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Angústia e desamparo em Dostoiévski

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Dostoiévski: Angústia e desamparo em “A revolta” e “O grande 
inquisidor” 
Angústia e desamparo em “A revolta” e “O grande inquisidor”, 
capítulos de Os irmãos Karamázov 
 
Dostoievski. Ao fim do primeiro bimestre de 2016, Rodrigo Mortara, 
aluno do 3º Ano do Ensino Médio, propôs realizar um trabalho acerca 
de Os irmãos Karamázov. Disse-me que lera o livro durante as férias 
e que conseguia ver relações entre o romance de Dostoievski e as 
ideias do filósofo que àquela altura estudávamos, Jean-Paul Sartre. 
Minha proposta inicial era que os alunos escolhessem algum texto 
ficcional de Sartre, redigissem uma análise dele e procurassem 
interpretá-lo à luz dos conceitos do próprio Sartre. Se essa tarefa não 
era simples, a escolha pelo romance de Dostoiévski tornava ainda 
mais complexo o desafio. Avisei que não seria moleza, mas que se 
quisesse ele poderia, evidentemente, tentar. A meu ver, chegou a um 
resultado notável. A publicação do trabalho, assim, testemunha o 
reconhecimento pelo empenho intelectual do Rodrigo, que dá parte 
de um interesse autêntico pelas aventuras mais densas 
do pensamento e da imaginação. 
 
O enredo do livro trata da trajetória dos irmãos Dmitri, Ivan e Aliócha, 
todos filhos do devasso Fiódor Pavlóvitch, que apesar de terem sido 
criados separadamente, acabam se reunindo com seu pai no mesmo 
momento por motivos distintos. O livro tem inúmeros acontecimentos, 
que não vem ao caso neste trabalho; mas os eixos centrais são a 
disputa amorosa entre Dmitri e seu pai pelo amor de uma mulher, e 
depois os desdobramentos do assassinato de Fiódor Pavlóvitch, que 
teria sido cometido por Dmitri, por causa de sua rixa amorosa e por 
motivos financeiros. 
Ivan é o irmão do meio, quatro anos mais velho que Aliócha. Ele é o 
único dos três que chegou a fazer universidade, em Moscou; e 
apesar de ter se formado nas ciências naturais tem um grande 
interesse por filosofia, principalmente ligada à religião, tendo 
chegado mesmo a escrever um artigo relacionado aos tribunais 
eclesiásticos. Já Aliócha é o irmão mais novo, e segundo o narrador, 
o herói da história. Ele é um religioso que reside num mosteiro e é 
aprendiz do Stáriets Zózima, monge que é considerado quase que 
como um santo em sua região. 
O livro é narrado na modalidade onisciente intruso por um morador 
não identificado da cidade em que a trama se passa. O narrador 
frequentemente vasculha a mente dos personagens, fazendo com 
que cada um tenha sua própria personalidade e mentalidade, com 
uma rara profundidade psicológica. Nesse ponto Sartre foi um pouco 
incerto ao atribuir a frase “Se deus não existe tudo é permitido” a 
Dostoievski, já que foi o personagem Ivan Fiódorovitch quem a 
construiu, e devido a sua vasta profundidade psicológica fica de certo 
modo complicado atribuir a frase ao autor, e não ao personagem. 
 
Em seu texto O existencialismo é um humanismo Sartre atesta: 
“Dostoievski escreveu: ‘Se deus não existisse, tudo seria permitido’. 
Eis o ponto de partida do existencialismo”. Essa frase é um 
pensamento de Ivan Fiódorovitch, personagem de Os irmãos 
Karamázov. E apesar do livro ter sido publicado em 1880, não é à 
toa que foi dele que saiu, segundo Sartre, a base do existencialismo. 
Nos capítulos “O grande inquisidor” e “A revolta”, que são 
praticamente monólogos de Ivan Fiódorovitch, podemos observar 
algumas semelhanças com o pensamento sartriano. 
Pontos gerais e “A revolta” 
Os capítulos constituem parte do livro Os irmãos Karamázov, escrito 
pelo russo Fiódor Dostoiévski. 
 
