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A salvação de todos os homens - João Calvino

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A salvação de todos os 
homens 
Por João Calvino 
 
Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso 
Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos, 
e venham ao conhecimento da verdade. Porque há um 
só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, 
Jesus Cristo homem. (1 Timóteo 2:3-5) 
 
 
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Quando desprezamos aqueles a quem Deus teria 
honrado, é como se O desprezássemos: assim é se não 
prestarmos contas da salvação daqueles a quem Deus 
chama a Si. Pois parece que impediríamos que Ele 
mostrasse Sua misericórdia aos pobres pecadores, que 
estão no caminho da ruína. A razão pela qual São 
Paulo usa esse argumento, de que Deus quer que o 
mundo inteiro seja salvo, é que podemos, tanto 
quanto depender de nós, também buscar a salvação 
daqueles que parecem ser banidos do reino de 
Deus; especialmente enquanto são incrédulos. 
Devemos sempre observar qual era a condição do mu
ndo nos tempos de São Paulo. Era algo novo e 
estranho ter o evangelho proclamado no mundo 
naqueles dias: pois parecia que Deus havia escolhido 
o rebanho de Abraão, e que o resto do mundo seria 
privado de toda esperança de salvação. E, de fato, 
vemos como as Escrituras Sagradas estabelecem a 
adoção deste povo; mas São Paulo ordena-nos a orar 
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por todo o mundo; e não sem motivo, porque ele 
expõe a razão, que aqui é mencionada: a saber, 
porque Deus quer que todos os homens sejam salvos. 
Como se ele devesse dizer, meus amigos, é razoável 
que observemos qual é a vontade de Deus e para o 
que Ele a reivindicou; para que cada um de nós possa 
empregar-se a servi-Lo corretamente. 
Portanto, vendo que é a vontade de Deus que todos os 
homens sejam participantes da salvação que Ele 
enviou na pessoa de Seu Filho Unigênito, devemos 
nos esforçar para atrair pobres, tolos, criaturas 
ignorantes para nós, para que todos possamos juntar-
nos a esta herança do reino dos céus, que nos foi pro
metida. Mas devemos observar que São Paulo fala 
não de cada homem individualmente, mas de todos os 
tipos de homens, e de todas as pessoas. Portanto, 
quando ele diz que Deus quer que todos os homens 
sejam salvos, não devemos pensar que ele fala deles 
individualmente, mas o seu significado é este: que em 
tempos passados Ele escolheu um povo para si, e 
agora quer mostrar misericórdia para todo o mundo: 
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sim, mesmo para aqueles que pareciam ser excluídos 
da esperança da salvação. 
Ele disse em outro lugar: os pagãos estavam sem 
Deus, e sem nenhuma promessa; porque ainda não 
tinham sido levados à comunhão dos judeus. Este foi 
um privilégio especial que Deus deu aos descendentes 
de Abraão. Portanto, o significado de São Paulo não é 
que Deus vai salvar todos os homens, mas que as 
promessas que foram feitas a apenas um povo agora 
se estendem a todo o mundo: pois como ele disse 
nesta mesma epístola, o muro foi derrubado na vinda 
de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus havia separado os 
judeus de todas as outras nações; mas quando Jesus 
Cristo apareceu para a salvação do mundo, então essa 
diferença, que existia entre eles e os gentios, foi 
tirada. 
Portanto, Deus agora abraçará a todos nós: e esta é a 
entrada para a nossa salvação. Pois se assim tivesse 
continuado para sempre, o que Deus ordenou, senão 
por um período de tempo, então deveríamos ser todos 
amaldiçoados; e o evangelho não teria sido pregado a 
nós: não deveríamos ter tido sinal ou símbolo do 
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amor e da bondade de Deus. Mas agora nos tornamos 
Seus filhos; não somos mais estranhos às promessas, 
como eram nossos pais; pois Jesus Cristo veio a ser 
um Salvador para todos em geral; Ele ofereceu a 
graça de Deus Pai, para que todos pudessem recebê-
la. 
