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EDUCAÇÃO INFANTIL PROPOSTA CURRICULAR DIRETRIZES POLÍTICO-PEDAGÓGICAS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO Diadema 2007 AGRADECIMENTOS Este movimento seria impossível sem a dedicação de cada um dos(as) educadores(as) e demais profissionais que atuam na Rede Municipal de Educação de Diadema. Estudar, refletir, planejar, questionar, enfim, viver a Educação na sua essência requer desejo, energia e coragem. Criar ambientes seguros e favoráveis às aprendizagens de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos requer, atitude, competência, compromisso e clareza do significado maior da cidadania. Conseguir envolver as famílias e a comunidade nesse processo é conquista árdua e preciosa. Então, deixamos registrado aqui, a todos(as) que têm participado e construído coletivamente essa “outra escola-educação”, e, consequentemente, esse “outro mundo possível”, os nossos sinceros e alegres agradecimentos e votos de VIDA LONGA!!! Secretaria Municipal de Educação de Diadema 2007 “Cantamos porque o grito só não basta. E já não basta o pranto nem a raiva. Cantamos porque cremos nessa gente e porque venceremos a derrota” (Mario Benedetti) APRESENTAÇÃO Este material é resultado de muitos movimentos/ momentos vivenciados nos coletivos educativos da Rede Municipal de Educação de Diadema, estando em consonância com a Constituição Federal, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e com o Plano de Desenvolvimento da Educação. Estudar, ensinar e aprender, na perspectiva da ampliação e consolidação da cidadania ativa e do desenvolvimento global de todos (as) envolvidos nesse processo, são, ao mesmo tempo, objetivos e conquistas oriundas de esforços e compromissos construídos na especificidade de diferentes segmentos, complementares e articulados: estudantes, gestores, educadores, famílias, parceiros, ... Desde 2001 a Secretaria Municipal de Educação, por meio de suas políticas públicas, vem implementando os diferentes anseios e demandas da sociedade de Diadema, expressos em suas Diretrizes, a saber: Democratização do acesso e permanência; Qualidade Social da Educação; Democratização da Gestão. Neste sentido todo trabalho pedagógico realizado na esfera do cotidiano escolar, vem sendo problematizado, refletido e sistematizado, com o intuito de propor um currículo inovador, que esteja a serviço das aprendizagens e autonomia dos sujeitos vinculados não somente à rede de escolas, mas, sobretudo vinculados à CIDADE DE DIADEMA. O material que apresentamos neste momento é, portanto, fruto dessa dinâmica e da crença de que é possível pensar, criar e consolidar o princípio da educação para todos, ao longo da vida. Tendo como ponto de partida a certeza de que o currículo é a essência desse processo, e que a Qualidade Social da Educação passa, necessariamente pela proposição de um currículo legítimo, contextualizado, significativo e voltado às aprendizagens, o movimento de Reestruturação Curricular chega a mais uma síntese do conhecimento produzido e sistematizado ao longo desse período. Por questões didáticas, optou-se por organizar esse material em 06 Cadernos: Introdutório: este caderno ilustra todo o processo de construção Curricular em Diadema, no período de 2001 a 2007, com momentos de análise, reflexão e sistematização, num movimento que compõe a história da Educação em Diadema. Traz a perspectiva de uma escola que considere a mudança como parte fundamental para a efetivação de uma Educação mais justa e igualitária para todos, retratando os esforços coletivos de toda uma rede a favor da qualidade da Educação em Diadema. Apresenta também as diretrizes da educação, os eixos curriculares, os programas e ações da Secretaria de Educação e das escolas, definidos como prioridade para o trabalho educativo com as crianças, os jovens e os adultos na rede municipal, priorizando no currículo, a questão da Dignidade e Humanismo, da Cultura, das Diferentes Linguagens, do Meio Ambiente, do Educar e Cuidar, da Gestão Democrática e da Formação de Formadores, como práticas fundamentais na Educação em Diadema. Áreas do Conhecimento: apresenta a concepção das áreas do conhecimento, concepção de ensino e experiência das escolas. Educação Infantil: apresenta o percurso da Educação Infantil no Município de Diadema, as concepções presentes nas práticas pedagógicas e os pressupostos que fundamentam a proposta de uma Pedagogia da Infância para as crianças pequenas da rede municipal. Ensino Fundamental: apresenta a organização do Ensino Fundamental no ciclo de 5 anos na rede municipal de Diadema, tendo como prática fundamental e inovadora o Diário de Ciclo, importante instrumental de registro e avaliação do trabalho pedagógico, os Agrupamentos entre os estudantes, com o objetivo de potencializar a aprendizagem e as novas orientações para a prática educativa em Diadema, onde a prioridade é o sucesso escolar. Educação Especial: apresenta práticas inclusivas na rede municipal de Diadema, num processo constante de combate à exclusão social, priorizando a interação e o trabalho pedagógico de qualidade para todas as crianças, os jovens e os adultos. A escola inclusiva em Diadema desnaturaliza a desigualdade e respeita as diferenças. Retrata ainda o trabalho desenvolvido na rede municipal de Diadema pelos professores de Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA e pela equipe de professores itinerantes, que dão suporte às práticas inclusivas nas salas de aula em Diadema. Educação de Jovens e Adultos: apresenta o movimento de reorientação curricular na Educação de Jovens e Adultos em Diadema, pautado na necessidade de reduzir o índice de evasão e oferecer uma educação voltada para a realidade dos estudantes, priorizando a Rede Cultural e a Educação de Jovens e Adultos com Orientação Profissional (EJA OP), como forma de possibilitar maior interação entre alunos e sociedade, tornando as aulas mais interessantes e dinâmicas, qualificando assim a intervenção pedagógica. A escola e a educação escolar que queremos para a nossa sociedade estão por ser construídas: demanda um trabalho de muitas mãos, idéias e experiências, o que só pode ser conseguido na vivência respeitosa e valorosa da diversidade. A expectativa é que este material subsidie e contribua para que os profissionais da educação e a comunidade escolar prossigam investigando e investindo na mudança; na mudança que concretiza o sonho da justiça social, fundada nos princípios da solidariedade, da autonomia, da criatividade e da sustentabilidade, tão desejadas por todos (as) nós. Bom trabalho!!!! Secretaria Municipal de Educação de Diadema 2007 Dizem-lhe: de pensar sem mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrias de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal Dizem-lhe De descobrir o mundo quando já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: Que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho São coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem A criança diz: Ao contrário, as cem existem. Loris Malaguzzi Ao contrário, as cem existem A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos Cem pensamentos Cem modos de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) Mas roubaram-lhe noventa e nove A escola e a cultura lhe separaram a cabeça do corpo. Educação Infantil 12 Proposta Curricular • 2008 13 INTRODUÇÃO PEDAGOGIA DA INFÂNCIA Uma proposta pedagógica para as crianças pequenas Pensar, discutir e construir uma proposta político-pedagógica voltada às crianças pequenas demandaperseverança em um processo repleto de questões, rupturas, desafios... É de conhecimento da área educacional que a Infância se constitui de especificidades (etária, cultural, emocional, cognitiva, social,...) e de singularidades/individualidades/subjetividades. Tomada na esfera da infância escolar, essa constituição se transforma em desafio que implica a tradução da intencionalidade educativa em processos de aprendizagem que sejam significativos e prazerosos aos sujeitos que vivem parte de suas vidas nos espaços onde a educação formal acontece. Cada tempo e sociedade têm se debruçado com maior ou menor preocupação e empenho sobre a infância que se pretende garantir às crianças pequenas, aquelas que ainda estão por vivenciar e usufruir o conhecimento e cultura socialmente construídos ao longo da história. As conquistas alcançadas nas diferentes áreas da ciência, aliadas àquelas conquistas relativas ao campo da cidadania, apontam para que pensemos os sujeitos como centro dos processos educativos. Apontam também para a certeza de que os sujeitos, dadas as condições mínimas de aprendizagem e expressão, são pessoas criativas e criadoras de conhecimento e cultura. Nesse sentido é importante e desafiador pensar um projeto de Educação Infantil que dialogue com essas conquistas e, portanto, reflita uma concepção inovadora de Infância. As questões que se apresentam derivam da problematização do cenário que temos hoje e do quanto ele dialoga e/ou reflete a infância que se almeja: quem são as crianças que freqüentam a Educação Infantil ofertada no município? Como o espaço escolar está organizado para favorecer as aprendizagens? Quais aprendizagens estão em pauta? Quem são os educadores que atuam com as crianças? As rupturas estão por toda a parte: os padrões culturais (dos adultos) imprimem necessariamente novos comportamentos e demandas às crianças e ao universo infantil. Como reorganizar os padrões morais, comportamentais, as expectativas pessoais e institucionais, diante dessa nova cultura explicitada cotidianamente pelas crianças? Como garantir a convivência