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Prof. Emílio Figueira TEOLOGIA DA INCLUSÃO A TRAJETÓRIA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO Considerando ser uma obra de cunho e importância social que pode beneficiar muitas pessoas nos meios religiosos e na sociedade em geral, por vontade do autor, esta versão digital passa a ser distribuída gratuitamente para todas as pessoas interessadas, independente de qual seja a dominação religiosa. É livre o seu uso para estudos, preparações de materiais religiosos e estudos teológicos, desde que citada a fonte. 1 EMÍLIO FIGUEIRA Doutor em Teologia Histórica pelo Instituto de Ensino Teológico de São Paulo TEOLOGIA DA INCLUSÃO: A trajetória das pessoas com deficiência na história do Cristianismo FIGUEIRA DIGITAL SÃO PAULO 2015 2 Edição e capa: Emilio Figueira Revisão: ANA SESSO REVISÃO LTDA. www.anasessorevisao.com.br FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL AGÊNCIA BRASILEIRA DE ISBN © 2015– Emílio Carlos Figueira da Silva TEOLOGIA DA INCLUSÃO – A trajetória das pessoas com deficiência na história do Cristianismo. Emilio Figueira. – São Paulo : Figueira Digital, 2015. ISBN: 978-85-911079-8-8 1. Teologia. 2. Cristianismo. 3. Inclusão. 4. Pessoas com deficiência É PROIBIDA A REPRODUÇÃO Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem permissão, por escrito, do autor. Os infratores serão punidos pela Lei no. 9.610/98. 3 SOBRE O AUTOR Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Mas nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo e personal coach com formação em Programão Neurolinguística . Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de cinquenta títulos lançados. Ator e autor de teatro. Várias entrevistas na mídia e em jornais. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira é professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Em seu site há vários artigos, crônicas, cursos e materiais gratuitos. acesse: www.emiliofigueira.com.br 4 “Deus me enviou ao mundo com uma deficiência já escalado para pesquisar, produzir conhecimento e ajudar na transformação de vidas de tantas outras pessoas com as mais variadas deficiências. Mas o que Deus não me contou é que eu iria de coadjuvante e espectador de tantas coisas positivas. De mudanças de mentalidades e atitudes. De ver crianças que hoje, mesmo com algum tipo de deficiência, estão começando a sua jornada neste mundo em uma realidade muito melhor do que aquela de quando comecei há quatro décadas”. A Deus, o principal motivo de ter nascido este trabalho! 5 AGRADECIMENTO A Deus, pela presença maravilhosa em todos os momentos da minha existência, pela força que tem me concedido, pela inteligência para terminar esta tese de Doutorado em Teologia, primeiros passos de uma longa caminhada. À minha família, presença sempre constante na minha vida. À minha grande amiga, Aninha Pina, que desde o começo me incentivou e acompanhou o processo deste estudo. Aos amigos e irmãos Helton Luiz Tavoni e Alan Rogério Moreli, por todos os nossos papos abertos. À amiga de infância e dos nossos primeiros de reabilitação na AACD, Deise Tomazin Barbosa, pelo prefácio desta obra. À amiga Ana Lúcia Sesso de Cerqueira César, pela revisão Ao querido amigo Joaquim Teles, companheiro de psicologia e psicanálise, troca de materiais e de tantas ideias e conselhos profissionais. Aos amigos Pr. Silas Costa e Pr. Rodnei Francisco Teixeira Ao historiador Otto Marques da Silva, que foi pioneiro em dar uma história oficial às pessoas com deficiência. À equipe da Rede Saci, em especial à amiga Ana Maria Barbosa e ao estagiário Felipe Salles Silva, por indicação de bibliografias. A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram na realização desta obra. Os meus sinceros agradecimentos. 6 SUMÁRIO AGRADECIMENTO ......................................................................................... 