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1 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS, RACIAIS E DE GÊNERO. AUTORIA Sátina Priscila Marcondes Pimenta 2 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO R E I T O R A Faculdade Multivix está presente de norte a sul do Estado do Espírito Santo, com unidades em Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999 atua no mercado capixaba, desta- cando-se pela oferta de cursos de graduação, técnico, pós-graduação e extensão, com quali- dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, sempre primando pela qualidade de seu ensino e pela formação de profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho. Atualmente, a Multivix está entre o seleto grupo de Instituições de Ensino Superior que possuem conceito de excelência junto ao Ministério da Educação (MEC). Das 2109 instituições avaliadas no Brasil, apenas 15% conquistaram notas 4 e 5, que são consideradas conceitos de excelência em ensino. Estes resultados acadêmicos colocam todas as unidades da Multivix entre as melhores do Estado do Espírito Santo e entre as 50 melhores do país. MISSÃO Formar profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho, com elevado padrão de qualidade, sempre mantendo a credibilidade, segurança e modernidade, visando à satisfação dos clientes e colabora- dores. VISÃO Ser uma Instituição de Ensino Superior reconhecida nacionalmente como referên- cia em qualidade educacional. GRUPO MULTIVIX 3 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO P644 Pimenta, Sátina Priscila Marcondes Ética, cidadania e relações etnico-culturais, raciais e de genero / Sátina Priscila Marcondes. – Vitoria: Multivix, 2019. 67 f. : il. ; 30 cm Inclui referências. 1.Ética 2.Relações etnico-raciais 3. Relações etncio-culturais 4. Relações de gênero I. Faculdade Multivix II. Título. CDD: 301 EDITORIAL Catalogação: Biblioteca Central Anisio Teixeira – Multivix 2017 • Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. As imagens e ilustrações utilizadas nesta apostila foram obtidas no site: http://br.freepik.com FACULDADE MULTIVIX Diretor Executivo Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica Eliene Maria Gava Ferrão Penina Diretor Administrativo Financeiro Fernando Bom Costalonga Conselho Editorial Eliene Maria Gava Ferrão Penina (presidente do Conselho Editorial) Kessya Penitente Fabiano Costalonga Carina Sabadim Veloso Patrícia de Oliveira Penina Roberta Caldas Simões Revisão Técnica Alexandra Oliveira Alessandro Ventorin Graziela Vieira Carneiro Design Editorial e Controle de Produção de Conteúdo Carina Sabadim Veloso Maico Pagani Roncatto Ednilson José Roncatto Aline Ximenes Fragoso Genivaldo Félix Soares Multivix Educação a Distância Gestão Acadêmica Coord. Didático Pedagógico Gestão Acadêmica Coord. Didático Semipresencial Gestão de Materiais Pedagógicos e Metodologia Direção EaD Coordenação Acadêmica EaD BIBLIOTECA MULTIVIX (DADOS DE PUBLICAÇÃO NA FONTE) Alexandra Barbosa Oliveira CRB/6 00396 4 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO R E I T O R APRESENTAÇÃO DA DIREÇÃO EXECUTIVA Prof. Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretor Executivo do Grupo Multivix Aluno (a) Multivix, Estamos muito felizes por você agora fazer parte do maior grupo educacional de Ensino Superior do Espírito Santo e principalmente por ter escolhido a Multivix para fazer parte da sua trajetória profissional. A Faculdade Multivix possui unidades em Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999, no mercado capixaba, destaca-se pela oferta de cursos de graduação, pós-graduação e extensão de quali- dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, tanto na modalidade presencial quanto a distância. Além da qualidade de ensino já comprovada pelo MEC, que coloca todas as unidades do Grupo Multivix como parte do seleto grupo das Institu- ições de Ensino Superior de excelência no Brasil, contando com sete unidades do Grupo entre as 100 melhores do País, a Multivix preocupa-se bastante com o contexto da realidade local e com o desenvolvimento do país. E para isso, procura fazer a sua parte, investindo em projetos sociais, ambientais e na promoção de oportuni- dades para os que sonham em fazer uma facul- dade de qualidade mas que precisam superar alguns obstáculos. Buscamos a cada dia cumprir nossa missão que é: “Formar profissionais com consciência cidadã para o mercado de trabalho, com elevado padrão de qualidade, sempre man- tendo a credibilidade, segurança e moderni- dade, visando à satisfação dos clientes e colaboradores.” Entendemos que a educação de qualidade sempre foi a melhor resposta para um país crescer. Para a Multivix, educar é mais que ensinar. É transformar o mundo à sua volta. Seja bem-vindo! 5 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO SUMÁRIO INTRODUÇÃO 6 2 AS CONCEPÇÕES DE ÉTICA E MORAL 7 2.1 ÉTICA E RELIGIÃO 10 2.2 ÉTICA E POLÍTICA 11 2.3 A ÉTICA DA ALTERIDADE E DA RESPONSABILIDADE COM O OUTRO 12 2.4 AS CONQUISTAS DA CONSTITUIÇÃO 1988 14 ETNIA/RAÇA E A INDISSOCIABILIDADE DE OUTRAS CATEGORIAS DA DIFERENÇA 16 3.1 A DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO CIENTÍFICO 18 3.2 HISTORICIDADE DAS RELAÇÕES ÉTNICOS RACIAIS NO BRASIL 21 3.3 CULTURA E RELIGIÃO INDÍGENA 25 3.4 A CULTURA AFRO-BRASILEIRA, AFRICANIDADES 27 3.5 RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANA 31 A DIVERSIDADE CULTURAL 37 4.1 CULTURA E SUAS DIMENSÕES 37 4.2 MULTICULTURALISMO CRÍTICO E INTERCULTURALIDADE 40 4.3 O DIREITO À DIVERSIDADE NO SÉCULO XXI 44 A DIVERSIDADE CULTURAL: OS MOVIMENTOS 47 5.1 MOVIMENTOS EMANCIPATÓRIOS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA 47 5.1.1 O MOVIMENTO NEGRO, A CULTURA INDÍGENA E AS AÇÕES AFIRMATIVAS; SA- BERES E EXPERIÊNCIAS DE COMUNIDADES INDÍGENAS E AFRO-BRASILEIRAS (QUI- LOMBOLAS); 51 A DIVERSIDADE SEXUAL E RELAÇÕES DE GÊNERO 56 6.1 A DIVERSIDADE SEXUAL E A ORIENTAÇÃO SEXUAL/AFETIVA; 56 6.2 A SEXUALIDADE COMO CONSTRUTO HISTÓRICO, SOCIAL, CULTURAL, POLÍTICA E DISCURSIVA; 58 6.3 ESTUDOS DE GÊNERO: HISTÓRIA, CONCEITOS E MOVIMENTOS POLÍTICOS. 61 REFERÊNCIAS 65 1 2 3 4 5 6 7 6 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 1 INTRODUÇÃO A atualidade é marcada por alteridades e diferenças sendo necessária a compreensão de quem somos e de quem é o outro para vivermos de forma ética, respeitosa e colaborativa. A disciplina Ética, Cidadania e Relações étnico-culturais, raciais e de gênero vem propor ao estudante a ampliação do olhar sobre a diversidade que possuímos em nosso planeta. Buscou-se através de um processo de escrita mais acessível, ofertar ao estudante que a lê diferentes fontes de conhecimento sobre os assuntos aqui abordados. A ideia é que ao ler esta apostila o estudante acesse informações de forma multifuncional uti- lizando para a construção de seu conhecimento além do conteúdo tradicional (livros e artigos científicos) também vídeos de plataformas digitais, produções cinematográ- ficas, imagens que trazem uma reflexão em si mesmas. Convidamos o alunado a adentrar no debate de temas controversos (e por vezes sem resposta certa), a conhecer termos ainda não conhecidos (pansexualismo, já ouviu fa- lar?), a questionar a seu próprio comportamento para com o outro através da ética da responsabilidade, a conhecer a cultura e a evolução de etnias discriminadas, a desco- brir movimentos revolucionários e a perceber que temos o direito a diversidade e ele não esta apenas na Constituição Federal de 1988. Portanto, sejam bem vindos!7 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 2 AS CONCEPÇÕES DE ÉTICA E MORAL Primeiramente vamos buscar entender o conceito de Ética. Quando estudamos tal con- ceito nas disciplinas de Filosofia e de Sociologia e outras disciplinas introdutórias no cur- so de Direito teremos que a Ética é o estudo de algo universalizado onde os conceitos de bom e mal são compartilhados pela humanidade ou pelo menos por uma grupo extenso de pessoas. Porém, com a liquidez baumaniana acabamos caindo do conflito sobre os conceitos de bom e mal e portanto possuímos uma sociedade confusa. Desde a Grécia antiga (500 e 300 A.C) Sócrates e seu discípulo Platão, o primeiro con- denado ao suicido por desafiar o estado, questionar as leis e buscar os princípios éticos em um polis ainda recém nascida. Estudava a construção da moral e ainda da justiça em sua época e seus ensinamentos são imortais nos meio académico. Já Platão, por Sócrates não se preocupar em escrever sobre o que pensava, tornou-se o grande regis- trador de seu ídolo, porém não sem deixar seus pensamentos e marcas na construção do conhecimento sobre a ética e a moral. Para Platão o homem deve empreender seus esforços na busca da felicidade e como fazer isto era a questão que o envolvia com a ética e a moral. Mas o debate sobre a Ética e a moral na an- tiguidade não acaba por aí. Aristóteles rela- tava que o homem precisa, por ser racional, construir-se em bons hábitos sendo portanto virtuoso em suas ações diárias (Teoria das Vir- tudes). Já Kant, sempre citado nos mais diversos trabalhos sobre ética, apresenta o seu pen- samento no final do séc XIVII, onde a ética possui caracter único e universal e deve servir para igualdade dos homens. RECOMENDAÇÃO DE LEITURA 8 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: https://www.todoestudo.com.br/historia/etica-e-moral Vamos entender comparando: Mas ética e moral são as mesmas coisa? A Moral esta relacionada com o indivíduo que a partir da analise de valores e da ética vigente em sua sociedade criará os SEUS conceitos de certo e de errado e normal- mente baseará as suas decisões a partir desta construção. Assim sendo podemos ter pessoas que compartilham a mesma ética mas não