com qualidade e tranqüilidade na transição do “velho” para o “novo” nos ambientes escolares? Como considerar a infância (geralmente caracterizada pela “ausência” de cultura/ conhecimento”) como tempo de especificidade cultural, emocional, cognitiva... Os desafios surgem por conta do compromisso que os coletivos educativos vão afirmando diante das mudanças, brevemente citadas, no sentido de reverem e proporem a construção de uma educação escolar não somente voltada para a infância, mas com esta construída. Isto implica em além de conhecer e reconhecer a relevância e a qualidade dessas mudanças e conquistas, assumir como parte da formação permanente a (re)construção de propostas e de ambientes educativos significativos, que favoreçam a vivência da infância em sua plenitude e especificidade. Implica, ainda, em considerar as crianças e suas famílias como co-autoras das propostas educativo-curriculares. Intitular a proposta curricular da Educação Infantil de Diadema de PEDAGOGIA DA INFÂNCIA, visa explicitar as concepções que têm norteado e fundamentado as reflexões e as práticas do coletivo escolar desse município. Acreditamos que o processo de assumir a inovação e conseguir incorporar novos conceitos, atitudes e procedimentos ao universo da educação formal, leva tempo. Nesse cenário de construção de novos imaginários e práticas (paradigmas), algumas estratégias são fundamentais: pensar, propor e debater uma nova pedagogia faz parte desse processo. Esperamos que este nosso tempo de reflexão e de trabalho educativo, nesta proposta sistematizada, possa favorecer a mudança da realidade da infância escolarizada de Diadema; mas, esperamos também, que possa contribuir para todos os projetos que almejam alimentar e fortalecer as diferentes infâncias da nossa sociedade. Secretaria Municipal de Educação de Diadema 2007 Educação Infantil 14 Proposta Curricular • 2008 15 1 – EDUCAÇÃO INFANTIL 1.1 – Um pouco de história e conquistas A Educação Infantil veio se constituindo ao longo de um percurso nada tranqüilo da história de Educação Brasileira. Tem sua origem em práticas e instituições de perfil assistencialista, ainda perceptíveis nos dias de hoje, até conquistar nas duas últimas décadas do século passado o status de direito, garantindo às crianças e às famílias um novo foco pautado na relação de cidadania. A referência legislativa mais importante para as crianças era a da CLT – Constituição das Leis Trabalhistas, a qual exige das empresas que empregam mais de 30 mulheres oferecerem berçários durante o período de amamentação. Somente na promulgação da nova Constituição Nacional de 1988 seria afirmado como direito da criança, dever do Estado e opção da família, o atendimento em instituições de educação infantil. Em 1990 é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que reafirma esse direito, regulamenta a função dos Conselhos e, dentre outros, apresenta o direito das famílias à participação nas elaborações dos Projetos Pedagógicos das escolas. Em 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação insere as creches na esfera da educação infantil. Coloca como exigência a qualificação mínima de Licenciatura em Pedagogia aos profissionais que trabalham com crianças, admitindo um período de transição de dez anos para que isso ocorra. Também reafirma a autonomia das escolas para elaborar seus projetos pedagógicos, desde que respeitem diretrizes gerais, alterando uma tradição e prática que há anos ocorria, que era a dos profissionais receberem prontas as orientações para seu trabalho. Em 1999 o Conselho Nacional de Educação edita as Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil, às quais, sob força de lei, todas as instituições brasileiras precisam respeitar, sob o risco de fechamento. As Diretrizes Nacionais apresentam os princípios a partir dos quais toda instituição de educação infantil deve se organizar. As creches (agora entendidas como instituições que atendem crianças de zero a três anos) tiveram que integrar objetivos educacionais, além dos cuidados assistenciais e as pré-escolas (destinadas às crianças de 4 a 6 anos de idade), passaram a se reorganizar, mobilizadas para as necessidades de cuidado das crianças, além de seus objetivos de ensino e aprendizado. Tanto as creches quanto as pré-escolas, estão revendo suas determinações, currículos e rotinas historicamente concebidas, de forma a atender as reais necessidades das crianças com as quais trabalham, conforme suas culturas, suas expectativas e condição econômica de suas famílias. Atualmente os sistemas de ensino encontram- se em período de transição para incorporação das crianças de seis anos no ensino fundamental, conforme a determinação da lei federal 11.114/2005 e orientação do MEC (2006). Como o assunto é muito recente, há polêmica e confusões quanto ao tratamento a ser dado às crianças. Porém, o documento do MEC é claro ao recomendar às escolas de ensino fundamental sua adaptação para atender às condições das crianças nessa faixa etária e para que as instituições de educação infantil não antecipem as etapas de desenvolvimento e aprendizagens esperadas para elas. A promulgação da Lei 11.114, de 16/05/20051, ampliou, portanto, a duração do ensino fundamental de 8 para 9 anos, antecipando a obrigatoriedade da matrícula e da freqüência, para todas as crianças, a partir dos 6 anos de idade no Ensino Fundamental. Existe uma tendência, que deve ser revista, que influencia as práticas dos adultos/ educadores sobre o momento presente. É fácil observar, atualmente, na realidade de Diadema e em outros lugares, a excessiva preocupação com o futuro das crianças impedindo,muitas vezes, oportunidades para que elas vivam seu presente, e, conseqüentemente a infância em sua plenitude. Nas instituições de educação infantil isso se pode constatar especialmente através da escolarização precoce. Preocupados com o que é esperado das crianças no ensino fundamental, muitos professores da educação infantil acreditam na necessidade de antecipar o ensino e a aprendizagem da escrita e da matemática aos pequenos, para que não sofram no futuro. Cabe aqui mais uma pergunta, dentre tantas outras que precisamos fazer: Antecipando a escolarização, estaremos poupando as crianças de sofrimentos futuros ou antecipando esses mesmos sofrimentos? Terão elas oportunidades de viver sua infância futuramente? É importante que se compreenda essa proposição da lei como uma conquista para tantas crianças que se encontram excluídas do sistema, ou seja, a ampliação da escolaridade obrigatória não pode ser confundida com aceleração/antecipação dos estudos. Pelo contrário, o que se coloca em pauta neste momento é a capacidade das escolas em atender com qualidade mais esse segmento da infância. Isto significa pensar o currículo com a especificidade demandada por essa faixa etária. Significa ainda, pensar nos profissionais que trabalharão com essas crianças, assim como nas relações que se espera que se estabeleçam nos espaços educativos. Por último, com a regulamentação da lei que cria o FUNDEB, Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, lei esta que substitui o FUNDEF, os poderes públicos (federal, estadual e municipal) são obrigados a direcionar uma porcentagem de suas arrecadações à educação, com o avanço de incluir agora toda a educação básica. 1.2 – Os cenários em Diadema Sobre as escolas ... A Educação Infantil no Município de Diadema teve início em 1977 com as escolas Portinari e Humberto e com algumas classes em escolas estaduais, que forneciam toda a estrutura física bem como funcionários. Posteriormente, outras salas, vieram a funcionar em prédio próprio: Campanário, Santa Rita, Casa Grande, Serraria, Nogueira, Hercília e Eldorado. As professoras eram contratadas a partir da análise de currículo que era entregue diretamente no Departamento de Educação. Nessas escolas não havia coordenador ou diretor escolar. O Diretor de Educação indicava uma professora que ficava responsável por solicitar consertos, levar materiais, passar avisos, etc. Os professores se reuniam mensalmente para receber o planejamento e orientações gerais para a “aplicação” das aulas planejadas. Com o aumento do número de escolas, o Departamento de Educação, Cultura e Esporte (DECE), sentiu a necessidade de um dirigente escolar e para essa função passou a fazer entrevista com professores que considerava ter um perfil adequado, o qual passava por em estágio probatório de 03 meses. Caso fosse considerado inadequado para a função era demitido e, independente de ter sido um bom profissional como professor, perdia o vínculo com as escolas. Em 1987, com a ampliação das escolas foi realizada uma seleção interna para professoras que desejassem assumir a coordenação de um grupo de pequenas escolas. As professoras aprovadas passavam para o cargo de Diretor Escolar em regime celetista, com carga horária de 40h semanais. A partir de 1989, com o aumento da demanda de trabalho e da rede de atendimento, houve a necessidade de um diretor por escola e, para isso o Departamento de Educação passou novamente a indicar professoras para essa função. Tinha-se na rede, então, duas situações: a diretora celetista e a professora indicada para assumir a função de “diretora em substituição”. A partir desse momento, uma concepção de gestão, mais democrática, define um novo modelo de atribuição criando o cargo de Professor Coordenador de Unidade Escolar, definido por eleição, pelo Conselho Escolar. Em 1993, acontece a primeira eleição na Escola Municipal de Educação Infantil Carlos Drummond de Andrade. Com a criação do Estatuto do Magistério em 1997, este procedimento se torna uma lei que vigora até hoje, de forma mais aprimorada, com eleição por chapas para Professor Coordenador de Unidade Escolar e Professor Assistente de Coordenação, por um período de três anos com direito a concorrer à reeleição. O direito ao voto, agora, é de toda a Comunidade Escolar e não apenas dos Conselhos, como era previsto anteriormente. Com relação ao trabalho pedagógico, a trajetória percorrida pela educação infantil em Diadema, acompanhou o processo ocorrido em todo o país. Novas discussões pedagógicas trazidas pelas pesquisas de Emília Ferreiro, os estudos de Vygotsky, de Piaget e outros, a partir de 1987, provocaram grandes mudanças nas ações da educação infantil em Diadema. 