5 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15 I – O ANTIGO TESTAMENTO: AS QUESTÕES DAS DEFICIÊNCIAS NO PRÉ- CRISTIANISMO ............................................................................................ 23 NOÉ: O PRIMEIRO REGISTRO BÍBLICO DE UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ........... 24 A CEGUEIRA DE ISAQUE POR 80 ANOS ........................................................... 27 A DEFICIÊNCIA TEMPORÁRIA DE JACÓ EM DECORRÊNCIA DE UMA LUTA ESPIRITUAL ................................................................................................................. 31 LIA, DESPREZADA, MAS RECOMPENSADA POR DEUS ........................................ 34 MOISÉS: PROBLEMAS DE FALA E AUTOESTIMA ................................................ 36 AS CAUSAS DAS DEFICIÊNCIAS ORIUNDAS DE CASTIGOS ENTRE OS HEBREUS ....... 46 O MONTE SINAI E A QUESTÃO DA HANSENÍASE NA BÍBLIA ............................... 52 O CÓDIGO DE HAMURÁBI E A SEVERIDADE QUE INSPIROU OS HEBREUS ............. 58 REI ZEDEQUIAS, MAIS UM CASO DE CEGUEIRA COMO PUNIÇÃO .......................... 61 OLHOS DIREITOS FURADOS DOS HABITANTES DE JABES ................................... 69 ZACARIAS CASTIGADO POR NÃO TER ACREDITADO EM GABRIEL ........................ 71 MEFIBOSETE: O PRIMEIRO CASO DE INCLUSÃO VEM DA BÍBLIA ......................... 74 OS ESMOLANTES DA ANTIGA JUDEIA .............................................................. 79 A BUSCA DA CURA ........................................................................................ 80 A HANSENÍASE NO NOVO TESTAMENTO ......................................................... 86 A BAIXA ESTRUTURA DE ZAQUEU .................................................................. 92 III – CASTIGO E PECADO: PRINCIPAIS CONCEITOS BÍBLICOS SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS E MUDANÇAS DE MENTALIDADES ......... 98 DEFICIÊNCIA É FRUTO DO PECADO? ............................................................... 99 JESUS E O INÍCIO DA INCLUSÃO .................................................................... 106 O INCONSCIENTE COLETIVO E A DESCONSTRUÇÃO DOS ESTIGMAS RELIGIOSOS 112 A HISTORIOGRAFIA DE OTTO MARQUES DA SILVA......................................... 118 AS DEFICIÊNCIAS FÍSICAS COMO IMPEDIMENTO AO SACERDÓCIO CRISTÃO ........ 124 SACERDOTES QUE QUEBRARAM A REGRA ...................................................... 130 NICOLAU, AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS INTELECTUAIS E A INQUISIÇÃO ........ 133 7 RICHARD BAXTER, UM PASTOR ENTRE O MINISTÉRIO E SUAS ENFERMIDADES .. 144 O ASSISTENCIALISMO DOS JESUÍTAS EM TERRAS BRASILEIRAS ........................ 148 CATÓLICOS E PROTESTANTES SE UNEM CONTRA UMA “INQUISIÇÃO NAZISTA” NO SÉCULO XX ............................................................................................... 155 A IGREJA CATÓLICA E SUAS POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO ............................. 158 V – CAMINHOS PARA A INCLUSÃO RELIGIOSA HOJE ............................. 168 O PROTESTANTISMOPRECISA DESPERTAR PARA A QUESTÃO .......................... 168 IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, INCLUSIVE NA RELIGIÃO ............................. 173 BARREIRAS ARQUITETÔNICAS ERAM MOTIVOS DE EXCLUSÃO .......................... 176 “UMA TEOLOGIA DA DEFICIÊNCIA” .............................................................. 179 REFLEXÕES SOBRE A CONVIVÊNCIA PLENA NA RELIGIOSIDADE........................ 181 CONCLUSÕES ............................................................................................. 