a mesma noção de moral. Há portanto um subjetivismo ético na construção da moral, até porque podem até lhe dizer o que é certo e errado socialmente (você que estuda Direito tem as leis que lhe provam isto) mas a decisão realizar estas ações no dia a dia é do sujeito. Mas este será julgado pela sociedade na qual ele se encontra! Sim! Ele será, mas isto não é novidade para ele. Já ouviu o jargão de adolescentes infratores: “Dá nada, se der dá pouca coisa”? Um filme interessante que podemos indicar para compreendemos mais sobre o as- sunto é CRASH, no limite (2004). Vejam a análise do mesmo de acordo com o site Cabine Cultural: 9 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Crash, no Limite – Crash (de 2004) é um filme visceral, que aborda através de suas variadas histórias (que se encontram no decorrer do filme) questões éticas ligadas ao preconceito racial e étnico, adequação a uma sociedade e estereo- tipação. A história é rica em mostrar manifestações de falta de moral/ética, ou ao menos de uma chamada ética da conveniência. Ou seja, se esta ação vai me fazer bem, então ela talvez não seja tão ruim assim. Na história, o roubo do carro de um casal de brancos passa a envolver a vida de latinos, negros e orientais em acontecimentos que se sucedem, demonstrando, assim, o poder que as decisões têm, não só na vida de quem as toma, mas na vida de todas as pessoas envolvidas. Assim, Crash trabalha com aquela interessante ideia de que nossas ações pos- suem um poder muito grande sobre a vida alheia, e não somente sobre a nossa. As ações que praticamos podem – e devem – ser universalizadas, para assim sabermos se ela é ética (ou moral) ou não. A questão aqui é a seguinte: você gostaria que ‘fulano’ te tratasse do mesmo jeito que você está tratando ‘beltrano’? Muito de nossa reflexão sobre o tema recai sobre esta fundamental pergunta. Mas, se não temos um padrão moral e cada um de nós decide o que é certo e o que é errado como mantemos o Contrato Social de Rousseau, ou de Locke e Hobbes? Não mantemos! Hoje o comportamento humano esta em crise e o que mais vivenciamos são denuncias de corrupção, desvio de capital, sonegações, crimes diversos e mais uma enxurrada de proposituras não éticas (pelo menos para quem aqui os escreve, afinal o conceito tornou-se subjetivo, não é?). A questão é que há uma processo acusatório mas não de mudança. Enquanto muitos apontam o comportamento imoral de terceiros esquecem de analisar o seu no dia a dia, acreditando que apenas aqueles que deveriam ser exemplo (políti- cos, atores, personalidades, etc) deveriam cumprir seu papel ético. 10 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 2.1 ÉTICA E RELIGIÃO Alguns autores que já ouvimos falar fazem associação entre a religião e a ética: Marx, Weber, Durkheim são os pioneiros neste labor intelectual. O fato é que a religião é algo presente e impregnado na sociedade desde que o ho- mem é homem e portanto exerce grande influencia na construção dos nossos con- ceitos morais e éticos. Marx Weber ao contrário de Karl Marx acredita inclusive que a religião tem um papel ativo na construção social e individual das pessoas. Em seu livro Ensaios de Sociologia, no capitulo: Psicologia Social das Religiões Mundiais, Weber nos ensina que a doutrina religiosa por si só emana preceitos éticos que deverão ser seguidos por aqueles que optam por tal ou qual religião, regendo inclusive as relações sociais deste grupo de pessoas entre eles e com o mundo que o cerca. Assim sendo se pensarmos na ética e na moral com base na religião teremos diferen- tes pontos de vista sobre o que é o bem e o mal (até mesmo sobre a existência ou não destes) e o certo e o errado. Para melhor ilustrar o tema indicamos a entrevista de Mario Sergio Cortella a faculdade Católica de Fortaleza no link: http://www.catolicadefortaleza.edu.br/videos/religiao-e-etica/. É preciso que tenhamos em mente a História da Humanidade e suas tramas com a religião, haja visto que, utilizando de discursos religiosos muitos foram mortos (exemplo As Cruzadas na Idade Média) e ainda o são (como os ataques de 11 de setembro 2001 as Torres Gêmeas e os conflitos Sírios). Isto ocorre pois a religião engloba não só os seus dogmas mas também as relações sociais nas quais esta instituição esta engendrada. Mas vamos entender alguns termos que vem sendo usados: • Fundamentalismo: significar a forte aderência a qualquer conjunto de credos em face do criticismo ou impopularidade, mas tem mantido suas conotações religiosas. • Radicalismo: utiliza-se de todos os meios (des)necessários para que a dogmáti- ca seja mantida não só entre os membros da religião mas impondo-a a todos. 11 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO • Extremismo: não há nenhum respeito a religião do outro e assim há a per- cepção de que tudo que não for pertencente ao Sagrado do extremista deve literalmente ser exterminado da Terra. O Brasil de acordo com nossa Constituição Federal de 1988 é um Estado Laico, toda- via, não podemos deixar de admitir a influencia da religiosidade desde os primórdios do direito até porque historicamente nosso direito tem como base o Direito Canônico. Debates sobre a Legalização do Aborto, a Cura Gay, Eutanásia e outros são constantes nas bancadas do Poder Legislativo e também nas analises de Constitucionalidade e inconstitucionalidade do Poder Judiciário em todos Dalai Lama em seu livro “Além da religião: Uma ética por um mundo sem fronteiras” (2012) afirma que não será pela religião que resolverá os problemas que possuímos e sim a alteridade. A diferença entre ética e religião é como a diferença entre água e chá. Éticasem conteúdo religioso é a água, um requisito essencial para a saúde e a so- brevivência. A ética fundamentada na religião é o chá, uma mistura nutritiva e aromática de folhas de água, chá, especiarias, açúcar e, no Tibete, uma pitada de sal também. Mas, embora o chá seja preparado, o ingrediente principal é sempre água, Enquanto nós podemos viver sem chá, não podemos viver sem água. Da mesma forma, nascemos livres da religião, mas não nascemos livres da necessidade de compaixão. 2.2 ÉTICA E POLÍTICA Iniciamos aqui dissertando um pouco sobre a ética de Aristóteles. Lembra?! O discípu- lo de Platão? Então, tal filósofo grego compreendia que ética e política eram comple- mentares haja visto que a ética aristotélica enlaçava o indivíduo a comunidade e assim buscando a felicidade individual (ética) ele estaria buscando a felicidade do coletivo, ou seja, da Pólis. Portanto, para Aristóteles todo o comportamento ético é ao mesmo tempo político. Mas, se fosse desta maneira estaríamos vivendo em um paraíso. Certo? Maquiavel tam- bém não acreditou nesta falácia e assim no século VX questionando a sociedade em que vivia onde os governantes não permaneciam mais de dois meses no poder e não havia um controle da ordem social. Neste ponto afim de manter o o próximo gover- nante no poder Maquiavel escreve O Príncipe, um manual para os próximos gover- 12 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO nantes, enaltecendo o papel do Estado e o seu poder de acalmar os conflitos e trazer a estabilidade novamente. Ocorre que, como sabemos o Estado se manteve mas a estabilidade e os conflitos também, assim sendo, na atualidade os cidadãos veem a política com um olhar des- confiado onde “todo o político é corrupto”. As mais diversas denuncias de corrupção que assolaram os anos de 2010 à 2019 trouxeram a tona novamente o debate sobre a relação da ética, moral e política e hoje os brasileiros demonstram dois comporta- mentos: apatia/descrença e revolta. Estamos escrevendo esta apostila no ano de 2019 onde temos como presidente Jair Bolsonaro, onde temos um ex-presidente detido por corrupção e outros diversos en- volvidos em esquemas de corrupção e desvio de dinheiro presos ou ocupando cadei- ras no Senado, Câmara, Ministérios e no Poder Judiciário. Não sabemos ao certo qual o rumo que a moral, a ética e a política tomarão e assim aguardamos. Para descontrair indicamos assistirem o filme brasileiro “O candidato honesto” onde o comediante Leandro Hassum faz uma sátira a política brasileira e a tudo que até aqui trocamos como ideia. 2.3 A ÉTICA DA ALTERIDADE E DA RESPONSABILIDADE COM O OUTRO Emmanuel Levinas (1906-1995) viveu na época de Segunda Guerra Mundial sen- do inclusive capturado e exilado por cinco longos anos. Levinas então propõe uma reflexão de que a Ética da responsabilida- de é a filosofia em si e que sem alterida- des a humanidade esta fadada a ruína. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Levinas 13 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Mas o que é alteridades? De acordo com o site Significados (2019): Alteridade é um substantivo feminino que expressa a qualidade ou estado do que é outro ou do que é diferente. É um termo abordado pela filosofia e pela antropologia. Um dos princípios fundamentais da alteridade é que o homem na sua verten- te social tem uma relação de interação e dependência com o outro. Por esse motivo, o “eu” na sua forma individual só pode existir através de um contato com o “outro”. Quando é possível verificar a alteridade, uma cultura não tem como objetivo a extinção de uma outra. Isto porque a alteridade implica que um indivíduo seja capaz de se colocar no lugar do outro, em uma relação baseada no diálogo e valorização das diferenças existentes. (grifo do autor) Portanto, é apenas nas relações humanas que existimos, pois são nestas relações que nos deparamos com o Outro e compreendemos através dele quem somos. Parece simples, e é: eu só sou baixo porque existe o alto, eu sou negro pois existe o branco, eu sou professora pois existem os alunos e vice-versa. Assim sendo para a existência da identidade (dando um significado de senso comum- daquilo que nos Identifica) eu e o Outro somos co-dependentes. Na co-dependência se um dos atores da relação deixa de existir o Outro também dei- xará e portanto para que isto não aconteça somos sim RESPONSÁVEIS uns pelos outros. Um bom exemplo no Estado do Espírito Santo é uma pequena responsável chamada Marina Cuni- co. A adolescente com apenas 5 anos percebeu a importância do Outro para sua existência e come- çou a realizar ações junto com a mãe de responsa- bilidade social: a primeira delas fazer arrecadação de cabelos para mulheres com câncer. Daí para frente ela não parou mais, abdicou de sua festa de aniversário para fazer uma Lojinha para crianças de regiões carentes da Grande Vitória (esta ação de alteridades foi inclusive apresentada no programa do apresentador Rodrigo Faro em 2016) 14 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Marina descreve em suas redes sociais que não faz nada sozinha, que na verdade possui uma “Teia do Bem” onde pessoas que também se sentem responsáveis pelo Outros a auxiliam a alcançar os seus sonhos solidários. No ano de 2017 fez um mo- vimento de doação de material escolares usados, reciclou e montou 340 mochilas para crianças em situação de vulnerabilidade. Quer fazer parte desta teia? Segue este exemplo lá no Instagram: https://www.instagram.com/marinacunico/ 2.4 AS CONQUISTAS DA CONSTITUIÇÃO 1988 A Constituição Federal de 1988 foi um marco para a conquista cidadã no país. Esta- beleceu na lei a importância do Princípio da Cidadania, considerando um princípio fundamental, conforme o artigo 1º, II da Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988 passou a tratar o conceito de cidadania de maneira contemporânea afinada com as exigências da democracia. De acordo com a Carta magna de 1988, cidadão é aquele indivíduo a quem a mesma confere direitos e garantias – individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais –, e lhe dá o poder de seu efetivo exercício. Cidadania é faculdade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. A cidadania ativa requer a participação na esfera pública e tem como base o respeito em relação às diferenças e a superação das desigualdades sociais, bem como a capa- cidade de buscar consensos que privilegiem a maioria dos envolvidos, ou, num senti- do mais amplo, o bem comum. Porém, o que importa ressaltar é que a atual Constituição abandona, o velho concei- to de cidadania ativa e passiva, incorporando em seu texto a concepção contempo- rânea de cidadania introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Conferência de Viena de 1993. Desta forma, enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadão e cidadania. Seu entendimento, agora, “decorre da idéia de Constituição diri- gente, que não é apenas um repositório de programas vagos a serem cumpridos, mas constitui um sistema de previsão de direitos sociais, (...) em torno dos quais é que se vem construindo a nova idéia de cidadania”.(SILVA apud MAZZUOLI, 2001) De forma que, não mais se trata de considerar a cidadania como simples qualidade de gozar direitos políticos, mas sim de aferir-lhe um núcleo mínimo e irredutível de direitos (fundamentais) que devem impor-se, obrigatoriamente, à ação dos poderes públicos. 15 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO A cidadania, assim considerada: Consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração par- ticipativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro e de con- tribuir para o aperfeiçoamento de todos. (SILVA, apud MAZZUOLLI, 2001). Vê-se, dessa forma que, se consagram, de uma vezpor todas, os pilares universais dos direitos humanos contemporâneos fundados na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência. A universalidade dos direitos humanos consolida-se, na Constitui- ção de 1988, a partir do momento em que ela consagra a dignidade da pessoa huma- na como núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discriminação. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Constituição de 1988 é a primeira Carta brasileira que integra, ao elenco dos direitos fundamentais, os di- reitos sociais, que anteriormente restavam espraiados no capítulo pertinente à ordem econômica e social. Assim, foi a primeira a explicitamente prescrever que os direitos sociais são direitos fundamentais, sendo, pois, inconcebível separar o valor liberdade (direitos civis e políticos) do valor igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais). Conclui-se, portanto, que a Constituição brasileira de 1988 endossa, de forma explí- cita, a concepção contemporânea de cidadania, afinada com as novas exigências da democracia e fundada no duplo pilar da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos (cf. MAZZUOLI, 2001). 16 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 3 ETNIA/RAÇA E A INDISSOCIABILIDADE DE OUTRAS CATEGORIAS DA DIFERENÇA. De acordo com Harari (2017) no best-seller Uma breve história da humanidade- Sa- piens, duas seriam as teorias antropológicas que explicariam a existência do homens “sábios”na Terra, a primeira da miscigenação e a segunda da substituição. Na teoria da miscigenação os sapiens teriam se fundido com os neandertais criando hoje os eura- sianos e com os homo erectus dando origem as chineses e coreanos, ou seja, consti- tuindo raças. Já a teoria da substituição afirmará que os sapiens substituíram os outros humanos do mundo sem se misturar com nenhum deles e assim todos nós seriamos descendentes destes seres de 70 mil anos atrás que viviam na África Oriental. Assim sendo conceito de raça é um constructo social, ou seja, não possui nada de científico e é usado para indicar, na maioria das vezes, pessoas que possuem as mes- mas características morfológicas. Mas então porque continuamos a usar tal conceito e inclusive o inserimos no ordena- mento jurídico (crime de injuria racial e de racismo, as cotas raciais e outros)? Ocorre que tal conceito é justificado devido a realidade social e política que envolvem a con- sideração de diferenças mediante fenótipos, mantendo assim uma lógica de domina- ção e exclusão diante da morfologia do sujeito. O fenótipo são as características observáveis ou aparentes de uma pessoas ou ainda de um grupo de pessoas, contudo tais características não são consequências meramente dos genes, mas sim da interação deste com o ambiente em que a pessoas ou grupo encontram-se. Desta maneira deve-se ter cuidado para avaliar a questão de “raça”. Um dos casos emblemáticos relacionado a cotas raciais ocorreu em 2007, onde gêmeos univitelinos inscreveram-se no sistema de cotas Universidade de Brasilia (UNB) e ape- nas um foi reconhecido como negro ou pardo. 17 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/veja-4-materia-de-capa-raca-nao-existe/ Atualmente a Portaria Normativa nº 4/2018 do Ministério de Planejamento vem re- gulamentar as comissões de Heteroidentificação no caso de necessidade das mes- mas, haja visto que as leis 12711/2012 e 12990/2014 informam que a autodeclaração poderá se suficiente para a identificação da “raça” dos candidatos tanto a concursos públicos quanto a universidades. Para a UNESCO (Statement on Race- documento emitido pela entidade) e a ONU raça não é um termo correto cientificamente a ser utilizado, haja visto, que como des- crevemos a diferença de genoma entre os humanos é mínima. O correto seria o uso de termo grupos étnicos. Etnia vai além da aparência física de acordo com Quintão et all (2010) o adjetivo gre- go “ethnikos” é derivado do substantivo ethos que significa gente ou nação estrangeira. Assim sendo a etnia de pessoa deve ser analisada a partir de observação sobre o seu: parentesco, religião, língua, território compartilhado e nacionalidade, além da aparên- cia física. 18 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 3.1 A DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO CIENTÍFICO O racismo científico surgiu no século XIX, por meio da propagação das teorias positivis- tas que produziram uma ampla explicação que colocava os seres humanos organiza- dos hierarquicamente, partindo do princípio de que há diferenças entre as raças que os colocam naturalmente uns superiores aos outros. Luiz Flávio Gomes (2015) citando Samuel George Morton, impositor do racismo cien- tífico nos Estados Unidos em, informa que o estudioso descrevia “que os crânios das raças tinham vários tamanhos e que quanto maior o tamanho, maior o cérebro, quan- to maior o cérebro maior a inteligência e a capacidade de evolução, sobrevivência, liderança etc. Só que eles achavam os crânios europeus e americanos sempre maiores que os crânios africanos, tasmanianos, malaios, mongóis e índios americanos”. Tal dis- curso leva então a “justificativas”para a dominação, escravidão e todo o tipo de submis- são sobre estes “seres inferiores”. O racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação con- tra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada), a qual é ressignificada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento. Por exemplo, a cor da pele sendo negra (marca física externa) pode implicar a percepção do sujeito (indivíduo ou grupo) como preguiçoso, agressivo e alegre (marca cultural in- terna). É neste sentido que (...) o racismo é uma redução do cultural ao biológico, uma tentativa de fazer o primeiro depender do segundo. A ciência passou a definir uma ordem natural da realidade social, todas as diferenças dos traços exteriores, como cor de pele, cabelo, fisionomias, serviriam a partir de então para colocar homens e mulheres “naturalmente” uns superiores aos outros e, contra essa “verdade inquestionável”, nada nem ninguém poderia se contrapor ou fazer algu- ma coisa a respeito. Sobrepondo-se aos dogmas religiosos reinantes até então, as teorias raciais deram status científico às desigualdades entre os seres humanos e, por meio do conceito de raça, puderam classificar a humanidade, fazendo uso de sofisticadas taxonomias (SCHWARCZ, 1993). 