Também merece ser destacado que a profundidade psicológica dos 
personagens é exposta de maneira magistral nos diálogos que 
travam, como é o caso do capítulo “O grande inquisidor”. Para mim, 
os diálogos e a profundidade dos personagens são tão 
impressionantes que justificam a leitura do livro. 
Os capítulos em questão, porém, são anteriores à morte de Fiódor 
Pavlóvitch, e tratam de um diálogo de despedida travado entre Ivan 
e Aliócha antes de Ivan deixar a cidade e partir para Moscou. Ivan diz 
ter esse diálogo com o objetivo de conhecer melhor Aliócha, já que 
eles estavam reunidos depois de muito tempo. 
Nessa conversa Ivan e Aliócha começam a tratar de religião e Ivan 
expõe parte de seus pensamentos: ele dá exemplos da crueldade 
humana para com as crianças. Para ele, elas são os únicos 
inocentes, já que os adultos, em suas palavras, “comeram o fruto 
proibido, discerniram o bem e o mal, tornaram-se semelhantes a 
deuses “. Para ele, as torturas feitas com crianças mostram o lado 
mal do homem, mostram que os homens são seres cruéis, e que “não 
sabem aonde ir, nem a quem se dirigir, e isto excita os maus 
instintos”. 
Ele desenvolve seu pensamento ao afirmar que a religião busca uma 
harmonia superior, um momento em que as vias de Deus seriam 
reveladas e tudo seria explicado. Porém, o sofrimento das crianças, 
que foi exposto por ele, seria injustificável, inexplicável e 
imperdoável, e por isso ele não consentiria em aceitar essa harmonia 
superior pelo preço do sofrimento das crianças. Aliócha então rebate 
Ivan afirmando que ele baseia sua tese no fato de que nenhum 
homem na terra teria o direito de perdoar, mas que na verdade esse 
homem existe e é Cristo, ele poderia perdoar o sofrimento e revelar 
as vias de Deus. Ivan, porém, já previa que Aliócha evocasse a figura 
de Cristo, e para rebater seu argumento conta um poema que teria 
sonhado: O grande inquisidor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O grande inquisidor 
O poema, que é em prosa, se passa em Sevilla no século XVI na 
mais terrível época da inquisição. Ele relata o que aconteceria caso 
Cristo retornasse a terra nesse momento. Inicialmente ele retorna em 
meio a uma multidão de fiéis, logo é reconhecido, faz alguns milagres 
e desperta o amor na multidão. Porém, ele logo é preso pelo grande 
inquisidor, um jesuíta octagenário temido pelo povo e responsável 
pela inquisição na cidade; essa prisão, apesar de surpreender o povo 
não causa revolta, de tão acostumado que este estava em obedecer 
ao inquisidor. O grande inquisidor leva então Cristo para uma cela, 
discursa para ele. 
Ele diz para Cristo que ele não tem mais o que acrescentar ao que já 
disse outrora, e que caso fizesse isso feriria a “liberdade da fé” 
atingida com muita luta pela igreja. Para o grande inquisidor Cristo 
falhou porque recusou em aceitar distribuir o “pão da terra”, se ele 
tivesse aceitado esse pão, a humanidade iria abdicar de sua 
liberdade e docilmente se arrebanharia. Porém, Cristo não quis 
comprar a fé humana com isso e preferiu deixa-la conviver com a sua 
liberdade; isto teria sido desastroso, pois segundo o jesuíta, o 
homem, não conseguindo lidar com sua própria liberdade, acaba 
fadado ao sofrimento: “Esqueces-te então de que o homem prefere 
a paz e até mesmo a morte à liberdade de discernir o bem e o mal? 
Não há nada de mais sedutor para o homem do que o livre arbítrio, 
mas também nada de mais doloroso”. 
Portanto, o grande inquisidor irá queimar Cristo porque ele preferiu 
deixar o homem com sua liberdade ao invés de criar “princípios 
sólidos que teriam tranquilizado para sempre a consciência humana”, 
enquanto os jesuítas que ficaram na terra conseguiram criar a 
“liberdade de fé”, que na verdade é a supressão da liberdade humana 
para permitir a felicidade. Diz o inquisidor: “fica sabendo que jamais 
os homens se creram tão livres como agora, e, no entanto a liberdade 
deles depositaram-na humildemente a nossos pés”. “ Porque é 
agora, pela primeira vez (…) que se pode pensar na felicidade dos 
homens. São naturalmente revoltados; revoltados podem ser 
felizes?” 
O inquisidor tem o projeto de construir um mundo onde alguns 
milhares de homens tomarão conta da liberdade do resto, assim 
suprimindo o sofrimento e deixando o homem feliz. “Os felizes contar-
se-ão por bilhões, e haverá cemmil mártires encarregados do 
conhecimento do bem e do mal’. O segredo para a construção deste 
império é que o inquisidor não crê em Deus, e compreende como 
uma necessidade de enganar o homem para que este seja feliz. 
Ao final do discurso do jesuíta, no qual Cristo não replicou com uma 
palavra, sua única resposta é beijar os lábios do inquisidor. Este 
