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Teorema Ergódico de Birkhoff e Números Normais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE MATEMÁTICA
CURSO DE MATEMÁTICA BACHARELADO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF E NÚMEROS
NORMAIS
Marta de Fátima Severiano de Oliveira
Orientador: Prof. Dr. Rafael Nóbrega de Oliveira Lucena
Maceió, 14 de fevereiro de 2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE MATEMÁTICA
CURSO DE MATEMÁTICA BACHARELADO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF E NÚMEROS
NORMAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no curso de
Matemática Bacharelado da Universidade Federal de Alagoas
como um dos requisitos para a obtenção do título de
Bacharela em Matemática.
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
 Bibliotecária: Taciana Sousa dos Santos – CRB-4 – 2062 
 
 O48t Oliveira, Marta de Fátima Severiano de.
 Teorema ergódico de Birkhoff e números normais / Marta de Fátima Severiano 
 Oliveira. – 2020.
 58 f. : il. color.
 
 Orientador: Rafael Nóbrega de Oliveira Lucena.
 Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso em Matemática: Bacharelado) – 
Universidade Federal de Alagoas. Instituto de Matemática. Curso de Bacharelado em 
Matemática. Maceió, 2020. 
 
 Bibliografia: f. 57-58.
 
 1. Teoria das medidas. 2. Integrais (Matemática). 3. Teoria ergódica. 4. Poincaré. 5.
 Teorema de Birkhoff. I. Título.
 
 CDU: 517.938
 
i
Aprendi que nunca é demais
Vale a pena insistir
Minha guerra é encontrar minha paz
Eu vou tentar sempre
E acreditar que sou capaz,
De levantar uma vez mais
Eu vou seguir sempre
Saber que ao menos eu tentei
E vou tentar mais uma vez
Eu vou seguir
Eu vou seguir - Marina Elali
Dime Dios, ¿dónde está el valor de seguir adelante?
También cuando quisieras quedarte
Dime tú, ¿dónde está el impulso que llega y que hace
Que al fin te levantes?
Vas a salir a la calle
Y comenzar desde cero
Y darte cuenta que nadie y que nada
Puede robarte el futuro
Es importante
Tú eres importante
El Valor De Seguir Adelante - Laura Pausini
I want
One moment in time
When I’m more than I thought I could be
When all of my dreams
Are a heart beat away
And the answers are all up to me
Give me one moment in time
When I’m racing with destiny
And in that one moment of time
I will feel, I will feel eternity
One Moment In Time - Whitney Houston
ii
Agradecimentos
À minha mãe, Severina Florêncio, a maior guerreira que conheci, e à minha família. Aos
altos e baixos da minha vida, por fazer interessante o enredo da minha história. Ao professor
Rafael Lucena, por aceitar me orientar e receber de braços abertos o tema proposto por mim. Ao
professor Krerley Oliveira, por me incentivar no dia em que comecei minha jornada, o primeiro
dos inúmeros dias em que pensei em desistir. Ao professor Adriano Lima, pelas primeiras lições
de Medida e Integração. Á professora Juliana Theodoro, por ser um exemplo de luta feminina
nas Ciências Exatas. Aos professores Davi Lima e Wagner Ranter por aceitarem participar
desse momento tão especial da minha vida. Aos meus amigos e colegas, Dandara Medeiros,
Edja Luiza, Silvia Costa, Emanuelle Kamilla, Jamilly Tenório, Letícia Cabral, Lynda Hillary,
Raphael de Omena, Cleone Neres, Pedro Carvalho, Lucas Aragão, Nemuel Rocha, Marcos André,
Joemerson Maia e outros, pelos conselhos e pela força emocional que me dão constantemente. Á
mulher mais próxima de Deus, Virgem Maria, por sempre me abençoar e me proteger. A Deus,
sobretudo, por me amar incondicionalmente e não desistir de mim.
iii
iv AGRADECIMENTOS
Resumo
Neste presente trabalho, abordaremos conceitos de expansões beta e faremos uma breve
introdução à Teoria da Medida e Integração. Com algumas noções básicas apresentaremos dois
teoremas importantes da Teoria Ergódica : o Teorema de Recorrência de Poincaré e o Teorema
Ergódico de Birkhoff. Por fim aplicaremos toda teoria apresentada para obtermos resultados
sobre Números Normais.
Palavras-chave: Expansões Beta, Teoria Ergódica, Teoria da Medida e Integração, Integral de
Lebesgue, Números Normais.
v
vi RESUMO
Abstract
In this work, we will cover beta expansions concepts and make a brief introduction to
Measure and Integration Theory. With some basic notions we will present two important theorems
of Ergodic Theory: Poincaré’s Recurrence Theorem and Birkhoff’s Ergodic Theorem. Finally
we will apply every theory presented to obtain results about Normal Numbers.
Keywords: Beta Expansions, Ergodic Theory, Measure and Integration Theory, Lebesgue Inte-
gral, Normal Numbers.
vii
viii RESUMO
Sumário
Agradecimentos iii
Resumo v
Lista de Figuras xi
1 Introdução 1
1.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Motivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
2 Expansões β 5
2.1 Bases Numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Expansões n-árias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.3 Expansões β (β-expansões) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3 Um resumo da Teoria da Medida e Integração 13
3.1 Espaços Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3.2 σ-álgebra: definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.3 Medidas e Espaços de Medida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.4 Transformações Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.5 Mais resultados sobre funções mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.6 A Integral de Riemann versus a Integral de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . 21
3.7 A integral de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.8 A integral de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.9 O Teorema da Convergência Monótona e Lema de Fatou-Lebesgue . . . . . . . 25
4 O Teorema de Recorrência de Poincaré 29
4.1 Invariância da Medida de Lebesgue pela transformação n-ária . . . . . . . . . 30
5 O Teorema Ergódico de Birkhoff 35
5.1 A Desigualdade Maximal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5.2 O Teorema Ergódico de Birkhoff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
ix
x SUMÁRIO
5.3 Sistemas Ergódicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.3.1 Derivação de Medidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
5.3.2 A transformação n-ária relativa à medida de Lebesgue é ergódica . . . 45
6 Números Normais 47
6.1 Teorema Ergódico de Birkhoff e Números Normais . . . . . . . . . . . . . . . 47
6.2 Processos Estocásticos e Números Normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
6.3 A constante de Copeland-Erdos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6.4 Números de Stoneham . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
6.5 Constantes Famosas da Matemática e Normalidade . . . . . . . . . . . . . . . 52
6.6 Resultados mais gerais sobre Normalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
A Resultados de Análise Real 57
A.1 Supremo e Ínfimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
A.2 Densidade dos números racionais e irracionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
A.3 Um resultado sobre conjuntos abertos . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
B Frações Contínuas e Teorema Ergódico de Birkhoff 61
B.1 Preliminares de Aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
B.2 Frações Contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
B.3 Convergentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
B.4 Aproximações sucessivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
B.5 O Teorema Ergódico de Birkhoff aplicado às Frações Contínuas . . . . . . . . 64
Referências Bibliográficas 67
Lista de Figuras
2.1 Os números 15,23 e 2018 representados no sistema numérico dos maias de Yucatan. 7
2.2 O β-mapa Tβ com β = 4.504. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.3 O β-mapa Tβ com β = 1+
√
5
2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.1 A integral vista como a soma superior das áreas de retângulos arbitrários. . . . 23
3.2 A integral vista como a soma inferior das áreas de retângulos arbitrários. . . . . 23
4.1 Representação gráfica do Teorema de Recorrência de Poincaré. . . . . . . . . . 30
4.2 Gráfico da transformação T . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
6.1 O número π na base 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6.2 Constante de Stonehams α2,3 na base terciária . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
6.3 Constante de Stonehams α2,3 na base 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.4 Constante de Champernownes na base 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
xi
xii LISTA DE FIGURAS
Capítulo 1
Introdução
1.1 Objetivos
Abaixo temos um resumo dos objetivos dessa monografia.
• Despertar o interesse do público-alvo por Sistemas Dinâmicos, particularmente a Teoria
Ergódica dos Números;
• Apresentar outras maneiras de expandir números reais, além da conhecida expansão
decimal;
• Introduzir a Teoria da Medida e da Integração, com o objetivo de enunciar os Teoremas de
Recorrência de Poincaré e Ergódico de Birkhoff;
• Introduzir o conceito de normalidade e usar a Teoria Ergódica para provar fatos surpreen-
dentes sobre essa classe de números.
1.2 Motivação
A Teoria Ergódica é a disciplina matemática que estuda sistemas dinâmicos munidos de
medidas invariantes. Tal teoria foi introduzida por Boltzmann, no século XIX, em seu trabalho
sobre Teoria Cinética dos Gases.
Um dos principais resultados desta belíssima teoria é o objeto central de nosso trabalho:
O Teorema Ergódico de Birkhoff (TEB). Ele surgiu naturalmente na Física, ciência irmã da
Matemática, a partir do estudo dos fluxos Hamiltonianos. Boltzmann acreditava que as órbitas
típicas do fluxo preenchem toda a superfície de energia que as contém.
Tal teorema tem aplicações e conclusões não-triviais em Teoria dos Números, a destacar na
Teoria dos Números Normais.
A definição de números normais, uma classe no qual só pertencem números irracionais (mas
nem todos), tornou-se necessária a partir de perguntas simples, como as seguintes:
• Considere um dígito qualquer, por exemplo, 4. Qual é a probabilidade de 4 voltar aparecer
na expansão decimal de um número no intervalo [ 4
10
, 5
10
)? E de aparecer infinitas vezes
neste intervalo?
1
2 INTRODUÇÃO 1.2
• Qual é o tamanho do conjunto dos números em que todos os dígitos de 0 a 9 aparecem
com frequência 1
10
na sua expansão decimal? Existem números assim? Teríamos alguns
exemplos deles?
Um número normal é aquele em que todos os possíveis blocos de k algarismos aparecem com
frequência 1
10k
em sua expansão decimal para todo k ∈ N. Em particular, todos os algarismos de
0 a 9 apresentam a mesma frequência na expansão decimal.
Podemos ser mais abrangentes, definirmos expansões n-árias e até β-expansões , e generali-
zarmos o conceito de normalidade:
Definição 1.2.1 Um número x ∈ R é dito β-normal se qualquer bloco de k algarismos ocorrer
com frequência 1
βk
em sua β-expansão.
Para enunciarmos uma versão mais amena do TEB, precisarmos colocar mais algumas
definições em dia. Defina primeiramente a estranha (e encantadora) transformação T : [0, 1]→
[0, 1]
T (x) = 10x− b10xc.
Tomemos x ∈ [0, 1] e fixemos um dígito i ∈ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}. Consideremos o
intervalo I = [ i
10
, i+1
10
). A frequência do dígito i na expansão decimal de x consiste na média de
visitas ao conjunto I dos iterados de T (x). Formalmente
f(i, x) = lim
n→∞
1
n
{j = 0, 1, . . . , n− 1 : T j(x) ∈ I}.
Por exemplo,
• f(3, 1/3) = 1, pois 1
3
= 0, 3333 . . . , e assim somente o dígito 3 aparece na expansão
decimal correspondente;
• f(2, 1/4) = 0, pois 1
4
= 0, 25, e como o dígito 2 aparece somente uma vez na expansão
decimal, temos que
lim
n→∞
1
n
= 0;
• f(7, 78/99) = 1
2
, pois 78
99
= 0, 787878 . . . , e assim o dígito 7 aparece na expansão decimal
correspondente;
Feito isto, podemos enunciar uma versão simplificada deste teorema, que flerta com o conceito
de tempo médio de visita e números normais.
Teorema 1.2.2 Versão Simplificada
Seja f : M → M uma transformação ergódica e µ uma medida finita invariante. Seja
E ⊂M um conjunto mensurável, então o tempo médio de visita dado por:
1.2 MOTIVAÇÃO 3
τ(E, x) = lim
n→∞
1
n
{j = 0, . . . , n− 1 : f j(x) ∈ E},
existe para quase todo x ∈M .
A Versão Simplificada do TEB, apresentada acima, nada mais é que um corolário de sua
versão mais geral, para transformações ergódicas.
Em outras palavras, vale o fato surpreendente de que, escolhendo um número real no intervalo
[0, 1], a probabilidade deste número ser normal é 100%.
4 INTRODUÇÃO 1.2
Capítulo 2
Expansões β
2.1 Bases Numéricas
Vamos pensar em um natural qualquer. Bem, o número que vou escolher não é tão qualquer,
mas serve igualmente para nossos estudos (tal número representa meu nascimento): 2.091.997,
que lemos 2 milhões, 91 mil e 997, ou seja, 7 unidades, 9 dezenas, 9 centenas, 1 unidade de
milhar, 9 dezenas de milhar, 0 centenas de milhar e 2 unidades de milhão. Na verdade temos
2.091.997 = 7× 100 + 9× 101 + 1× 102 + 1× 103 + 9× 104 + 0× 105 + 2× 106.
Esta maneira de escrever é um sistema de base numérica e o sistema que estamos acostumados
a usar, é o sistema de base decimal.
E se complicarmos um pouquinho as coisas trocarmos a o número 10 da base por um n ∈ N∗?