19 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO A estudiosa Pietra Diwan, pesquisadora de eugenia, no texto “Raça Pura. Uma história da eugenia no Brasil e no mundo” (2007), explica em seus estudos que o racismo científico se tratava de uma ciência para o “aprimoramento da raça humana”, a partir da qual várias políticas foram implantadas no Brasil, visando o “branqueamento da população” e a “cura da fealdade” do povo brasileiro. A pesquisadora relata que para os intelectuais, médicos, escritores, juristas e políticos pertencentes às sociedades eugênicas fundadas no Brasil, a miscigenação era im- pedimento para o desenvolvimento do país, pois provocava loucura, criminalidade e doenças. A cura para os males do Brasil seria “civilizar a herança indígena roubada pelos portugueses e branquear nossa herança negra”, segundo estudos da autora. As soluções para o “problema da miscigenação” no Brasil, encontradas pelo Estado Re- publicano na passagem para o século XX, foi a implantação no país de várias medidas eugenistas, a saber: a) branqueamento pelo cruzamento; b) controle da imigração; c) regulação casamentos; d) segregacionismo e esterilização. Roberto DaMatta é um dos autores que nos chama a atenção para o nosso passado extremamente ambíguo, uma vez que vivíamos uma condição socialfortemente hie- rarquizada e, ao mesmo tempo, precisávamos nos colocar no cenário internacional como uma nação dita moderna, democrática, de iguais. Voltaremos a essas questões históricas nos próximos módulos. Neste ponto de nossa reflexão, queremos enfatizar o aspecto contraditório que até hoje não foi resolvido em nosso meio, o chamado “mito da democracia racial”. A esse respeito, vejamos o que nos diz DaMatta (1987, p. 69): Pode-se, pois, dizer que a “fábula das três raças” se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o país, integrar idealmente sua so- ciedade e individualizar sua cultura. Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante: um sistema totalizado de ideias que interpene- tra a maioria dos domínios explicativos da cultura. Durante muito tempo, negamos o racismo em nossa sociedade, apoiados nesses argu- mentos sobre a cordialidade do brasileiro e a fábula das três raças, atrasando em muitas décadas a inclusão de grupos excluídos ao longo de nossa história. Somente a partir do final dos anos de 1990 é que passamos a adotar medidas legais de ações afirmativas para acelerar o acesso de grupos afrodescendentes aos direitos sociais fundamentais. Como dito outrora as ações afirmativas são formas de reconhecer a hipossuficiência de um grupo e a partir disto dispor de dispositivos legais que diminuam a desigual- 20 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO dade social. No Brasil temos a Lei 7716/1989 (dispõe sobre crimes resultantes de pre- conceito de raça e cor), temos também a Constituição Federal de 1988 que deixa claro nos magnânimos artigos 3 e 5 que versam sobre preconceito, discriminação e igualdade, o artigo 140 do Código Penal de 1940 que fala de injúria racial: todos de cunho punitivo. E de maneira inclusiva possuímos a lei 12.711/2012 junto com a lei 12990/2014 que versam sobre cotas em favor de negros, pardos e índios tanto para ingresso no ensino superior quanto em concursos públicos. Reconhecemos que o racismo é um importante fator de violação de direitos e de pro- dução de iniquidades. O racismo tem relação com as condições de vida e é também visível na qualidade da assistência e do cuidado prestados. Para enfrentar o racismo é necessária a criação de espaços de discussão e execução de políticas específicas que desconstruam esses argumentos científicos. tMas não só nas ruas as manifestações de racismo ocorrem, os ambientes virtuais, onde a sensação de impunidade é visível até pessoas de “condições econômicas/so- ciais elevados” são vítimas de ataques. No ano de 2016 a atriz Global Taís Araújo sofreu ataques racistas nem sua rede social. Como consequência a atriz fez uma denuncia na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática e os envolvidos foram encontrados e presos na maior operação de cyberbullying do Brasil. Fonte: http://msda.com.br/crimes-de-injuria-racial-e-racismo-na-internet/ 21 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO O preço que se paga é alto porque o racismo estrutura profundamente o escopo de democracia no Brasil, reduzindo a abrangência da cidadania, estando na base da cria- ção e manutenção de preconceitos, ou seja, ideias e imagens estereotipadas e inferio- rizantes acerca da diferença do outro e do outro diferente, justificando o tratamento desigual (discriminação). 3.2 HISTORICIDADE DAS RELAÇÕES ÉTNICOS RACIAIS NO BRASIL Na história do Brasil tivemos três grupos étnicos básicos: índios, brancos e negros. Somente para realizarmos uma revisão histórica sobre a formação dos dois grupos étnicos dominados pelos brancos no Brasil: Os índios eram os verdadeiros donos das terras brasileiras e após a vinda real dos eu- ropeus para as terras tupis guaranis sofreram com a violência cultural, social e religiosa, sendo punidos quando realizavam suas ações culturais, sendo ameaçados, mortos e estuprados e ainda sendo obrigados ser catequizados adorando santos católicos em detrimento a tudo aquilo que acreditavam (a natureza). Além disto suas terras foram roubadas através de um genocídio histórico e transformadas em propriedades que eram dadas de presente para os portugueses que decidirem morar no Brasil, as famo- sas capitanias hereditárias. Mas se esqueceram que o de cujus era o índio e sucessão dar-se-a por herdeiros legítimos! Não podemos esquecer que os índios foram os pri- meiros a serem escravizados mas traziam consigo dificuldades de dominação: fugiam em dezenas pois conheciam o território, os homens indígenas não aceitavam realizar trabalhos que eram das mulheres indígenas como a lavoura, a agricultura que pratica- vam era de subsistência e não de produção de excedentes e a proteção dos jesuítas catequizadores. 22 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte:https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/escravidao-indigena-x-escravidao-africana.htm Os negros foram escravizados pelos brancos Brasileiros por simplesmente 300 anos. Os brancos aproveitando no conflito existente entre as tribos na África chegavam a este continente e compravam os prisioneiros destes conflitos. O tráfico negreiro fatu- rava muito com o pagamento irrisório de vidas na África e a venda por altos valores no Brasil. Não podemos dizer que o negro tenha sofrido mais que os índios (afinal dor cada um tem a sua … e obviamente cada povo tem o seu) mas é certo que hoje a his- tória nos conta relatos de açoitamento nas praças públicas - Pelourinhos - mutilações, estupros e muita morte. A religião dos negros fora rechaçada pelos brancos (até hoje a é) e muitos tiveram que criar artifícios para poder ainda louvar os seus Orixás ou enti- dades fingindo que estavam a adorar santos católicos (daí o sincretismo da Umbanda). As lutas de resistência contra a violência também é apresentada a nós pela história dos afrodescendentes (hoje inclusive de forma obrigatória já que a Lei 12288/10 que Institui o Estatuto da Igualdade Racial deixa claro que a história destes e de outros grupos ét- nicos “minoritários” deverá ser incluída no currículo dos ensinos fundamental e médio). Os quilombos como locais de resistência a lógica colonial-escravistas trazem na história personagens como Zumbi dos Palmares e rainha Tereza de Benguela (imagens na pró- xima página). 23 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Mas a “santa” Isabel aboliu a escravidão! A escravidão não era mais um bom negócio, aboli-la sim! Mas, porquê? As revoltas só aumentavam e o Brasil era o único país do mundo ainda escravocrata, o que lhe proporcionava uma imagem negativa frente a um comércio exterior com pensamentos liberais. Então façamos o seguinte: liberta- mos os negros, eles não terão para onde ir, assim aceitarão qualquer valor por seu tra- balho (desvalorização do trabalho do negro aqui trás a raiz histórica da vida social de hoje) e continuarão submissos, porém consumindo e pagando caro por este consumo! Pronto tudo resolvido e continuamos assim em 2019. CURIOSIDADE O Convento da Penha, localizado no município de Vila Velha, é uma das obras arquitetônicas do Estado do Espírito Santo que se utilizou tanto da mão de obra escrava indígena quanto da negra. Se quiserem saber mais um pouco sobre a construção do santuário acesse: https://www. gazetaonline.com.br/especiais/2017/04/conheca-a-historia-da-constru- cao-do-convento-da-penha-1014045902.html . A história de abusos, dominação e violência nos leva também a história de uma misci- genação entre estes três grupos e ainda com o novos grupos que chegam ao Brasil na 24 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: http://geoconceicao.blogspot.com/2014/07/formacao-etnica-da-populacao-brasileira.html A discriminação étnica e racial no Brasil, por mais que hajam leis, são constantes e ovos são os alvos do povo intolerante. Hoje vemos denuncias de racismo contra não só africanos, mas também contra orientais e refugiadoscomo os venezuelanos, haitianos e sírios onde discursos xenofóbicos chegam ao extremo. Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/mais-da-metade-dos-refugiados-reconhecidos-pelo-brasil-podem-ter-deixado-o-pais.ghtml modernidade. Esta gera o mito da democracia racial onde acreditamos que pela “varie- dade de cores e raças” somos um país isento do sentimento de racismo e de desigual- dades étnicas econômicas, sociais e culturais. Descrever a democracia racial como um mito é justamente ofertar-lá a característica de todo mito: ser algo fantástico mas irreal. 25 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 3.3 CULTURA E RELIGIÃO INDÍGENA Ao falarmos que existe um grupo de etnia chamado “índio” estamos simplificando a realidade para os leitores. De acordo com dados do site da FUNAI (Fundação Nacional do Índio- http://www.funai.gov.br) existem só no Brasil 305 etnias indígenas diferentes, com características fenotípicas diversificadas, com costumes até mesmo antagônicos e com religiões com dogmáticas e ritos que são incomparáveis. Quanto a religião é unanime a fala de que cada tribo/etnia possui seus deuses, seus rituais, seus dogmas e suas inspirações; porém a base para todas as religiões indígenas é a natureza. Tudo nasce, vive e se esvai nela e há todo tempo o indivíduo e sua tribo/ etnia estão sendo cuidados ou ameaçados (caso hajam de maneira “errada”) por uma entidade da natureza. A transmissão dos ensinamentos religiosos é realizado pelo Pajé da tribo/etnia, sen- do ele figura de grande relevância para a construção social dos povos indígenas, pois ensina ao povo a conectar-se com seus deuses ou é a ponte de confecção entre os deuses e o povo. De acordo com a FUNAI durante anos houve uma diminuição drástica em nível po- pulacional dos índios no Brasil, chegando-se a ponto de se imaginar que os mesmos seriam desapareceriam, porém da década de 90 para frente houve uma elevação do numero daqueles que se autodeclararam índios o que demonstra acima de tudo um reconhecimento étnico de si. Importante frisar que há índios que vivem em ocas como aprendemos na escola, entretanto na atualidade cerca apenas 61% destes encontram-se em áreas rurais e poucos destes ainda mantem a lógica tribal. Hoje os índios buscam a inserção em ins- tituições políticas, acadêmicas, econômicas e sociais, demonstrando inclusive em seu discurso um Cidadania Emancipatória clara e concreta. Muitos índios já conseguiram esta inserção. Através das cotas étnicas-raciais diversos conquistaram o título de doutor em Universidades renomadas em todo país. Já na política o Cacique Mario Juruna (imagem abaixo) foi o primeiro deputado federal de etnia indígena do Brasil e no ano de 2018 uma mulher indígena passou a desempe- nhar este papel na Câmara dos Deputados: Joênia Wapichana. 26 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/juruna-indio-eleito-para-congresso-nacional-gravava-promessas-de-politi- cos-21564758 Portanto, quanto ao cultura é preciso que tenhamos a visão de que poucos são os índios que encontram-se isolados ou que não tenham contato com outras sociedades. Assim sendo, as culturas indígenas (porque assim como a religião teremos diferentes culturas em cada grupo étnico indígena) acaba por ser influenciada por esta objetiva- ção constante e mistura-se e transforma-se constantemente. Se pensarmos de maneira retrógrada poderíamos dizer que a cultura indígena é base- ada na produção daquilo que chamamos de artesanato mas na verdade são utensílios diários dos índios, uma agricultura de subsistência (até pela lógica da defesa do meio ambiente e da não exploração), de divisão de papéis de gênero determinada (homens possuem certas atividades e mulheres outras) e ainda na musicalidade (associada a todos os acontecimentos da vida individual, coletiva e metafísica). No Espírito Santo, mas especificamente apenas no município de Aracruz, há 9 aldeias indígenas, sendo 04 da etnia Guarani e 05 da Tupinikuins, ambas abertas a visitação. 27 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 3.4 A CULTURA AFRO-BRASILEIRA, AFRICANIDADES É importante deixarmos claro há um conhecimento afro-brasileiro que precisa ser estudado e que a contribuição dos ascendentes africanos não se limita ao trabalho escravo. No perfil do youtube TvBrasilGov o governo Brasileiro apresenta o tema :Conhecimen- to, matriz afro brasileira - TV NBR, onde descreve a necessidade de sairmos do olhar folclórico da história e contribuição matriz africana e compreendermos a sua contri- buição em diversas áreas. Ficou curioso olha lá: https://www.youtube.com/watch?ti- me_continue=95&v=ZI891C_zyDw. Diversas são as influencias, por um exemplo na linguagem as palavras “cachaça”, “sam- ba”, “cafuné” e outras, tem origem na Africa. Na culinária o legado é ainda maior, afinal é impossível se ir a Bahia e não comer o acarajé no bairro de Rio Vermelho em Salvador. Só que não precisamos ir tão longe para degustar das iguarias, no estado do Espírito Santo é possível se comer um vatapá e um abará com bastante azeite de dendê nas feiras públicas. Para se ter uma ideia da dimensão e da importância da culinária afro-brasileira as Baianas do Acarajé são consideradas patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2005. No tratamento de doenças percebemos que muitos brasileiros buscam por “medica- mentos” alternativos de origem africana para algumas enfermidades. É possível facil- mente encontrar lojas especializadas na venda das conhecidas “garrafadas” que são mis- turas de ervas, raízes e ingredientes provenientes da natureza que prometem a “cura”. 28 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/58 Na moda a influencia é grandiosa. As cores, as estruturas das vestimentas (voluptuo- sas), os acessórios e penteados tem presença marcante nas ruas brasileiras. Mas cui- dado, há um debate acirrado em relação ao uso de certos adereços, como o turbante por exemplo, e a apropriação cultural que resumidamente é o uso de elementos de uma grupo étnico por outro. Porém, no artigo “Identidade e apropriação cultural” de Nathalia Parra e Paulo Henrique Pompermaier, publicado na revista online CULT do sitio UOL os autores fazem uma reflexão que o debate vai muito além do uso ou não deste elementos, e que envolve a questão do reconhecimento da função e do simbo- lismo destes elementos e ainda a exploração dos mesmos comercialmente. (https:// revistacult.uol.com.br/home/identidade-e-apropriacao-cultural/). Na música e na dança a influência também é relevante até porque o ritmo brasileiro mais conhecido no mundo todo, o samba, é constituído nesta influência. O maracatu, o afoxé e a congada também são manifestações afro-brasileiras. A maioria das mani- festações musicais traziam consigo letras de resistência e até mesmo de planos de fuga organizados coletivamente. Exclusivamente no Espírito Santo temos a música e a dança do Ticumbi que trata de 29 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO uma manifestação cultural que representa a luta entre etnias africanas que vieram para o Brasil. No município de Conceição da Barra, norte do estado, há a festa de São Sebastião e São Benedito onde tais manifestações podem ser vistas. No ano de 2019 a escola de samba Império de Fátima apresentou no Sambão do Povo no enredo a história do município espirito santense tendo em uma de suas alas a homenagem ao Ticumbi. Fonte: https://hiveminer.com/Tags/ticumbi/Timeline Outra manifestação cultural grandiosa no Espírito Santo são as rodas de Congo e as Fincada de Mastro de São Benedito, sendo o primeiro o mais tradicional do do muni- cípio de Cariacica e o segundo o mais tradicional no município de Vila Velha na Barra do Jucu. Hoje associado ao negro possuímos a cultura do HipHop onde através dos rap muitos manifestam sua indignação quanto a segregação racial e social e mostram a popula- ção a realidade da juventude negro-descente. A musica do grupo Rappa entijucada “Todo o camburão tem um pouco de navio negreiro” , do álbum O Rappa de 1997 faz uma ligação entre a atualidade e a escravidão: 30 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO (…) É mole de ver Que em qualquer dura O tempo passa mais lento pro negão Quem segurava com força a chibata Agora usa farda Engatilha a macaca Escolhe sempre o primeiro Negro pra passar na revista Pra passar na revista. (…) Um dos grupos mais conceituados da Cultura do Hip Hop, os Racionais Mc’s, também refletem em suas músicas sofre o tema e são base de apoio para os artistas negros da atualidade. Indicamos ouvir a música Capítulo 4, Versículo 3 do álbum Sobrevivendo ao Inferno de 1997. A capoeira trata-se da manifestação cultural mais conhecida de influencia afro Na ver- dade ela era praticada pelo povo de banto - etnia africana originária- na época da escra- vidão como uma arte de defesa, porém os escravos a associaram a música e enganavam os senhores de engenho como se fosse uma dança. No ano de de 1930 (Governo Var- gas) a capoeira foi proibida somente sendo liberada após a ditadura. Em 2014 a Roda de Capoeira foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. Fonte: http://www.ufes.br/conteudo/projeto-capoeira-oferece-aulas-gratuitas-para-crianças-e-adultos 31 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Indicamos o filme brasileiro Besouro (2009), de João Daniel Tikhomiroff, para o co- nhecimento sobre a capoeira no Brasil. O filme conta a história de Manuel Henrique Pereira um dos maiores mestres de capoeira do Brasil. Se quiserem saber mais sobre a cultura afrobrasileira no Espírito Santo indicamos os espaços da Museu Capixaba do Negro “Verônica Pas” (MUCANE), Instituto das Pretas, Ponto Black, Núcleo Afro Odomodê, Instituto Raiz Forte e Espaço Hip Hop. 3.5 RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANA Os negros africanos por todo o período escravocrata passaram por um processo de interação cultural através de diversas formas desde o simples contato com outra