesma norma pelo fato de que exclui a condenação de um homem que 
agiu em legítima defesa, e assim por diante. 
43 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Transplante de órgãos e eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992, 
p; 5. 
44 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. III, p. 84. 
45 BOSON, Gerson de Britto Mello. Filosofia do direito. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 280. 
46 Idem, p. 281. 
25
A liberdade é o fundamento do direito em Kant47, sendo traduzida 
em fundamento transcendental, porquanto não pode ser demonstrada por não se 
dar na experiência. Somente sob o pressuposto da liberdade é que são possíveis 
a moral e o direito. 
A moral constitui a legislação interna do homem, na forma de 
imperativos categóricos48, enquanto o direito traduz-se na legislação externa, 
reguladora do convívio das liberdades individuais através da coação. A partir daí, 
tem-se o conceito de direito que é, portanto, a liberdade exteriorizada. 
Para Kant, há um único direito natural: a liberdade. O homem deve 
sair do estado de natureza com a finalidade de constituir o estado civil, por ser 
livre. A liberdade é conditio sine qua non do direito, diversamente da coação, esta 
última vista como garantidora do convívio dos arbítrios, dando eficácia ao direito 
(conditio per quam). 
Ainda segundo Kant, a liberdade é um fim em si mesma, e o direito 
aparece como meio capaz de tornar possível o convívio das vontades mediante 
uma lei universal de liberdade. 
Para Joaquim Carlos Salgado: 
Nisto se mostra a importância de Kant: ter sido o pensador que, pela 
primeira vez, voltoutodo o interesse de sua investigação filosófica para 
a questão da liberdade, enquanto exigência racional da possibilidade da 
eticidade do homem. Exatamente por isso permanece a atualidade de 
Kant: porque ainda não foi possível construir uma sociedade racional ou 
livre. As perguntas fundamentais de sua filosofia do direito ainda 
47 Outro é o entendimento do professor Edgar da Mata Machado. Segundo o ilustre mestre, “é freqüente a 
afirmação de que, para Kant, o fundamento do direito reside na liberdade. Nada mais falso. A conciliação das 
liberdades não passa de um princípio formal apriorístico. Tudo está em saber como se faz, como se obtém 
dita conciliação, como se move, se motiva a ação humana na ordem jurídica, como se realiza a lei universal 
do direito: para o filósofo prussiano só há um meio de realizar-se, de concretizar-se semelhante lei: a coação 
física, a força, que, em estágio de mais estrita organização será exercida pelo estado”. MATA MACHADO, 
Edgar. Elementos de teoria geral do direito. 4. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1995., p. 109. 
48 “Os imperativos categóricos, ao contrário dos hipotéticos, declaram a ação como objetivamente válida sem 
intenção de qualquer finalidade e valem como princípio apodítico (necessário-prático). O imperativo 
categórico é, pois, o mandamento da moralidade, que traz consigo a necessidade incondicionada de 
obediência, mesmo contra as inclinações. São necessários para o homem que, pertencente ao mundo sensível, 
pode agir em desacordo com a lei universal”, GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do 
direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 64. 
26
perduram: ‘como é possível uma sociedade racional’? ou ‘como é 
possível uma sociedade livre’?49
Para se entender a ética kantiana, mister se faz pressupor que o 
homem é livre e a liberdade vincula o conteúdo do direito. 
Segundo Maria Celeste Cordeiro dos Santos, “quando Kant diz que 
o fim (a suprema lex) do Estado é a liberdade, entende por tal a liberdade 
individual, ou, usando uma contraposição hoje habitual, a liberdade a frente do 
estado, a liberdade no Estado”50.
E continua dizendo que: 
O ideal de paz que aspira Kant há de alcançar-se mediante a extensão 
às relações entre estados da constituição legal própria das relações 
entre indivíduos. Coincide com o ideal da extensão e reforço da 
liberdade civil, isto é, da liberdade que o direito garanta, em 
contraposição à liberdade brutal e selvagem do estado de natureza51.
A conceituação mais genérica de liberdade, como atributo do 
homem – indivíduo e também ser social, verte, não raro, em duas direções em 
que, de um lado, é explicada como a não-sujeição do arbítrio humano ao universo 
de circunstâncias e causalidades em que se encontra imersa a pessoa, em si 
mesma, e em suas relações; de outro lado, explicam-se os caminhos percorridos 
pela escolha humana como não sendo livres, mas balizados ou orientados pela 
sanção, pela pena ou por uma recompensa ou quaisquer outros valores que, 
existentes no homem ou extrínsecos a ele, impossibilitam, simplesmente por 
existirem, a ocorrência de desvinculo, de irresponsabilidade, de liberdade pura e 
não, meramente, de intenções orientadas. 