Como São Paulo fala de todas as nações, assim 
também fala de homens em todas as condições; como 
se ele dissesse, Deus salvará reis e magistrados, assim 
como outros: não devemos restringir Sua bondade 
paterna somente a nós mesmos, 
nem a qualquer número de pessoas. E por quê? Pois 
Ele mostra que será favorável a todos: Desta forma, 
temos o significado das palavras de São Paulo. Para 
confirmar este assunto, ele acrescenta que é a vontade 
de Deus que todos venham ao conhecimento da 
verdade. Nós devemos ressaltar bem isso, porque São 
Paulo usa este argumento; porque nós não podemos 
conhecer a vontade de Deus, a menos que ela nos seja 
feita conhecida; a menos que tenhamos algum sinal 
ou símbolo pelo qual possamos percebê-la. É um 
assunto demasiado sublime para que saibamos qual é 
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o conselho de Deus; mas tanto quanto Ele nos revela, 
com efeito, até agora o compreendemos. 
O evangelho é chamado de ‘potente poder de Deus e 
salvação’ para todos os que creem: sim, é a porta do 
paraíso. Segue-se então que, se pela vontade de Deus, 
o evangelho for pregado a todo o mundo, existe um 
sinal de que a salvação é comum a todos. Assim, São 
Paulo prova que a vontade de Deus é que todos os 
homens sejam salvos. Ele não designou Seus 
apóstolos para proclamar Seu nome somente entre os 
judeus, pois sabemos que a comissão lhes foi dada 
para pregar a todas as criaturas; para serem 
testemunhas de Jesus Cristo, de Jerusalém a Samaria, 
e dali por todo o mundo. 
Os apóstolos são enviados para proclamar a verdade 
de Deus para todas as pessoas e a toda sorte de 
homens? Segue-se então que Deus se apresenta a todo 
o mundo, que a promessa pertence tanto ao grande 
como ao pequeno, assim como aos gentios agora, 
como antes aos 
judeus. Mas antes de seguirmos mais adiante, é 
necessário derrubar a loucura, ou melhor, a bestialida
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de daqueles que abusam dessa passagem de São 
Paulo; que se esforçam para tornar a eleição de Deus 
sem eficácia, e para arrancá-la por completo. Eles 
dizem que se Deus quiser que todos os homens sejam 
salvos, segue-se que Ele não escolheu certo número 
de homens, e rejeitou o resto, mas que a Sua vontade 
permanece indiferente. 
Eles mentem dizendo que é deixado à escolha dos 
homens salvar-se ou não; que Deus nos deixa em paz 
e espera para ver se iremos ou não até Ele; e assim 
recebe os que vêm. Entretanto, eles destroem a obra-
base da nossa salvação, porque sabemos que somos 
tão amaldiçoados que a herança da salvação está 
longe de nós; se dizemos que Jesus Cristo veio 
remediar isso, então devemos examinar a natureza da 
humanidade. Somos tão contrários em nossa natureza, 
e tão inimigos de Deus, que não podemos deixar de 
resistir a Ele: somos tão dados ao mal e à maldade 
que nem sequer podemos conceber um bom 
pensamento. Como então pode ser que nos tornemos 
participantes dessa salvação que é oferecida no 
evangelho, senão por Deus, que nos atrai a ela pelo 
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Seu Espírito Santo? Vamos agora ver se Deus atrai 
todo o mundo para ele ou não. Não, não, pois então 
nosso Senhor Jesus Cristo teria dito em vão: 
“Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou 
não o atrair" (João 6:44). Por isso, então devemos 
concluir que é uma graça especial que Deus concede 
aos que Lhe agradam, para atraí-los, e ensiná-los de 
tal maneira, que creiam no evangelho, e o recebam 
com verdadeira fé. 