Teremos simplesmente o número 20.971.997 na base n-ária, que seria, então,
7× n0 + 9× n1 + 9× n2 + 1× n3 + 9× n4 + 0× n5 + 2× n6 = 2.091.997n.
De um modo geral podemos escrever um número na base n-ária da seguinte forma
akn
k + ak−1n
k−1 + · · ·+ a2n2 + a1n1 + a0n0.
Aqui ai ∈ {0, 1, . . . , n− 1} e ak 6= 0.
Em sistemas com a base menor ou igual a 10 usamos os algarismos usuais. Quando a base é
maior que 10 inventamos alguns algarismos adicionais. Por exemplo, no sistema com base 11
poderíamos pegar emprestado o A do alfabeto e o usaríamos como o algarismo 10.
Exemplo 2.1.1 O número 2110 (21 na base decimal) pode ser escrito como 1A na base 11. E
que número na base 11-ária seria 11110 ? Intuitivamente pensamos que tal número na nova base
não passará dos três algarismos. Assim,
a3 · 112 + a2 · 111 + a1 = 11110.
5
6 EXPANSÕES β 2.2
Veja que 112 = 121, portanto a3 = 0. Assim
11a2 + a1 = 111.
O múltiplo de 11 mais próximo inferiormente é 110, então a2 = 10 = A e a1 = 1, logo
11110 = A1.
Exemplo 2.1.2 Vamos supor que você entre na sala e veja escrito no quadro 3 · 4 = 10. A
primeira coisa que você pensaria é que seu (sua) professor(a) está errado(a). Porém, será
possível a conta 3 · 4 = 10 está correta? Lembre-se que em nossa base 3 · 4 = 12. Então, se
3 ·4 = 1210, 1012 = 1210. Portanto, o(a) professor(a) está correto(a): só trocou a base numérica!
Exemplo 2.1.3 Vamos formular um teste para divisibilidade do número n − 1 no sistema
com base n. Mas antes vamos definir a noção de congruência. Dizemos que os inteiros a e
b são congruentes módulo m quando eles têm o mesmo resto quando são divididos por m
e, escreveremos, a ≡ b (mod m). Pela definição de congruência dada acima vemos que
n ≡ 1 (modn− 1). Não é difícilde provar que ns ≡ 1(mod n− 1), ∀s ∈ N. Portanto,
akn
k + ak−1n
k−1 + · · ·+ a1n1 + a0n0 = ak + ak−1 + · · ·+ a1 + a0 (mod n− 1).
Então a soma dos algarismos de um número escrito em base n é divisível por n− 1 se, e
somente se, o número resultante for divisível por n− 1. Observação: Aqui estamos considerando
que 0 é natural.
Exemplo 2.1.4 Agora vamos aprender um pouquinho a representação numérica de alguns
números dentro da ciência computacional. Como já foi dito nosso sistema usual é de base 10
temos que o número 327, 302 significa
3 · 102 + 2 · 101 + 7 · 100 + 3 · 10−1 + 0 · 10−2 + 2 · 10−3.
Em geral na ciência computacional trabalha-se na base 10, porém, qualquer número natural
B ≥ 2 pode ser utilizado como base.
Exemplo 2.1.5 O sistema de base vigesimal usado pelos maias de Yucatan e da América do
Norte era bastante interessante. O sistema deles era posicional, sendo 20 a base primária e 5
a base auxiliar. Para denotar unidades eram usados pontos e para denotar cinco eram usadas
barras horizontais. Assim, o número 15 era representado por 3 barras horizontais, uma acima da
outra. Já o número 23 era representado por um ponto na segunda linha e 3 pontos na primeira
(de cima para baixo), pois 23 = 1(20) + 3. Os maias indicavam posições ausentes por um
símbolo que assemelha-se com um olho semiaberto. Assim, 2018 = 5(20 ·20) + 0(20) + 3(5) + 3
era representado por três pontos na última linha, seguido por três linhas horizontais, um olho
semiaberto e outra linha horizontal no começo.
2.2 Expansões n-árias
Vamos motivar o estudo das expansões n-árias com o seguinte exemplo: tomemos x ∈ [0, 1]
e note que os dígitos da expansão decimal de x estão relacionados com os intervalos aos quais
pertencem os iterados da transformação T10 : [0, 1]→ [0, 1], definida por T (x) = 10x− b10xc
e exemplifiquemos com x = 0, 3492235.... As seguintes observações podem ser feitas:
2.2 EXPANSÕES N-ÁRIAS 7
Figura 2.1: Os números 15,23 e 2018 representados no sistema numérico dos maias de Yucatan.
Fonte: Elaborada pela autora.
• x ∈ [0, 3, 0, 4) =⇒ Primeiro dígito de sua expansão decimal é 3;
• T10(x) ∈ [0, 4, 0, 5) =⇒ Segundo dígito de sua expansão decimal de 4;
• T 210(x) ∈ [0, 9, 1) =⇒ Terceiro dígito é 9, e assim sucessivamente.
• Mais precisamente, temos que o j-ésimo dígito na expansão decimal é determinado pelo
intervalo a que pertence T j−1.
Dado um natural n ≥ 2, a expansão n-ária de um número x ∈ [0, 1) consiste em escrever x
como a soma
x =
∞∑
k=1
ak(x)
nk
,
onde ak = ak(x) ∈ {0, 1, . . . , n − 1}. Chamamos cada um desses ak = ak(x) de dígitos da
expansão n-ária.
Por exemplo, no caso da expansão decimal, n = 10, se x = 0.883203505 . . . , sabemos que
a3(x) = 3 e 3 é o terceiro dígito dessa expansão.
Definição 2.2.1 Definição 2.2.2 Cada expansão desse tipo é relacionada a uma transformação
Tn : [0, 1) −→ [0, 1) dada por
Tnx = nx− bnxc
Daqui por diante escreveremos a simplificadamente como
Tn(x) = nx mod 1.
Exemplo 2.2.3 Na expansão binária temos que x = 0.1 = 0.01. Na verdade, em qualquer
expansão n-ária se
x = 0.a1 · · · ak, ak 6= 0 e ai ∈ {0, 1, · · · , n− 1},
então podemos escrevê-lo como x = 0.a1 · · · (ak − 1)n− 1.
Por convenção escrevemos T 0nx = x. Se y = a0, a1 . . . ak em alguma base n-ária, represen-
tamos a0 = a0(y) para a parte inteira de y ≥ 0.
8 EXPANSÕES β 2.2
Exemplo 2.2.4 A transformação T : [0, 1) −→ [0, 1) dada por T (x) = 10x mod 1 quando
aplicada em x ∈ [0, 1) "engole"o primeiro dos seus dígitos. Assim para x = 0.a1a2a3a4 . . .
tem-se
T kx = 0.ak+1ak+2ak+3 · · · =
∞∑
k−1
=
aj
10j
, aj = 0, 1, . . . , 9.
Portanto, não é difícil concluir que
a1(T
kx) = ak+1(x)
Podemos notar, experimentalmente, que
a1 = a1(x) = b10xc
a2 = a2(x) = a1(Tx) = a1 = (10x− b10xc) = b10Txc
a3 = a3(x) = b10T 2xc
e assim por diante. Daí, concluímos que
ak(x) = b10T k−1xc.
Outra relação que podemos tirar entre x ∈ [0, 1) e T : [0, 1) −→ [0, 1), sem muitas
dificuldades, é
x =
a1(x)
10
+
Tx
10
=
a1(x)
10
+
a2(x)
102
+
T 2x
102
...
=
a1(x)
10
+ · · ·+ aj(x)
10j
+
T jx
10j
Analogamente, podemos "trocar"o 10 por n e obter propriedades semelhantes para quaisquer
expansões n-árias. Por exemplo, colocando a1(x) = bnxc, a2(x) = bnTnxc, · · · , ak(x) =
bnT k−1n xc nós encontramos
x =
a1
n
+
Tx
n
=
a1
10
+
a2
n2
+
T 2x
n2
=
a1
n
+
a2
n2
· · ·+ aj
nj
+
T jx
nj
...
=
a1
n
+
a2
n2
+ · · ·+ ak
nk
Substitua a expansão finita um número em [0, 1) por uma expansão alternativa onde infinitos
dígitos 9’s possam ocorrer. Então,
2.3 EXPANSÕES β (β-EXPANSÕES) 9
Proposição 2.2.5 Todos pontos em [0, 1) admitem uma única expansão decimal.
De fato, se x = 0.a1 · · · ak, ak 6= 0, podemos escrevê-lo como
k−1∑
i=1
ai
10i
+
ak−1
10k
+
∞∑
i=k+1
9
10i
,
ai ∈ {0, 1, · · · , 9}. Mas perceba que x = `10k e que T
kx = 0. Portanto sob iteração de T
não pode ocorrer uma sequência de infinitos 9s na expansão de qualquer ponto.
Observações: A proposição acima se estende imediatamente para qualquer expansão n-ária,
para n > 1 natural. Entretanto, para β-expansões, que serão definidas na seção seguinte, isto não
é válido. Vide o Algoritmo Fominha e tome, por exemplo, β =
√
2.
2.3 Expansões β (β-expansões)
Dado um número real β > 1 podemos interpretar uma β-expansão de um número x ∈ [0, 1)
como uma sequência de dígitos dk tal que
x =
∞∑
k=1
dk(x)
βk
,
onde dk = dk(x) ∈ 0, 1, · · · , bβc.
Figura 2.2: O β-mapa Tβ com β = 4.504.
Fonte: Elaborada pela autora.
Porém essa interpretação não nos leva à unicidade da representação. Ou seja, o resultado da
proposição anterior não vale para todo β ∈ R. Por exemplo, seja β =
√
2 e x = 1
2
. Então
1
2
= 0 · (
√
2)−1 + 1 · (
√
2)−2 =
1
4
+
1
8
+
1
16
+ · · · =
∞∑
k=2
(
√
2)−2k.
Faz-se necessário, para o uso neste texto, uma definição mais exata de β-expansão. Analoga-
mente ao caso das expansões n-árias, definimos a transformação Tβ por
Tβx := βx mod1.
10 EXPANSÕES β 2.3
Abaixo apresentaremos um algoritmo usado para obter β-expansões, o Algoritmo Fominha:
• Escolhemos x ∈ [0, `β];
• Fazemos x = x0. Escolhemos o primeiro k1 tal que β−k1 ≤ x0. Neste caso, �1 = · · · =
�k1−1 = 0 e �k1 = 1;
• Fazemos x1 = x0 − β−k1 e escolhemos o primeiro k2 tal que β−k2 ≤ x1. Observe que
necessariamente k2 > k1. Assim,
�k1+1 = · · · = �k1+1+k2−1 = 0 e �k1 + �k2 = 1.
• Definimos x2 = x1 − β−k2 = x0 − β−k1 − β−k2 e imitamos as ideias acima, usando
indução.
• Em suma, se colocarmos as potências negativas de β em ordem decrescente, a expansão
fominha é a expansão que sempre escolhe a maior potência disponível no momento, por
isso, o nome.
Observação: Curiosamente, dado um β > 1 não inteiro, nem todas as séries infinitas da
forma ∑ dk
βk
, dk ∈ {0, 1, . . . , bβc}
é uma β-expansão de algum número x.
Exemplo 2.3.1 Seja β = 1+
√
5
2
= 1.618 · · · e considere a β-transformação Tβx = βx mod 1.
Pela definição de dígitos de uma β-expansão é bastante óbvio que eles sejam apenas 0 e 1. Agora
vamos provar que d1(x) = 0 se e somente se x ∈ [0, β−1). Se d1(x) = 0, tem-se
x =
Tβx
β
=⇒ Tβx = βx.
Mas, Tβx ∈ [0, 1), logo 0 ≤ βx < 1, o que mostra que x ∈ [0, β−1). Reciprocamente
observe que βx < 1 e portanto d1(x) = 0. Analogamente podemos concluir que dk(x) =
d1(T
k−1
β x) = 0 se e somente se T
k−1
β x ∈ [0, β−1).
Exemplo 2.3.2 Considere novamente β = 1+
√
5
2
= 1, 6180339887498 · · · e sua β-transformação.
Provaremos, com base no exemplo anterior, que para todo x ∈ [0, 1) um dígito 0 pode ser seguido
de 0 ou 1, enquanto um dígito 1 pode ser seguido apenas de 0. Seja y = T k−1β x ∈ [0, β−1).
Assim se
0 ≤ β Tβy < 1 =⇒ dk+1(x) = 0
ou se
1 ≤ β Tβy < β =⇒ dk+1(x) = 1.
Mas Tβy = βy − bβyc e bβyc = 0. Logo teremos dk+1(x) = 0 quando y ∈ [0, β−2) e
dk+1(x) = 1 quando y ∈ [β−2, β−1). Se y ∈ [β−1, β), então Tβy = βy − 1. Assim se existisse
um dígito seguido de 1 deveríamos ter
2.3 EXPANSÕES β (β-EXPANSÕES) 11
1 ≤ βTβy < β =⇒ 1 ≤ (β2 − β)y < β =⇒ 1 ≤ β,
o que é um absurdo.
Figura 2.3: O β-mapa Tβ com β = 1+
√
5
2 .