cul- tura ou pela complexa imposição sociocultural e religiosa através de castigos físicos e psicológicos. Segundo Pierre Verger (2002) muitos nativos (índios) que já estavam no Continente foram evangelizados pelos Jesuítas no cristianismo como forma de entenderem que era preciso cooperar repreendendo e punindo os negros escravizados que insistiam em praticar a fé em seus Orixás, a partir da cultura de suas terras natais. Tal repreensão ao culto dos Orixás fez com que surgissem três tipos diferentes de culto entre os escravos: a. aqueles que resistiam plenamente e arriscavam-se às escondidas para cultua- rem seus orixás, dando origem ao Candomblé. Vale aqui ressaltar que o Candom- blé é uma religião Afro-Brasileira pois historicamente em cada tribo da África se cultuava um Orixá apenas e quando os negros vieram para os Brasil as tribos se misturaram nas senzalas e assim todos os cultos se uniram. Abaixo foto realizada pelo francês Pierre Verger no Candomblé Cosme, Salvador, Brasil entre os anos 1948 - 1952 disponibilizada no site da Fundação Pierre Veger localizada em Sal- vador-BA. 32 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Fonte: http://www.pierreverger.org/br/acervo-foto/portfolios/orixas.html b. aqueles que utilizaram-se do sincretismo para cultuarem seus orixás e que aos poucos resultou na Umbanda. Historicamente os negros para esconderem a per- manência da crença em seus Deus utilizavam de artimanhas significativas, por exemplo: quando queriam cultuar o Orixá Ossum, faziam um buraco no chão da senzala, colocavam suas oferendas e sobre o buraco tampado com areia coloca- vam uma imagem de Nossa Senhora Aparecida ou Nossa Senhora da Conceição. Ainda tendo como base os estudos de Verger (afinal ele é um dos estudiosos mais reconhecidos no Brasil e no mundo para falar sobre o assunto): Pode parecer estranho, à primeira vista, que Xangô, deus do trovão, violento e viril tenha sido comparado a São Jerônimo, representado por um ancião calvo e inclinado sobre velhos livros, mas que é frequentemente acompanhado, em suas imagens, por um leão docilmente deitado a seus pés. E como o leão é um dos símbolos de realeza entre os iorubas, São Jerônimo foi comparado a Xangô, o terceiro soberano dessa nação. A aproximação entre Obaluaê e São Lázaro é mais evidente, pois, o primeiro é o deus da varíola e o corpo do segundo é representado coberto de feridas e abscessos. Iemanjá, mãe de numerosos ou- tros orixás, foi sincretizada com Nossa Senhora da Conceição, e Nanã Buruku, a mais idosa das divindades das águas, foi comparada a Sant’Ana, mãe da Virgem Maria. Oiá-Iansã, primeira mulher de Xangô, ligada às tempestades e aos relâm- pagos, foi identificada com Santa Bárbara. Segundo a lenda, o pai dessa santa sacrificou-a devido à sua conversão ao cristianismo, sendo ele próprio, logo em seguida, atingido por um raio e reduzir a cinzas. A relação entre o Senhor do Bonfim e Oxalá, divindade da criação, é mais dificilmente explicável, a não ser pelo imenso respeito e amor que ambos inspiram. (VERGER, 2002, p.16). 33 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO Uma imagem que demostra o sincretismo religioso acima indicado é da ritualística da Associação Terreiro de Umbanda Caboclo Urubatão da Guia de Uberaba-SP. No altar imagens católicas e no chão oferendas aos Orixás. Fonte: http://www.jcuberaba.com.br/cidade/politica/10483/cmu-declara-utilidade-publica-da-associacao-terreiro-de-umbanda/ c. aqueles que renderam-se aos castigos, ao medo e a dor e cederam-se por com- pleto à Igreja Católica e tornaram-se cristãos. Todo o conhecimento sobre tais religiões é passado de geração para geração e essas religiões são vividas, a cada momento, intensamente como verdadeiras famílias onde as cantigas são especiais para a manutenção da religião e os ensinamentos passados, dos mais velhos para os mais novos, são formas de manutenção dessa riqueza cultural e religiosa sobre o culto destinado a cada Orixá e a importância do respeito e preser- vação da natureza, pois, a natureza e seus elementos são a base destas religiões, onde cada Orixá é uma parte da natureza e todos juntos formam o ciclo de toda a vida. Uma das principais características das as religiões de matriz africana é o rompimento dos muros do preconceito, quem a elas procura é recebido. Hoje seus adeptos são pessoas de todas as idades, de todas as raças e todas as classes sociais, ou seja, deixou de ser uma religião exclusiva de negros e seus descendentes. Syria Luppi, em seu Blog Caminhos da Fé em 30 de novembro de 2014, com o título Número de participantes 34 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO de cultos afro são subestimados no Brasil, relata que antes a religião de matriz africana era frequentada por pessoas de origem humilde e de baixa escolaridade e que hoje o cenário nacional é outro, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 47% dos adeptos são brancos e 13% do total de adeptos tem nível supe- rior completo – índice acima da média nacional que é 11% (2011). Trata-se, portanto, de uma religião de todo ser humano que encontra na crença aos orixás uma forma de tornar-se uma pessoa melhor e também melhor perante a socie- dade. Não sendo mais restrita aos barracões dos escravos, ela expandiu para os gran- des centros urbanos e tomou um espaço relevante dentro da urbanidade. Gerando, assim, a necessidade de um olhar apurado do Direito quanto a sua proteção. No caso do Espírito Santo as casas de religião de matriz africana tem ganhado grande representatividade. Se tiver interesse em conhecer mais sobre as casas de candomblé da região metropolitanade Vitória-ES indicamos a leitura de dissertação de mestra- do de Milena Xibile Batista intitulada: Angola, Jeje e Ketu: Memórias e identidades em casas e nações de candomblé na Região Metropolitana da Grande Vitória (ES). A dissertação encontra-se disponível no repositório da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Porém não é tão simples assim ser de uma religião de matriz africana no Brasil. A in- tolerância religiosa em relação a mesma é grandiosa. Assim, como cada grupo social dentro da sociedade busca por direitos e liberdades, os grupos que defendem “as religiões de matrizes africanas” também buscam cada dia mais direitos garantidos em leis especificas, sendo, assim, aos poucos os Legisladores reconhecem a necessidade de criação de leis para combater essa intolerância religio- sa que faz vítimas todos os anos. Inclusive a Lei nº 9.455/1997 trata do crime de tortura e traz em seu artigo 1º o que constitui o crime de tortura e em seu inciso I, alínea c que se esse crime for cometido por razão de discriminação racial ou religioso (BRASIL, 1997) No ano de 1989 foi assinado a Lei nº 7.716 que define crimes resultantes de pre- conceito de raça ou cor. Essa Lei recebeu alterações ao longo dos anos e uma das alterações foi a redação dada pela Lei nº 9.459 de 15/05/97, alterando os artigos 1º e 20º, que reconhece que apesar de estar em curso, tal processo é lento dentro da so- ciedade, mas vem acontecendo e garantindo direitos aos praticantes das “religiões de 35 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO matrizes africanas”. Infelizmente vivemos em uma sociedade que precisa ter os direitos positivados em papéis e assinados por autoridades, assim como a Lei de nº 11.635/2007 que institui o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa a ser comemorado anualmente em todo o território nacional no dia 21 de Janeiro. No ano de 2003 houve um grande avanço na luta contra a intolerância religiosa no país ao aprovar uma lei que ensinaria nas escolas o ensino sobre a cultura e história afrobrasileira que iria transformar as futuras gerações em seres humanos livres dessa intolerância religiosa. Cavalleiro (2003), citado por Souza (2016), [...] nos diz que tal prática pode agir preventivamente no sentido de evitar que pensamentos preconceituosos e práticas discriminatórias sejam interiorizados e cristalizados pelas crianças, num período em que elas se encontram sensíveis às influências externas, cujas marcas podem determinar sérias consequências para a vida adulta. (SOUZA; CAVALLEIRO, acesso em 20 de nov. de 2017). Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/dilemas-contemporaneos/e-preciso-combater-a-intolerancia-religiosa-na-educacao-basica/ Já a Lei nº 10.639 acrescentou os artigos 26-A e 79-B. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), onde, o artigo 26-A estabelecia o ensino sobre a cultura e a história afro-brasileira dentro do currículo escolar, especialmente nas matérias edu- cação artística, literatura e história brasileira, e o artigo 79-B incluiu o Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar a ser comemorado no dia 20 de novembro, porém, houve dificuldade na implementação dessa lei para que todos os alunos tives- 36 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO sem acesso ao conteúdo histórico-social que indicava que os negros africanos tiveram na construção desse país. Essa dificuldade é lembrada por Leonor de Araújo, coorde- nadora geral de diversidade e inclusão social da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) “A lei não foi implementada de maneira a abarcar todos os alunos e professores. O que há são ações pontuais de iniciativa de movimen- tos negros, do MEC ou de universidades federais”, e “Queremos traçar estratégias para criar políticas comuns a fim de que a lei alcance a todos”. (MACHADO et al., 2007, acesso em 17 de nov. 2017). A referida lei foi revogada pela Lei nº 11.645/2008 e sofreu derrota no SupremoTri- bunal Federal onde 06 ministros foram favoráveis ao modelo confessional de ensino religioso. Assim o professor poderá lecionar tendo como base a religião que escolher e como a maioria da população esta ligada ao cristianismo, se torna evidente que, em sua maioria, tais profissionais não colocarão em prática a Lei que define que deve ser ensinar a história e cultura afro-brasileira devido a questão religiosa. (BRASIL, 2007, acesso em20 de nov. de 2017). A promulgação da Lei nº 12.288/2010 foi uma grande conquista para a sociedade brasileira, principalmente para os afrodescendentes, pois, ampliou os direitos outrora tomados. Garantiu de forma explicita o direito e a liberdade da existência e das cele- brações dos cultos das “religiões de matrizes africana” em nossa sociedade, e veio para resgatar os direitos dos afrodescendentes e as “religiões de matrizes africanas” da mar- ginalidade imposta pelas religiões dominantes dentro da atual sociedade. (BITTAR, 2010, acesso em 10 de set. de 2017). Como forma de denúncia dos ato de Intolerância Religiosa pode ser usado o Disque Direito Humanos, ou disque 100, onde no ano de 2015 foi criado o módulo Igualdade Racial atra- vés da Medida Provisória nº 696/2015 e que foi convertida em Lei 13.266/2016. Essa lei deu competência para a Ouvidoria dos Direitos Humanos para receber, analisar e encaminhar de- núncias de Intolerância Religiosa contra adeptos de religião de matriz africana. (SILVA, 2016, acesso em 08 de nov. de 2017). A Organização Não Governamental (ONG) KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, criada em 2010, realizou um dossiê que reúne diversas informações sobre denúncias de casos de in- tolerância durante os anos de 2008 a 2018. Para acessar as informações: http://koinonia.org.br. 37 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO 4 A DIVERSIDADE CULTURAL 4.1 CULTURA E SUAS DIMENSÕES Para entender os conceitos modernos de multiculturalismo é importante ter claro o conceito de cultura e de como o homem se relaciona com os processos culturais. Vaz utiliza o pensamento de Waelhens para apresentar a cultura, define que é a externali- zação do homem em diferentes momentos históricos: O processo social e histórico constituído pelas relações de conhecimento e transformação do homem como natureza e pelas relações de reconhecimento do homem com o outro homem, processo que cria um mundo humano, e através do qual o homem se realiza como homem neste mundo humano. (De Waelhens A., apud: Vaz,1966, p. 6) É preciso compreender que a definição de cultura envolve dimensões diferentes. A cultura assim como define Marx (1993) e Chauí (1982), tem como objetivo as neces- sidades humanas externalizadas no trabalho, na vida e no labor. Geertz (1989) define a cultura como subjetividade sendo ela a compreensão do mundo simbólico, mas também pode ser compreendida no campo ideológico que é concebida tanto por Chauí quanto por Adorno (1998). A cultura é vista por diferentes autores como uma ação humana, um processo de hu- manização do homem em uma relação com o outro e consigo mesmo. Para Chauí as relações com a cultura se dão respaldadas pelo senso comum, compreendida pelas diferentes linhas de pensamentos e caracterizadas pelo conhecimento erudito, como por exemplo o consumo das artes (música, teatro, pintura, escultura). Envolvem tam- bém um conjunto de ações presentes no dia a dia, ou seja, no cotidiano, assim como nos processos de socialização. Podemos dizer que estamos tendo acesso à cultura quando visitamos um museu, quando vemos um filme no cinema, quando ouvimos um show de um ritmo especí- fico, mas também podemos dizer que estamos tendo contato com a cultura quando chegamos em uma cidade nova e vamos cumprimentar alguém e ouvimos: “Aqui só 38 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO damos três beijinhos para casar”. Quando nos processos de socialização somos apre- sentados a práticas diárias de gruposespecíficos, estamos sendo inseridos nos proces- sos culturais de determinado grupo. Para descontrair segue o mapa do beijinho do nosso Brasil indicado pelas redes sociais do Ministério do Turismo. Fonte: https://www.facebook.com/MinisteriodoTurismo/photos/a.212247255473394/1471050546259719/?type=1&theater Vamos continuar. Chauí (1982) define cultura em três sentidos: a. A criação da ordem simbólica da lei – Nesse existem os sistemas de interdições e obrigações que são estabelecidas a partir da atribuição de valores de coisas e dos acontecimentos. São as regras de como se comportar em cada espaço ou situação. Se pensarmos nesse sentido temos comportamentos culturais di- ferentes em cada espaço, porque essas regras são estabelecidas e precisam ser cumpridas. Vamos entender: Na casa de avós tradicionais sentar-se a mesa sem camisa ou de boné pode ser uma afronta às regras sociais, mas se você está com os amigos na praia em um restaurante à beira mar de boné e com o dorso desnudo, não infringe nenhuma regra cultural de comportamento. Se o avó tradicional, estiver na mesa, pode até achar um desrespeito esse comportamento, mas culturalmente se comportar assim, em uma ocasião como essa, é perfeitamente aceitável. A criação de uma ordem simbólica - na qual os símbolos surgem tanto para represen- 39 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO tar quanto para interpretar a realidade. A simbologia neste caso toma uma proporção cultural e uma vez reconhecida podem ser interpretados e se apresentam a partir das visões culturais de quem vê. Vamos entender: A visão de uma para a outra: a “descoberta” acha que a “coberta” está submetida à dominação de uma cultura machista, enquanto a “coberta” acha machismo o fato da “descoberta” estar com os olhos fechados. Os símbolos que fazem sentidos diante das culturas diferentes. A criação do convívio - conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições com quais os humanos se relacionam entre si e com a natureza. Vamos entender: Essas práticas surgem das diferentes caracterizações do conceito de cultura: cultura de elite, cultura popular, cultura erudita, cultura de massa. É no escopo destes dife- rentes conceitos que a cultura passa a ser utilizada como instrumento de discrimina- ção social, econômica e política, porque muitas vezes um vai achar que sua cultura é “melhor” do que a do outro. Um exemplo é achar que música clássica é cultura e que as canções de Wesley Safadão não são. Ambas constituem-se com cultura porém o safadão é cultura popular e não cultura erudita. 40 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO É fundamental compreender que há na sociedade contemporânea uma diversida- de cultural. Diferentes culturas não significam culturas hierarquicamente organizadas. Não há cultura melhor ou pior, não há cultura mais forte ou mais fraca, há culturas diferentes, divergentes em alguns pontos, mas todas são importantes. É preciso reco- nhecer quão importante é a cultura de cada povo e respeitar a forma que as pessoas se comportam culturalmente. 4.2 MULTICULTURALISMO CRÍTICO E INTERCULTURALIDADE Para Laraia (1998) o ser humano nada mais é do que o resultado do meio cultural em que vive, onde foi socializado. Isso significa que a sociedade possui muitas culturas. A diversidade cultural mencionada anteriormente. Muitas pessoas convivem com a cultura do outro de forma etnocêntrica. O etnocen- trismo é a prática de julgar o outro a partir de sua própria visão ou experiência. Leo- nardo Boff (1997) explica que cada um vê o outro a partir de onde os pés pisam. Cada um vê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Essa prática de usar seus próprios conceitos para olhar a cultura do outro é um comportamento prejudicial à sociedade. A prática do relati- vismo cultural é fundamental para a sociedade. O relativismo cultural é uma perspectiva da antropologia que vê diferentes culturas de forma livre de etnocentrismo, respeitando a cultura do outro e forma de se relacio- nar com os conceitos culturais que carrega consigo. Esses são conceitos interessantes para a prática do multiculturalismo. O termo mul- ticulturalismo se refere a uma pluralidade cultural que convive de forma harmônica. Desta forma, a sociedade moderna, considerada multicultural, apresenta diferenças que precisam ser reconhecidas e respeitadas por todas as sociedades, todas as na- ções, todas as culturas. O multiculturalismo não propõe a suplantação das diferenças entre culturas, uma uniformização forçada, mas, sim, “ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua por intermédio de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé em uma cultura e outro em outra” (SOUSA SANTOS, 2003, p. 444). 