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O autoconhecimento sobre como se aprende empodera o aluno. É uma característica-chave da aprendizagem autorregulada, perspectiva teórica reconhecida por educadores e pesquisadores como muito promissora para o aprendizado de qualidade Evely Boruchovitch 32 neurOeducaçãO capa Ensinar a “aprender a aprender” Nos dias de hoje, torna-se cada vez mais relevante e necessário desenvolver nos estudantes, desde o início da escolarização formal, a capacidade para aprender a aprender. Mais do que serem capazes de memorizar fatos, é fundamental que os alunos aprendam como eles apren- dem, isto é, possuam conhecimento acerca dos processos psi- cológicos inerentes à própria aprendizagem. Conhecer como se aprende empodera o aluno. É uma característica-chave da apren- dizagem autorregulada, perspectiva teórica que vem sendo reco- nhecida por educadores e pesquisadores como muito promissora na promoção da aprendizagem de qualidade. Inúmeros fatores contribuem para a aprendizagem autorregulada. A efetiva utiliza- ção pelos alunos de estratégias de aprendizagem é um deles. 33neurOeducaçãO 34 neuroeducação ao alcance das metas: ajustar a ve- locidade da leitura, buscar outra es- tratégia mais eficiente, reler, revisar. Dembo, com base no psicólogo do desenvolvimento John Flavell, cria- dor do conceito de metacognição, destaca ainda que a metacognição abarca o conhecimento do estudante de si mesmo (preferências pessoais, pontos fortes e fracos, interesses e hábitos), o conhecimento da tarefa (dificuldades e exigências da tare- fa acadêmica) e o conhecimento de estratégias de aprendizagem (quais, quando, por que e como utilizá-las). Os pesquisadores Claire Ellen Weinstein e Taylor Acee ressaltam que há evidências de que estratégias de aprendizagem podem ser ensi- nadas aos alunos durante os anos escolares. Isso inaugura novas fren- tes para a potencialização da apren- dizagem, permitindo aos estudantes ultrapassar dificuldades pessoais e ambientais de forma a obter êxito. Pensando nos sérios problemas edu- cacionais brasileiros e não desme- recendo sua enorme complexidade, defendo que o ensino de estratégias de aprendizagem é muito promis- sor para fortalecer a capacidade de aprender a aprender e melhorar o rendimento escolar e acadêmico. Gera mudanças internas e empo- dera os estudantes, aumentando a sua crença na própria capacidade de aprender. Weinstein e Acee acredi- tam que é possível ensinar a todos os alunos a expandir notas de aulas, a sublinhar pontos importantes de um como pela escrita o material a ser aprendido (falar em voz alta, escre- ver várias vezes uma informação para memorizá-la). As estratégias de elaboração requerem o estabele- cimento de conexões entre o mate- rial novo a ser aprendido e o antigo e familiar (reescrever, resumir, criar analogias, tomar notas que vão além da simples repetição). As estratégias de organização referem-se à impo- sição de estrutura ao material a ser aprendido, seja subdividindo-o em partes, seja identificando relações subordinadas ou superordinadas (dividir um texto em tópicos, criar rede de conceitos, elaborar diagra- mas com relações entre conceitos). Existem também três tipos prin- cipais de estratégias metacogni- tivas, de acordo com Dembo: de planejamento, monitoramento e regulação. As estratégias de plane- jamento dizem respeito ao estabele- cimento de metas para o estudo. As estratégias de monitoramento en- volvem, entre outros aspectos, a ca- pacidade de percepção e conscienti- zação sobre a própria compreensão, atenção e estados afetivos em dado momento, de forma que providên- cias possam ser tomadas: autoques- tionamentos durante o estudo para verificar se entendeu; acompanhar o progresso de metas estabelecidas. Já as estratégias de regulação têm como finalidade ajudar os estu- dantes a fazer ajustes em suas ações, sempre que as empreendidas se reve- larem insuficientes ou inadequadas 34 neurOeducaçãO A psicologia cognitiva, baseada na teoria do processamento da in- formação, de acordo com o psicó- logo Robert Sternberg, preocupa-se em elucidar como os seres humanos adquirem, armazenam e utilizam as informações. Para os pesquisadores John Nisbett, Janet Schucksmith e Juan Ignacio Pozo, as estratégias de