Fonte: Elaboradapela autora.
12 EXPANSÕES β 2.3
Capítulo 3
Um resumo da Teoria da Medida e
Integração
3.1 Espaços Topológicos
Tome uma coleção τ de subconjuntos de um conjunto X qualquer. Tal coleção será dita uma
topologia em X se
• ∅, X ∈ τ ;
• Para B1, B2, · · · , Bn ∈ τ , tivermos
⋂n
i=1Bi ∈ τ . Isto é, τ é fechado para interseções
finitas;
• SeBα ∈ τ , para todo α ∈ Ω, onde Ω é um conjunto de índices arbitrário, então
⋃
αBα ∈ τ .
Isto é, τ é fechado para uniões arbitrárias.
A dupla (X, τ) será chamada de espaço topológico e os elementos de τ serão conhecidos
como conjuntos abertos.
Considere um conjunto Y . Chamamos de métrica ou distância em Y uma função
d : Y × Y −→ R
que associa um par de pontos (x, y) a um número real d(x, y) e satisfaz as seguintes
propriedades:
• d(x, x) = 0, d(x, y) > 0 se x 6= y;
• d(x, y) = d(y, x);
• d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z) para x, y, z ∈ Y quaisquer.
Definimos como espaço métrico uma dupla (Y, d) em que Y é um conjunto qualquer e d é
uma métrica em Y .
13
14 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.2
Agora considere r ∈ R, r > 0 e a ∈ Y . A bola aberta de centro a e raio r é definida como
B(a; r) = {x ∈ Y ; d(x, a) < r}.
Definição 3.1.1 Seja (X, τ) um espaço topológico e M ⊂ X . Dizemos que a ∈M é um ponto
interior de M se existe Ba ∈ τ satisfazendo a ∈ Ba ⊂ M . Denotamos por int(M) todos os
pontos interiores de M .
Definição 3.1.2 Seja τ a coleção definida do seguinte modo: A ∈ τ ⇐⇒ ∀a ∈ A∃r >
0;B(a, r) ⊂ A. Não é difícil ver a coleção τ definida deste modo satisfaz a definição de
Topologia.
Exemplo 3.1.3 Se tomarmos todos conjuntos M , definidos acima como abertos, suas uniões
arbitrárias e suas interseções finitas, teremos que (Y, τ) é uma topologia.
3.2 σ-álgebra: definição e exemplos
Sejam um conjunto X arbitrário e F uma coleção de subconjuntos de X . Dizemos que F é
uma σ-álgebra de X se satisfazer as seguintes propriedades:
• ∅ ∈ F ;
• Se A ∈ F , então Ac ∈ F . Ou seja, é fechado por complementação;
• Dados A1, A2, . . . , An, · · · ∈ F , então ∪∞n=1An ∈ F . Ou seja, é fechada por uniões
enumeráveis.
Os subconjuntos de uma σ-álgebra são chamados de conjuntos mensuráveis em X . Por fim,
chamamos a dupla (X,F) de espaço mensurável.
Definição 3.2.1 Considere um conjunto X arbitrário e F uma coleção de subconjuntos de X .
Dizemos que F é uma álgebra de X se F é fechada em relação à união finita e à complementa-
ção.
Não é difícil perceber que toda σ-álgebra é também uma álgebra: a partir de um natural p
podemos tomar Am+p = ∅, para m ∈ N .
A σ-álgebra possui outras propriedades notáveis, que são consequências das três primeiras.
Por exemplo, se A,B ∈ F , então A−B ∈ F . Com efeito, A−B = A ∩Bc = (Ac ∪Bc), que
atende os requisitos de σ-álgebra.
Assim, podemos concluir que
∞⋂
n=1
An = F −
(
∞⋃
n=1
An
)
∈ F .
Exemplo 3.2.2 Sejam F1 = {∅, X} e F2 = P(X), o conjunto das partes de X . A definição de
σ-álgebra é verificada facilmente para estas duas famílias. Estas, por sua vez, são conhecidas
como σ-álgebras triviais..
3.2 σ-ÁLGEBRA: DEFINIÇÃO E EXEMPLOS 15
Exemplo 3.2.3 ConsideremosX = {1, 2, 3} e a coleção de subconjuntosF1 = {∅, X, {1}, {2, 3}}
. Vamos provar que F1 é uma σ-álgebra em X . Veja que X ∈ F1, logo a primeira propriedade é
satisfeita. Os complementares dos elementos de F1 estão também em F1, pois (∅)c = X ,Xc = ∅,
({1})c = {2, 3}, ({2, 3})c = {1}. Para verificar a terceira propriedade observemos que temos
um número finito de elementos em F1. Dessa forma basta verificar se todas as uniões possíveis
em F1 também pertencem a essa coleção. A união de qualquer conjunto com ∅ resulta nesse
mesmo conjunto e a união com X resulta em X . Vamos verificar, então, as uniões não-triviais.
Veja que {1} ∪ {2, 3} = X ∈ F1 e portanto a última propriedade está satisfeita.
Exemplo 3.2.4 Considere F={∅, X, {1}, {2}, {1, 3}, {2, 3}}. É fácil ver que F não é uma σ-
álgebra de X . De fato, as duas primeiras propriedades de σ-álgebra são satisfeitas, mas
{1} ∪ {2} = {1, 2} ∈ F , o que contradiz o terceiro requisito.
Proposição 3.2.5 Uma interseção arbitrária de σ-álgebras também é uma σ-álgebra.
De fato, considere uma coleção Ω de σ-álgebras e tome
F∗ =
⋂
F∈Ω
F .
Para provar isto daremos três passos:
(1) ∅ ∈ F∗ pois ∅ ∈ F para todo F ∈ Ω. Isto vem da definição de σ-álgebra;
(2) Se A ∈ F∗ então para todo F ∈ Ω, A ∈ F e Ac ∈ F , para todo F ∈ Ω. Consequente-
mente Ac ∈ F∗;
(3) Se An ∈ F∗ para todo n ≥ 1 temos An ∈ F , para cada F ∈ Ω e para todo n ≥ 1. Assim
A =
∞⋃
n=1
An ∈ F ,
logo A ∈ F∗.
�
Definição 3.2.6 Seja A uma coleção de subconjuntos de X . Definimos como a σ-álgebra
gerada por A, F∗(A), a interseção de todas as σ-álgebras de X que contém A. De fato, F∗
está bem definida já que P(X) é uma σ-álgebra de X . Também chamaremos F∗ de menor
σ-álgebra contendo X .
Exemplo 3.2.7 Considere um espaço topológico (X, τ) qualquer, onde τ é a coleção dos
abertos de X . A menor σ-álgebra gerada por τ ,F∗, é chamada σ-álgebra de Borel de X e seus
subconjuntos recebem o nome de borelianos.
Exemplo 3.2.8 Se tomarmos X = R, veremos que os conjuntos abertos e fechados da reta
estão em B, além das uniões enumeráveis de conjuntos fechados e interseções enumeráveis de
abertos.
16 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.3
Exemplo 3.2.9 Sendo Ω = R, seja B(R) a σ-álgebra gerada pelos intervalos (−∞, x) com
x ∈ R. É fácil mostrar que o intervalo [x, y), x, y ∈ R e x ≤ y, também gera os mesmos
borelianos de B(R). De fato, seja F1 a σ-álgebra por [x, y), x ≤ y, x, y ∈ R e seja F2 a
σ-álgebra gerada por (∞, x), x ∈ R. Observe que
∞⋃
n=1
[−n, y) = (−∞, y)
e, portanto (−∞, y) ∈ F1. Logo,o, partindo de (−∞, x) também obtemos [x, y), x ≤ y,
x, y ∈ R. Observe que
(−∞, x] =
∞⋃
n=1
(−∞, x+ 1/n)
e sua interseção com (−∞, y), y ≥ x, produz o intervalo que desejamos. Assim, F∞ ⊂ F∈ e a
prova está completa.
3.3 Medidas e Espaços de Medida
Considere um espaço mensurável X e sua σ-álgebra F . Definimos como uma medida
positiva como uma função, µ : F −→ [0,+∞], que satisfaça as seguintes propriedades:
• µ(∅) = 0;
• µ(A) ≥ 0, para todo mensurável A;
• Se A1, A2, · · · , An, · · · são conjuntos mensuráveis disjuntos, então
µ
(
∞⋃
n=1
An
)
=
∞∑
n=1
µ(An).
Exemplo 3.3.1 Seja X = [0, 1] com a métrica d(x, y) ≡ |x− y| e B a σ-álgebra de Borel de X .
Existe uma única medida λ : B −→ R+, tal que se (a, b) ⊂ [0, 1], então λ((a, b)) = b− a. Esta
medida é conhecida como Medida de Lebesgue. Esta medida nos dá a probabilidade de um
número x ∈ [0, 1], escolhido aleatoriamente, pertencer ao intervalo (a, b).
Teorema 3.3.2 Teorema da Extensão de Catheodory
Seja A0 uma álgebra de subconjuntos de X e seja µ(A0)→ [0,+∞] uma função finitamente
aditiva com µ(∅) = 0 e µ(X) <∞. Então existe uma única medida, µ0 , definida na σ-álgebra
A gerada por A0 , que é uma extensão de µ. Ou seja, µ0(E) = µ(E), para todo E ∈ A0.
Exemplo 3.3.3 Seja X um conjunto arbitrário e consideremos uma σ-álgebra G de X . Seja
p ∈ X e considere uma função σp : G −→ [0,+∞], para cada A ∈ G, definida como
σp(A) = 1, se p ∈ A e σp(A) = 0, caso o contrário. Tal medida é chamada de medida de Dirac
no ponto p.
Teorema 3.3.4 Seja µ uma medida positiva em uma σ-álgebraM. Então
(a)µ(A1 ∪ · · · ∪An) = µ(A1) + · · ·+ µ(An), se A1, . . . , An são membros disjuntos dois a dois
deM;
3.3 MEDIDAS E ESPAÇOS DE MEDIDA 17
(b) A ⊂ B implica
µ(A) ≤ µ(B),
se A ∈M, B ∈M;
(c) Se An ∈M para todo n ≥ 1 e A1 ⊂ A2 ⊂ · · · ⊂ An ⊂ . . . , então µ(An)→ µ(A), onde
A =
⋃∞
n=1 An;
(d) Se An ∈M para todo n ≥ 1, µ(A1) é finita e A1 ⊃ A2 ⊃ · · · ⊃ An ⊃ . . . , então
µ(An)→ µ(A), onde A =
⋂∞
n=1An;
(a) Dica: Use as duas propriedades de medida.
(b) Fazendo B = A ∪ (B − A) e A ∪ (B − A) = ∅, nós vemos a letra anterior implica
µ(B) = µ(A) + µ(B − A) ≥ µ(A).
(c) Coloquemos B1 = A1 e Bn − An−1 para n = 2, 3, 4, . . . . Então Bn ∈M, Bi ∩Bj = ∅ se
i 6= j, An = B1 ∪ · · · ∪Bn, e A = ∪∞i=1Bi. Daí, µ(An) =
∑n
i=1 µ(Bi) e µ(A) =
∑n
i=1 µ(An).
Observação: Lembre-se da soma de séries infinitas para concluiressa demonstração.
(d) Ponhemos Cn = A1 − An. Então C1 ⊂ C2 ⊂ C3 ⊂ . . . , µ(Cn) = µ(A1)− µ(An) e como
A1 − A = ∪Cn, segue de (c) que
µ(A1)− µ(A) = µ(A1 − A) = lim
n→∞
µ(Cn) = µ(A1)− lim
n→∞
µ(An).
Como queríamos demonstrar.
Exemplo 3.3.5 Tomando C1 := [0, 1], definamos
C2 := [0, 1] \
(
1
3
,
2
3
)
,
C3 := C2 \
((
1
9
, 2
9
)
∪
(
7
9
, 8
9
))
e assim por diante. Em geral cada intervalo Cn+1 é obtido removendo o terço médio de cada um
dos 2n−1 intervalos de Cn.Vamos determinar o comprimento de cada conjunto de Cantor Cn e
depois vamos provar que sendo
C∞ =
∞⋂
n=1
Cn,
temos que λ(C∞) = 0.
Primeiramente vamos determinar, para n ≥ 1, o comprimento λ(Cn) de Cn.
Sejam a1, . . . , a2n os intervalos do Conjunto de Cantor Cn. Seja
Ai = [a2i−1 , a2i], 1 ≤ i ≤ 2n−1.
Observe que
Cn =
2n−1⋃
i=1
Ai.
É fácil ver que o comprimento de cada um dos 2n−1 intervalos de Cn é 13n−1 , ou seja,
λ(Ai) =
1
3n−1
.
18 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.3
Portanto
λ(Cn) = λ
2n−1Ai⋃
i=1
 = 2n−1∑
i=1
λ(Ai) =
2n−1
3n−1
.
Seja, agora, I = (C∞)C . Se provarmos que λ(I) = 1, então λ(C∞) = 0, pois estes dois
intervalos assim o são . Pelas Leis de Morgan, temos que
I = (C∞)
C =
(
∞⋂
n=1
Cn
)
=
∞⋃
n=1
Cn = C1.