então estremece e abre as portas do cativeiro, para que este vá e 
não volte nunca mais. 
Paralelos entre os capítulos e o pensamento sartriano 
São inúmeros os paralelos possíveis entre o discurso de Ivan 
Fiódorovitch e o pensamento existencialista exposto em O 
existencialismo é um humanismo. De início, já é possível de se 
perceber o peso da frase “se Deus não existe tudo é permitido”. O 
maior motivo da revolta do grande inquisidor com Cristo foi que este 
não teria dado ao homem um valor superior para apaziguar a 
consciência humana, pois não haveria nada mais penoso que ter que 
se decidir sobre o que é o bem e o mal. Adaptando a ideia para os 
conceitos de Sartre, poderíamos dizer que o grande inquisidor se 
revolta porque ao recusar dar à humanidade princípios sólidos, Cristo 
teria relegado o homem ao desamparo, que acaba levando 
à angústia. 
Em O existencialismo é um humanismo, Sartre diz: “O existencialista 
não pensará nunca, também, que o homem pode conseguir o auxílio 
de um sinal qualquer que o oriente no mundo (…) Pensa, portanto 
que o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a inventar o 
homem a cada instante”, essa falta de apoio e de respaldo em algo 
fora do próprio homem é o desamparo. E essa ideia também está 
presente no trecho de Os irmãos Karamázov. Para o grande 
inquisidor esse desamparo poderia ter sido solucionado caso Cristo 
tivesse dado para o homem “princípios sólidos que teriam 
tranquilizado para sempre a consciência humana”, ou seja, em 
ambos os textos a liberdade do homem de se inventar aparece como 
uma condenação. 
A liberdade pode ser vista como um fardo em ambos os textos porque 
ela acaba levando o homem à angústia. A angústia é para Sartre 
parte constituinte da ação, derivada da responsabilidade da escolha, 
já que nenhuma escolha tem algum valor a não ser de ter sido 
escolhida, ou seja, nenhuma escolha tem um valor fora de si mesma. 
Para o grande inquisidor, os homens também seriam salvos da 
angústia caso depositassem sua liberdade na mão dos jesuítas, pois 
teriam uma verdade superior que justificaria suas escolhas. Essa 
ideia é exposta de um modo que lembra bastante Sartre neste trecho 
do discurso do inquisidor (falando do homem livre): 
“A independência, o livre pensamento, a ciência tê-los-ão desviado 
num tal labirinto, posto em presença de tais prodígios, de tais 
enigmas, que uns, rebeldes furiosos, destruir-se-ão a si mesmos, e 
os outros, rebeldes, porém fracos (…) se arrastarão a nossos pés, 
gritando ‘Sim, tínheis razão, somente vós possuíeis seu segredo e 
nós voltamos a vós; salvai-nos de nós mesmos!’”. 
É gritante no trecho a ideia sartriana de angústia: os homens, que 
supostamente se perderiam em meio ao seu desamparo gerado pelo 
seu livre pensamento teriam dois caminhos: parte, que é rebelde e 
furiosa, destruir-se-ia em si mesma; outra, também rebelde, mas 
covarde, iria se voltar para os jesuítas, buscando a orientação para 
sanar sua angústia declarando “salvai-nos de nós mesmos!”. Pedir 
para salvar-se de si próprio é claramente pedir para salvar-se de sua 
angústia. 
Por fim, o maior paralelo que se pode estabelecer entre os dois textos 
é a diferente interpretação da liberdade, e como lidar com ela. Para 
Sartre a liberdade é inerente ao homem, o homem é liberdade, é 
necessário aprender a lidar com ela e reconhecê-la, negá-la seria um 
ato de má-fé[1]. E apesar de ela ser um fardo, também é de certa 
forma uma “dádiva”, pois permite que o homem determine a si 
mesmo, ou seja: “ O homem nada mais é do que aquilo que ele faz 
de si mesmo”. E por mais que essa indeterminação leve à angústia, 
ela também pode ser vista pelo lado positivo: o de que o homem pode 
criar seu próprio projeto de homem. 
Já para o grande inquisidor, a liberdade é um fardo que leva o homem 
à perdição, um fruto proibido. Ele reconhece que é livre e considera 
isso como sendo o maior dos sofrimentos, chega a se referir aos 
homens livres como “mártires”. Para ele a felicidade e a liberdade 
caminham separadas e são inconciliáveis. Com base nessas ideias 
ele se propõe então a ajudar a construir seu projeto em que os 
homens trocam a liberdade pela dominação e a felicidade: “Nós 
tornaremos todos os homens felizes, e as revoltas e os massacres 
inseparáveis de sua liberdade cessarão”. Ou seja, para o inquisidor 
o homem com sua liberdade se perde em sua angústia e desamparo, 
e não consegue projetar efetivamente em seu futuro algo além da 
desordem e a tragédia; e propõe que ele e alguns outros “homens de 
espírito” carreguem o fardo da liberdade humana, de modo a permitir 
que a humanidade seja feliz e não se destrua. 
 