185 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 189 8 PREFÁCIO Deise Tomazin Barbosa* alar de Emilio Figueira sem tecer uma rede de elogios sobre seu trabalho é tarefa impossível de ser realizada. Grande mestre, brilhante doutor, amigo e companheiro desde a nossa infância na AACD, faz com que pessoas que estejam ao seu redor sintam orgulho em tê-lo como parceiro de luta. Eclético e muito perspicaz, Emilio Figueira impressiona com sua peculiaridade. Sua sapiência se traduz em seus escritos e seu legado está marcado em suas obras publicadas como “O Que é Educação Inclusiva”, “Conversando sobre Educação Inclusiva com a Família”, ”Caminhando em Silêncio”, “Introdução à Psicologia e Pessoas com Deficiência”, e mais de cinquenta títulos. ________________________ *Licenciada em Matemática e Pedagogia, Pós graduação lato sensu em Inteligência Multifocal e Psicanálise da Educação, Educação Especial Áreas da Deficiência intelectual, física, visual e auditiva (UNESP), Tecnologias da Informação e Comunicação Acessíveis (UFRGS), Psicopedagogia e MBA em Gerenciamento de Projetos (FGV). Mestre em Psicanálise e Educação Especial - UNESP. Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado, Libras, Braille e Sorobã. Tutora em curso de Pós graduação no curso de AEE (UNESP) e Tecnologia Assistiva (UFRGS). Assistente de Direção e Docente em Universidades públicas e particulares. Assessora e Consultora Pedagógica. Atuou na AACD como pedagoga e na Secretaria Municipal de São Paulo como professora itinerante de alunos com deficiência e formadora. F 9 A relação íntima com Deus e sua deficiência, fez com que o autor mantivesse o foco de seus estudos voltado ao desenvolvimento de uma sociedade humanitária e cristã. Não que fosse diferente se a deficiência não estivesse presente em sua vida, mas talvez a plenitude de suas obras não seria tão lógica não fosse sua trajetória humana. Sua deficiência fez com que passasse por momentos preconceituosos, porém, isso só o tornou mais convicto e determinado a buscar soluções para o trato com as pessoas com deficiência. Dotado de inteligência e capacidades que fogem ao nosso entendimento, Emílio sempre demonstrou grande paixão pelos estudos mantendo seu foco nas investigações históricas da pessoa com deficiência. Participar de alguns momentos formativos ao seu lado me deixa a vontade para tecer algumas linhas sobre essa grandiosa obra. A pesquisa se desenvolve em cinco partes, trazendo questões que tratam das deficiências do antigo ao novo testamento. Interessante reconhecer a visão de estudo que Emílio traz sobre a relação de castigo e pecado e do desenvolvimento da pessoa com deficiência no catolicismo, percorrendo caminhos que chegam à inclusão religiosa nos dias de hoje. Tais questões intensificaram o estudo por pesquisa bibliográfica baseada em referencial teórico demonstrando práticas transformatórias da evolução do ser humano com registros que contextualizam as passagens bíblicas, enaltecendo e abominando a deficiência e o impacto que o mundo cristão demonstra em relação à cura, pecado e castigo quebrando a prepotência e arrogância da divindade sobre o homem e tudo 10 mais que seja obscuro na visão histórica da passagem do deficiente pelo mundo cristão. Encontra-se nessa excelente obra, registros bíblicos de sacrifício e sacerdócio, impureza e pecado, pureza e castidade, defeito e perfeição. Partindo do pressuposto de que a linguagem do evangelho é uma fonte de referência na pacificação entre as pessoas e entre os povos, é possível se pensar na espiritualidade como um fator que promova a inclusão e não a exclusão, abrindo uma questão fundamental entre as comunidades religiosas que é a permissão da transformação de suas neuroses em direito à existência. Várias são as releituras realizadas sobre as escrituras sagradas, porém os critérios para sua interpretação são definidos por duas ciências: a Hermenêutica e a Exegese. Para que tal interpretação se torne correta é preciso que se apliquem essas “ferramentas” de forma consistente, diluindo os malefícios que uma má interpretação bíblica pode causar: discriminação, exclusão, preconceito. O preconceito é um juízo preconcebido, um desconhecimento pejorativo de uma pessoa ou grupo social e a discriminação é um comportamento