Portanto,
λ(I) = λ
(
∞⋂
n=1
Cn
)C
= λ(C1) = 1
.
c.q.d
Definição 3.3.6 Seja µ uma medida, definida em uma σ-álgebra F , e seja E ∈ F um conjunto
mensurável. Dizemos que uma propriedade P vale em µ quase todo ponto x de E
(µ− qtp x ∈ E) se o conjunto dos pontos de E tais que P não vale tiver medida zero.
Exemplo 3.3.7 O primeiro exemplo nos dado nessa seção foi da Medida de Lebesgue. Vamos
provar que λ(Q) = 0. De fato, note que dado x ∈ R, {x} =
⋂∞
n=1(x−
1
n
, x+ 1
n
). Então,
λ({x}) = lim
n→∞
((x− 1
n
, x+
1
n
)) = 0
.
Agora, com Q =
⋃
q{q ∈ Q} e Q é enumerável, pelo teorema acima para os
An =
(
x− 1
n
, x+ 1
n
)
, temos que
λ(Q) =
∑
q∈Q
λ({q}) = 0.
Dizemos então que quase todo ponto não é racional, ou seja, quase todo ponto é irracional.
Anunciaremos, abaixo, alguns conceitos e resultados importantes para a prova da
invariância da transformação n-ária, contida no próximo capítulo.
Lema 3.3.8 Continuidade no Vazio
Sejam A uma álgebra de subconjuntos de X e µ : A → [0,∞) uma função finitamente aditiva
com µ(X) <∞. Então µ é σ-aditiva se, e somente se,
lim
n→∞
µ(An) = 0
para toda sequência A1 ⊃ · · · ⊃ Aj ⊃ . . . de elementos de A com ∩∞j=1Aj = ∅.
Definição 3.3.9 Dizemos que uma família não vazia C de subconjuntos de X é uma classe
monótona, ou seja:
3.4 TRANSFORMAÇÕES MENSURÁVEIS 19
• dados subconjuntos A1 ⊂ A2 ⊂ ... em C, então⋃
n≥1
An ∈ C;
• dados subconjuntos A1 ⊃ A2 ⊃ . . . em C, então⋂
n≥1
An ∈ C.
Lema 3.3.10 Classes Monótonas
A menor classe monótona que contém uma álgebra A coincide com a σ-álgebra σ(A) gerada
por A.
3.4 Transformações Mensuráveis
Definição 3.4.1 A imagem inversa de uma função f num conjunto X é dada por
f−1(x) = {x ∈ D(f); f(x) ∈ X}.
Definição 3.4.2 Uma função é dita invertível quando a imagem inversa de qualquer ponto é
um conjunto unitário.
Observação 01: Se f é uma bijeção, então a imagem inversa de qualquer ponto do
contradomínio é um conjunto unitário. Se f é injetiva, então a imagem inversa de um ponto
contradomínio, ou é vazio ou é um conjunto unitário.
Observação 02: A imagem inversa de um ponto pode não ser um conjunto unitário. Vide a
transformação decimal, que será apresentada em breve.
Definição 3.4.3 Seja f : (X,F) −→ (Y, τ) uma transformação, onde (X,F) é um espaço
mensurável e (Y, τ) um espaço topológico. Dizemos que f é mensurável se para cada aberto
B ∈ τ tivermos f−1(B) ∈ F , ou seja, f−1(B) for um conjunto mensurável em (X,F).
Exemplo 3.4.4 Sejam (X, τ1) e (Y, τ2) espaços topológicos e g : X −→ Y uma transformação.
Se para cada B ∈ τ1 , f−1(B) ∈ τ2, dizemos que g é uma transformação contínua. É possível
provar que toda transformação contínua é também mensurável com relação a σ-álgebra de
Borel.
Sejam (X,F) um espaço mensurável e A ∈ F . Definimos a função característica de A como
χA =
{
1, ∀x ∈ A,
0, ∀x 6∈ A , onde χA : X −→ R.
Exemplo 3.4.5 Seja B um aberto em R. Os quatro passos abaixo provarão que χA é uma
transformação mensurável:
• Se 0, 1 6∈ B, então χ−1A (B) = ∅ ∈ F;
• Se 0, 1 ∈ B, χ−1A (B) = R ∈ F;
• Se 0 ∈ B e 1 6∈ B, então χ−1A (B) = Ac ∈ F;
20 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.4
• Por fim, se 1 ∈ B e 0 6∈ B, então χ−1A (B) = A ∈ F .
De fato, seja B ∈ R aberto e consideremos, por exemplo, que se cumpram as hipóteses do
segundo item. Com 0, 1 ∈ B e X ∈ R, χA(X) = 0 ∈ B ou χA = 1 ∈ B. Portanto,
R ⊂ χ−1A (B). Como χ
−1
A (B) ⊂ R. Assim, R = χ
−1
A (B).
Logo, χA é uma transformação mensurável, como queríamos demonstrar.
Exemplo 3.4.6 Consideremos T (x) = 10x(mod 1), definida em T : [0, 1] −→ [0, 1].
Considerando x = 0, 123456 temos que T (x) = 0, 23456. Se x = 0, 223456, também teremos
que T (x) = 0, 23456 e assim sucessivamente. Daí, podemos ver que
T−1(0, 23456) = {0, 023456; 0, 123456; 0, 223456, . . . , 0, 823456; 0, 93456}.
Este é um exemplo de uma transformação cuja a imagem não é um conjunto unitário.
Exemplo 3.4.7 Seja A = {[0, a), 0 < a ≤ 1; (a, b), 0 < a < b < 1; [a, 1], 0 ≤ a < 1; [0, 1]} e
defina B[0,1] = GA como os borelianos de [0, 1].
Afirmação: T é mensurável com relação a B[0,1].
Lema 3.4.8 Para todo E ∈ A, T−1(E) ∈ B[0,1].
• T−1([0, a)) =
⋃9
i=0
[
i
10
, a+i
10
) , onde
[
i
10
, a+i
10
) ∈ B[0, 1];
• T−1((a, b)) =
⋃9
i=1
(
a+i
10
, b+i
10
) ;
• T−1((a, 1]) =
⋃9
i=10
(
a+i
10
, i+1
10
] .
Logo, T−1(A) ⊂ B[0,1].
Exemplo 3.4.9 Seja A ⊂ [0, 1] aberto, definido, mais precisamente por
A = A ∩ [0, 1],
onde A é um aberto de R. Então
A = ∪+∞i=1 Ii,
onde Ii é um intervalo ∀Ii = (ai, bi).
Note que, I1 ∩ [0, 1] ∈ A, sempre que I1 ∩ [0, 1] 6= ∅. Defina
Ii := I ∩ [0, 1].
Temos, assim, que
A = A ∩ [0, 1] =
[
∪+∞i=1 Ii
]
∩ [0, 1] =⋃
Ii ∩ [0, 1] =
+∞⋃
i=1
Ii .
Portanto,
T−1(A) =
+∞⋃
i=1
T−1(Ii).
Como T−1(Ii) ∈ A (pelo Lema), temos que T é mensurável.
3.6 MAIS RESULTADOS SOBRE FUNÇÕES MENSURÁVEIS 21
Exemplo 3.4.10 Sejam f ,g transformações mensuráveis e a, b ∈ R. Pode-se provar que
(af + bg)(x) = af(x) + bg(x) e (f · g)(x) = f(x) · g(x) também são mensuráveis.
3.5 Mais resultados sobre funções mensuráveis
Lema 3.5.1 Sejam Y, Z espaços topológicos e seja g : Y → Z. (i) Sejam X um espaço
topológico e f : X → Y uma função contínua. Então h : g ◦ f : X → Z também é contínua.
(ii) Sejam X um espaço mensurável e f : X → Y uma função mensurável. Então
h = g ◦ f : X → Z é mensurável.
(i) Considere um aberto V em Z. Usando as definições aqui dadas de transformação contínua e
mensurável, chegamos nas seguintes implicações e suas recíprocas:
h−1(V ) = (g ◦ f)−1(V ) = f−1(g−1(V )) ⇐⇒
x ∈ (g ◦ f)−1(V ) ⇐⇒ (g ◦ f)(x) ∈ V ⇐⇒
f(x) ∈ g−1(V ) ⇐⇒ x ∈ f−1(g−1(V )).
Como g é contínua, então g−1(V ) é aberto em Y . Ainda como f é contínua, então temos que
f−1(g−1(V )) é aberto em Y .
(ii) Como g é contínua, então g−1(V ) é aberto em Y . Ainda como f é mensurável, temos que
f−1(g−1(V )) é um conjunto mensurável de X .
Teorema 3.5.2 Considere as funções mensuráveis u, v : X → R em um espaço mensurável X e
g : R2 → Y uma transformação contínuas, com Y um espaço topológico. Defina
h(x) = g(u(x), v(x)), ∀x ∈ X . Assim, h : X −→ Y é mensurável. Um corolário rápido desse
teorema é que a soma e o produto de duas transformações mensuráveis resulta, também, em
transformações mensuráveis.
Coloquemos f(x) = (u(x), v(x)) e vejamos que, como h = g ◦ f , basta mostrar que f é
mensurável e aplicar o lema acima.
Considere R um retângulo aberto arbitrário com lados paralelos aos eixos coordenados. Veja
que R é o produto cartesiano de dois segmentos abertos I1 e I2. Podemos provar que se
x ∈ f−1(R) então x ∈ u−1(I1) ∩ v−1(I2). Como I1 e I2 são abertos, u−1(I1) e v−1(I2) são
mensuráveis e, portanto, f−1(R) = u−1(I2) ∩ v−1(I2) também é mensurável.
Como todo conjunto V aberto no plano é a união enumerável de retângulos abertos Ri como R,
então f−1(V )= f−1 (∪∞i=1Ri) , então f−1(V ) = f−1 (∪∞i=1Ri) = ∪∞i=1f−1(Ri), que é
mensurável, e isso prova o que queremos.
Corolário 3.5.3 Seja |f | uma função mensurável, então f = u+ iv é mensurável
Basta considerar X = R2, Y = R2, Z = C e tomar g((x, y)) = x+ iy contínua,
f((x, y)) = (u(x, y), v(x, y)) e h = g ◦ f .
3.6 A Integral de Riemann versus a Integral de Lebesgue
O desenvolvimento de um critério de integrabilidade de uma função, seja integrável à
Riemann ou integrável à Lebesgue, advém de ideias distintas. Na construção da integral de
Riemann, o domínio R é particionado em subintervalos disjuntos. Para a integral de Lebesgue,
particionamos primeiro o contradomínio e depois, tomando a imagem inversa, a divisão do
domínio é obtida.
22 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.8
Uma teoria mais geral para integração fez-se necessária a partir do século XIX , para o
estudo de limites de séries de funções integráveis. Até então a integral de Riemann mostrou-se
completamente satisfatória, quando a função a ser integrada era uma função contínua ou com
poucos pontos de descontinuidade. Apesar de ser mais robusta e existir para função que não são
Riemann integráveis, é preciso tomar cuidado com certas afirmações com respeito à
generalidade da integral de Lebesgue. Podemos ser levados a acreditar que funções que são
Riemann integrável são também integráveis no sentido de Lebesgue, o que é uma falácia. Ou
seja, existem situações em que um tipo de integral existe e o outro não.
A integral de Lebesgue de uma função f qualquer é obtido em etapas. Primeiro, definimos as
funções simples, que são funções positivas com um número finito de valores diferentes. Depois,
a integral é estendida para funções positivas, usando o fato destas serem limites de funções
simples. Por fim, para uma função qualquer, definimos a integral de Lebesgue como a diferença
da integral das suas partes positiva e negativa.
3.7 A integral de Riemann
Seja f : [a, b] −→ R uma função limitada. Uma partição ∆ de [a, b] é um conjunto de pontos
∆ = {x0, x1, x2, · · · , xn} tais que a = x0 < x1 < x2 < · · · < xn = b. Considere as seguintes
somas de Riemann superior e inferior:
S(f,∆) =
n−1∑
i=0
supx∈[xi,xi+1]f(x)(xi+1 − xi)
I(f,∆) = infx∈[xi,xi+1]f(x)(xi+1 − xi).
A ideia é dividir o intervalo [a, b] em subintervalos cada vez menores. Essa soma nos dá uma
noção intuitiva que a integral de f sobre [a, b] como a área limitada pelo gráfico de f . Mais
precisamente, se
inf∆S(f,∆) = sup∆I(f,∆),
onde o ínfimo e o supremo são obtidos sobre todas as possíveis partições de [a, b]. Assim, nós
escrevemos
∫ b
a
f(x)dx como este valor comum e chamaremos isto de integral de Riemann de f e
f será denominada como Riemann-integrável.
Exemplo 3.7.1 Considere f : [0, 1] −→ R dada por
f(x) = χQ∩[0,1] =
{
1 se x ∈ Q ∩ [0, 1]
0 se x ∈ (Q ∩ [0, 1])C .