Referências bibliográficas: 
DOSTOIÉVSKI, M Fiódor. Os irmãos Karamázov. São Paulo: Círculo 
do livro, s/d 
SARTRE, J.-P. “O existencialismo é um Humanismo” in Sartre (Col. 
Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1984. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.proust.net.br/capitulo/dostoievski/ 
“Cuidando essencialmente do homem e da finalidade de sua 
existência sobre a Terra, procurando desvendar os motivos e as 
consequências ocultas de todos os nossos atos, ansiando 
perpétuamente por resolver o secular problema do determinismo e 
do livre-arbítrio, fundamentando toda a sua obra na discussão 
metafísica do problema da liberdade, Dostoievski fundou uma 
antropologia, que é, antes de tudo, uma gnose”. Esta definição de 
Wilson Martins equaciona um dos aspectos essenciais num escritor 
religioso, para quem Cristo sempre está presente, mesmo quando 
ele nem é pressintido na narração. 
Dostoievski deseja mostrar exclusivamente a ação 
espiritual, seja conscientemente ou inconscientemente de suas 
personnas. Se o seu paradigma é a imagem de Cristo, esta é uma 
imagem sem dúvida diferente daquela que nós ocidentais dele 
possuímos, pois a que ele incorpora é profundamente ortodoxa e 
eslavófila; um Cristo que é destituído de sua liturgia e encarado única 
e exclusivamente como homem, como o homem em sua perfeição. E 
neste sentido, Ele simboliza a Verdade, oferecendo a nós, mortais, a 
verdadeira Liberdade, uma Liberdade final. 
Pois bem, a Liberdade, o Bem e o Mal que sempre estão 
presentes em Dostoievski, apresentam-se exclusivamente sob o 
aspecto metafísico e nunca do ponto de vista político. Berdiaev 
distingue dois aspectos desta Liberdade: “a primeira como a inicial e 
a última, a liberdade final e entre estas duas estende-se o caminho 
do homem, cheio de tormentos e sofrimentos, o caminho do 
desdobramento”. Para este grande conhecedor do pensamento 
dostoievskiano, a liberdade inicial é aquela que escolhe o bem, 
supondo a possibilidade do mal; já a liberdade superior ocorre ao 
nível divino, religioso, no próprio seio do bem. 
Um outro aspecto a se considerar dentro do conceito de 
liberdade, é que ela carrega limites necessários, e em seus termos 
cabe ao homem posicionar-se, dado que a liberdade sem limites, 
como um valor absoluto, é destruidora e abre as portas ao niilismo, 
ao orgulho e ao individualismo absoluto, que a tudo nega e a tudo 
corrompe. 
E entre o bem e o mal, na afirmação de sua liberdade, todos os 
sentimentos humanos são complexos, instáveis; eles confundem-se, 
atropelam-se, combatem-se com extremo vigor. Zweig observou que 
“a alma em Dostoievski é um puro caos; pois bem, encontramos na 
sua obra bêbados por desejo de pureza, criminosos por desejo de 
arrependimento, homens que violam virgens por respeito pela 
inocência, blasfemos por necessidade religiosa”. Ainda Zweig 
assinala que não há unidade nesse psiquismo humano, o que 
subsisteé uma psicologia analística que dissocia e desfibrila; ele, 
como comparação literária nos diz que se em Homero, “Ulisses é 
manhoso, Aquiles, corajoso, Ajaz irascível e Nestor é prudente”, em 
Dostoievski, todos os seus personagens são ambíguos e suas 
condutas são imprevisíveis. De tal forma que de conflito em conflito 
eles chegam a estados de desdobramento de suas personalidades e 
temos o surgimento do seu “duplo”. 
Se a tragédia grega buscava a “katarse” dos seus heróis e do 
público que a presenciava, nas obras do grande escritor seu 
correspondente é a “confissão”, que leva, através da humilhação, à 
purificação da alma. Logo, o mundo trágico de Dostoievski é um 
mundo de dor, pois todos sofrem, quer na doença, quer na miséria, 
nas injustiças sofridas, ou em decorrência das paixões. 
Já a sensualidade amorosa, por ser paixão, nunca é um 
sentimento doce, terno e harmonioso; pelo contrário, muitas vezes 
ele é uma tentação monstruosa que, ao invés de conduzir à 
felicidade, conduz à loucura e à ruína da personalidade. Sofre-se por 
tudo isso, muitas vezes ao mesmo tempo, e serão as dores e os 
sofrimentos que resgatarão do mal e do pecado os seus 
personagens.

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