de não aceitação. O preconceito para com as pessoas com deficiência vai desde acreditar que necessitam ser dependentes dos outros, são maus ajustados e infelizes, são "marcados" e menos inteligentes, são improdutivos, merecem compaixão e piedade, até acharem que estes estão sendo "punidos" por algum pecado. Se existe um lugar onde esse comportamento não deve ser aceito é a igreja, pois esta não deve estar alienada da sociedade e é o lugar onde a real prática dos princípios bíblicos como "Amar a 11 Deus de todo coração... amar ao próximo como a si mesmo..." (Marcos, 12:33) deve ser exercida. Ora, se a palavra de Deus deve estar ao alcance a todas as pessoas e Jesus foi inclusivo o tempo todo, constatação escrita no evangelho, por que então continuar pensando que a deficiência é uma doença e não uma condição? Coisa rara encontrar um deficiente que se lamente por causa da sua condição física. A limitação física, o estigma, a discriminação ao longo do tempo torna as pessoas resilientes. Sendo assim, natural se pensar que todos os cristãos são pessoas inclusivas, ou pelo menos, deveriam ser, porém não é o que se vê na sociedade contemporânea. Na obra Teologia da Inclusão, é possível se encontrar o processo religioso das pessoas com deficiência e a evolução da política inclusiva. A obra traz a interpretação bíblica através da Hermenêutica com o método analítico sintético a partir de uma consciência crítica dialética demonstrando as transformações reais da sociedade. Em termos metodológicos, foi desenvolvida uma pesquisa documental das escrituras e bibliográfica de textos que abordam o fenômeno apontado. O capítulo de abertura – O Antigo Testamento: As Questões das Deficiências no Pré-Cristianismo mostra a saga histórica do percurso do deficiente pela história da humanidade, fazendo um estudo sobre os registros de Noé, mostrando a cegueira de Isaac, a luta de Jacó, o desprezo de Lia e, pasmem com os problemas de fala de Moisés que afetaram por tempos sua autoestima. Em meio atos severos, punição, maldição, encontram- se pessoas que exercitam a justiça e a bondade de forma amorosa, sem se incomodar com valores e preconceitos determinados por seu tempo, sem se omitir de tal sentimento de nobreza. 12 No Seu Capítulo – milagres e uma nova visão da pessoa com deficiência no novo testamento, Emílio Figueira analisa e debate a visão transformadora de Paulo e a busca da cura através da fé. Estudiosos dos usos e costumes dos povos afirmavam que a medicina contida nos evangelhos e mesmo nos atos dos apóstolos aceitavam três tipos de causas para as doençase para as muitas limitações e deficiências que afligiam os homens: o castigo pelos pecados, a interferência dos maus espíritos e as forças más da natureza, contra os quais o poder divino era o único remédio. Está em pauta, agora, a identificação dos possíveis caminhos da cura dos deficientes: os milagres realizados por Jesus. De sua pesquisa, o autor conclui que o melhor é se tomar a mensagem de fundo: não estigmatizar e deixar de lado a questão da plausibilidade do fato. O autor em seu capítulo III – Castigo e Pecado: Principais Conceitos Bíblicos sobre Pessoas com Deficiências e Mudanças de Mentalidades deu destaque ao debate incansável sobre a deficiência como fruto do pecado. A deficiência era atribuída a uma magia hostil ou à violação de um tabu e era tarefa do sacerdote descobrir as causas e estabelecer a magia certa para eliminar o mal. A causa podia ser interpretada por erro ou pecado cometido pela pessoa contra a divindade e era exigida reparação adequada. A pesquisa confirma que as ações e percepções praticadas de maneira incorreta, desobediente, era considerada violação de mandamento divino, ou seja, pecado. O autor faz ainda realiza um estudo sobre a terminologia “Pecado”, nos mais diversos segmentos: Judaico, Cristã, Católico, Protestante (evangélico), atribuindo a deficiência, as doenças, as fatalidades como consequências diretas de pecados cometidos, como se fossem castigo. 