Para Hans Kelsen, a ciência jurídica não é uma ciência do “ser” e 
não descreve fatos, mas sim uma ciência normativa, ou seja, aquela que 
49 SALGADO,K Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. 
Belo Horizonte: UFMG, 1995, p. 18. 
50 SANTOS, 1992, p. 35. 
51 Ibidem, p. 36. 
27
prescreve normas, através do princípio da imputação – as normas têm caráter 
coercitivo52.
Fazendo uso da imputação, o jurista, referindo-se à liberdade do 
homem, o faz de forma diversa dos conceitos acima mencionados, apresentando 
a idéia de que o que caracteriza a liberdade do homem é o fato de que à sua 
conduta corresponda uma conseqüência, ou seja, por se imputar uma pena, uma 
recompensa ou uma sanção a um proceder humano, por este motivo mesmo é 
que ele é livre. 
Portanto, para descrever seu objeto, a ciência jurídica formula 
regras de direito, através da norma. E esta norma é o sentido que se dá a um ou 
a muitos atos que os homens cumprem no espaço e no tempo,e aos quais se 
denomina costume, lei, sentença, ato administrativo etc. 
Nas palavras de Kelsen, “não se imputa algo ao homem porque ele 
é livre, mas ao contrário, o homem é livre porque se lhe imputa algo”53.
A liberdade sobre o corpo encontraria co-respectiva imputação? O 
livre dispor do corpo existe por que se lhe proíbe algo? 
Eis aí a exaustão do modelo kelseniano de liberdade. Na esfera 
individual, o homem é livre para dispor de seu corpo, não porque se lhe impute a 
proibição ou sanção. É que o sujeito de direito seria livre, mas como não se pune 
sequer a forma tentada de suicídio, a sanção não seria a causa eficiente. 
Confundidos o sujeito e o objeto do direito, prejudicada a liberdade concertada no 
direito subjetivo, que, assim, deixa de ser a única expressão de faculdade ou 
poder de ação conforme a norma. 
Está-se diante de uma encruzilhada, nascida do conflito de 
interesses na dimensão individual (ou de interesses em conflito): o corpo humano 
52 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à ciência do direito – temas. Trad. Moisés Nilve. 15 
ed. Buenos Aires.: Universitária de Buenos Aires, 1977, p. 140. 
53 KELSEN, 1977, p. 148. 
28
é um só e há de satisfazer a uma de duas necessidades: a liberdade individual, 
egoísta ou altruísta, que consulta ao jusnaturalismo; ou a liberdade social, 
coletiva, atrativa ou repulsiva, que vem do positivismo. 
A este propósito, há que se trazer à baila novamente as palavras de 
Gerson Bóson, citado por Maria de Fátima Freire Sá:
Inventou-se uma controvérsia equívoca entre o Direito Natural e o que, 
especificamente, chamam de Direito Positivo. E, não raro, os que 
procuram conhecer os seus lances se deparam com ridículas 
conclusões de um desses direitos negando o outro. Para negar o que 
dizem ser o Direito Positivo, normas legisladas pelo estado, chamam-no 
de Direito Natural, apelidam-no de Direito Ideal, aspiração, quando não 
o confundem com o próprio valor-justiça.54
Certo é que a dicotomia “direito natural – direito positivo” encontra-
se enfraquecida. Em se tratando de um Estado Democrático de Direito, a 
necessidade da ordem jurídica é indiscutível, sendo ela a responsável pelas 
garantias individuais e sociais estabelecidas pelo direito positivo. É que em nome 
da vida e da liberdade – valores invocados como naturais – muitos abusos foram 
cometidos ao longo da história, o que hoje afigura-se inconcebível.55
De qualquer sorte, a “questão da liberdade” é tema central da 
bioética. Foi essa a conclusão do médico e professor da faculdade de medicina 
da Unesp/Botucatu, Dr. William Saad Hossne, que publicou na internet 
interessante trabalho em que procura demonstrar que a Bioética não é 
simplesmente a ética com nova roupagem, embora não deixe de ser “na essência 
e no fundo, à ética (e das) ciências da vida, da saúde e do meio ambiente”, 
54 BOSON, Gerson de Britto Mello apud SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de Morrer – eutanásia, 
suicídio assistido. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.93. 