1 Tal Lei vem sofrendo modificações, desde de então, por demandas surgidas quando da sua implantação. Educação Infantil 16 Proposta Curricular • 2008 17 Desde então, o paradigma que norteava práticas conservadoras (o uso do mimeógrafo; planejamento centralizado no professor, no ensino, no conteúdo), passou a ser superado. Primeiramente dando lugar a um grande questionamento, o que originou uma prática que proibia a utilização de atividades mimeografadas e criticava a grande preocupação com decoração de salas, etc., padrões estes tão arraigados nas escolas naquela época. Muitas foram as práticas espontaneístas, nas quais aguardava-se as propostas das crianças para o trabalho. Alguns anos foram necessários para que os profissionais, através de rotinas de leitura e formação continuada se fortalecessem e conseguissem construir propostas mais contextualizadas e alinhadas às verdadeiras demandas da infância. Em 1991, portanto, antes da promulgação da LDB – 1996, a Educação Infantil em Diadema passou a ser de responsabilidade da Secretaria de Educação, atendendo tanto crianças em período parcial, 4 a 6 anos como em período integral 0 a 6 anos. Sobre as creches ... A história do atendimento de crianças em período integral, para crianças de 0 a 6 anos, no município de Diadema, acompanhou os movimentos que se espalhavam pelo país, principalmente em São Paulo, realizados por mulheres trabalhadoras que reivindicavam apoio do poder público ao atendimento de seus filhos pequenos. Estes movimentos, realizados entre o final da década de 70 e início da década de 90, deram início à ampliação de creches administradas pelo poder público. Em Diadema, o Departamento de Promoção Social iniciou essa tarefa assumindo a responsabilidade pela creche do Jardim dos Navegantes e depois, pelas creches do Parque Real e do Jardim Marilene. Em 1987 foi estruturado oficialmente o Serviço Municipal de Creche. Os técnicos envolvidos no Serviço de Creches (psicólogos, pedagogos e assistentes sociais), no seu trabalho de assessoria às unidades, buscaram desde o início observar e compreender as experiências dos educadores e, a partir destas, elaborar reflexões teóricas sobre o desenvolvimento da criança e o papel do educador, bem como a participação das famílias e comunidades nesse processo. Para tanto, apostaram também desde o início na sistematização de grupos de Formação Permanente a partir dos quais, muita produção foi realizada até aqui, comprovada com a série de publicações do município. Os profissionais que atuavam com as crianças eram monitores de creche, cujo requisito era ser estudante de Magistério e auxiliares de creche para as quais tinha-se a exigência de terem completado as quatro primeiras séries do ensino fundamental2 A necessidade de expansão de creches foi a principal justificativa para que a administração municipal incluísse a creche na Educação, isto porque do ponto de vista da gestão orçamentária, o Departamento de Educação tinha muito mais recurso do que o Departamento de Promoção Humana. Com a integraçãodas creches ao sistema educacional a partir de 1991, conforme citado anteriormente, um outro profissional passou a compor a equipe das creches: o professor de educação infantil, concursado. O objetivo dos dirigentes do Departamento era de que esse profissional qualificasse mais o trabalho pedagógico. De acordo com as atribuições, seria da professora a responsabilidade da condução do trabalho pedagógico e as auxiliares de creche, a auxiliariam nessa tarefa. As relações de trabalho, nesse contexto, se deram permeadas por conflitos. As antigas profissionais sentiram-se desqualificadas e destituídas de sua identidade profissional. Se antes sujeitos da prática, agora parecia que ao professor cabia “o pedagógico” e, a elas, a tarefa de auxiliar essas professoras e assumir as tarefas relativas ao cuidado físico, parte “menos nobre” do trabalho de acordo com a concepção daquele momento histórico. Hoje, após a LDB 9394/96, sabemos que educar e cuidar são duas dimensões indissociáveis da prática pedagógica. Em 1993 iniciou-se uma grande expansão de Creches e de EMEIs – Escolas Municipais de Educação Infantil, precisavam da ampliação do quadro de pessoal. Em 1994 foi realizado concurso público para Educador Infantil (nomenclatura que substituiu o Auxiliar de Creche) com a exigência de ensino fundamental completo. Esse profissional, juntamente com as professoras e as auxiliares de creche, passou a fazer parte da equipe de profissionais das creches municipais. Os (as) educadores (as) com carga horária de 40 horas semanais e os professores com 30 horas. Os conflitos dessa relação entre professores, auxiliares de creche e educadores, se mantiveram por algum tempo, entretanto, as experiências conjuntas e a formação permanente desses profissionais trouxeram um amadurecimento individual e coletivo que mudou qualitativamente essa relação. De uma forma geral há muito respeito a essas educadoras e educadores pelo trabalho que desenvolvem, e ambos, professores (as) e educadores (as) compartilham a educação e o cuidado das crianças pequenas de forma responsável e competente. Em 1997, é publicado o Estatuto do Magistério, que incorpora a educação infantil, e redimensiona o papel do professor, tornando-se este um ator social na sua relação com crianças e comunidade, e não um mero transmissor de informação (PMD / SECEL, 1997). No entanto, nesse momento, o Educador Infantil não é incluído. Em 1998 a Secretaria publica seu primeiro Plano de Educação Municipal, elaborado com a participação dos profissionais envolvidos e voltado para uma educação integrada preconizando a formação de cidadãos conscientes, solidários e críticos. Em 2000, fruto da luta dos educadores e educadoras, a carga horária de trabalho foi reduzida de 40 para 34 horas semanais e uma lei complementar incluiu estes (as) profissionais no Estatuto do Magistério, porém não lhes estendeu todos os direitos. A questão principal e que foi objeto de luta dos educadores desde então, foi salarial, uma vez que, com muita razão, argumentavam que realizavam o mesmo trabalho, trabalhavam mais horas e ganhavam menos que os professores. Fruto dessa luta, foi aprovado, ao final de 2007, na câmara municipal projeto de lei que iguala a jornada de todos os educadores à dos professores e, iguala também e, principalmente, o salário dos educadores que têm formação específica na educação infantil garantindo-lhes, a partir de 2008, vencimentos idênticos aos dos professores. Está previsto também nessa lei, um prazo de cinco anos para que os que não têm formação possam adquiri-la, cabendo à prefeitura criar as condições para isso, o que já está sendo providenciado, por meio da Secretaria de Educação. 2 – A REDE DE EDUCAÇÃO INFANTIL 2.1 – Rede Pública Na rede municipal há 28 escolas que atendem educação infantil em período parcial, atendendo 10.196 crianças de 04 a 06 anos. A partir do próximo ano, 2008, 10 (dez) dessas escolas terão o tempo de permanência da criança ampliado para 04h diárias (em média 3h30 min).O critério utilizado considerou aquelas que não têm atendimento no período intermediário. A expectativa é de que até 2010, todas as escolas tenham dois turnos de funcionamento em período de 04h. Tendo essa meta atingida, o esforço será no sentido de diminuir o número de crianças por turmas, embora, se comparada a outras redes públicas, Diadema esteja em uma situação bastante confortável. O atendimento em período integral – nas creches – é feito em 18 escolas, para 3.133 crianças de 0 a 06 anos. A opção política de manter o 2 Cargos extintos na reforma administrativa de 1995. Para refletir Questões que existiam nos ambientes da Educação Infantil • falta de ações educativas nos horários de alimentação; • dissenso entre pais e educadores; sobre os cuidados com as crianças; • atividades propostas às crianças não condizentes com suas capacidades de compreensão; • atendimento à criança de forma mecânica; • falta de atenção às atividades espontâneas das crianças, em especial, às brincadeiras. Reflita com a equipe da sua UE: essas questões já foram completamente superadas ou ainda estão presentes? Como proceder para melhorar esses aspectos e as relações na sua UE? Educação Infantil 18 Proposta Curricular • 2008 19 atendimento às crianças de 04 a 06 anos também em período integral, mesmo após a LDBN, se justifica ao considerarmos as características de Diadema, uma cidade com a segunda maior densidade demográfica do país, que tem grandes bolsões de pobreza e um alto percentual de mães trabalhadoras e arrimo de famílias que não têm onde deixar seus filhos enquanto trabalham ou enquanto procuram um trabalho. As inscrições para a creche ocorrem durante todo o ano e a maior demanda é para crianças de 0 a 03 anos. A seleção é feita após visita domiciliar às crianças inscritas, pela equipe escolar e pelo Núcleo Social da Secretaria de Educação. Esse núcleo é composto por uma pedagoga, duas assistentes sociais e três estagiárias de serviço social. Embora seja direito de todas as crianças, o município ainda não consegue atender à totalidade, por isso são estabelecidos alguns critérios para o oferecimento das vagas, sendo estes os principais: crianças em risco, mães trabalhadoras, renda per capta. Para esta administração e as futuras permanece o desafio de continuar investindo na garantia dos direitos das crianças da cidade de Diadema. 