13 Referindo-se a planejamento de estudo sobre as deficiências ao longo dos tempos, é preciso manter o foco sobre as igrejas que lutam para manter a fé cristã, o que Emílio Figueira faz brilhantemente em seu IV capítulo - O “Caminhar” da Pessoa com Deficiência dentro do Catolicismo. O “castigo de Deus” era decorrente de sua ira, enviando sinais ao povo como os problemas mentais e as malformações congênitas, o que na realidade, era consequência de uma sociedade sem conhecimentos científicos e medicinais. A falta de planejamento urbano abriu caminho para epidemias e doenças mais graves. Mas a visão do povo voltada à ira celeste entendia a deficiência como uma falta de capacidade para a vida, devendo ser excluído de tudo, pois não poderiam realizar nada com dignidade. Fechando a Coletânea, o capítulo V - Caminhos para a Inclusão Religiosa hoje - mostra a igualdade de oportunidade, até mesmo na religião. O autor dá conta de resultados de sua pesquisa sobre a passagem do deficiente nos atos religiosos indagando agora sobre outro problema contemporâneo: as barreiras arquitetônicas dos templos religiosos. No espaço de inovações/resistências às mudanças propostas/impostas, o autor rediscute o sentido de se manter pessoas com deficiências em nossos círculos de amizade a fim de quebrar mitos e preconceitos. Mostra que, ao ressignificar os laços de afetividade, paradigmas são quebrados permitindo que se possam ver as reais habilidades e capacidades das pessoas com deficiência, refletindo mais sobre a (re)construção de sua identidade nesse espaço de múltiplas tensões, e assim, compreender melhor, sua vida pessoal. Os leitores que compartilham preocupações relacionadas aos grandes desafios da inclusão, encontrarão na obra Teologia 14 da Inclusão, elementos significativos para a retomada e a discussão dos problemas em pauta. O autor, por sua vez, disponibiliza sua ferramenta investigativa e sua conclusão, abrindo-se ao debate, reequacionando as questões e adiantando hipóteses fecundas, aptas a sustentar novas buscas e novos projetos, de modo que a produção do conhecimento, nessa área, possa ter a necessária continuidade em busca de uma qualificada consolidação. 15 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br INTRODUÇÃO A TEOLOGIA DA INCLUSÃO COMO UM NOVO MINISTÉRIO “Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá.” 1 Timóteo 4:13 osso dizer que, mesmo antes de eu nascer, já tinha uma relação muito íntima com Deus. O primeiro grande milagre Dele na minha vida foi no meu nascimento. Foi um parto muito difícil, passaram-se muitas horas do momento de nascer, fui tirado à força. Mesmo assim, passei horas no balão de oxigênio lutando para viver. Deus me deu a vitória, mas deixou uma marca: paralisia cerebral, comprometendo minha fala e movimentos. Meus primeiros anos foram de inúmeros tratamentos e, por onze anos, praticamente todos eles dentro de uma instituição fechada. Quase ninguém acreditava em um futuro para uma pessoa nas minhas condições físicas. Deus decretou o contrário. Aos cinco anos de idade eu já estava alfabetizado. Recebi Dele o dom da escrita. Ainda muito novo nasceram os meus primeiros textos que deram origem a uma vasta e variada produção literária. P 16 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Deus me dotou também de uma paixão grande pelos estudos. Muitos cursos, descobertas em diversas áreas, desenvolvimento no jornalismo, na psicologia e na psicanálise. Toda essa minha inquietação levou-me para o universo das pesquisas, atuando em instituições renomadas e escrevendo quase noventa trabalhos científicos publicados no mundo todo. Foi uma caminhada de muitos obstáculos, de gigantescas montanhas, as quais Deus foi eliminando uma a uma. O meu principal foco sempre foram as questões das pessoas com deficiência, melhor qualidade de vida e sociedade humanitária que abrace a