aprendizagem são um conjun- to sequenciado de procedimentos que podem facilitar e apoiar cada uma das etapas do processamento da informação: sua aquisição, seu armazenamento e sua utilização. Existem vários tipos de estratégias de aprendizagem e diversas formas de classificá-las. Entretanto, alguns estudiosos optaram por dividi-las em dois grandes grupos: estratégias cognitivas e metacognitivas. Segun- do Myron Dembo, da Universida- de Southern California, enquanto as estratégias cognitivas se referem a comportamentos e pensamen- tos que influenciam o processo de aprendizagem de maneira que a informação possa ser armazenada mais eficientemente, as metacogni- tivas são procedimentos que o indi- víduo usa para planejar, monitorar e regular o próprio pensamento. COGNIÇÃO E METACOGNIÇÃO Em linhas mais gerais, pode-se dizer que existem três principais ti- pos de estratégias cognitivas: de ensaio, elaboração e organização. As estratégias de ensaio envolvem repetir ativamente tanto pela fala Estimular a capacidade de autorreflexão nos alunos tem sido uma forma importante de levá-los à mudança de comportamento 35neuroeducação capa 35neurOeducaçãO texto, a monitorar a compreensão na hora da leitura, a usar técnicas de memorização, a fazer resumos, entre outras estratégias. FORTALECENDO A AUTORREGULAÇÃO Para John Hattie, diretor do Ins- tituto de Pesquisa Educacional da Universidade de Melbourne, existem várias possibilidades de intervir e ensinar estratégias de aprendizagem. Pode-se trabalhar separada ou con- juntamente as cognitivas (sublinhar, anotar, fazer mapas conceituais) e as metacognitivas (planejar, moni- torar e regular), cabendo nestas úl- timas também a inclusão do ensino de estratégias afetivas que ajudem o estudante a modificar e a eliminar estados internos não facilitadores da aprendizagem. Nesse sentido, atividades orientadas ao progresso cognitivo, ao desenvolvimento me- tacognitivo, à promoção e à manu- tenção de um estado interno satis- fatório para a aprendizagem podem ser utilizadas de forma combinada. Um argumento forte a favor des- sa combinação diz respeito ao fato de que não basta o aluno conhecer as estratégias de aprendizagem, porque o conhecimento sozinho não resul- tará em sua utilização. Para usá-las, os alunos precisam de um metaco- nhecimento sobre quando e quais devem ser usadas. Também só se motivarão a se engajar em compor- tamentos estratégicos, ao se sen- tirem capazes de realizar as tarefas com sucesso. É essencial um traba- lho simultâneo nas variáveis afetivo- motivacionais-chave de apoio à utili- zação dessas estratégias. Ademais, é possível trabalhar as diversas estratégias em discipli- nas específicas (infusão curricular) ou por meio de cursos isolados. O Estratégias de aprendizagem Podem ser divididas em dois grandes grupos: estratégias cognitivas e metacognitivas. As cognitivas referem-se a comportamentos e pensamentos que influenciam o processo de aprendizagem de maneira que a informação possa ser armazenada mais eficientemente. As metacognitivas são procedimentos para planejar, monitorar e regular o próprio pensamento. Cognitivas 1 Ensaio Repetição ativa por escrito ou pela fala Ex.: falar em voz alta, escrever várias vezes uma informação para memorizá-la 2 Elaboração Estabelecimento de conexão entre os novos aprendizados e os já consolidados Ex.: reescrever, resumir, criar analogias, tomar notas 3 Organização Estruturação do material a ser aprendido Ex.: dividir um texto em tópicos, criar rede de conceitos, elaborar diagramas com relações entre conceitos Metacognitivas 1 Planejamento Estabelecimento de metas para o estudo 2 Monitoramento Percepção econscientização sobre a própria compreensão, atenção e estados afetivos, de forma a possibilitar que providências sejam tomadas Ex.: questionar-se durante o estudo para verificar se entendeu; perceber que está desatento; acompanhar o progresso de metas estabelecidas 3 Autorregulação Ajudar os estudantes a rever e ajustar ações insuficientes ou inadequadas ao alcance das metas Ex.: ajustar a velocidade da leitura, buscar outra estratégia mais eficiente, reler, revisar; afastar distratores; retomar a atenção e o foco 36 neuroeducação ideal seria que todas as escolas tives- sem como proposta o trabalhos com as estratégias