2.2 – Rede Conveniada Em 2001, a Prefeitura de Diadema lançou o Programa Creche Lugar de Criança, com o objetivo de ampliar o acesso a um número maior de crianças de 0 a 06 anos em período integral, através de parceria com a sociedade civil organizada. O resultado é 3.187 crianças atendidas em 26 creches conveniadas com 12 entidades. Nessa parceria, há um compromisso de cooperação técnico-financeiro com repasse de recurso no valor de R$ 210,00 por criança atendida, para as despesas com custeio. Ao final de cada mês a entidade presta contas que são analisadas por uma Comissão Mista de Supervisão Técnica e Administrativa integrada por representantes governamentais e não governamentais. Há também uma equipe de profissionais na Secretaria de Educação responsável pelo acompanhamento pedagógico nas unidades desde a sua implantação, e todo o Programa de Formação desenvolvido com a rede municipal, inclui os profissionais da rede conveniada. Dessa forma, buscamos assegurar que as diretrizes políticas e curriculares sejam as mesmas nas duas modalidades de atendimento. 3 – OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Os profissionais que trabalham na educação infantil são mais de 90% mulheres, a exemplo do que ocorre em todo o país. No total são 762 Professoras (es) de Educação Infantil e 159 educadoras(es). Esses cargos foram ocupados por concurso públicoe, embora a exigência tenha sido, no caso de professor, de formação em nível médio-magistério, mais de 50% têm nível superior sendo que a maioria em pedagogia. No período de 2003 a 2005, a prefeitura firmou convênio com a Faculdade de Ciências e Letras da Fundação Santo André, subsidiando 75% da mensalidade para 300 professores se formarem no curso Normal Superior. Naquele momento 100 professores aderiram ao programa e destes, 93 concluíram o curso. No caso das(os) educadoras (es), no último concurso realizado em 1994, a exigência para esses profissionais era de ensino fundamental completo, entretanto, 80 educadoras (es) possuem a formação em magistério e/ou pedagogia e, apenas uma, tem somente o ensino fundamental. As demais têm formação no ensino médio e em nível superior, em outras áreas diferentes da pedagogia. Para estes, conforme dissemos antes, está sendo firmado convênio com universidade para formação em pedagogia. A partir de 2011, todos os profissionais de educação infantil de Diadema terão a formação exigida em lei. Além da formação inicial, é importante falar da importância da formação em serviço, entendida como um espaço permanente de reflexões sobre as práticas pedagógicas dentro da carga horária dos profissionais de educação na rede de Diadema. Queremos valorizar os horários semanais coletivos (03h em média) nos quais as equipes escolares têm a possibilidade de, com seus pares e a coordenação, avaliar, trocar experiências, registrar e planejar seu trabalho. De igual importância é o Programa de Formação Permanente da Secretaria de Educação, que tem, ao longo dos últimos 14 anos, investido na formação dos seus profissionais através dos Encontros, Seminários, Congressos, Cursos e Oficinas. Todo esse investimento tem qualificado as equipes docentes e coordenação e aprimorado as propostas pedagógicas desenvolvidas com as crianças. 4 – CONCEPÇÕES E PRÁTICAS 4.1 – A Infância As maneiras como os adultos vêem a criança e os períodos da infância são muito variadas, dependendo da região onde vivem, período histórico, nível sócio-econômico, tipo de arranjo familiar onde a criança está inserida, dentre outros aspectos. A própria noção de infância é considerada uma construção sócio-histórica, como bem nos sinalizou Áries (1968). Ainda hoje podemos observar como, em determinadas regiões e culturas, as crianças pequenas são mais protegidas, enquanto em outras, elas têm maior liberdade de ação, e, em outras ainda, já são inseridas em obrigações, tarefas e trabalho (Lordelo, Carvalho e Koller, 2002). Os diferentes arranjos familiares encontrados atualmente merecem a nossa atenção, visto a predominância com que nossa cultura valoriza o arranjo familiar nuclear, ou seja, aquele formado pelas figuras do pai, da mãe e dos filhos, convivendo num mesmo ambiente doméstico. Este é o tipo de arranjo que, de certa forma, as classes dominantes nos fizeram acreditar, por muito tempo, seria o melhor para o desenvolvimento das crianças. No entanto, nos deparamos diariamente com outros tantos e diferentes arranjos familiares, em especial aqueles onde a mãe educa sozinha seus filhos, ou avós assumem a tarefa. Encontramos, cada vez mais, os pais (homens) assumindo a guarda dos filhos, além das adoções assumidas por pessoas solteiras ou casais homossexuais. Nas últimas décadas foram produzidos muitos estudos sobre a diversidade de condições de desenvolvimento, os quais foram revolucionando as crenças sobre um único modo saudável de viver. Nesses incluem-se a abordagem sobre as diferentes configurações familiares e, também, instituições de educação infantil que passaram de prejudiciais ao desenvolvimento afetivo das crianças a promotoras do desenvolvimento integral. Segundo esses estudos, a falta da mãe não seria, por si só, um fator prejudicial, mas a falta de vínculos afetivos seguros (estáveis) e de oportunidades de aprendizagem, sim. Neste sentido, as instituições de educação infantil, atentas à importância da constituição de vínculos afetivos, podem se tornar ambientes ricos de aprendizagem e desenvolvimento para as crianças pequenas. Outro aspecto em franca revolução diz respeito à educação das crianças com necessidades especiais de aprendizagem. A concepção de que essas crianças teriam um alcance limitado em seu desenvolvimento está sendo revista em estudos científicos, os quais apontam para capacidades Dica Se você quer conhecer mais sobre o assunto, leia o seu livro, que se tornou um clássico referido em muitos estudos. Chama-se História Social da Criança e da Família, publicado pela editora Zahar (RJ). Nele o autor demonstra que há poucos séculos as crianças eram tratadas como pequenos adultos, e descreve como as sociedades foram modificando seu modo de encará-las e tratá-las. Você sabia? Em Diadema as crianças com necessidades especiais são atendidas na educação infantil. O suporte pedagógico tem sido feito pelo CAIS- Centro de Atenção à Inclusão Social, por meio das Professoras Itinerantes (nas UEs), além de atendimento nas salas de recurso deste Centro, conforme o caso. As experiências têm sido muito ricas e reveladoras das possibilidades de aprendizado com e nas diferenças, reafirmando nossa crença na importância dessa inclusão. Educação Infantil 20 Proposta Curricular • 2008 21 antes desconsideradas sobre elas. (Rossetti Ferreira et al, 2004). Com isso, e com o desenvolvimento de uma forma mais justa de organização social, passou- se ao movimento de inclusão dessas crianças ao meio onde outras convivem. Na medida em que a sociedade passa a conviver com as pessoas consideradas “diferentes”, aprende a conhecer as suas capacidades e a respeitá-las em sua diversidade. Na educação infantil o papel do educador, com suas decisões e posturas diante de cada situação de seu cotidiano, na relação com as crianças e suas famílias, influencia grandemente a maneira como essa diversidade deve ser aceita, respeitada, e, portanto, foco das proposições curriculares. 4.2. As culturas infantis Pensar a infância e seus processos de aprendizagem em uma perspectiva inovadora e emancipadora requer que adotemos novos referenciais de compreensão sobre quem são esses sujeitos, como se relacionam e pensam com/o mundo em que vivem. Isto significa que na abordagem educacional os mesmos deverão ser tomados como sujeitos ativos, ou seja, sujeitos capazes de construir cultura e em dinâmica social. Que possuem um olhar/fazer específico, fruto de vivências específicas e diferenciadas das dos adultos. A principal decorrência dessa concepção é entender que, não existe uma infância, mas infâncias, e, portanto que os ambientes escolares estão lidando cotidianamente com muitas culturas infantis. Significa também, que a organização dos ambientes escolares e dos currículos deve, necessariamente apreender e responder às demandas e anseios expressos pelos sujeitos da Educação Infantil. Este trabalho está longe de ser um processo simples, até porque implica na capacidade da instituição e profissionais da Educação Infantil captarem e traduzirem esses saberes em conteúdos curriculares significativos que potencializem novas aprendizagens. Uma questão importante para a reflexão diz respeito à diferenciação que se faz de cultura produzida pela criança e cultura produzida para a criança. A cultura produzida pela criança, diz respeito ao processo de constante invenção e reinvenção dos artefatos e traços culturais pelas crianças. Neste caso observa-se a diversidade e a pluralidade cultural. A cultura produzida para a criança diz respeito à oferta de produtos culturais voltados à infância e tem como principais “agências” a escola e empresas com foco mercadológico. Neste caso observa-se a busca da padronização de valores e comportamentos culturais.Nesse cenário, pensar e construir uma proposta curricular significa assumir o compromisso