todos. Hoje, consideram-me uma das principais referências em Educação Inclusiva no Brasil. Deus me deu a graça de ser testemunha ocular, eu, que sou de uma época em que pessoas com deficiência viviam isoladas em instituições, assisto e contribuo com o meu trabalho, pesquisas e escrita para tantas mudanças positivas. Apaixonado principalmente pelas investigações históricas, já há uns vinte anos eu queria pesquisar sobre as pessoas com deficiência no Cristianismo. Minha intenção inicial era escrever um artigo de nove páginas. Só que eu era membro de uma igreja com bases fundamentalistas que não nos permitia estudar quaisquer outros livros religiosos, senão a Bíblia. Eu, mesmo tendo vontade de estudar mais sobre religião, respeitava os ensinamentos da igreja. Independente de ser certo ou errado, os 18 anos que permaneci ali foram fundamentais para o meu nascimento, desenvolvimento e aprendizagem espiritual. Pude participar de incontáveis momentos maravilhosos na presença de 17 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Deus. Assisti obras e milagres na vida de muitos e na minha própria vida. Eu continuava a guardar anotações e materiais sobre as pessoas com deficiência e o Cristianismo. Sabia que um dia teria que escrever algo a respeito. Até que, em 2010, sofri uma grande discriminação por minha deficiência dentro da igreja onde eu estava, inclusive por pessoas do alto ministério. Não cabe narrar esse triste fato aqui. Só que minha permanência naquela igreja se tornou insustentável. Saí de lá com ainda mais certeza de que teria que fazer alguma coisa para que outras pessoas com as mais variadas deficiências não sofressem discriminações nos meios cristãos, como eu sofri. Passei meses sem congregar em qualquer igreja. Até que, em 10 de abril de 2011, manhã de um domingo ensolarado, entrei pela primeira vez em uma Igreja Batista, vindo de uma denominação predominantemente fechada em si mesma. Estava com a cabeça cheia de dúvidas, inseguranças, coração machucado por discriminações religiosas sofridas. Mesmo machucado, eu tinha certezade que era exatamente como fui concebido por Deus e Ele me amava, apesar da minha deficiência motora. E, ao entrar por aquelas portas, sabia que jamais poderia me afastar daquele amor! Na Igreja Batista percebi logo de início que tudo era diferente. Senti amor, vi o sorriso no rosto das pessoas. Fui acolhido. Com humildade. Uma semana se passou e no outro domingo foi muito forte a vontade de voltar. A mesma vontade que começou a me mover naturalmente, cada vez mais, sendo envolvido, acolhido e fazendo parte dessa comunidade cristã. Ali 18 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br descobri um Deus amoroso, bondoso, Pai paciente... Um Deus como sempre procurei e no qual acreditei. Foi morrendo dentro de mim o Deus autoritário e punidor, com o qual convivi por muitos anos. Fui percebendo que a liberdade e expressão religiosa que eu procurava realmente existem. Que posso falar ou escrever abertamente as coisas de Deus, manifestar o meu amor por Ele. Crescia em mim a cada dia a vontade de estudar mais no campo teológico. Usar as linguagens de expressões que recebi como dom dos céus para escrever livros, contos, romances, teatro evangélico ou textos didáticos. Fascinou-me o modo de se pregar o evangelho em uma Igreja Batista tradicional. Eu, que vinha de uma igreja onde éramos até proibidos de ler livros religiosos, na Igreja Batista conheci a Bíblia empregada de forma didática, ensinada, estudada, discutida. Aulas aos domingos. Irmãos lendo outros autores e teólogos. Estudando, surpreendeu-me ver como o Novo Testamento fala de ensino, doutrina e exemplo. Jesus é chamado de mestre 42 vezes. As palavras relacionadas com ensino repetem-se mais de 175 vezes, quase sempre no sentido positivo. Só em 1 e 2 de Timóteo vemos mais de 50 referências de ensino, instrução, doutrina e exemplo, visando vidas mais consagradas e firmes no