E agora, por que Deus escolhe um, e deixa 
outro? Sabemos que os homens não podem vir a Deus 
por seus próprios méritos, nem são aqueles que foram 
escolhidos merecedores de qualquer coisa, como se 
fossem preferidos ao invés de seus companheiros, 
como se houvesse algum valor neles. Segue-se, então, 
que antes que o mundo fosse feito (como São Paulo 
disse no primeiro capítulo aos efésios), Deus escolheu 
aqueles que O agradaram: e nós não sabemos por que 
este homem foi escolhido em preferência àquele. E 
ainda devemos confessar que tudoo que Deus faz é 
feito com justiça, embora não possamos compreendê-
lo. Portanto, recebamos aquilo de que somos tão 
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plenamente certificados na Sagrada Escritura; e não 
nos deixemos levar por engano, sob a sombra da 
razão vã, usada pelos homens, que são ignorantes da 
Palavra de Deus. 
À primeira vista, parece haver algum peso em seu 
argumento. “Deus quer que todos os homens sejam 
salvos”: portanto, dizem eles, é deixado à livre 
escolha de cada homem se tornar iluminado na fé e 
participante da salvação. Se um homem ler apenas 
três linhas, ele perceberá facilmente que São Paulo 
aqui fala não de cada homem em particular como já 
mostramos, mas que ele fala de todos os povos, e de 
homens de toda categoria. Ele mostra que o caso não 
é como era antes da vinda de Cristo, quando havia 
apenas um povo escolhido, mas que Deus agora Se 
apresenta como Salvador para todo o mundo; como se 
diz, a tua herança será até os confins da terra. 
Além disso, para que nenhum homem possa violar a 
si mesmo, ou ser enganado pela conversa vã e tola 
daqueles que pervertem a Sagrada Escritura, vamos 
examinar como a doutrina desses inimigos de Deus, e 
toda a piedade, se posicionam. Deus quer que todos 
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os homens sejam salvos; isto é, como eles imaginam, 
cada um. Se esta é a vontade de Deus no presente, 
sem dúvida foi a mesma desde o início do mundo, 
pois sabemos que a Sua mente não muda. Então, se 
neste dia Deus deseja que todos os homens sejam 
salvos, e se seu plano sempre foi este; e se em Sua 
mente sempre foi assim, o que faremos com o que é 
dito por São Paulo? Que Deus quer que todos os 
homens cheguem ao conhecimento da verdade. Ele 
escolheu apenas um povo para Si mesmo, como é dito 
(Atos 14) e deixou os pobres gentios a andar em sua 
própria ignorância. 
Da mesma forma, havia alguns países onde Ele não 
permitia que São Paulo pregasse; como na Bitínia e 
na Frígia (Atos 16:7). E dessa maneira vemos que 
Deus não traria o conhecimento do evangelho a todas 
as pessoas de uma só vez. Assim, podemos facilmente 
ver o erro daqueles que abusam deste texto. São Paulo 
não fala aqui do conselho de Deus, nem pretende 
conduzir-nos à Sua eleição eterna, que foi antes da 
criação do mundo; mas só mostra qual é a Sua 
vontade e prazer, até onde devemos conhecê-los. 
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É verdade que Deus não muda; nem tem duas 
vontades; nem usa qualquer 
falsificação; no entanto, a Escritura fala-
nos de duas maneiras sobre a Sua vontade. E como 
pode ser isso? Como é possível que se fale da Sua 
vontade de duas maneiras diferentes? É por causa de 
nossa grosseria, e falta de entendimento. Por que Ele 
faz para Si mesmo olhos, ouvidos e um nariz? Por 
que Ele toma sobre Si as afeições dos homens? Por 
que Ele diz que está zangado, ou que se 
arrepende? Não é porque não podemos compreendê-
Lo em Sua incompreensível majestade? Portanto, não 
é absurdo que a Sagrada Escritura nos fale da vontade 
de Deus e em seguida de dois tipos; não porque Sua 
vontade é dupla, mas para que Ele possa se aplicar à 
nossa fraqueza, sabendo que nosso entendimento é 
grosseiro e pesado. 
Quando as Escrituras nos informaram que Deus 
escolheu aqueles que O agradaram 
antes do início do mundo, contemplamos um 
conselho no qual não podemos entrar. Por que então a 
Sagrada Escritura nos informa que esta eleição e 
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escolha de Deus é eterna? Não é sem motivo; pois é 
uma doutrina muito proveitosa, se recebida como 
deveria ser. Pois assim somos lembrados de que não 
somos chamados ao conhecimento do evangelho por 
causa de nossa própria dignidade. Não somos 
melhores que os outros, pois todos nós nascemos da 
raiz amaldiçoada de Adão; estamos todos sujeitos à 
mesma condenação; e estamos todos presos sob a 
escravidão do pecado e da morte. 