Como entre dois números reais sempre existe um número racional e um número irracional,
dados 0 ≤ y ≤ z ≤ 1, nós podemos encontrar y ≤ x ≤ z com f(x) = 1 e y < x′ ≤ z com
f(x′) = 0. Portanto para qualquer partição ∆ = {x0, x1, · · · , xn} de [0, 1] nós temos que
S(f,∆) =
n−1∑
i=0
(xi+1 − xi) = 1.
e I(f,∆) = 0. Como o supremo e o ínfimo não coincidem dizemos que f não é
Riemann-integrável.
3.8 A INTEGRAL DE LEBESGUE 23
Figura 3.1: A integral vista como a soma superior das áreas de retângulos arbitrários.
Fonte: Elaborada pela autora.
Figura 3.2: A integral vista como a soma inferior das áreas de retângulos arbitrários.
Fonte: Elaborada pela autora.
3.8 A integral de Lebesgue
Definição 3.8.1 Uma função s definida num espaço mensurável X , cujo contradomínio tem
apenas um número finito de pontos, é chamada de função simples.
Entre estas estão as funções simples não-negativas, cujo contradomínio é um subconjunto
finito de [0,∞). Observe que excluímos explicitamente∞ dos valores de uma função simples.
Na verdade, podemos resumir a definição de uma função simples pondo s =
∑k
j=1 αkχAk ,
onde Ak é o conjunto mensurável tal que Ak = {x ∈ X; s(x) = αk} e χAk é a função
característica de Ak.
Note, por fim, que os Ak’s acima definidos são disjuntos se os considerados forem distintos.
Além disso, a união dos Ak’s é o espaço X todo.
Exemplo 3.8.2 Considere os conjuntos mensuráveis A1, · · · , Am e B1, · · · , Bm e os números
reais a1, · · · , am e b1, · · · , bn tais que
m∑
i=1
a1χAi =
n∑
j=1
bjχBj
24 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.8
em µ-quase todo ponto. Podemos provar que duas combinações lineares de funções
características definem em uma mesma função, então os valores das integrais obtidos a partir
das duas combinações coincidem.Para isso, tomamos conjuntos C1, · · · , Cp, disjuntos
dois-a-dois, tais que Ai é uma união de alguns Ck’s, o mesmo valendo para Bj . Então,
m∑
i=1
aiχAi =
p∑
k=1
ckχCk
onde ck é a soma dos ai tais que Ai contém Ck. Com isso, não é difícil provar que∑m
i=1 aiµ(Ai) =
∑p
k=1 ckµ(Ck) =
∑n
j=1 bjµ(Bj).
Teorema 3.8.3 Seja f : X → [0,∞] uma função mensurável. Então existem funções simples
mensuráveis em X tais queremos
(a) 0 ≤ s1 ≤ s2 ≤ · · · ≤ f ;
(b) sn(x)→ f(x)
quando n→∞, para todo x ∈ X .
Colocamos δn = 2−n. Para cada inteiro positivo n e cada número real t corresponde-se um
único inteiro k = kn(t) que satisfaz a desigualdade
kδn ≤ t ≤ (k + 1)δn.
Definimos
φn(t) =
{
kn(t)δn, se 0 ≤ t < n,
n se n ≤ t ≤ ∞.
Cada φn é, então, uma função de Borel em [0,∞], pois
t− δn < φn(t) ≤ t,
se 0 ≤ t ≤ n e também
0 ≤ φ1 ≤ φ2 ≤ · · · ≤ t,
e φn(t)→ t quando n→∞, para todo t ∈ [0,∞]. Segue-se que as funções
sn = φn(t) ◦ f
satisfazem (a) e (b).
Como a composição de funções mensuráveis também é uma função mensurável, segue-se que
cada sn é mensurável.
Definição 3.8.4 Se s : X → [0,∞) é uma função simples, da forma
s =
n∑
i=1
αiχAi ,
3.9 O TEOREMA DA CONVERGÊNCIA MONÓTONA E LEMA DE FATOU-LEBESGUE 25
onde α1, . . . , αn são valores distintos de s, e se E é mensurável, definimos∫
E
sdµ =
n∑
i=1
αi µ(Ai ∩ E).
Se f : X → [0,∞] é mensurável e E é mensurável, definimos∫
E
fdµ = sup
∫
E
s dµ (∗),
sendo que o supremo assumido é tomado entre todas as funções simples mensuráveis s tal que
0 ≤ s ≤ f .
A expressão (∗) é chamada integral de Lebesgue de f com respeito à medida µ.
Exemplo 3.8.5 Seja χE a função característica de um conjunto mensurável E. Vamos provar
que
∫
E
χE dµ = µ(E). De fato, χE é uma função simples e podemos tomar α1 = 1, onde
A1 = E e α2 = 0, onde A2 = EC . Da definição de integral conclui-se rapidamente o que
queremos.
Proposição 3.8.6 Se A e B são disjuntos então∫
A∪B
f dµ =
∫
A
f dµ.+
∫
B
f dµ.
De fato, ∫
A∪B
f dµ = sup{
∫
A∪B
sn dµ, 0 ≤ sn ≤ f, sn simples}.
Daí, tomando sn =
∑k
i=1 αk χAk:∫
A∪B
sn dµ =
k∑
i=1
αkµ(A ∪B) =
k∑
i=1
αkµ(A) +
k∑
i=1
αk µ(B),
pois pela definição de medida µ(A ∪B) = µ(A) + µ(B). Logo,∫
A∪B sn dµ =
∫
A
sn dµ+
∫
B
sn dµ. Usando a propriedade provada neste começo de capítulo
que diz "o supremo da soma é a soma dos supremos", provamos que∫
A∪B f dµ =
∫
A
f dµ+
∫
B
f µ. .
Exemplo 3.8.7 Agora vamos provar que se µ(E) = 0,
∫
E
f dµ = 0. Para isso basta
demonstrar que
∫
E
sndµ quando µ(E) = 0, pois sup{0} = 0. Veja que
µ(E) = µ((Ak ∩ E) ∪ (Ak − E)) = µ(Ak ∩ E) + µ(Ak − E)
e como µ(E) = 0 e µ é medida positiva µ(Ak ∩ E) = µ(Ak − E) = 0.
Como
∫
E
sn dµ =
∑k
i=1 αkµ(Ak ∩ E) = 0.
3.9 O Teorema da Convergência Monótona e Lema de
Fatou-Lebesgue
Proposição 3.9.1 Sejam f, g funções mensuráveis tais que 0 ≤ f ≤ g. Então
∫
E
fdµ ≤
∫
E
gdµ,
onde µ é uma medida qualquer e E é um conjunto mensurável.
26 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.9
Considere as sequências de funções simples {sn} e {rn} tais que 0 ≤ sn ≤ f e 0 ≤ rn ≤ g.
Por definição ∫
E
f dµ = sup
∫
E
sn dµ e∫
E
g dµ = sup
∫
E
rndµ.
Como f ≤ g, {sn} ⊂ {rn} e colocando I = {
∫
E
sn dµ, ∀n}, e J = {
∫
E
rn dµ, ∀n}, vemos
que I ⊂ J e portanto, pela proposição provada no início desse capítulo, sup I ≤ sup J , logo,∫
E
f dµ ≤
∫
E
g dµ.
Teorema 3.9.2 Teorema da Convergência Monótona Seja {fn} uma sequênciade funções
mensuráveis em X tais que 0 ≤ f1(x) ≤ f2(x) ≤ · · · ≤ ∞, ∀x ∈ X e fn(x)→ f(x) (quando
essas condições acontecer diremos que fn ↑ f ). Então se f ≥ 0 for mensurável temos que∫
fn ↑
∫
f .
Tomaremos uma sequência {fn,m}m de funções tais que fn,m ↑ fn, ∀n. Considere
gm = sup1≤n≤m fn,m.
Esse supremo é dado pela maior função entre as fn,m, que são funções simples; daí concluí-se
que gm é uma função simples e então a integral
∫
gmdµ está bem definida. Veja que a sucessão
{gm} é crescente, pois estamos trabalhando com uma sequência {fn} crescente.
Vamos mostrar que gm ↑ f . Como fn ≤ fm, então fn,m ≤ gm ≤ fm. Tomando o limite quando
m→∞ obtemos
fn ≤ lim
m
gm ≤ f
e fazendo isso quando n→∞, temos que
f ≤ lim
m
gm ≤ f,
o que nos leva a
∫
gm ↑
∫
f . Para 1 ≤ n ≤ m, temos que∫
fn,m ≤
∫
gm ≤
∫
fm.
Fazendo m→∞, ∫
fn ≤
∫
f ≤ lim
m
∫
fm
e quando n→∞,
lim
n
∫
fn ≤
∫
f ≤ lim
m
∫
fm.
Então,
∫
fn ↑
∫
f .
Lema 3.9.3 Sejam f e g funções mensuráveis e f = g em µ-quase todo ponto. Então, se f ≥ 0,
g ≥ 0,
∫
f dµ =
∫
g dµ.
3.9 O TEOREMA DA CONVERGÊNCIA MONÓTONA E LEMA DE FATOU-LEBESGUE 27
Seja N = {x; f(x) 6= g(x)}. Como f = g em µ-quase todo ponto então µ(N) = 0. Veja que∫
E
f dµ =
∫
E−N
dµ+
∫
E∩N
f dµ =
∫
E−N
f dµ,
pois
∫
E∩N f dµ = 0. Do mesmo modo chegamos a
∫
E
gdµ =
∫
E−N g dµ, logo como f = g em
E −N concluímos que
∫
E−N f dµ =
∫
E−N g dµ e, portanto,
∫
E
f dµ =
∫
E
gdµ.
Teorema 3.9.4 Teorema da Convergência Monótona em quase todo ponto
Considere uma sequência {fn} de funções tais que 0 ≤ fn ↑ f em quase todo ponto, então
0 ≤
∫
fn ↑ f .
Seja A = {fn −→ f, fn 6= f} com µ(A) = 0. Podemos colocar hn = χAfn e h = χAf e ver
facilmente que 0 ≤ hn ↑ h. Utilizando o Teorema da Convergência Monótona temos que
0 ≤
∫
fn =
∫
hn ↑
∫
h =
∫
f.
As igualdades das integrais decorrem do lema acima.
Definição 3.9.5 Chamamos de f+ a parte positiva de f e de f− a parte negativa de f .
Temos,assim, f = f+ − f−. Agora, considere uma função mensurável f . Tal função é dita
integrável a Lebesgue se e somente se
∫
f+ <∞ e
∫
f−∞. Por definição,
∫
f =
∫
f+ −
∫
f−.
Teorema 3.9.6 Fatou-Lebesgue Considere {fn} uma sequência de funções mensuráveis
limitada superiormente em quase todo ponto por uma função integrável f , então∫
lim inf fn ≤ lim inf
∫
fn.
Tomemos gn = infk≥fk e f = limn→∞ gn = limk inf fk. Observe que (infk≤nfk)− ≤ f−.
Como f é integrável, então
∫
f− <∞ e assim,
∫
(infk≤nfk)
− <∞. Daí, conclui-se que
gn = (infk≥nfk)
− é integrável. Além disso, {infk≥nfk}n é uma sequência não-decrescente que
converge para f = limk inffn. Pelo teorema anterior
lim
n→∞
∫
E
gn dµ =
∫
E
f dµ.
Da definição de g vem ∫
E
gn dµ ≤
∫
E
fk dµ,∀n ≤ k.
Tomando o ínfimo em k, vale ∫
E
gn dµ ≤ infk≥n
∫
E
fk dµ,∀n.
Passando o limite em n segue que
lim
n→∞
∫
E
gn dµ ≤ lim
k→∞
inf
∫
E
fk dµ
.
Como limn→∞
∫
E
gndµ =
∫
E
f dµ, temos que∫
E
lim
k→∞
inffk dµ ≤ lim
k→∞
infEfk dµ.
28 UM RESUMO DA TEORIA DA MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3.9
Capítulo 4
O Teorema de Recorrência de Poincaré
Sejam (M,F , µ) um espaço de medida e f : M −→M uma transformação mensurável. A
medida µ é dita invariante por f se
µ(E) = µ(f−1(E)),∀E ∈ F .
Nesse caso dizemos, também, que f preserva µ.
É muitíssimo importante, após definir o conceito de medida invariante, garantir sua
existência:
Definição 4.0.1 Teorema 4.0.2 Existência de Medida Invariante
Seja f : M →M uma transformação contínua num espaço métrico compacto. Então existe
pelo menos uma medida de probabilidade M que é invariante por f .
Definição 4.0.3 Dizemos que uma medida é finita em uma σ-álgebra F se existem subconjuntos
A1, . . . , An de X tal que µ(Ai) <∞ , ∀i ∈ N e X = ∪∞i=1Ai.
Proposição 4.0.4 Sejam f : M −→M uma transformação e µ uma medida finita invariante
por f . Considere ainda um certo E ⊂M mensurável com µ(E) > 0.
Então para µ quase todo ponto x ∈ E, existem infinitos valores de n tais que fn(x) ∈ E.
Denotaremos por E0 o conjunto dos x ∈ E tais que fp(x) 6∈ E, com p ≥ 1. Matematicamente
dizendo
E0 = {x0 ∈ E; fp(x) ∈ E, p ≥ 1}.
Queremos provar µ(E0) = 0. Afirmo que as prés-imagens são disjuntas duas-a-duas.