55 O tema ‘liberdade’, como há foi dito, é denso e profundo, não havendo qualquer pretensão de nossa parte 
em esgotar a matéria, mas tão somente buscar embasamento para as proposições que serão feitas ao final 
desta reflexão. Não obstante, mister se faz a transcrição da conceituação feita por Bobbio sobre a liberdade 
positiva e negativa: “A liberdade negativa é uma qualificação da ação; a liberdade positiva é uma 
qualificação da vontade. Quando digo que sou livre no primeiro sentido, quero dizer que uma determinada 
ação minha não é obstaculizada e , portanto, posso realizá-la; quando digo que sou livre no segundo sentido, 
quero dizer que o meu querer é livre, ou seja, não é determinado pelo querer do outro, ou sendo, maisgeral, 
por forças estranhas ao meu próprio querer. Mais do que de liberdade negativa e positiva, seria talvez mais 
apropriado falar de liberdade de agir e liberdade de querer, entendendo-se pela primeira, ação não impedida 
ou não forçada, e, pela segunda, precisamente a referência á ausência de (...) em ambas as definições serve 
para explicar, melhor do que a qualificação negativa e positiva, por que tanto a linguagem comum como a 
linguagem técnica empregam o mesmo termo para as duas diferentes acepções”. BOBBIO, Norberto. 
Igualdade e liberdade. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 52. 
29
conceito que, entretanto considera insuficiente sem menção a seus diversos 
desdobramentos, dos quais os principais seriam: 
A Bioética não é mais apenas a análise e a discussão dos dilemas éticos 
(feita por médicos) relacionados aos avanços da biomedicina. Ela 
abrange os dilemas de avanços, sim, e também do ‘cotidiano’ (expressão 
feliz criada por Berlinguer) das ciências da vida, da saúde e do meio 
ambiente. 
A Bioética, enquanto ética, se preocupa com a reflexão crítica sobre 
valores; um juízo sobre valores diante dos dilemas. Nesse sentido, o 
advento da Bioética muito contribuiu para estabelecer a distinção entre 
moral e ética. A moral diz respeito a valores consagrados pelos usos e 
costumes de uma determinada sociedade. Daí a origem da palavra 
moral. Valores morais são, pois, valores eleitos pela sociedade e que 
cada membro a ela pertencente recebe (digamos passivamente) e os 
respeita. Ao passo que a ética é um juízo de valores – é um processo 
ativo que vem de ‘dentro de cada um de nós para fora’, ao contrário de 
valores morais que vem ‘de fora para dentro’ de cada um. A ética exige 
um juízo, um julgamento, em suma, uma opção diante dos dilemas. 
Nesse processo de reflexão crítica, cada um de nós vais pôr em jogo seu 
patrimônio genético, sua racionalidade, suas emoções e, também, os 
valores morais. 
A Bioética é ética. Nesse sentido, não se pode dela esperar uma 
padronização de valores – ela exige uma reflexão sobre os mesmos e, 
como dito, implica opção. Ora, opção implica liberdade. Não há 
Bioética sem liberdade. Liberdade para quê? Para se poder fazer 
opção, por mais ‘angustiante’ que possa ser’.56 (grifo nosso) 
1.2.2 A autonomia como princípio bioético 
Entre as mais distintas correntes que se debruçam ao estudo da 
Bioética, acredita-se que a mais aceita seja o Principialismo57, basicamente 
refletido na obra “Principles os Biomedical Ethics”58, em que os autores (Tom 
Beauchamp e James Childress) apontam alguns princípios básicos que devem 
ser levados em conta quando da abordagem de um paciente e nas decisões a 
serem tomadas em relação à sua vida. Entre esses princípios está o da 
“autonomia”, estreitamente relacionado ao princípio da liberdade. 
56 Disponível em <www.comciencia.br>. Acesso em 25.6.2006. 
57 Além do principialismo, outros modelos se prestam ao estudo da bioética, a exemplo do modelo casuístico 
de Jonsen e Toulmin (1988), do modelo libertário ou autonomista de Engelhardt, do modelo do cuidado (dito 
por isso um modelo feminista), da “bioética dura” de que fala Volnei Garrafa, entre outras correntes. Para um 
aprofundamento da questão, cf. ARAÚJO, Antônio Fpabio Medrado de. Elementos para a Construção de 
uma Bioética Fundada no Amor de Amizade. 2003. Dissertação de Mestrado em Ciências da Família – 
Pontifícia Universidade Lateranense de Roma/Pontifício Instituto João Paulo II (Seção Brasileira). Salvador, 
2003. 