Quando a Deus agradou nos tirar das trevas da 
incredulidade e nos dar a luz do evangelho, Ele não 
olhou para nenhum serviço que pudéssemos realizar, 
nem para qualquer virtude que pudéssemos possuir; 
mas Ele nos chamou, tendo nos escolhido antes. Esta 
é a ordem da qual São Paulo faz menção em Romanos 
8: que conhecendo Deus, não devemos tomar a glória 
para nós mesmos. Assim, o chamado dos fiéis 
repousa sobre este conselho de Deus; e vemos até 
onde o Senhor nos dá a conhecer o que Ele havia 
decretado antes de nascermos. Ele nos toca com Seu 
Espírito Santo, e somos enxertados, por assim dizer, 
no corpo de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta é a 
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verdadeira garantia da nossa adoção: este é o penhor 
que nos foi dado, a promessa de tirar toda a dúvida de 
que Deus nos toma e nos guarda como Seus filhos, 
quando pela fé somos feitos um com Jesus Cristo, que 
é o único Filho gerado de Deus, a quem pertence a 
herança da vida. 
Deus nos dá um testemunho tão certo de Sua vontade 
que, apesar de nossa ignorância, Ele tira de nós 
qualquer dúvida acerca de nossa eleição; Ele nos dá 
uma esperança, acerca da qual devemos estar 
totalmente esvaziados, se Jesus Cristo não nos 
chamou para sermos membros de Seu corpo. Assim 
vemos como esta doutrina da eleição é proveitosa 
para nós: serve para nos humilhar, sabendo que a 
nossa salvação não depende dos nossos méritos, nem 
da virtude que Deus poderia ter encontrado em nós; 
mas da eleição que foi feita antes de nascermos, antes 
de podermos fazer o bem ou o mal. 
Quando sabemos que de acordo com essa eleição 
imutável, Deus nos chamou a Si, temos arrancada de 
nós qualquer dúvida acerca de nossa salvação. Jesus 
Cristo diz: “ninguém tira de Mim o que o Pai me deu” 
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(João 10). O que é que o Pai deu a Jesus Cristo? 
Aqueles que Ele escolheu, e quem Ele sabe serem 
Seus. Cientes desse ponto, é dessa forma 
que Deus nos deu a Seu Filho, para sermos mantidos 
e protegidos por Ele, e Jesus Cristo promete que nenh
um de nós se perderá, mas que Ele exercerá toda a for
ça e poder da Divindade para salvar e defender-nos, 
isso não é um conforto que supera todos os tesouros 
do mundo? Não é este o verdadeiro fundamento sobre 
o qual está estabelecida toda a certeza e segurança da 
nossa salvação? 
Somos como pássaros nos galhos, expostos como 
presa a Satanás. Que garantia então poderíamos ter do 
amanhã e de toda a nossa vida; sim, e depois da 
morte, senão Deus, o qual nos chamou, e o qual 
também terminará Sua obra da mesma forma como a 
iniciou? Como Ele nos reuniu na fé de Seu 
evangelho? Isso depende de nós? Não, ao contrário; 
procede de Sua livre eleição. Portanto; podemos ficar 
muito mais livres da dúvida. Não devemos nos 
esforçar para conhecer mais o conselho de Deus do 
que o que é revelado nas Escrituras Sagradas. 
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A vontade de Deus é exposta a nós, sempre que 
ouvimos Sua Palavra pregada, pela qual Ele chama e 
exorta todos ao arrependimento. Depois de mostrar 
que somos todos condenados à Sua vista, e que não 
há nada em nós além de condenação, Ele nos mostra 
que devemos renunciar a nós mesmos e sair desse 
poço sem fundo. Pelo fato de que Deus exorta a todos 
os homens, podemos julgar que é Sua vontade que 
todos sejam salvos: como diz o profeta Ezequiel: 
"Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do 
ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se 
converta dos seus caminhos, e viva?" (18:23). "Dize-
lhes: Vivo eu, diz o Senhor DEUS, que não tenho 
prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se 
converta do seu caminho, e viva" (33:11). 