De fato, suponhamos que existe x ∈ f−m(E0) ∩ f−n(E0) com m ≥ n ≥ 1. Tomey = fn(x).
Daí concluímos que y ∈ E0. Além disso
fm−n(y) = fm−n(fn(x)) = fm(x) ∈ E0,
o que contradiz a definição de E0.
Como µ é invariante pode-se provar que
µ(f−n(E)) = µ(E),
29
30 O TEOREMA DE RECORRÊNCIA DE POINCARÉ 4.1
Figura 4.1: Representação gráfica do Teorema de Recorrência de Poincaré.
Fonte: Elaborada pela autora.
para n ≥ 1. Daí
µ(∪∞n=1f−n(E0) =
∞∑
n=1
µ(E0).
Observe que usamos acima apenas a definição de medida e o resultado citado anteriormente.
Como µ é finita, a expressão do lado esquerdo deve ser finita. Por outro lado temos que uma
soma infinita de termos constantes e iguais. Logo, tal soma precisa ter parcelas nulas. Assim
µ(E) = 0.
Agora, seja F o conjunto dos pontos x ∈ E que regressam a E apenas um número finito de
vezes. Assim, temos que todo ponto x ∈ F tem algum iterado fk(x) ∈ E0. Ou seja,
F ⊂ ∪∞k=0f−k(E0).
Como definimos, µ(E0) = 0 e µ é invariante, logo, com alguns cálculos concluímos que
µ(F ) =
∞∑
k=0
µ(E0) = 0.
Portanto, µ(F ) = 0, como queríamos.
4.1 Invariância da Medida de Lebesgue pela transformação
n-ária
Retomemos à transformação n-ária definida em T : [0, 1]→ [0, 1] do seguinte modo
Tn(x) = nx− bnxc.
Afirmamos um importante teorema relacionando Tn e a medida de Lesbesgue λ:
Teorema 4.1.1 A medida de Lebesgue λ é invariante por Tn, isto é,
λ(E) = λ(T−1n (E)),
4.1 INVARIÂNCIA DA MEDIDA DE LEBESGUE PELA TRANSFORMAÇÃO N -ÁRIA 31
para todo conjunto Borel-mensurável.
Lema 4.1.2 Sejam f : M →M uma transformação mensurável e µ uma medida finita em M .
Suponhamos que existe um conjunto A, formada por subconjuntos mensuráveis de M , tal que A
gera a σ-álgebra B de M e µ satisfaz
µ(E) = µ(f−1(E)),∀E ⊂M (∗).
Então, a medida µ é invariante por f .
Primeiramente, provaremos que
C = {E ∈ C : µ(E) = µ}
é uma classe monótona. Para isso consideremos E1 ⊂ E2 ⊂ . . . uma sequência de elementos
em C e tomemos E = ∪∞i=1Ei.
Pelo Lema de Continuidade no Vazio, temos que
µ(E) = lim
i→∞
µ(Ei),
µ(f−1(E)) = lim
i→∞
= lim
i→∞
µ(f−1(Ei)).
Usando o fato de que Ei ∈ C, temos que
µ(E) = lim
i→∞
µ(Ei) = lim
i→∞
µ(f−1(Ei)) = µ(f
−1(E)).
Portanto E ∈ C. Analogamente mostra-se que a interseção de qualquer sequência
decrescente de elementos de C é, de fato, uma classe monótona.
Por fim, note que C contém A, por hipótese. Logo, usando o Lema das Classes Monótonas,
segue-se, que C contém a σ-álgebra B gerada por A. Isto prova o que queríamos.
�
Demonstração do Teorema 4.1.
Note que Tx = nx− a1 onde a1 = a1(x) é tal que nx− a1 ∈ [0, 1) , ou equivalentemente –
a1 é tal que x ∈
[
a1
an
, a1+1
n
)
. De Tx = nx− a1 nós temos que x = a1n +
Tx
n
. Colocando
a1(x) = bnxc , a2 = bnTxc, . . . , ak(x) = bnT k−1xc, . . . encontramos
x =
a1
n
+
a2
n2
+ · · ·+ T
2x
n2
=
a1
n
+
a2
n2
+ · · ·+ ak
nk
+
T kx
nk
=
32 O TEOREMA DE RECORRÊNCIA DE POINCARÉ 4.1
a1
n
+
a2
n2
+ · · ·+ ak
nk
+ · · ·+ ak
nk
=
a1
n
+
a2
n2
+ · · ·+ ak
nk
+ . . . .
Observe que se (a, b) ⊂ [0, 1), então
T−1(a, b) = ∪n−1i=0
(
i
n
+
a
n
,
i
n
+
b
n
)
,
assim
λ(T−1(a, b)) =
n−1∑
i=0
(
b
n
− a
n
)
b− a = λ(a, b)
é T é invariante com respeito a medida de Lebesgue.
Observe que a invariância com respeito à medida de Lebesgue λ também vale para
transformações decimais: basta tomar n = 10.
É possível provar a invariância de qualquer β-expansão (e mais do que isso, a ergodicidade)
usando o Teorema de Extensão de Hahn-Kolmogorov. Consulte-o nas notas de aulas de
Charles Walkden, Ergodic Theory, mais especificamente nas páginas 20, 27 e 28.
Exemplo 4.1.3 Tome a transformação T definida em T : [0, 1] −→ [0, 1] como
T (x) = 10x (mod1)
.
Se x = 0, a0a1a2a2 . . . , com ai ∈ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}, sabemos que T (x) = 0, a1a2a3 . . . .
Consequentemente, o n-ésimo iterado é T n(x) = 0, anan+1an+2 . . . .Agora considere o subconjunto E ⊂ [0, 1] definido como o conjunto dos x ∈ [0, 1] cuja
expansão decimal começa com 7, ou seja, a0 = 7. De acordo com o Teorema de Recorrência de
Poincaré, quase todo elemento de E tem infinitos iterados que também estão em E. Ou seja, isto
quer dizer que existem infinitos valores de n tais que an = 7.
Portanto, está provado que quase todo número x cuja expansão decimal começa por 7 tem
infinitos dígitos 7.
Exemplo 4.1.4 Para quase todo o número x ∈ [0, 1] cuja expansão decimal contenha o bloco
617, esse bloco aparece infinitas vezes na mesma expansão. De fato, basta provar que
E = [0, 617; 0, 618] tem medida positiva e usar o teorema de recorrência de Poincaré.
4.1 INVARIÂNCIA DA MEDIDA DE LEBESGUE PELA TRANSFORMAÇÃO N -ÁRIA 33
Figura 4.2: Gráfico da transformação T .
Fonte: Elaborada pela autora.
34 O TEOREMA DE RECORRÊNCIA DE POINCARÉ 4.1
Capítulo 5
O Teorema Ergódico de Birkhoff
Chamaremos a sequência
x, T (x), T 2(x), . . . , T n(x), . . .
de órbita de x.
Se T é invertível (e, consequentemente, podemos iterar para trás aplicando T−1
repetidamente) nos referimos à sequência
. . . , T n(x), . . . , T−1(x), x, T (x), . . . , T n(x), . . .
como a órbita de x e a sequência x, T (x), . . . , T (x), . . . como a órbita à direita de x.
A partir daí, consideremos um conjunto mensurável E ⊂M com medida positiva e x ∈M
qualquer. Queremos analisar o conjunto dos iterados de x que visitam E, isto é, de
{j ≥ 0; f j(x) ∈ E}.
Chamamos de tempo médio de visita de x a E o valor de
τ(E, x) = lim
n→∞
#{0 ≤ j ≤ n; f j(x) ∈ E}.
Em quais condições o limite acima existe? Este é um caso particular do Teorema Ergódico
de Birkhoff, que é, de fato uma generalização da lei forte dos grandes números.
5.1 A Desigualdade Maximal
Definição 5.1.1 Sejam (X,B, µ) um espaço de medida e 1 ≤ p ≤ ∞, p ∈ R. Definimos Lp=
{f : f é mensurável , f : X → R e
∫
|f |p <∞}.
Notação: O símbolo R será usado para denotar o conjunto R ∪ {+∞} ∪ {−∞}.
Definição 5.1.2 Chamamos de espaço de probabilidade um espaço de medida (X,B, µ) tal
que µ(X) = 1.
35
36 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.1
Teorema 5.1.3 Considere (X,B, µ) um espaço de probabilidade, T : X −→ X uma
transformação invariante e f ∈ L1(X,B, µ). Defina f0 = 0 e, para n ≥ 1,
fn = f + f ◦ T + · · ·+ f ◦ T n−1.
Para n ≥ 1, coloque Fn(x) = max0≤j≤n fj(x) tal que Fn(x) ≥ 0. Então∫
A
fdµ ≤ 0,
onde A = {x ∈ X|Fn(x) ≥ 0} e Fn = 0 em X − A.
Uma transformação contínua em (X,B, µ), onde B é a σ-álgebra de Borel e µ é a medida de
Lebesgue é borel-mensurável, portanto como a composição de transformações mensuráveis
resulta em outra função mensurável e a soma de funções mensuráveis também é mensurável
fj = f + f ◦ T + · · ·+ f ◦ T j−1
Logo Fn, como foi definida, é tal que Fn ∈ L1(X,B, µ). Bem, para 0 ≤ j ≤ n nós temos que
Fn ≥ fj , então
Fn ◦ T ≥ fj ◦ T.
Portanto
Fn ◦ T (x) + f(x) ≥ max1≤j≤n fj(x).
Se Fn(x) > 0 então
max1≤j≤n fj(x) = max0≤j≤n fj(x) = Fn(x),
só que
f ≥ Fn − Fn ◦ T
no conjunto A = {x|Fn(x) > 0}.
Portanto, ∫
A
fdµ ≥
∫
A
Fndµ−
∫
A
Fn ◦ Tdµ.
Como Fn = 0 em X A∫
X
Fn dµ−
∫
A
Fn ◦ T dµ ≥
∫
X
Fndµ−
∫
X
Fn ◦ Tdµ = 0
pois
Fn ◦ T ≥ 0
e µ é T -invariante.
Quando afirmamos que µ é T -invariante queremos dizer, na verdade, que é T -invariante no
espaço de medida (X,B, µ). Como provamos que Fn ∈ (X,B, µ). A desigualdade acima está
finalmente justificada.
5.1 A DESIGUALDADE MAXIMAL 37
�
Corolário 5.1.4 Seja g ∈ L1(X,B, µ) e seja
Mα = {x ∈ X|supn≥1
1
n
n−1∑
j=0
g(T jx) > α}.
Então para todo B ∈ B com T−1 B = B nós temos que∫
Mα∩A
g dµ ≥ α µ(Mα ∩B).
Provaremos o enunciado para todos B B-mensuráveis . Suponha, primeiramente, que B = X e
considere f = g − α e daí aplicaremos a Desigualdade Maximal para esse caso. Para o caso
geral nós trabalhamos com a restrição de T para B, TB : B −→ B, dada por TB(x) = T
quando x ∈ B e TB(x) = 0 quando x ∈ X −B.
Escreva
mn =
j=0∑
n−1
g(T jx)
e veja que
m1 + · · ·+mn =
g(x) + · · ·+ supn≥1
1
n
n−1∑
j=0
g(T jx) >
1
n
g(x) + · · ·+ supn≥1
1
n
n−1∑
j=0
g(T jx).
Assim,
∑n−1
j=0 mn > nα. Considerando n→∞ concluímos que
Mα =
{
x ∈ X|
n−1∑
j=0
mn > nα
}
=
∞⋃
n=1
{
x ∈ X|
n−1∑
j=0
g(T jx) > nα
}
.
Agora considere gn =
∑n−1
j=0 (g(T
jx)− α) e tome xj = T jx. Ter f = g − α implica que
f(xj) = g(xj)− α e assim temos
fn =
n−1∑
j=0
g(xj)− α =
n−1∑
j=0
f(T j x) > 0.
Logo,
38 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.2
Mα =
∞⋃
n=1
{
x|
n−1∑
j=0
g(T jx) > nα
}
=
∞⋃
n=1
{
x|
n−1∑
j=0
(g(T jx)− α) > 0
}
=
∞⋃
n=1
{x|fn(x) > 0} =
∞⋃
n=1
{x|Fn(x) > 0}
A última igualdade é justificada pelo fato de fn(x) > 0 implicar que Fn(x) > 0 e Fn(x) > 0
implicar fj(x) > 0, para algum 1 ≤ j < n. Escreva
Cn = {x|Fn(x) > 0}
e observe que Cn ⊂ Cn+1. De fato,
Fn(x) = max0≤j≤n
{
f, f + f(Tx), . . . ,
n−1∑
j=0
f(T jx)
}
,
Fn+1(x) = max0≤j≤n+1
{
f, f + f(Tx), . . . ,
n−1∑
j=0
f(T jx),
n∑
j=0
f(T jx)
}
,
logo Fn(x) ≤ Fn+1(x), ∀x ∈ X . Daí concluímos que, quando n→∞, χCn converge para χMα
e, portanto, fχCn converge para fχMα . Assim, |fχCn| ≤ |f | e, aplicando o Teorema da
Convergência Dominada , ∫
Cn
f dµ =
∫
X
fχCn dµ,
ou seja, ∫
Mα
fχMα dµ =
∫
Mα
f dµ,
quando n→∞.