de respeito e valorização da cultura produzida pela infância e articular com o desafio e objetivos propostos pela cultura escolar e as demandas criadas pela sociedade de consumo. Deste equilíbrio, certamente se alcançará ao final do percurso da Educação Infantil, os sujeitos que se vislumbrou formar: autônomos, criativos, capazes de valorizar a diversidade, de praticar a solidariedade... ou não! 4.3. Desenvolvimento Nas últimas décadas passamos a receber as influências, em especial de Vygotsky e Wallon, que também enfatizam o caráter ativo da pessoa no seu processo de desenvolvimento, considerando as determinações históricas e sociais sobre o mesmo. Através da influência desses pesquisadores, passamos a identificar uma nova concepção, chamada de sócio-histórica do desenvolvimento. Com as pesquisas de Vygotsky, percebemos que as conquistas do conhecimento (o aprendizado) podem estar relacionadas às informações e práticas disponíveis em cada região e momento histórico. E que esse aprendizado promove o desenvolvimento de capacidades diferentes, as quais, por sua vez, ampliam o potencial de aprendizagem e do desenvolvimento de novas capacidades. Portanto, se a criança está inserida em um meio rico de informações e práticas, mais aprendizado e capacidades ela desenvolverá. A partir das pesquisas de Vygotsky e seus seguidores, é possível supor que as possibilidades de aprendizado e desenvolvimento do ser humano são ilimitadas ou, praticamente, só limitadas pelo seu tempo de vida. Wallon apresenta sua formulação do desenvolvimento humano como um processo que integra os aspectos cognitivos, afetivos, biológicos e sociais. Deixou claro como esses aspectos se influenciam mutuamente e não podem ser divididos quando se quer entender a criança. Auxiliou-nos a olhar a criança como um ser completo, desde que nasce, mostrando suas competências para a interação com o meio em gradativo desenvolvimento, conforme as etapas da vida que percorre. Dentre as suas contribuições, interessa aos educadores o entendimento sobre a construção da identidade na criança pequena, através de seus movimentos de fusão (identificação) e diferenciação (oposição), em relação às pessoas com quem ela tem vínculos afetivos. O papel das crises no desenvolvimento, também é importante para se entender as fases em que a criança parece retroceder em seu desenvolvimento, sendo este abordado como um processo não linear ou evolutivo, visto as perdas de capacidades que também ocorrem, juntamente com os ganhos. Esses pesquisadores deixaram-nos o desafio de construir novas formas de acompanhar o desenvolvimento, especialmente das crianças, de forma a considerá-las como seres completos, embora diferentes dos adultos. Mais recentemente, passamos a ter contribuições de antropólogos e biólogos que também re-interpretam suas concepções sobre a origem da vida e sobre o desenvolvimento dos seres vivos em geral, apresentando propostas teóricas que integram biologia e cultura. Nos meios educacionais podemos encontrar discursos e práticas influenciadas por todas as concepções acima. Muitas vezes, um mesmo educador lança mão de todas elas: em suas falas, planejamentos ou projetos pedagógicos e ações, produzindo um sincretismo que parece fazer parte da nossa cultura educacional. Para o desafio de reduzir esse sincretismo e transformar a prática pedagógica em uma atividade mais coerente (quanto às concepções, princípios e objetivos educacionais), e articulada às necessidades e aprendizagem das crianças, apresentamos a seguir os parâmetros já construídos pela rede da Educação Municipal de Diadema. 4.4 – Nossos Caminhos 4.4.1 - O brincar como princípio educativo A brincadeira, em especial, do faz de conta, é a situação por excelência em que predomina a fantasia, embora condicionada às regras da realidade. É nessa situação, marcada pelo controle da criança sobre seus atos, que ela exercita a discriminação entre realidade e fantasia, sem precisar submeter-se diretamente aos mandos dos adultos. Justamente no exercício de apropriar-se das condutas deles, submete-se espontaneamente a suas regras, em seu mundo de fantasias. Nesses momentos ela aprende e desenvolve inúmeras coisas: orientação e organização espacial; adequação de movimentos apropriados à situação; habilidades necessárias para o manuseio de diferentes objetos; representação de imagens e conteúdos relacionados a situações Lembrete É importante ressaltar que as contribuições de Vygotsky e Wallon trouxeram a noção de que o desenvolvimento não ocorre apenas durante o período da infância. Através de suas teorias se concebe que todas as pessoas, enquanto vivas e interativas, estão em desenvolvimento, e que certos processos de desenvolvimento ocorrem tanto em crianças quanto em adultos. Dica São muitas as proposições inovadoras deste pesquisador. Para quem quiser saber mais, busque o livro Lev Vygotsky – Cientista Revolucionário, de Fred Newman e Lois Holzman, da editora Loyola, 2002. Dica Um bom resumo da teoria de Wallon pode ser encontrado do livro de Izabel Galvão, chamado Henri Wallon – Uma Concepção Dialética do Desenvolvimento Infantil, da editora Vozes. Educação Infantil 22 Proposta Curricular • 2008 23 já vividas ou presenciadas – memória –; projeção e planejamento sobre ações seqüenciais; diferentes linguagens; negociação de suas idéias e interesses junto com outras crianças; compreensão das intenções dos outros; soluções para conflitos e problemas; regras de conduta social; elaboração de emoções e sentimentos. Em todas as fases da vida a brincadeira é necessária. Do faz de conta infantil, desenvolvemos nossa capacidade de nos projetar em tempos futuros, seja para planejar uma viagem desejada, um encontro ou a casa que sonhamos obter. Também através do faz de conta revivemos momentos marcantes de nossas experiências, tal como a criança o faz. A diferença do faz de conta de adultos e crianças é que elas externalizam, precisam expressar essas experiências com seus corpos e ações. No adulto, elas podem ser operadas apenas na mente, sem que ninguém testemunhe, a menos que este queira contar. Através delas desenvolvemos muito mais a imaginação e a criatividade, capacidades necessárias para muitas situações da vida, tais como organizar uma casa, procurar um emprego, solucionar um problema financeiro, superar conflitos nas relações com outras pessoas, dentre outras. São muito variadas as atuações que um professor, na educação infantil ou no ensino fundamental, pode ter com relação às brincadeiras das crianças. Em primeiro lugar, observá-las e, com isso, planejar ou buscar espaços, objetos e temas que as enriqueçam nas ocasiões seguintes. Ele pode intervir com propostas em momentos de conflitos, sugerir divisão de tarefas, ou mesmo fazer parte da brincadeira. Também pode ser o coordenador da mesma, quando seu objetivo é ensinar uma brincadeira nova. Uma das coisas mais importantes é estar atento ao valor do brincar, assim, além das observações feitas nos momentos planejados, o professor atentará para as brincadeiras espontâneas. Muitas vezes, tais brincadeiras apresentam revelações essenciais para a intervenção docente. 4.2.2 – Da ética na educação infantil ou das relações interpessoais no cotidiano da escola As relações interpessoais permeiam todo o trabalho na educação infantil. Ser professor significa também estar atento à forma como a criança é tratada. Cada uma delas tem seu jeito, suas manhas e manias, assim como os adultos. O trabalho realizado na educação, em Diadema, busca uma sociedade mais humana, sendo fundamental, portanto, que todos os envolvidos tenham atitudes condizentes com uma prática quevaloriza as opiniões infantis. As crianças têm hipóteses e pontos de vista sobre os fatos que acontecem na escola, sobre as histórias que contam, sobre as atividades propostas. Considerar o que pensam é um jeito de mostrar que suas idéias têm valor e que poderão contribuir sempre nos grupos dos quais fizerem parte. Construir uma sociedade mais humana, requer uma boa dose de carinho e respeito por esses pequenos cidadãos que povoam as escolas de Diadema, bem como a comunidade escolar. De acordo com Piaget (1954/1981), “a inteligência desenvolve-se no indivíduo como uma função das interações sociais tão frequentemente negligenciadas.” Assim, o que a criança pensa sobre o mundo depende da natureza do ambiente em que vive. Ter confiança ou desconfiança, sentir-se acolhida ou rejeitada, forte ou fragilizada...tudo depende do que vivencia, de como vivencia. A qualidade das interações diárias é determinada por incontáveis ações e reações dos adultos para com a criança, da criança para a criança e por tudo o que ela observa em seu cotidiano. É o professor quem influencia, em grande parte, o valor educacional das interações das crianças com seus colegas. Dessa forma, é importante também que se valorize as atitudes propositivas das crianças o que, geralmente, é pouco comum nas escolas. O que mais se observa são as falas restritivas e coercivas em relação às crianças, em grande parte do tempo. Suely Amaral Mello, em uma das suas palestras aos profissionais da educação infantil, chamava atenção para esse aspecto e deu o seguinte exemplo: em uma atividade uma criança deixa um lápis cair no chão e outra criança se abaixa, o pega, e devolve ao colega. Se a professora diz – muito bem “Joana”, eu observei que o lápis de seu colega caiu e que você o pegou, foi muito bacana a sua atitude! Certamente, essa postura da professora irá influenciar novas atitudes positivas desta e das outras crianças. Assim, se o comportamento desejado para as crianças é o de que sejam solidárias, cooperativas, autônomas, as atitudes dos adultos devem valorizar esses princípios. Se acreditamos na capacidade inventiva, criadora e brincante das crianças e, portanto, na sua capacidade de pensar, ter suas próprias idéias, sua educação deve ser no sentido de que valorizem o que pensam sobre si mesmas e sobre todas as idéias, incluindo as dos adultos. 