58 Citado por VILLAS BÔAS, Maria Elisa, 2005, p. 115. 
30
A expressão autonomia advém da junção das palavras auto (próprio)
e nomos (norma, regra, lei etc.), relacionando-se com a capacidade de 
autodeterminação do indivíduo. Por esse princípio, o paciente é tomado por 
alguém apto a decidir acerca de seu próprio corpo e da conveniência de se 
submeter ou não a determinados tratamentos, conforme seus valores pessoais e 
dentro dos limites legais, após o devido esclarecimento por parte do médico que o 
auxilia. A autonomia tem, portanto, íntima ligação com a noção de liberdade e 
legalidade, uma vez que o enfermo não estará obrigado a fazer algo ou a 
consentir que se lhe faça, se não há lei que o obrigue, podendo autogerir-se 
livremente dentro desse espaço juridicamente permitido. 
A autonomia resulta da própria deferência à dignidade da pessoa59.
Ela se opõe ao paternalismo médico, vigente até o século passado (ou seja, à 
premissa de que o paciente é obrigado a sujeitar-se a tudo o que o médico 
determinar). Representa o reconhecimento do protagonismo do paciente na 
decisão e na assunção de condutas a ele pertinentes. Na autonomia se incluem, 
além da liberdade, outras noções, consagradas pela evolução dos direitos 
humanos e da deontologia médica, a exemplo do respeito à privacidade e do 
direito à confidência, aspectos intimamente relacionados. Violar a autonomia, 
segundo Beauchamp e Childress60, em consonância com o pensamento de Kant, 
é tratar a pessoa como meio e não como um fim em si mesma. 
Luís Salvador de Miranda Sá Júnior distingue autonomia 
(autodeterminação) de autarcia (auto-suficiência) e os aponta como sendo “os 
dois vetores essenciais do conteúdo significativo da expressão liberdade, que 
constitui a essência da idéia de independência na linguagem comum”61. Embora 
nem sempre o paciente possa conservar sua autarcia, por limitações físicas, 
passando a depender de outros para seu cuidado, sua autonomia deve ser 
respeitada, sempre que haja competência para tanto. 
59 Conforme será analisado no item seguinte. 
60 BEAUCHAMP, Tom; CHILDRESS, James. Princípios de ética biomédica. Trad. Luciana Pudenzi. São 
Paulo: Loyola, 2002, p. 137. 
61 SÁ JR. Luís Salvador de Miranda. Autonomia, Autarcia e Consulta Médica. In: Tempo de Vida e Tempo de 
Morte Actas do VII Seminário Nacional do Conselho nacional de Ética para as Ciências da Vida. Lisboa: 
Presidência do Conselho de Ministros, 2001, p. 33-57. 
31
A expressão de conteúdo ético competência relaciona-se de modo 
imperfeito à expressão jurídica capacidade, uma vez que a competência 
relaciona-se à potencialidade fática de autodeterminar-se em dadas situações, 
enquanto a capacidade legal segue orientações bem mais objetivas. Pode haver 
coincidência entre esses conceitos, como em caso de incapacidade 
superveniente, decorrente de patologia, mas se observa particular distinção no 
que tange ao paciente menor. No Brasil, para fins de amparo legal à conduta 
médica, tem-se tendido a dar prevalência à capacidade jurídica, em detrimento da 
teoria do menor maduro, adotada em alguns países europeus e nos Estados 
Unidos da América, também chamada maioridade sanitária.62
Por essa teoria – indicada pela Associação Americana de Pediatria 
desde a década de 80 – o adolescente deve ter sua competência reconhecida e 
sua autonomia respeitada sempre que, em caráter pessoal, for considerado apto 
a compreender os efeitos de sua decisão, embora não tenha alcançado a 
maioridade legal63. É possível verificar alguma influência dessa corrente no 
Código de Ética Médica brasileiro, quando, em seu artigo 103, veda ao médico 
revelar segredo profissional referente a paciente menor, mesmo a seu 
representante, se o menor tiver “capacidade de avaliar seu problema e de 
conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não 
revelação possa acarretar danos ao paciente”. 
A norma inserida no Código de Ética Médica além de ter raízes na 
chamada teoria do menor maduro ou maioridade sanitária, possui irrefutável 
abrigo no princípio constitucional do direito à intimidade e vida privada64,
62 VILLAS-BÔAS, 2005, p. 119-120. 
63 Cf. a respeito RODRIGUES, João Vaz. O Consentimento Informado para o Acto Médico no Ordenamento 
Jurídico Português: Elementos para o Estudo da Manifestação da Vontade do Paciente. Coimbra: Coimbra, 
2001, p. 202 e SS. Em 1998, a 50ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundical, ocorrida

Outros materiais