Senhor. A aprendizagem é o que orienta e motiva as outras três funções vitais e comunitárias da igreja local: Adoração, Comunhão e Evangelização. Enquanto na outra igreja era apenas mais um membro no banco, na Igreja batista eu fui incluído de imediato e, tempos depois, já tinha ministérios. Quis cada vez mais estudar e me aperfeiçoar como um Educador Cristão. Ao mesmo tempo, quis 19 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br estar cada vez mais preparado, orando continuamente para que o Senhor Jesus ilumine minha mente e eu possa dar sempre o melhor nos Ministérios e cargos que Ele tem confiado em minhas mãos para o crescimento de Sua igreja, honra e glória. Graças a essa abertura, em 2012, bacharelei-me em Teologia pela Instituto de Educação Teológica de São Paulo, com a monografia: Entre a cruz e a clínica: Do aconselhamento pastoral ao atendimento psicológico nas igrejas evangélicas como uma nova proposta de ministério. Intensifiquei minhas pesquisas e análises sobre as pessoas com deficiência no Cristianismo. Por já ter mestrado em Educação Inclusiva e doutorado em Psicanálise, essa mesma instituição aceitou-me em seu Doutorado em Teologia e, o que era para ser um artigo de nove páginas, hoje se materializa em uma tese, apontando para uma nova caminhada e ministério nas comunidades cristãs. Hoje entendo que Deus me dotou de inteligência, inúmeras capacidades e permitiu aquela discriminação na minha vida para me libertar, me capacitar teologicamente e me usar como um instrumento em Sua obra. Peço a Deus que o meu amor e relacionamento com todos os meus irmãos cresça cada vez mais e que eu esteja sempre preparado para atendê-los em suas necessidades. Sobretudo, peço principalmente ao Senhor Jesus que multiplique minha saúde e capacitação para que eu possa trabalhar pela Sua obra até meus últimos dias, convicto de que, tudo o que eu fizer, ainda será muito pouco diante de todo o bem que Ele sempre fez e fará por mim. E posso testificar esse amor. 20 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br *** Cabe aqui uma rápida explicação teórica e metodológica que foi utilizada na construção desta obra, fruto de minha tese de Doutorado em Teologia pela Instituto de Ensino Teológico de São Paulo, defendida em 27 de outubro de 2014. Sendo a função dos teólogos cristãos recorrer à exegese bíblica e à análise racional para entender, explicar, testar, criticar e defender o Cristianismo, testando a sua veracidade, comparando-o a outras tradições ou religiões, defendendo-o de críticos, corroborando qualquer reforma cristã, esta tese teve como base teórica a Teologia Histórica. Também conhecida como história da teologia ou história da doutrina, trata-se do ramo da teologia que busca investigar as circunstâncias históricas em que as ideias teológicas se desenvolveram ou foram especialmente formuladas. Uma investigação teológica que objetiva explorar o desenvolvimento histórico das doutrinas cristãs e identificar os fatores que influenciaram sua formulação, documenta as respostas às grandes questões do pensamento cristão e ao mesmo tempo procura explicar os fatores que contribuíram para a elaboração dessas respostas. Por um lado, é uma ferramenta pedagógica, tendo em vista que oferece informações sobre o desenvolvimento dos grandes temas teológicos, os pontos fortes e fracos das diferentes abordagens e os marcos mais notáveis do pensamento cristão, em termos de autores e documentos. Por outro lado, é uma ferramenta crítica, pois permite ver as falhas, as limitações e os condicionamentos de certas formulações doutrinárias, o que possibilita seu contínuo aperfeiçoamento. 