Aplicando a Desigualdade Maximal , nós temos que para todo n ≥ 1 tal que∫
Cn
f dµ ≥ 0.
Portanto ∫
Mα
g − αdµ =
∫
Mα
f dµ,
isto é,
∫
Mα
g dµ ≥ α µ(Mα).
Por restrição de T ao conjunto B-mensurável B chegamos a∫
Mα∩B
g dµ ≥ αµ(Mα∩B).
5.2 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 39
5.2 O Teorema Ergódico de Birkhoff
A palavra ergódico vem do Grego (ergon=trabalho e odos=caminho) e é originário da
Física. Além disso nas décadas de 1920 e 1930 chamou a atenção dos matemáticos.O Teorema
Ergódico também é conhecido como o Teorema Ergódico de Birkhoff ou Teorema Individual. Tal
teorema foi originalmente provado por George David Birkhoff em 1931.
A versão que será dada abaixo inclui o fato da transformação considerada ser ergódica.
Definição 5.2.1 Seja (X,B, µ) um espaço de probabilidade e seja T : X → X uma
transformação invariante. Dizemos que T é transformação ergódica com respeito a µ se, caso
B ∈ B satisfazer T−1(B) = B, então vale que µ(B) = 0 ou µ(B) = 1.
Teorema 5.2.2 Para Transformações Ergódicas
Sejam (X,B, µ) um espaço de probabilidade e f ∈ L1X,B, µ uma função integrável. Suponha
que T é uma transformação ergódica de (X,B, µ)). Então
lim
n→∞
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx) =
∫
f dµ.
Sejam
f ∗(x) = lim
n→∞
sup
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx),
f∗(x) = lim
n→∞
inf
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx).
Tais limites existem em todos pontos x ∈ X (eles podendo ser também ±∞). Pela própria
definição de supremo e ínfimo não é difícil ver que f∗(x) ≤ f ∗(x). Considere
an(x) =
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx).
Observe que
an+1(x) =
1
n+ 1
·
n∑
j=0
f(T jx) =
1
n+ 1
· n ·
(
1
n
n∑
j=0
f(T jx)
)
=
n
n+ 1
(
1
n
f(x) + an(Tx)
)
.
Portanto,
n+ 1
n
an+1(x) = an(Tx) +
1
n
f(x).
Perceba que f é finita em µ-quase todo ponto. De fato, se a medida dos pontos em que f é
infinita fosse maior que 0, não teríamos
∫
|f | dµ <∞, que é a condição para que
40 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.2
f ∈ L1(X,B, µ). Com isso nós temos que f(x)n → 0 em µ-quase todo ponto quando n→∞.
Consequentemente limn→∞ sup
f(x)
n
→ 0 e limn→∞ inf f(x)n .
Como n
n+1
an+1(x) = an(Tx) e nn+1 → 1 quando n→∞, temos que f
∗ ◦ T = f ∗ e
f∗ ◦ T = f∗.
Para provar o Teorema Ergódico de Birkhoff temos que mostrar os três itens abaixo:
• f ∗ = f∗ em µ-quase todo ponto;
• f ∗ ∈ L1(X,B, µ);
•
∫
f ∗ =
∫
f dµ.
Lema 5.2.3 Sejam
f ∗(x) = lim
n→∞
sup
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx),
f∗(x) = lim
n→∞
inf
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx).
Então, f ∗ = f∗ em µ-quase todo ponto;
Definimos, para α, β ∈ R,
Eα,β = {x ∈ X|f∗(x) < β e f ∗(x) > α}.
Para β < α temos que
f∗(x) < β < α < f
∗(x).
Podemos considerar α, β ∈ Q, pois entre dois reais quaisquer sempre existe um racional.
Assim,
{x ∈ X|f∗(x) < f ∗(x)} =
⋃
β<α,α,β∈Q
Eα,β,
que é uma união enumerável.
Sabemos que f∗(x) ≤ f ∗(x), então para provar que f ∗ = f∗ em µ-quase todo ponto basta
mostrarµ(Eα,β) = 0 quando β < α.
Como f∗ ◦ T = f∗ e f ∗ ◦ T = f ∗, temos que
T−1Eα,β = {x ∈ X|f∗(T−1x) < f ∗(T−1x)} =
{x ∈ X|f∗ ◦ T (T−1x) < f ∗ ◦ T (T−1x)} =
{x ∈ X|f∗(x) < f ∗(x) = Eα,β
Resumindo, T 1Eα,β = Eα,β .
Se nós escrevermos
5.2 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 41
Mα = {x ∈ X|supn≥1
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx) > α},
então Eα,β ∩Mα = Eα,β .
Pelo corolário anterior nós temos que∫
Eα,β
fdµ =
∫
Eα,β∩Mα
f dµ ≥ αµ(Eα,β ∩Mα) = αµ(Eα,β).
Substituindo f, α e β por −f , −β e −α temos que
E−β,−α = {x ∈ X|(−f)∗ < −α e (−f)∗ > −β}.
Analogamente aos cálculos anteriores T−1E−β,−α e E−β,−α ∩M−β = E−β,−α. Portanto,∫
−fdµ ≥ −βµ(E−β,−α),
ou seja,
∫
f dµ ≤ βµ(E−β,−α).
Usando o fato que (−f)∗ = −f∗ e (−f)∗ = −f ∗ (pois sup(−a) = −inf a e
inf(−a) = sup a, temos que
E−β,−α = {x ∈ X| − f ∗ < −α e − f∗ > −β} =
{x ∈ X|f ∗ > α e f∗ < β} =
{x ∈ X|f∗ < β e f ∗ > α} = Eα,β.
Concluímos, enfim, que
αµ(Eα,β) ≤
∫
Eα,β
f dµ ≤ βµ(Eα,β)
Como β < α isso mostra que µ(Eα,β) = 0. Assim, f ∗ = f∗ em µ-quase todo ponto e ainda
lim
n→∞
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx) = f ∗(x),
em µ-quase todo ponto.
Lema 5.2.4 Seja
f ∗(x) = lim
n→∞
sup
1
n
n−1∑
j=0
f(T jx).
Então f ∗ ∈ L1(X,B, µ).
Seja gn(x) =
∣∣∣ 1n∑n−1j=0 f(T jx)∣∣∣. Logo, gn ≥ 0. Tome xj = T jx e veja que
gn(x) =
∣∣∣∣∣ 1n
n−1∑
j=0
f(T jx)
∣∣∣∣∣ ≤
42 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.2
1
n
n−1∑
j=0
|f(xj)|
1
n
· n · |f | = |f |,
pois |f | = max|f(x)|. Assim gn ≤ f e com isso concluímos que∫
gn dµ ≤
∫
|f | dµ.
Observe que cada gn é uma função mensurável pois trata-se de uma mistura de funções
mensuráveis seguida de uma composição de uma função contínua. Veja também que
g(x) = lim gn(x) =
∣∣∣∣∣ limn→∞
n−1∑
j=0
f(T jx)
∣∣∣∣∣ = |f ∗|.
Usando o Lema de Fatou∫
d dµ =
∫
|f ∗| dµ ≤ lim
n→∞
inf
∫
gn dµ ≤ lim
n→∞
inf
∫
|f | dµ <
∫
|f |dµ <∞,
pois f é finita.
Resumindo
∫
|f ∗| <∞ e, portanto, f ∗ ∈ L1(X,B, µ).
Lema 5.2.5 Considere (X,B, µ) um espaço de probabilidade, f ∈ L1(X,B, µ) e
f ∗ = limn→∞
1
n
∑n−1
j=0 f(T
jx). Então∫
f ∗ dµ =
∫
f dµ.
Para n ∈ N e k ∈ Z, definimos
Dnk = {x ∈ X|
k
n
≤ f ∗(x) < k + 1
n
}.
Observe que
T−1Dnk = {x ∈ X|
k
n
≤ f ∗(T−1x) ≤ k + 1
n
} = Dnk ,
pois, como foi deduzido, f ∗ ◦ T = f ∗.
Além disso
Dnk =
{
x ∈ X|k
n
≤ f ∗(x) ≤
}
=
{x ∈ X e � < 1
n
|k
n
− � < f ∗(x) < k + 1
n
}.
Assim, Dnk ∩M k
n
−� = D
n
k .
Aplicando o corolário da Desigualdade Maximal obtemos∫
Dnk
fdµ ≥
(
k
n
− �µ(Dnk )
)
.
Como � > 0 é arbitrário chegamos a∫
Dnk
dµ ≥ k
n
µ(Dnk ).
5.2 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 43
Assim ∫
Dnk
f ∗dµ ≤ k + 1
n
µ(Dnk ) ≤
1
n
µ(Dnk ) +
∫
Dnk fdµ
,
onde a primeira desigualdade segue da definição de Dnk .
Dependendo dos valores de k ∈ Z tomados Dnk pode "cobrir"qualquer f ∗(x) para x ∈ X , ou
seja,
X = ∪k∈ZDnk ,
que é uma união disjunta. Assim, somando todos k ∈ Z chegamos a∫
X
f ∗dµ ≤ 1
n
µ(X) +
∫
X
fdµ =
1
n
+
∫
X
fdµ.
A igualdade vem do fato de X ser um espaço de probabilidade. Como estamos considerando
todos n ≤ 1, obtemos ∫
X
f ∗dµ ≤
∫
X
fdµ.
Aplicando o mesmo argumento para −f temos∫
(−f)∗dµ ≤
∫
−f dµ,
ou seja, ∫
f∗dµ ≥
∫
fdµ,
Como f ∗ = f∗, temos que ∫
X
f dµ ≤
∫
X
f∗ =
∫
X
f dµ,
ou seja, ∫
f ∗dµ,
ou, como anunciado,
lim
n→∞
1
n
n−1∑
j=0
f(T j x) =
∫
fdµ.
Corolário 5.2.6 Seja T uma transformação invariante de um espaço de probabilidade (X,B, µ)
e tome B ∈ B. Então para µ-quase todo ponto x ∈ X , a frequência com que os dígitos da
órbita de x se encontram em B é dado por µ(B), isto é:
lim
n→∞
1
n
#{j ∈ {0, 1, . . . , n− 1}|T jx ∈ B} = µ(B) q.t.p.
Primeiramente vamos tomar f = χB e provar que
44 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.3
#{j ∈ {0, 1, . . . , n− 1}|T jx ∈ B} =
n−1∑
j=0
χB(T
j x).
De fato, vamos supor que 0 ≤ k ≤ n− 1 elementos sejam tais que T jx ∈ B. Como
χB(T
jx) = 0 se T jx 6∈ B e χB(T jx) = 1 se T jx ∈ B temos que
n−1∑
j=0
χB(T
jx) = 1 · k = k.
Por outro lado,
χBdµ = µ(B),
como já foi provado neste trabalho.
Usando o Teorema Ergódico de Birkhoff podemos juntar as duas igualdades mostradas agora e
concluir o que foi proposto.
5.3 Sistemas Ergódicos
Definição 5.3.1 A medida µ é dita ergódica para f ( ou f diz-se ergódica relativa a µ) se o
tempo médio de visita coincide, em quase todo ponto, com medida deste conjunto.
Exemplo 5.3.2 Considere x ∈ [0, 1), definido pela expansão decimal
x = 0, a1a2a3 . . . ,
onde ai = 1, quando 2k ≤ i ≤ 2k+1 com k par, e ai = 0, quando 2k ≤ i ≤ 2k+1 com k ímpar.
Isto é,
x = 0, 10011110000000011111111111111110 . . . ,
onde os blocos alternantes de 0s e 1s têm comprimentos dados pelas sucessivas potências de
dois.
Seja f a transformação decimal e seja E = [0, 1
10
). Ou seja, E é o conjunto dos pontos cuja
expansão decimal com o dígito 0. Não é difícil ver que n = 2k − 1 com k = 2q, então teremos
1
n
n∑
j=0
χE(f
j(x)) =
1 + 22 + 24 + · · ·+ 2k−2
2k−1
=
1
3
.
Por outro lado, se n = 2k − 1 e k = 2q + 1, quando q →∞,
1
n
n∑
j=0
χE(f
j(x)) =
1 + 22 + 24 + · · ·+ 2k−1
2k−1
=
1
3
· 2
k+1 − 1
2k − 1
→ 2
3
.
Logo, o tempo médio de visita de x não existe.
A proposição abaixo não será provada neste texto, mas faz-se muito útil na identificação de
medidas ergódicas:
5.3 SISTEMAS ERGÓDICOS 45
Proposição 5.3.3 Propriedade da Medida Total
Seja µ uma medida de probabilidade invariante por uma transformação mensurável
f : M →M . Para todo subconjunto invariante A tem-se que ou µ(A) = 0 ou µ(A) = 1.
5.3.1 Derivação de Medidas
Definição 5.3.4 Dado um subconjunto mensurável A ⊂ R, dizemos que a ∈ A é um ponto de
densidade de A, se este conjunto preencher quase todo ponto de qualquer vizinhança pequena
de a. Em outras palavras,
lim
δ→0
λ(B(a, δ) ∩ A)
λ(B(a, δ))
= 1,
onde λ é a medida de Lebesgue.