4.4.3 – Os Eixos de trabalho definidos em Diadema Na primeira versão da Proposta Curricular para as Escolas Municipais a Secretaria de Educação organizou o documento buscando garantir um fio condutor, sem abdicar das singularidades e possibilidades pessoais e profissionais de cada um e de cada escola. Este documento é resultado e tem orientado o trabalho dos profissionais da educação infantil de Diadema. Esse fio condutor conforma/articula sete eixos de trabalho que devem estar presentes nas práticas cotidianas dos professores e da escola como um todo. Esta construção visa à formação das crianças, dos profissionais, das famílias e comunidade, voltada ao desenvolvimento de posturas saudáveis e éticas diante da vida. Vejamos como cada eixo pode se concretizar nas práticas pedagógicas e sociais. O eixo 1, denominado Dignidade e Humanismo, alerta para as questões relacionadas à diversidade racial, de gênero, sexualidade, prevenção de doenças e do abuso de drogas. Quais objetivos e práticas se pode estabelecer para a educação infantil, dentro desse eixo? A proposta é objetivar o desenvolvimento da autonomia (e responsabilidade), da cooperação, Atenção! Uma necessidade percebida nas pré-escolas de atendimento parcial atualmente é a de oferecer tempos e espaços de brincadeira e de repouso para as crianças, conforme o horário que freqüentam, pois, professores constatam que, nas demais vivências sociais elas não têm essas oportunidades. Você sabia? A brincadeira é considerada uma atividade espontânea e universal, pois é verificada em todos os tempos, culturas e idades. Entretanto, as pessoas não nascem já sabendo brincar. Elas precisam ser ensinadas sobre os conteúdos das brincadeiras e como participar. O ensino e a transmissão de brincadeiras tradicionais fazem parte da cultura de um povo. Infelizmente as crianças da nossa sociedade estão perdendo os espaços de brincadeiras. Por isso, também, a grande importância de se dedicar muitos momentos a elas nas escolas. Você sabia? Segundo Piaget, há dois tipos de relacionamento adulto-criança: um que promove o desenvolvimento infantil e outro que o retarda. O primeiro tipo de relacionamento adulto-criança é de coerção ou controle, no qual o adulto prescreve o que a criança deve fazer oferecendo regras prontas e instruções para o comportamento. Este tipo reforça a tendência da criança a depender do controle de outros. Um segundo tipo de relacionamento, se caracteriza por respeito e cooperação mútuos. Neste tipo, o professor considera o ponto de vista da criança e a encoraja a considerar o ponto de vista de outros. Educação Infantil 24 Proposta Curricular • 2008 25 dos limites (respeito ao outro e a si próprio) e bons hábitos de cuidados. As noções de raça, gênero, sexualidade e prevenção de doenças ou abuso de drogas são construídas desde muito cedo. Os processos educativos, formais ou não, vão imprimindo nos sujeitos as tendências culturais e sociais características de cada grupo e época. Neste sentido, é importante que os profissionais da educação infantil conscientizem-se que suas ações sobre as aprendizagens das crianças pequenas fazem parte dessa dinâmica. É importante que a intencionalidade da ação pedagógica esteja em sintonia com as demandas familiares e com o compromisso da instituição escolar na construção de uma sociedade justa e livre de preconceitos. Os processos de avaliação e a observação sistemática e minuciosa podem auxiliar no acompanhamento dessas aprendizagens, assim como avaliar se as propostas estão conduzindo aos objetivos propostos. Por exemplo: existe diferença de atitude na forma como brincam com meninos e meninas; brancos, negros, mestiços e outros? Existe diferença na postura com que se relacionam com os pais dessas crianças? O eixo 2, denominado Cultura alerta para as práticas que são construídas historicamente e, por vezes, confundidas com práticas universais do ser humano. Atualmente convivemos numa sociedade multi cultural e, partindo do princípio da democratização do ensino, não seria adequado valorizar mais ou menos qualquer uma delas. Neste sentido, a escola teria o objetivo de levar ao acesso das crianças o conhecimento de todas as culturas existentes no seu interior, compactuando com o primeiro eixo. Esse eixo nos remete também, e necessariamente, ao reconhecimento da criança como portadora e produtora de cultura e que, deve ter seus ambientes de aprendizagens organizados de modo que possa criar e se manifestar por meio de diferentes linguagens. Cada profissional da educação pratica sua cultura na vida pessoal, porém, no atendimento público e profissional, especialmente de educação às crianças pequenas, deve reservar-se às atitudes de investigação, compreensão e respeito. Seus planejamentos e práticas não devem incluir valoração sobre quaisquer crenças ou ideologias, permitindo às crianças apenas conhecer a diversidade das mesmas. Cabe à família a formação desses valores e crenças. Por isso, por exemplo, a instituição pública precisa ser laica no seu atendimento. É preciso que esses pressupostos sejam esclarecidos aos pais, o que pode ocorrer em diferentes momentos, inclusive na realização de festas culturais e outros eventos promovidos pela escola. Considerando o excesso de consumismo por parte das pessoas em geral e as relações de poder entre ricos e pobres, muitas vezes reproduzidas nas práticascotidianas das escolas, ganha relevância o trabalho pedagógico que paute novas condutas e atitudes voltadas ao consumo responsável e à justiça social. Talvez as instituições de educação infantil possam germinar uma nova perspectiva cultural de modo a favorecer com que as crianças aprendam desde cedo a se relacionar com autonomia frente às demandas da mídia e da sociedade de consumo. O eixo 3, denominado Democratização da Gestão congrega os eixos anteriores propondo uma forma de funcionamento das escolas em que todos tenham voz e poder de sugestão. Dirigentes, funcionários, crianças e famílias podem participar do processo de construção do projeto pedagógico da escola. Por isso ele se chama político. Político no sentido de coordenar diferentes forças, saberes, valores e crenças. Político no sentido de estimular a inserção dos diferentes e a participação e cooperação de todos. Político no sentido democrático de promover a autonomia e respeito pelas opiniões negros e brancos, pobres e ricos. Político no sentido de promover a integração da escola com todos os seus participantes e a comunidade. A escola pode ser um pólo de conflitos e para o aprendizado do respeito aos interesses diversos, gerando oportunidades de discussões onde todos possam falar e ouvir. Nas trocas de experiências dentro da escola todos poderão ter oportunidades de aprender mais sobre direitos e deveres, limites, estética, competitividade e solidariedade, dentre outros. Desde que a escola se empenhe a realizar encontros de pessoas, estas terão oportunidades de se desenvolver através da sua expressão, reflexão e conclusões a respeito dos assuntos pautados. Pressupõe, portanto, uma gestão que dê voz às crianças, recuperando e favorecendo o protagonismo infantil nos ambientes educativos, escolares ou não. O eixo 4, denominado Formação de Formadores revela a valorização da rede sobre a formação continuada dos professores, os quais são responsáveis pela formação das crianças. Investindo fortemente nessa formação, a rede promove a prática reflexiva desses profissionais, construindo um ambiente de aprendizagem significativa tanto para eles quanto às crianças e aos pais. É necessário que cada escola planeje oportunidades para que seus “formadores” conheçam e dominem a legislação vigente e as discussões atuais. Além disso, todo o país precisa de profissionais que se empenhem numa melhor compreensão sobre a criança e na construção de uma pedagogia para a infância que atenda suas reais necessidades e competências, superando preconceitos e aproximando suas práticas de uma proposta que combata as discriminações. O eixo 5, denominado As Diferentes Linguagens orienta a definição de objetivos educacionais voltados não só aos aspectos cognitivos do trabalho com a criança, mas também ao desenvolvimento da sua expressividade corporal e artística para as relações afetivas, sociais e consigo própria. Implica ainda, na aprendizagem de olhar e escutar o outro nas diferentes experiências da vida. Na medida em que o professor promove a apropriação das diferentes linguagens presentes na sociedade pelas crianças, está promovendo, também, a apropriação da(s) cultura(s) existente(s) em seu meio, desenvolvendo assim as suas competências para se relacionar com ela(s), aprender e realizar seus intentos. Cada criança tem um jeito todo seu de aprender. Algumas se expandem com a dança, já outras colocam toda sua criatividade, e por que não dizer raciocínio, nas atividades de artes plásticas; outras ainda, preferem encenar e colocar sua capacidade de representação em evidência. Dessa forma, seja através da linguagem escrita, oral, matemática ou artística, o essencial é que a criança tenha diferentes possibilidades de vivenciar as diferentes linguagens disponíveis ao ser humano e das quais também são portadoras. Nos ambientes educativos a apropriação da língua e da matemática ainda é considerada extremamente relevante, pois estes