de aprendizagem nos seus projetos político-pedagógicos. Certamente, isso contribuiria para o enfoque preventivo de muitos pro- blemas de aprendizagem. Dembo, Weinstein, Acee e mui- tos outros pesquisadores mencio- nam que podem até existir formas mais ou menos eficientes de intervir, dependendo da estratégia e/ou do ano escolar, mas convergem quanto aos resultados predominantemente positivos nas diferentes formas de intervir. Uma questão importante que vem sendo debatida na literatura da área é a partir de quando crianças podem se beneficiar das instruções em estratégias em aprendizagem. Segundo Juan Ignacio Pozo e outros pesquisadores, a partir do primeiro ano do ensino fundamental. Para Sara Schmidt, da Universidade Pur- due, em Indiana, crianças pré-esco- lares têm habilidades metacogniti- vas já desenvolvidas, embora mais frágeis quando comparadas às de crianças mais velhas. Fomentar nos alunos a capaci- dade de autorreflexão tem sido uma forma importante de levá-los à mu- dança de comportamento e se cons- tituído no cerne de algumas propos- tas educativas. Para Judi Randi, da Universidade de New Haven, pro- fessores e alunos se beneficiariam ao fazer parte de uma comunidade reflexiva na qual os indivíduos exa- minassem a própria aprendizagem. Instrumentos que favoreçam o de- senvolvimento metacognitivo e a tomada de consciência, como a au- toanálise das estratégias, os dialógos coletivos, os portfólios, os ciclos de reflexão, têm se mostrado frutíferos no fortalecimento dos processos de aprender a aprender e são atividades que podem ser introduzidas, grada- tivamente, desde cedo durante a es- colarização. Um dos problemas que enfren- tamos no Brasil, entretanto, é que o conteúdo programático referente às estratégias de aprendizagem se encontra muito pouco presente nos cursos de formação de professores. Dembo e Randi destacam que os A AUTORA Evely Boruchovitch é doutora em educação pela Universidade Southern Califor- nia. Professora titular do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro do Ge- pesp-unicamp. Bolsista de Produtividade do CNPq. LEitURAS SUGERiDAS BORUCHOVitCH, E. A psicologia cognitiva e a metacognição: novas perspec- tivas para o fracasso escolar brasileiro. Tecnologia Educacional, 22 (110/111), p. 22-28, 1993. BORUCHOVitCH, E. As estratégias de aprendizagem e o desempenho esco- lar de crianças brasileiras: considerações para a prática educacional. Psicolo- gia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 361-376, 1999. DEMBO, M. H. Applying educational psychology. 5 ed.. New York: Longman, 1994. FLAVELL, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitive- developmental inquiry. American Psychologist, 34, 906-911 HAttiE, J.; BiGGS, J.; PURDiER, N. Effects of learning skills interventions on students: a meta analysis. Review of Educational Research, Washington, v. 66, n. 2, p. 99-136, 1996. NiSBEt, J., SHUCKSMitH, J. Learning strategies. London: Routledge and Ke- agan Paul, 1986. POZO, J. i. (1996). Estratégias de aprendizagem. in: COLL, C.; PALÁCiOS J.; MARCHESi, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 176-197. RANDi, J. (2004). teachers as self-regulated learners. Teachers College Re- cord, 10, p. 1825-1853. SCHMitt, S. A.; McClelland, M. M.; tOMiNEY, S. L.; ACROCK, A. C.. Streng- thening school readiness for head start children: evaluation of a self-regula- tion intervention. Early Childhood Quaterly , n. 30, p.20-31, 2015. StERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. WEiNStEiN, C. E.; ACEE, t. W. (2013). Helping college students become more strategic and self-regulated learning. in: BEMBENUttY, H.; CLEARY, t. J.; KitSANtAS, A. (Eds.). Applications of self-regulated learning across di- verse disciplines: a tribute to Barry J. Zimmerman. Charlotte, N.C.: informa- tion Age Publishing. p. 197-236. professores precisam primeiro ser alunos estratégicos e conhecer as es- tratégias de aprendizagem para que possam ensiná-las aos seus alunos. Defendo que esse é um desafio que temos de abraçar. Há que investir esforços na formação de professores com essas qualidades. Eles precisam de espaços sistemáticos para autor- reflexão sobre como aprendem du- rante a sua formação. w capa
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