41 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO A globalização e as possibilidade ofertadas pelo advento da internet na sociedade possibilita o reconhecimento do multiculturalismo que é o fenômeno que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. O cres- cimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades e reconhecer a presenças destas diferenças que precisam con- viver de forma harmônica, mas esse ainda é um desafio para a sociedade. Apesar de sermos uma sociedade multicultural mais ainda precisamos estar ligados a educação e ao direito multicultural. A questão principal é que as relações culturais geralmente estão permeadas das relações de poder e por inúmeras vezes é difícil dis- sociar as problemáticas sociais e políticas das relações culturais. A maior dificuldade é que no processo de disseminação da importância do multiculturalismo ainda existem entraves políticos que impedem que os saberes e as vozes do “outro” ganhem cenário. Duas correntes principais permeiam a discussão sobre o tema. Há o multiculturalismo de cunho conservador, que busca a conciliação das diferen- ças com base no mito da harmonia. Nesta ótica o multiculturalismo encoraja o cres- cimento da tolerância, mas, tolerar, não significa acolher, não significa envolvimento ativo com o Outro. Isto gera a preocupação pois como não há a interação com o Outro eu apenas o suporto e continuo com o sentimento de superioridade em relação a ele. No Direito Brasileiro temos como exemplo de um multiculturalismo de cunho conser- vador o julgamento do Recurso Extraordinário 494601 onde o Supremo Tribunal Fe- deral (STF) emitiu a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”. (STF, 2019). Aqui o STF deixa clara a necessidade de manu- tenção do direito a liberdade de crença e religiosidade. Porém perceba que na história do Direito Brasileiro não vemos outras religiões ditas conservadoras terem as suas litur- gias questionadas. Assim sendo há uma “tolerância” em relação as religiões de matrizes afrodescendentes mas como elas não são superiores podem ser questionadas. Já o multiculturalismo crítico (também chamado de revolucionário, ou emancipató- rio, ou contra-hegemônico) que evidencia as contradições socioculturais fazendo vir à tona as diferenças e as ausências de muitas vozes que foram caladas pelas metanar- rativas da modernidade. Rejeita o preconceito ou hierarquia, este multiculturalismo baseia-se no respeito ao ponto de vista, às interpretações e atitudes do Outro. O res- 42 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO peito pelo Outro, não admite força, violência ou dominação; admite sim o diálogo, o reconhecimento e a negociação das diferenças. A condição pós-moderna realçou os questionamentos sobre as diferenças, colocou o Outro como alguém que, mesmo vivendo de forma diferente, pode/deve ser reconhe- cido como “nós”, e acentuou a flexibilidade como uma categoriapolítica central para pensarmos sobre as mudanças que devemos proceder. Se a conversa franca/autêntica com o Outro ainda não se tornou realidade, então se torna mais urgente ainda a ne- cessidade dos espaços educativos pós-modernos refletirem-na como possibilidade, afinal, a efetivação desta conversa envolve uma negociação muito complexa permea- da pelo multiculturalismo crítico. O multiculturalismo crítico apoia-se em um pós-modernismo de resistência que rea- firma a totalidade como categoria analítica, situa/compreende as diferenças nas con- tradições sociais em um contexto de opressão, dominação e exploração, assumindo uma perspectiva relacional e definindo totalidade como a possibilidade de um en- tendimento global ou relacional, pois, “o refazer do social e a reinvenção do eu pre- cisam ser compreendidos como dialéticamente sincrônicos [...] são processos que se informam e se constituem mutuamente” (McLaren, 2000, p. 88). O multiculturalismo crítico, ao discutir a diferença, não a separa da discussão da desigualdade social. Por não cindir diferença cultural e relação de poder, politiza a primeira; não a concebe, portanto, como uma essência de identidades ou apenas um efeito da linguagem, mas a situa nos conflitos sociais e históricos, na produção desses conflitos sociais, como construção histórica e cultural. As ações afirmativas são consideradas uma arma contra a desigualdades sociais apre- sentadas e uma forma de garantia de um multiculturalismo puro. Assim sendo as ações afirmativas visam a efetivação do princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, ofertando a partir de políticas publicas a garantia da equidade em diversos âmbitos . Um bom exemplo de ação afirmativa são as cotas para negros e pardos em Universi- dades e em concursos púbicos, mas estas nós já debatemos bastante durante o curso, que tal então falarmos de algo novo e que tem sido alvo de criticas pela dificuldade que vem perpassando para efetivação: A inclusão no mercado de trabalho de pes- soas com necessidades especiais conforme a determinação da lei 8213/1991 e a lei 13146/2015. No site da Agência Brasil, Andreia Verdérlio (2017) no artigo entitulado “Apenas 1% dos brasileiros com deficiência está no mercado de trabalho” apresenta a 43 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO realidade brasileira desta inclusão. Acesse para se inteirar: http://agenciabrasil.ebc.com. br/direitos-humanos/noticia/2017-08/apenas-1-dos-brasileiros-com-deficiencia-esta- -no-mercado-de. Há ainda o conceito de interculturalidade quando duas ou mais culturas entram em interação de uma forma horizontal e sinérgica, em que nenhum dos grupos se en- contrar acima do outro, favorecendo assim a integração e a convivência das pessoas. As relações interculturais são construídas com respeito e diversidade. Embora exista o aparecimento de conflitos que podem ser resolvidos com respeito, diálogo e concer- tação/assertividade. O termo “interculturalidade” pode ser usado como uma forma de indicar como a cul- tura flui e como ela faz para se fundir com outras culturas, por exemplo e é aglo que está em constante mobilidade para alterar o meio qual vivemos, seja pela fusão, adição de novos elementos ou mesmo subtração deles. A interculturalidade precisa vencer alguns desafios porque o objetivo não é somente formar grupos, mas também, diante da globalização e do individualismo, conseguir integrar grupos em uma sociedade. E depois de tudo isto uma pausa para indicação de um filme sobre o que trabalha- mos. A indicação para analise do filme junto com os temas aqui estudados vem do artigo “Interculturalidade, cotidiano e representação: reflexões a partir da experiência canadense” de Maria Luiza Martins de Mendonça que descreve a produção cinemato- gráfica da seguinte maneira: Adoration (2008), dirigido por Atom Egoyan, canadense nascido na cidade do Cairo e de origem armênia, é uma ficção que explora os usos das novas tec- nologias e das comunidades virtuais da Internet, por meio da atuação de um jovem que compartilha com seus “ciberamigos” as circunstâncias e consequ- ências de uma tragédia que pode mesmo nem ter acontecido. Interessa aqui chamar a atenção para a tragédia: a morte dos pais dos jovens e a acusação de seu avô da participação deles em movimentos terroristas, pelo fato de o seu pai ser de origem palestina, assim como a professora que o estimula a dramatizar fatos – reais ou imaginários – de sua vida no sentido de encontrar a verdade sobre a trajetória de seus pais. Que verdade? As possíveis mentiras que já se cristalizaram como verdades? Uma verdade que, para o jovem, passa pelo conhecimento de si mesmo, do lugar que ocupa no mundo, da legitimidade de suas origens, de seu passado familiar. Para além de toda discussão sobre a constituição da identidade desse adolescente, sobre as relações interpessoais mediadas pelas tecnologias da comunicação, interessa a referência à constru- ção de uma identidade atravessada pelos discursos antiterroristas, pelas ideias 44 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO de “choques culturais” entre Oriente e Ocidente, nos quais o indivíduo não ocidental representa o estranho, o perigo, o terror. As considerações sobre as origens, a determinação do jovem em descobrir quem era realmente seu pai – inocente ou culpado? – expõem as fraturas sociais existentes, em particular quando se trata de discursos em que o terrorismo e o conflito Oriente/Ociden- te permeiam as buscas de uma verdade pessoal (e social) que ninguém sabe exatamente onde está. (MENDONÇA, 2010, p.190) 4.3 O DIREITO À DIVERSIDADE NO SÉCULO XXI O direito à diversidade é uma premissa do século XXI. Não deve ser apenas um discur- so de necessidades, mas uma prática que inclui políticas públicas bem estruturadas que garantam a existência real dessa prática. A construção e o fortalecimento de um estado democrático exigem não apenas o reconhecimento da sua diversidade cultu- ral, mas a implementação dessas políticas públicas especiais que possam garantir a pacífica convivência e interação dos diversos grupos culturais que o compõem, haja vista que a defesa da diversidade cultural torna-se um imperativo ético indissociável do respeito à dignidade humana, conforme o disposto na “Declaração Universal sobre a diversidade cultural” da UNESCO e na Constituição Federal de 1988. 45 ÉTICA, CIDADANIA E RELAÇÕESÉTNICO-CULTURAIS RACIAIS E DE GÊNERO A construção de instrumentos direcionados a defesa e garantia de direitos, na busca por uma sociedade que respeite as diversidades, se constitui como elemento mar- cante das sociedades, sobretudo democráticas, a partir do século XIX. O marco deste processo se expressa, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujos princípios vem sendo fortalecido pelos diversos movimentos e ações públicas que buscam afirmar direitos de Cidadania, integrados as legislações das sociedades contemporâneas. No século XXI, a humanidade ainda tem a chance de superar os erros do passado. É com essa preocupação que a interculturalidade propõe não apenas o reconhecimen- to/ respeito do Outro, mas a necessidade de promover a interação pacífica entre as diversas culturas, pressuposto do próprio engrandecimento da humanidade. Iniciativas vem sendo tomadas ao longo do século XXI, especialmente com a insti- tuição do Estado Plurinacional em países da América Latina. Ganha força o tema do direito à diversidade, sobre o qual se procura refletir como alternativa viável ao pa- radigma moderno de Estado e de Direito, e como possibilidade compatível com o pluralismo do mundo contemporâneo e com a vivência plena dos direitos humanos. Mas há avanços e retrocessos apesar do séc XXI estar pautando estratégias de direito à diversidade os Direitos Humanos e de Cidadania enfrentam obstáculos para sua efetivação em diversos campos. A esfera pública demarca a disputa frente à ideologia conservadora, autoritária, segmentada,
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