representam instrumentos para novas conquistas, novas aprendizagens. Porém, não se deve esquecer, especialmente na educação infantil, que o processo de letramento ocorre na nossa sociedade independente da ação do professor. Vivemos numa sociedade letrada e sabemos que as crianças estão inseridas nela, convivendo com vários formatos de língua escrita, e esse aspecto deve ser levado em conta no planejamento pedagógico. Ou seja, as propostas mais interessantes que o professor pode levar às crianças são aquelas que partem dos conhecimentos que elas já trazem de fora da escola, acrescentam novidades e apresentam possibilidade de respostas às suas curiosidades. Atualmente é considerado um desmerecimento à competência da criança reduzir o letramento ao ensino e aprendizagem do sistema de escrita ao ensino das letras e sílabas sem a junção de um significado real para a sua vida. Seu nome e os nomes de tantas pessoas e objetos próximos a ela serão de grande interesse, bem como o conhecimento dos diferentes gêneros textuais e seus usos. Ainda no trabalho com as linguagens, o professor terá muitas oportunidades de desenvolver com as crianças (e consigo próprio) noções éticas e de estética – o que é aprovado socialmente, o que dá gosto e prazer. Essas noções são aprendidas pela criança principalmente ao observar as condutas dos adultos. Ela pode não compreender as complexas reflexões e implicações da ética e da estética no trabalho do professor, mas será diretamente atingida por elas. O eixo 6, denominado Meio Ambiente atenta para o desenvolvimento de princípios e valores, tão necessários atualmente, voltados à preservação da natureza, à qualidade de vida, ao uso responsável dos recursos naturais, à organização social para o tratamento do lixo. O desenvolvimento desses princípios e valores requer do professor uma ampla compreensão das determinações políticas, econômicas e históricas, locais e globais, sobre os Destaque! É importante lembrar que a Lei 10.639/2003 estabelece Diretrizes Nacionais para Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro – Brasileira e Africana no Currículo Escolar. Educação Infantil 26 Proposta Curricular • 2008 27 problemas atuais como a poluição, o desmatamento, as aglomerações de domicílios e automóveis, os alimentos, aquecimento global, os fenômenos meteorológicos, dentre outros. O que a educação infantil pode fazer diante desses problemas? Estas questões podem estar presentes nas decisões sobre a organização do ambiente da própria escola, que é exemplo e modelo para a criança sobre como viver. Além disso, a escola pode gerar estratégias para desenvolver hábitos junto com os adultos e as crianças, além de despertar-lhes a curiosidade e atenção para com essas questões através de projetos pedagógicos. O eixo 7, denominado Educar/Cuidar resgata um princípio que ficou relativamente esquecido ou desvalorizado durante um período da história da educação.Durante muito tempo, cuidar significou apenas dar conta dos aspectos voltados para as questões de higiene e alimentação. Este eixo existe para relembrar aos professores que educar e cuidar são duas dimensões inseparáveis de uma mesma ação. Importante é estabelecer objetivos, lembrando que a escola não tem apenas a função de transmitir conteúdos. Sua função envolve o ensino de práticas e a formação de valores, considerando as crianças em suas necessidades não só as cognitivas, mas também as afetivas, as sociais e as biológicas. Neste sentido, todas as atividades realizadas com as crianças, desde o momento em que elas chegam à escola até a sua saída, são pedagógicas. O professor educa, ensina e forma nos horários de refeição, higiene, descanso e de brincadeiras. Em todas elas a atenção aos cuidados para com as necessidades das criançase seus familiares deve estar presente. Da mesma forma, a organização dos espaços e tempos na educação infantil, o ensino de um conteúdo novo, ou a organização de uma investigação demonstra o cuidado com que a atividade foi programada. 4.4.4 – Os objetivos de aprendizagem Ao se propor a organização do currículo para a infância, em Diadema, os profissionais da Educação têm realizado o esforço na definição dos objetivos de aprendizagem que precisam ser garantidos ao longo do percurso escolar das crianças. Este processo tem-se pautado na sistematização das experiências curriculares e na elaboração de propostas que viabilizem o desenvolvimento integral da infância. A matriz curricular de referência3 é o instrumento que reúne as informações (“o que se aprende”), apresentando de maneira articulada, as aprendizagens por Eixos Temáticos, Áreas do Conhecimento e Faixas Etárias, do percurso de escolarização. É importante destacar que esse esforço de sistematização reflete a intencionalidade do ato educativo, e, portanto deve ser permanentemente revisto e atualizado em consonância às demandas apresentadas pelos contextos que definem a proposta educacional. A matriz elaborada ao longo de 2006-2007 é o retrato da reflexão e do trabalho realizado pelo coletivo de educadores comprometidos com rumos mais inovadores para a educação infantil. 4.4.5 – A organização dos tempos e dos espaços Além da definição de objetivos de aprendizagem, outra questão importante nos processos de reorientação curricular tem sido a reflexão em torno da organização dos tempos e espaços de aprendizagem. Na linha da inovação é imprescindível que se considere também o “quando” e o “onde” as aprendizagens ocorrem. Acredita-se que, além da adequação, a diversificação impacta positivamente os processos educativos. O formar os educadores para que estejam atentos a esses aspectos ao construírem suas propostas pedagógicas, assim como a criação de bons projetos político-pedagógicos nas unidades escolares são procedimentos que favorecem esse processo de construção curricular. Vejamos a seguir, algumas especificidades e rotinas significativas do percurso escolar na Educação Infantil. O acolhimento A começar pelo processo de adaptação das crianças que vão ingressar na unidade, é certo que algumas regras precisam ser estabelecidas para que se mantenha o bom atendimento às crianças já freqüentes. Essas regras precisam ser informadas às famílias novas e há necessidade de sensibilizá- las para a busca de uma solução em relação às suas necessidades, que compactuem com as necessidades das crianças já presentes, bem como em relação à atenção necessária para com seu(s) filho(s) nessa fase inicial de convivência na educação infantil. Dentro da maior flexibilidade possível, é preciso deixar claro às famílias novas os limites4 da instituição. A fase de adaptação envolve dois grandes desafios para a criança pequena: enfrentar um ambiente desconhecido e separar-se da figura de vínculo afetivo seguro, em geral, a mãe. Se quisermos ajudar a criança no enfrentamento desses desafios e acolhê-la, precisamos fazer o possível para que a família compreenda esses desafios e colabore para o enfrentamento dessa fase crítica, acolhendo-a quanto às suas dificuldades. Além disso, é preciso ter claro que essa adaptação não é só da criança e da família, mas dos profissionais da unidade e das demais crianças, também. Todo planejamento possível para o professor receber um bebê ou criança nova é bem vindo; desde obter informações prévias, agendar horários e visitas, preparar o ambiente e até pensar em formas de se apresentar à família e à criança, antes mesmo de passar a conviver com ela. Para que o processo de adaptação de todos seja mais bem sucedido, é necessário algum tempo de maior proximidade entre o professor e a família até que muitas informações e detalhes sejam trocados e que se estabeleça um vínculo de confiança entre esses adultos e a própria criança. Esse tempo pode variar conforme a família, a criança e as possibilidades de acolhimento da instituição. É comum neste período a criança manifestar diferentes tipos de rejeição à nova situação e, como caso extremo, adoecer. É nesse período, também que pode ocorrer desistência de matrículas. Independente dos motivos alegados pelas famílias para a desistência, esta pode estar revelando que a instituição não está conseguindo acolher as crianças e famílias novas de maneira satisfatória. Aqui em Diadema, quando as crianças iniciam, o tempo de permanência é ampliado gradativamente e varia de acordo com cada criança e as possibilidades de sua família. Não há um período igual de adaptação para todas as crianças. Considera-se o tempo de cada uma e considera-se que esta adaptação é também para as famílias e para as (os) professoras(es). Passado o período de adaptação, para o bebê de zero a um ano sabemos que a conquista da autonomia pode se dar por meio do paulatino controle de ações simples, tais como pegar objetos, sustentar o próprio corpo, andar e alternar turnos curtos de interação. Turnos de interação podem ser exemplificados de várias maneiras: ouvir uma pergunta e responder, imitar o que um outro está fazendo, rir de uma piada, entrar numa brincadeira de pega-pega. O bebê, embora ainda não saiba falar, aprende rapidamente a alternar suas ações e expressões tais como dar tchau, mandar beijo, ou esconder e achar. Além das interações com adultos ele também consegue estabelecer interações com outros bebês, por exemplo, entregando e pegando de volta um objeto por várias vezes, batendo as Destaque! Ao final do percurso da Educação Infantil, espera-se que as crianças sejam capazes de: • Ter hábitos de cuidado com a própria saúde; • Ser organizado e ter cuidado com pertences e espaços de convívio; • Expressar suas idéias, sentimentos e desejos; • Articular seu ponto de vista e interesses nos grupos de convívio; • Ter atitudes de colaboração e solidariedade; • Respeitar as regras de convívio social; • Brincar e expressar emoções; • Ter apreço pela leitura e expressões artísticas; • Conhecer e se expressar por meio de diferentes linguagens; • Reconhecer na leitura e escrita a possibilidade de se comunicar. 