Como Deus fará os pecadores se 
converterem? E como podemos verificar isso? 
Observando que Ele ordena que o arrependimento 
seja pregado a todo o mundo. Quando se diz que 
Deus terá misericórdia de todos os pecadores, de 
todos aqueles que se achegarem a Ele e clamarem por 
perdão em nome de Cristo,sabemos que isso é uma 
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doutrina geral. Então é dito que Deus quer salvar 
todos os homens, sem respeitar o que planejam ou 
imaginam, isto é, até onde nosso conhecimento pode 
compreender. Quando as Escrituras falam do amor e 
da vontade de Deus, elas nos mostram se os homens 
podem se arrepender por suas próprias ações, pela sua 
autodisciplina, ou se de fato isso é fruto da dádiva 
divina. 
Deus diz pelo seu profeta; Eu quero que todos os 
homens se convertam e vivam. Pode um homem, 
pelas suas próprias obras, converter-se a si mesmo? 
Não: porque se isso estivesse em nosso poder, seria 
essa obra mais do que nos criar a nós mesmos. É uma 
doutrina inquestionável em toda a Escritura que nosso 
Senhor Jesus Cristo toma para si o louvor por nos 
transformar. Ele diz: "E lhes darei um só coração, e 
um espírito novo porei dentro deles; e tirarei da sua 
carne o coração de pedra, e lhes darei um coração de 
carne." (Ezequiel 11:19). Para ser breve, não há nada 
que os fiéis devam fazer senão dar glória a Deus, 
confessando que só Ele tem poder para nos 
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transformar; e que Ele nos adotou de tal maneira que 
precisa nos atrair pela graça do Seu Espírito. 
Será que os homens têm tal conhecimento a ponto de 
serem capazes de alcançar esta fé, esta maravilhosa 
sabedoria contida no evangelho, tal como os próprios 
anjos, que a reverenciam? Devemos ressaltar o que 
Deus nos diz na Sua Palavra: que Ele nos abrirá os 
olhos e nos desatará os ouvidos; porque o homem 
natural não compreende nenhuma parte dos segredos 
de Deus; pois é o Espírito Santo que os revela a nós. 
Dificilmente é possível ler uma única passagem nas 
Escrituras Sagradas, sem encontrar alguma frase que 
nos informe que os homens são totalmente cegos por 
natureza até que Deus abra seus olhos. Eles não 
podem de modo algum vir a Ele, até que Ele os atraia, 
e os ilumine pelo Seu Espírito Santo. 
Vendo que só Deus afasta os homens da sua maldade, 
a experiência nos ensina, e assim a Sagrada Escritura 
nos ensina que Ele não dá a Sua graça a todos os 
homens. É dito: "Porém não vos tem dado o Senhor 
um coração para entender, nem olhos para ver, nem 
ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje." 
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(Deuteronômio 29:4). É claramente demonstrado que 
Deus não lança a Sua graça sem direção, mas somente 
para aqueles que Ele escolheu, aqueles que são do 
corpo da Sua igreja, e do Seu rebanho. Assim, vemos 
o que São Paulo quer dizer quando diz: Deus quer que 
todos os homens sejam salvos: isto é, Ele quer alguns 
de todas as nações, e de toda classe e categoria. 
É dito que Ele oferece o Seu evangelho a todos, que é 
o meio de nos atrair para a salvação. E isso beneficia 
a todos os homens? Não; disso são testemunhas os 
nossos próprios olhos. Porque, quando ouvimos a 
verdade de Deus, se nos rebelarmos contra ela, isso 
prova que há grande condenação para nós. No 
entanto, muitos não somente não se beneficiam com o 
evangelho, mas até mesmo pioram quando ele lhes é 
pregado; portanto, nem todos são salvos. Deus deve ir 
mais longe para nos levar à salvação; Ele deve não 
apenas nomear homens, e enviá-los para nos ensinar 
fielmente, mas deve operar em nossos corações. Ele 
deve nos tocar para a urgência, deve nos atrair a Ele, 
tornar sua obra benéfica para nós e fazer com que ela 
se enraíze em nossos corações. 