Definição 5.3.5 Uma função f : R→ R é dita localmente integrável se o produto fχK for
integrável, para todo K ⊂ R compacto.
Anunciaremos abaixo, sem demonstração, dois importantes resultados da Teoria da Medida,
que servirão para provar a ergodicidade da transformação decimal.
Teorema 5.3.6 Seja A ⊂ R mensurável tal que λ(A) > 0. Então λ-quase todo ponto a ∈ A é
um ponto de densidade de A.
Teorema 5.3.7 Derivação de Lebesgue
Sejam B a σ-álgebra de Borel e λ de Lebesgue em R. Seja f : R→ R uma função localmente
integrável. Então
lim
r→0
1
λ(B(x, r))
∫
B(x,r)
f(y)dµ = f(x)
em µ-quase todo o ponto.
5.3.2 A transformação n-ária relativa à medida de Lebesgue é ergódica
Lema 5.3.8 Distorção Limitada
Para todo k ∈ N, vale que
λ(T k(E1))
λ(T k(E2))
=
λ(E1)
λ(E2)
para quaisquer subconjuntos mensuráveis E1 e E2 de um certo intervalo Ik.
Consideremos a transformação
Tn(x) = nx− bnxc,
que gera as expansões decimais, inclusive a decimal. Foi verificado, no capítulo 04, que Tn
preserva a medida de Lebesgue λ na demonstração a seguir.
Afirmamos que
Teorema 5.3.9 A transformação Tn é ergódica para a medida de Lebesgue λ.
46 O TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF 5.3
Basta mostrar provar que, se A é invariante e tem medida positiva, então A tem medida total.
Para isto, usaremos o recém-citado Teorema da Derivação de Lebesgue. Segundo o mesmo,
quase todo o ponto de A é ponto de densidade de A tem medida total. Para isto, usaremos o
recém-citado Teorema da Derivação de Lebesgue. Segundo o mesmo, quase todo o ponto de A é
ponto de densidade de A. Em outras palavras,
lim
�→0
inf
λ(I ∩ A)
λ(A)
= 1 (∗),
onde I é um intervalo tal que a ∈ I ⊂ B(a; �).
Fixemos um ponto de densidade a ∈ A e lembre-se que o conjunto dos pontos da forma m
bk
tem medida nula, onde k ∈ N e 0 ≤ m ≤ bk. Suponhamos, assim, sem nenhuma restrição que a
não é desta forma.
Consideremos a família de sequências de intervalos
I(k,m) =
(
m− 1
nk
,
m
nk
)
,
para k ∈ N e m = {1, . . . , nk}.
É fácil ver que, para cada k ∈ N existe uma única m = mk, tal que I(k,mk) contenha tal que
o ponto a.
A propriedade (∗) implica que
λ(Ik ∩ A)
λ(Ik)
→ 1
quando k →∞.
Além disso cada T kn é uma bijeção afim de Ik sobre o intervalo (0, 1). Desta maneira todas
as hipóteses do Lema da Distorção Limitada são cumpridas, assim comoa sua tese.
Aplicando isso a E1 = Ik ∩ A e E2 = Ik, obtemos que
λ(T kn (Ik ∩ A))
λ((0, 1))
=
λ(Ik ∩ A)
λ(Ik)
.
Claramente λ((0, 1)) = 1 e, como A é invariante, T kn (Ik ∩ A) ⊂ A. Desta forma, obtemos
que
λ(A) ≥ λ(Ik ∩ A)
λ(Ik)
para todo k.
Como a sequência do lado direito da desigualdade converge para 1 quando k →∞, segue
que λ(A) = 1, como queríamos.
Capítulo 6
Números Normais
6.1 Teorema Ergódico de Birkhoff e Números Normais
Definição 6.1.1 Dizemos que α é simplesmente normal na base b se cada dígito ocorre em sua
expansão com frequência 1
b
. Consequentemente, α é b-normal se, e somente se, α é
simplesmente normal para cada uma das bases b, b2, b3, . . . .
Definição 6.1.2 alternativa
Um número x ∈ R é dito β-normal se qualquer bloco de k algarismos ocorrer com frequência
1
βk
em sua β-expansão.
Definição 6.1.3 Um número real α é dito absolutamente normal se é normal em todas as
bases de numeração.
Proposição 6.1.4 Nenhum número racional é b-normal.
Esta proposição pode ser provada diretamente da primeira definição ou simplesmente
justificada, observando-se que a a aparição de infinitos "9s"(em racionais de expansão finita)
ou a repetição indeterminada de um certo bloco ordenado (no caso das dízimas periódicas).
Proposição 6.1.5 • Se α é b-normal, então 1− α também é b-normal;
• Dados s e r naturais não-nulos e α um número real, temos que α é bs-normal se e
somente se α é br-normal;
• Se α é b-normal, e s é racional, então α + s é b-normal;
• Se α é b-normal e r um racional não-nulo , então rα é b-normal.
Exemplo 6.1.6 Podemos construir exemplos de números simplesmente normais em uma
determinada base. Por exemplo,
x = 0, 12...89012...89...,
que consiste no bloco de dígitos decimais 012...89 repetindo-se indefinidamente normal na base
10.
Exemplo 6.1.7 Se um número é simplesmente normal em uma base não é necessariamente
simplesmente normal em qualquer outra base. Por exemplo, o número x definido acima não é
simplesmente normal na base 1010.
Teorema 6.1.8 Lebesgue quase todo ponto x ∈ [0, 1] é simplesmente normal.
47
48 NÚMEROS NORMAIS 6.1
Fixe k ∈ {0, 1, . . . , n− 1} e considere x = 0, x0x1x2 . . . na expansão n-ária. Note que
x0 = k se e somente se x ∈ [ kn ,
k+1
n
).
Portanto, xj = k se e somente se
T jn(x) ∈
[
k
n
,
(k + 1)
n
)
,
onde Tn(x) = nx mod 1.
Lembremos que Tn é uma transformação invariante sob a medida de Lebesgue em [0, 1].
Mais do que isso: ela também é ergódica.
Consideremos a expressão
1
n0
#{0 ≤ j ≤ n0 − 1;xj − k} =
1
n0
n0−1∑
j=0
χ[ kn ,
(k+1)
n )
T jn x.
Pelo Teorema Ergódico de Birkhoff, para λ-q.t.p. x a expressão acima converge para∫
χ[ kn ,
(k+1)
n )
dx = µ
([
k
n
,
(k + 1)
n
))
=
k + 1
n
− k
n
=
1
n
.
Seja Xn(k) o conjunto de todos os pontos para quais a série
n0−1∑
j=0
χ[ kn ,
(k+1)
n )
(T j x)
converge. Observe que esta expressão converge quando n0 →∞. Então λ(Xn(k)) = 1, pelo
Teorema Ergódico de Birkhoff.
Seja Xn = ∩n−1k=0Xn(k). Nosso objetivo é achar um subconjunto de [0, 1] com medida total
tal que todo ponto dele tenha frequência 1
n
na expansão de um determinado dígito da expansão
n-ária.
Note que λ(X) = 1 e este parece o subconjunto de [0, 1] que procuramos. Como a
frequência com que os dígitos k ∈ {0, 1, . . . , n− 1} ocorre na expansão n-ária é igual a 1
n
temos que x ∈ X é um número simplesmente normal na expansão n-ária.
�
6.1 TEOREMA ERGÓDICO DE BIRKHOFF E NÚMEROS NORMAIS 49
Denotaremos por
I = I(i0, . . . , ik−1) =
[
k−1∑
j=0
ij
nj+1
,
k−1∑
j=0
ij
nj+1
+
1
nk
)
.
Proposição 6.1.9 Lebesgue quase todo ponto x ∈ [0, 1] é normal.
Fixemos o bloco i0, i1, . . . , ik−1 de tamanho k e consideremos o intervalo I(i0, . . . , ik−1), já
definido anteriormente.
Assim o bloco i0, i1, . . . , ik−1 ocorre no j-ésimo lugar na expansão n-ária de x se e somente
se T jn(x) ∈ I(i0, . . . , ik−1). Portanto,
1
n
#{0 ≤ j ≤ n− 1|T jn(x) ∈ I(i0, . . . , ik−1)} =
1
n
n−1∑
j=0
χI(i0,...,ik−1)(T jx).
Pela Proposição 6.1.9, que é um corolário do Teorema Ergódico de Birkhoff, a expressão
acima converge para
∫
χI(i0,...,ik−1)=
1
nk
.
Denotaremos Xn(i0, . . . , ik−1) como o conjunto de pontos x ∈ [0, 1] para quais
1
n
n−1∑
j=0
χI(i0,...,ik−1)(T
jx)
converge.
Seja λ medida de Lebesgue. Assim λ(Xn(i0, . . . , ik−1)) = 1, pelo Teorema Ergódico de
Birkhoff.
Seja
Xn =
∞⋂
k=1
⋂
i0,i1,...,ik−1
Xn(i0, i1, . . . , ik−1)
onde a segunda interseção abrange todos os blocos ordenados de tamanho k. Como esta é uma
interseção enumerável, então λ(Xn) = 1. Assim como para os números simplesmente normais,
parece que encontramos um subconjunto de [0, 1] com medida total tal que x ∈ Xn a frequência
com que cada bloco de dígito de tamanho k ocorre na expansão n-ária é igual a 1
nk
. Portanto,
Lebesgue quase todo ponto é normal na base n.
�
50 NÚMEROS NORMAIS 6.2
Exemplo 6.1.10 Expansão binária
x = 0, 0100011011000001010100 . . .
Em geral, para qualquer n ≥ 2, pode-se construir um número normal na base n concatenando
sucessivamente (em qualquer ordem) todos os blocos de comprimento 1, seguidos por todos os
blocos de comprimento 2,. . . , etc. . .
Exemplo 6.1.11 Frações Contínuas (Vide Apêndice)
Considere a sequência infinita de números racionais
n1 =
1
2
, n2 =
1
3
, n3 =
2
3
, n4 =
1
4
, n5 =
2
4
, n6 =
3
4
, n7 =
1
5
, . . . ,
e concatenemos as expansões de fração contínua (finita) de n1, n2, . . . . Isso gera um número x
com a seguinte expansão em frações contínuas:
x = [0; 2, 3, 1, 2, 4, 2, 1, 3, . . . ]
o que é normal em relação à partição da fração contínua.
Exemplo 6.1.12 Seja
Xβ = {x ∈ [0, 1);x simplesmente normal na base β}.
Então, para cada β ≥ 2, Xβ tem de Lebesgue λ(Xβ) = 1. Portanto,
X∞ = ∩∞β=2Xβ
consistem de todos os números que são simplesmente normais em toda base β ≥ 2.
Exemplo 6.1.13 Denotaremos por Xβ o conjunto de todos os números normais na base β > 2.
Observe que x ∈ [0, 1) é simplesmente normal na base βk se e somente se todo bloco ordenado
de tamanho k ocorre com frequência
1
βk
em toda β-expansão de x. Portanto, um número é
normal em toda base β se e somente se for simplesmente normal em toda base β. Em outras
palavras, λ- quase todo ponto x ∈ [0, 1) é absolutamente normal.
6.2 Processos Estocásticos e Números Normais
Uma de nossas tarefas ao pesquisar sobre números reais usando a Teoria das Probabilidades
é comparar caminhos estocásticos (como os gerados pela expansão do dígito da constante) com
caminhos pseudo-aleatórios de mesmo comprimento.
O processo estocástico ou processo determinístico é uma coleção de variáveis aleatórias que
descreve a evolução de um sistema ao longo do tempo. Esta evolução da informação é definida
através de uma coleção encaixante da σ-álgebra considerada.
A cor, em figuras como abaixo, indica o caminho “seguido” pelos números, está de acordo
com o espectro vermelho-laranja-amarelo-ciano-azul-roxo-vermelho, que segue o esquema HSV
(matiz, saturação e valor). Tal esquema é em suma uma representação em coordenadas
cilíndricas que produz uma gama de cores do tipo arco-íris.
6.3 A CONSTANTE DE COPELAND-ERDOS 51
Figura 6.1: O número π na base 4.
Fonte: Walking on real numbers.
O número π e seus dígitos vem intrigando os matemáticos desde os início dos tempos. Um
das principais pesquisas recentes em relação a esse número é o questionamento se são normais
ou não. Em outras palavras, perguntamos se seus dígitos são estaticamente aleatórios ou não.
6.3 A constante de Copeland-Erdos
Champernowne provou que o número decimal
0, 123456789101112 . . .
é um número normal na base 10.
A partir de sua própria prova, Champernowne conjecturou que o número 0, a1a2 . . . , onde
(ai)i∈N é uma sequência de números primos, é normal com respeito à base decimal.
Os matemáticos Arthur Copeland e Paul Erdös provaram a conjectura do colega com o
seguinte teorema:
Teorema 6.3.1 Se a1, a2, . . . é uma sequência decrescente de inteiros tais que para todo θ < 1
o número de as sobre N supera N θ fornecido por N , então o decimal infinito

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