4 Limite aqui entendido como a capacidade máxima de flexibilizar as regras, horários e, principalmente, concepções sobre as quais a instituição credita seu trabalho para oferecer um bom atendimento e uma boa educação.3 Anexo (!) Educação Infantil 28 Proposta Curricular • 2008 29 mãos em alternância ou simultaneamente, ou mesmo com sons e expressões faciais. Nesta idade, o planejamento de uma rotina que garanta o bem estar e a satisfação das necessidades biológicas, bem como a variação de objetos, sons e ambientes para exploração, e a possibilidade de interação com crianças e adultos de diferentes faixas etárias serão as tarefas do educador. Suas ações de organização do ambiente, a modulação de sua voz e disposição afetiva serão modelos para a visão de mundo e de si mesmo que o bebê está construindo. Mais ou menos a partir de um ano de idade até por volta dos três anos esse bebê necessita exercitar as conquistas motoras e o aprendizado da linguagem verbal, enquanto continua construindo conhecimentos sobre o meio (pessoas, objetos, espaços e tempos) ao seu redor e sobre si (construção da identidade). É tempo de continuar suas explorações e sua autonomia progride com a conquista do controle de esfíncteres, de comer sozinho, manifestar suas vontades por meio da linguagem verbal, locomover-se, lavar as mãos, tirar as roupas e outros. Mas ele continua extremamente dependente dos vínculos afetivos com algumas pessoas especiais. Por isso pode demonstrar muitas capacidades na presença dessas pessoas e nenhumana sua ausência. Foi-se o tempo, por exemplo, em que crianças, por volta de dois anos, eram alimentadas pelas mãos do adulto, que misturava todos os alimentos formando uma papa. Hoje acreditamos que essas crianças já têm autonomia suficiente para discriminar os alimentos e escolher o que querem comer sozinhas, com uma pequena ajuda e sem imposições. Um pouco mais tarde terão condições de fazer seus próprios pratos e alimentar-se, como uma atividade que lhes propicia a satisfação biológica, afetiva, cognitiva e social. É através do apoio afetivo constante do educador e de seus familiares que as crianças se apropriam das práticas aceitas em sua cultura, por meio de propostas lúdicas e diversificadas de ações voltadas ao aprendizado sobre tudo o que existe em seu meio. O desenvolvimento dos afetos e da moral ocorre de forma não discriminada na criança pequena. As atitudes dos adultos deixam marcas profundas na sua visão de mundo e de si mesma. Por isso a necessidade dos professores refletirem profundamente sobre a ética de suas atitudes e desenvolverem essa ética com as crianças desde a mais tenra idade. Os “nãos”, tanto das crianças quanto dos adultos, bem como as barganhas, chantagens, lições de moral e negações afetivas usadas para se obter um determinado comportamento podem ser evitados com criatividade e, ainda assim, promover o respeito e a superação dos limites de cada um. Uma questão especialmente importante na organização do cotidiano das instituições de educação infantil, especificamente nas creches, se refere ao repouso das crianças, e que também está intimamente relacionada a considerações éticas. A primeira consideração a se fazer é se a organização dos momentos de repouso atende às necessidades das crianças ou às dos adultos. As crianças são mais maleáveis (e menos poderosas) do que os adultos e, por isso, acabam se submetendo a rotinas que podem não estar correspondendo às suas reais necessidades. Também é preciso identificar as diferenças entre a necessidade de um repouso (descanso) e de sono. Cabe ao coletivo de cada escola planejar esse horário, organizando os espaços para as crianças que querem dormir e para aquelas que não o querem. Como sugestão para estas últimas, propomos atividades mais tranqüilas, como por exemplo leitura de histórias e manuseio de livros, rodas de conversa, construção com argila, jogos de mesa, etc. A partir dos três anos a criança já domina muitos aspectos relacionados à organização e práticas de seu meio social e físico. Porém, tem dificuldades para discriminar a realidade da fantasia. Ela oscila constantemente entre uma e outra, embora pareça reconhecer quando uma situação é “séria” e quando pode brincar. Se nos colocarmos no lugar da criança pequena, veremos que na maior parte do tempo de seu dia, quem determina o que ela vai fazer é o adulto. Nos poucos espaços de tempo que ela tem para decidir o que fazer, ela brinca. Nas concepções de senso comum dos adultos, a brincadeira não é coisa séria. Mas os profissionais da educação precisam identificar a seriedade para a criança, das situações em que se envolve nas brincadeiras. Brincar nem sempre é prazeroso, pode representar grandes desafios e influencia fortemente a construção de sua identidade, assim como promove aprendizados variados. A partir dos quatro anos, além do apoio afetivo constante, a criança quer, mais do que Foco de atenção! Projetos pedagógicos para bebês precisam ser construídos, da mesma forma que para as demais faixas etárias, baseados nas suas necessidades e capacidades. Desde essa tenra idade podemos ampliar as experimentações dos bebês com as texturas, cheiros, sons, temperaturas e contatos com outras idades diversas. Com isso, os projetos mais adequados são aqueles voltados às variações do ambiente e às oportunidades de contato que se oferece aos bebês com outras crianças, adultos e pessoas idosas, bem como às possibilidades desses bebês participarem de eventos tais como passeios, teatros, visitas a outras salas da unidade etc. Mais freqüente do que para outras idades, a participação dos pais é necessária na realização desses projetos, contribuindo com sugestões, eleição do nome da turma, empréstimos de materiais de sua cultura, fotos etc. Práticas do cotidiano como alimentação, troca, banho de sol, repouso e visitas diárias dos familiares devem estar incluídas no planejamento das atividades permanentes ou seqüenciadas. Foco de atenção! A unidade educacional precisa estar atenta ao momento das refeições como atividade de cuidar / educar. Neste sentido, organizar self service para as crianças a partir de três anos, com a ajuda dos professores, além de organizar cardápios variados e atrativos, em harmonia com atividades pedagógicas voltadas a investigações diversas sobre alimentos, só beneficiarão o aprendizado e ampliação do repertório alimentar das crianças. Na rede municipal de Diadema, há escolas que aperfeiçoaram o modo de servir as refeições dispondo travessas nas mesas para as crianças se servirem. Até o final de 2008 é meta da Secretaria de Educação de Diadema que todas as escolas Municipais organizem as refeições em self service. Esta organização permite maior socialização, pois torna a atividade menos mecanizada, evitando filas. Ela resgata, também, uma prática mais próxima da familiar e menos institucionalizada. Dica! Sobre as questões relacionadas à ética e a limites, veja o livro de Ives de La Taille, chamado Limites: Três Dimensões Educacionais (ed. Ática, SP, 1998) e de Rheta De Vries e Betty Zan, chamado Ética na Educação Infantil (Artmed, Porto Alegre, 1998). Nessa idade é importante entender as manifestações de oposição das crianças como parte do seu processo de construção da identidade. Quanto a isso, o livro de WEREBE, M.J.G. & NADEL-BRULFERT, J. (1986) (orgs.) Psicologia - Henri Wallon. S. P., Ed. Ática, pode ajudar. Você sabia! Estudos sobre cronobiologia apontam que, dentre as variações individuais, crianças a partir dos três ou quatro anos não necessitam mais de um horário para dormir durante o dia. Para saber mais a respeito é possível encontrar na internet as pesquisas de Menna Barreto. Educação Infantil 30 Proposta Curricular • 2008 31 nunca, a aprovação dos adultos. Sente uma grande curiosidade sobre o mundo deles, quer sua admiração, quer ser encarada como igual e busca exibir tudo o que é capaz, o que parece ao olhar desses adultos, muitas vezes, apenas exibicionismo. Suas conquistas cognitivas, motoras, emocionais e sociais permitem que ela planeje de forma mais complexa as condições necessárias à realização de seus intentos. Podemos perceber que bebês e crianças maiores elaboram “projetos”, entendidos como seqüências de ações voltadas a certo objetivo. Quanto mais as crianças crescem, mais complexas se tornam suas atividades (seqüências de ações), voltadas a uma determinada intenção, pois elas passam a dominar cada vez mais o resultado das mesmas. Infelizmente, na maioria das instituições de educação infantil, vemos poucas oportunidades oferecidas às crianças para a realização de seus projetos. Geralmente os projetos são idealizados pelos adultos que, numa intenção pedagógica equivocada, determinam a todo um grupo de crianças o que devem fazer. O “caso” acima reflete aquilo que chamamos de condutas adulto-centradas. Na Educação Infantil tem se construído propostas muito diferentes disso, onde o professor coordena um grupo de crianças apenas quando identifica um interesse comum por parte delas, programando um tempo determinado para isso. Porém, dedica uma grande parte do tempo para oferecer oportunidades diversificadas de ações, criando espaços e ambientes de múltiplas escolhas (Edwards, Gandini & Formam, 1999). Como já comentado anteriormente, o modelo escolar vigente
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