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É evidente que devemos considerar a vontade de 
Deus de duas maneiras: não que ela seja dupla (como 
observamos antes), mas devemos considerá-la 
adaptada à nossa fraqueza. Ele nos apresentou seu 
discurso em Sua Palavra segundo nossa capacidade. 
Se Deus falasse de acordo com Sua Majestade, o Seu 
discurso estaria para além da nossa compreensão; 
confundir-nos-ia completamente! Pois se os nossos 
olhos não são capazes de suportar o brilho do sol, será 
que a nossa mente seria capaz de compreender a 
infinita majestade de Deus? Estes homens tolos que 
querem destruir a eleição de Deus não devem abusar 
desta passagem; nem dizer que fazemos parecer que 
Deus tem duas vontades; pois aí nos deturpam de 
forma insolente. Nós dizemos, tanto quanto podemos 
perceber, que Deus quer que todos os homens sejam 
salvos, quando e quantas vezes Ele designa Seu 
evangelho para ser pregado a nós. 
Como dissemos antes, a porta do paraíso está aberta 
para nós, quando somos chamados a ser participantes 
daquela redenção que foi comprada para nós por 
nosso Senhor Jesus Cristo. E esta é a vontade de 
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Deus, tanto quanto podemos compreendê-la: que 
quando Ele nos exorta ao arrependimento, Ele está 
pronto para nos receber, se nós viermos até Ele. 
Embora tenhamos respondido às dúvidas que possam 
ter sido levantadas sobre este assunto, vamos trazer 
uma similitude para tornar esta doutrina mais fácil 
(chamo similitude a esse acordo e analogia que Deus 
faz entre os filhos de Israel e nós). Deus diz que Ele 
escolheu os filhos de Abraão para a Sua herança, e os 
dedicou a Si mesmo: Ele os amou, e os tomou para 
Sua própria casa (Deuteronômio 7). 
Isto é verdade, pois Ele fez o Seu pacto com todos os 
que foram circuncidados. A circuncisão foi uma 
figura vã, e sem importância? Não, foi um sinal 
seguro e indubitável de que Deus tinha escolhido 
aquele povo para Si, contabilizando todos como Seu 
rebanho os que vieram daquela raça. E, no entanto, 
não havia uma graça especial para algumas dessas 
pessoas? 
Certamente havia, como São Paulo disse, "Porque 
nem todos os que são de Israel são israelitas; Nem por 
serem descendência de Abraão são todos filhos." 
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(Romanos 9:6-7), pois Deus privou alguns deste 
benefício para que a Sua graça e bondade parecessem 
maiores àqueles a quem Ele chamou para Si. Eis, 
pois, que a vontade de Deus, que se manifestou aos 
filhos de Israel, se manifesta hoje a nós. 
É dito em Amós 4:7: "Deus fez chover sobre uma 
cidade, e fez com que não chovesse sobre outra 
cidade." Assim, o Senhor envia o Seu evangelho 
sempre que lhe agrada; a Sua graça é derramada sobre 
todo o mundo; contudo não pode deixar de ser Ele 
aquele que opera e faz de outra maneira com aqueles 
a quem atrai, pois todos nós temos os nossos ouvidos 
tapados e os nossos olhos encobertos. Nós somos 
surdos e cegos, a menos que Ele nos capacite para 
receber a Sua Palavra. Quando o evangelho é pregado 
para nós, é como se Deus estendesse a Sua mão 
(como Ele diz em Isaias 65:2) e nos dissesse, ‘vinde a 
mim’. É um assunto que deve tocar o nosso coração 
quando percebermos que Deus vem nos buscar. Ele 
não espera até que cheguemos a Ele, mas nos mostra 
que Ele está pronto para nos receber, apesar de 
sermos Seus inimigos mortais. Ele limpa todas as 
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nossas falhas, e nos torna participantes dessa 
salvação, que foi comprada para nós por nosso 
Senhor Jesus Cristo. 
Assim, vemos como o evangelho é digno de ser 
estimado, e que tesouro ele é! Como diz São Paulo 
aos Romanos. "É o poder de Deus para salvação de 
todo aquele que crê:" É o reino dos céus; e Deus abre 
a porta, para que nós, sendo retirados do poço sem 
fundo no qual fomos afundados pela nossa natureza, 
possamos entrar na Sua glória. Devemos lembrar que 
não é suficiente recebermos a Palavra que nos é 
pregada pela boca do homem, mas depois que a 
ouvimos, Deus deve falar conosco interiormente por 
Seu Espírito Santo; pois esse é o único meio de nos 
levar ao conhecimento da verdade. Portanto, sendo 
que Deus nos tratou tão misericordiosamente, a fim 
de nos dar a luz da fé, mantenhamo-la firme, e 
oremos para que Ele continue e traga Sua obra à 
perfeição. 
Não nos ergamos orgulhosamente sobre os outros 
homens, como se fôssemos mais dignos do que eles, 
pois sabemos que foi o nosso Deusque nos escolheu 
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e nos separou dos outros, pela Sua mera bondade e 
livre misericórdia. Devemos saber, além disso, que os 
homens são muito dados ao engano, quando Deus 
lhes oferece a Sua Palavra e não a recebem. É dito 
que os incrédulos e rebeldes poderiam ter a boca 
fechada, para não blasfemarem o nome de Deus, 
como se Ele estivesse requerendo deles a Sua porção; 
e com o fim de que todos os fiéis, com humildade de 
coração, glorifiquem a Deus pela Sua graça e 
misericórdia para com eles; pois vemos como Ele 
chama todos aqueles a quem a Sua Palavra é pregada, 
para a salvação. 
Se os homens responderem que não podem vir a 
Deus, que não podemos suplicar, porque sempre nos 
encontraremos em culpa. Se um homem diz, ‘isto está 
nas mãos de Deus, e, se Ele concedesse 
arrependimento a mim, poderia não operá-lo. Se 
permaneço inflexível em minha dureza e malícia, o 
que posso fazer nesse caso, vendo que Deus não me 
dará o arrependimento para que eu me volte a Ele? ’ 
Tal não deve ser permitido de forma alguma como 
argumento racional; pois Deus nos chamou a Ele de 
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forma suficiente e não podemos acusá-lo de 
crueldade. Ainda que não tivéssemos a sua palavra, 
devemos confessar que Ele é justo, embora não 
saibamos o motivo que O levou a nos privar desse 
acesso. 
Quando somos chamados a vir para Deus, e sabemos 
que Ele está pronto para nos receber, se não viermos, 
podemos negar que somos ingratos? Não separamos a 
salvação do conhecimento da verdade, porque Deus 
não pretende mentir, nem enganar os homens, quando 
diz que ao chegarem ao conhecimento da verdade 
serão salvos. Deus quer que todos os homens sejam 
salvos; mas como? Ao chegarem ao conhecimento da 
verdade. Todo homem seria assim salvo, mas nenhum 
homem irá se aproximar de Deus para isso. A 
Escritura nos informa que se desejamos a salvação, 
devemos utilizar os meios que Deus designou; isto é, 
devemos receber Sua Palavra com obediência e fé. 
A Escritura diz que esta é a vida eterna: conhecer a 
Deus Pai, e receber Cristo como nosso único 
Salvador. Portanto, aprendamos, como aqui foi dito, a 
não duvidar da certeza da nossa salvação, pois o 
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Reino de Deus está dentro de nós. Se desejamos que 
Deus nos receba, devemos receber a doutrina que nos 
foi dada por São Paulo. Como somos chamados à 
esperança de salvação? Pela influência da graça de 
Deus, que nos faz conhecer o Seu amor e favor. 
Assim, podemos ver o significado das palavras de 
São Paulo, quando diz: Deus fará sua graça conhecida 
a todo o mundo, e seu evangelho será pregado a todas 
as criaturas. Portanto, devemos nos esforçar, tanto 
quanto possível, para persuadir aqueles que são 
estranhos à fé, e parecem estar totalmente privados da 
bondade de Deus, a aceitar a salvação. 
Jesus Cristo não é apenas um Salvador de poucos, 
mas Ele oferece a Si mesmo a todos. Todas as vezes 
em que o evangelho é pregado a nós, devemos 
considerar que Deus nos chama a Ele: e se 
atendermos a esse chamado, não será em vão, nem 
será um trabalho perdido. Mas será que podemos ir a 
Ele sem qualquer ajuda, a não ser a que obtemos da 
nossa própria natureza? Infelizmente, não podemos! 
"Porque a mente carnal é inimizade contra Deus, pois 
não está sujeita à lei de Deus, nem pode estar" 
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(Romanos 8:7). Quando Deus lida tão graciosamente 
conosco a ponto de tocar nossos corações com Seu 
Espírito Santo, então Ele faz Seu evangelho trabalhar 
proveitosamente para nossa salvação; e faz uma 
demonstração da virtude mencionada por São Paulo. 
Mais uma vez, devemos lembrar quando o evangelho 
nos é pregado, que isso é para nos tornar mais 
indesculpáveis. Vendo que Deus já nos mostrou que 
Ele estava pronto para nos receber para a 
misericórdia, se viéssemos até Ele, e que a nossa 
condenação será sem dúvida aumentada, se formos 
tão perversos a ponto de recuarmos, quando Ele nos 
chama de forma tão suave e amorosa. No entanto, 
(como estamos aqui exortados), não deixemos de orar 
por todos os homens em geral; pois São Paulo mostra 
que Deus quer que todos os homens sejam salvos; isto 
é, homens de todos os povos e nações. 
Embora vejamos uma grande diversidade entre os 
homens, não devemos esquecer que Deus nos fez a 
todos à Sua imagem e semelhança, e que nós somos a 
obra da Sua mão; por isso Ele estende a Sua bondade 
àqueles que estão longe, da qual já tivemos provas 
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suficientes; pois quando Ele nos atraiu até Ele, não 
éramos nós Seus inimigos? Como, então, aconteceu 
que somos agora da família da fé, filhos de Deus e 
membros de nosso Senhor Jesus Cristo? Não será por 
Ele nos ter reunido a Si mesmo? E não é Ele o 
Salvador de todo o mundo, assim como é nosso? 
Jesus Cristo veio a ser o mediador de apenas dois ou 
três homens? Não, não; mas Ele é o mediador entre 
Deus e os homens. 
Por isso, podemos estar tanto mais seguros de que 
Deus nos toma e nos guarda como Seus filhos, se nos 
esforçarmos para trazer aqueles que estão longe. 
Confortemo-nos, e tomemos coragem nesta nossa 
vocação: embora neste dia haja uma grande desgraça, 
embora pareçamos ser criaturas miseráveis, 
totalmente rejeitados e condenados, ainda assim 
devemos trabalhar o máximo possível para atrair 
aqueles que parecem estar longe para a salvação. E 
acima de tudo, oremos a Deus por eles, esperando 
pacientemente até que Lhe agrade mostrar-lhes Sua 
boa vontade, como Ele mostrou a nós. 
 
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Fonte: https://www.the-
highway.com/Salvation_of_All.html 
Tradução para o Português: Frankle Brunno 
Capa: Samuel Fonseca 
Revisão: Kertelen Ribeiro 
Original em inglês: THE SALVATION OF ALL 
https://www.the-highway.com/Salvation_of_All.html
https://www.the-highway.com/Salvation_of_All.html
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MEM 
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Todo direito de tradução protegido por lei 
internacional de domínio público e com permissão. 
 
Este sermão é de William B. Eerdmans Publishing 
Company, sendo uma reimpressão da única coleção 
considerável dos sermões de João Calvino traduzida 
para o idioma inglês desde o século XVI e o único 
volume já publicado nos Estados Unidos até então 
(1949). A coleção foi originalmente publicada em 
uma edição limitada em 1830 por John Forbes de 
Nova York. 
 
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