21 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Junto com a Teologia Histórica, utilizei a Hermenêutica Bíblica, que estuda os princípios da interpretação da Bíblia como uma coleção de livros sagrados e divinamente inspirados, abrangendo a relação dialética que visa substancializar os significados dos textos bíblicos. A hermenêutica bíblica não deve se afastar do texto bíblico, bem como não se abstém da problemática inicial do hermeneuta. Seu principal objetivo é o de descobrir a intenção original do autor bíblico. No caso dos textos da Bíblia, o leitor, ao menos racionalmente, não tem acesso direto ao autor original. Por isso é necessário aplicar princípios da hermenêutica (a ciência da interpretação) ao texto bíblico. No Cristianismo, essa interpretação é estudada e obtida através da Exegese, também utilizada nesta tese. A exegese tem práticas implícitas e intuitivas, sendo os textos sagrados os primeiros dos quais se ocuparam os exegetas na tarefa de interpretar e dar seu significado. Por isso, o termo “exegese” significa, como interpretação, revelar o sentido de algo ligado ao mundo do humano, mas a prática se orientou no sentido de reservar a palavra para a interpretação dos textos bíblicos. Como metodologia, trabalhei com a pesquisa bibliográfica, que permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Sua vantagem aumenta ainda mais quando o problema da pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço, sendo indispensável nos estudos históricos; em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em dados bibliográficos. 22 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Esta pesquisa de caráter bibliográfico reuniu materiais (livros, artigos científicos, periódicos), obtidos já em um levantamentopreliminar em bibliotecas públicas e universitárias, em sítios científicos, por meio do meu acervo pessoal. Vale acentuar que, assim como qualquer outra modalidade de pesquisa, esta se desenvolveu ao longo de uma série de etapas. Na primeira fase, realizei a organização do material, já olhando para o conjunto de documentos de forma analítica, buscando averiguar trechos significativos dos documentos de acordo com o objetivo de investigação com leituras e fichamentos, ocorrendo algumas transcrições de trechos/dados utilizados posteriormente. Organizando o material e processando a leitura segundo critérios, utilizei o método analítico-sintético, unindo os anunciados do contexto principal referencial teórico (exposto no final desta obra) aos meus conhecimentos pessoais e observações. Na segunda fase, visando à compreensão do material coletado, trabalhei com o modo dialético, visando ser o ato de se conhecer a análise do processo de fenômeno um processo do conhecimento, realizada aquela a partir de uma consciência crítica, permitindo a elaboração de conceitos relativos às atividades do individuo e, portanto, estabelecendo previsões a respeito da transformação da realidade e da sociedade. 23 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br I – O ANTIGO TESTAMENTO: AS QUESTÕES DAS DEFICIÊNCIAS NO PRÉ-CRISTIANISMO Antigo Testamento é composto de 46 livros e constitui a primeira grande parte da Bíblia cristã e a totalidade da Bíblia hebraica, os primeiros cinco livros – os Livros da Lei (ou Torá). Entretanto, a tradição cristã divide o Antigo Testamento em outras partes e reordena os livros dividindo-os em categorias; Lei, história, poesia (ou livros de sabedoria) e Profecias. Muitos séculos antes de Cristo, escribas, sacerdotes, profetas, reis e poetas do povo hebreu mantiveram registros de sua história e de seu relacionamento com Deus. Esses registros tinham grande significado e importância em suas vidas e, por isso, foram copiados muitas e muitas vezes e passados de geração em geração. A Lei compreende os primeiros cinco livros. Já os Profetas incluem: Isaías, Jeremias, Ezequiel, os Doze Profetas Menores, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Os escritos reúnem o grande livro de poesia, os Salmos, além de Provérbios, Jó, Ester, Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Daniel, Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas. Os livros do Antigo Testamento foram escritos em longos pergaminhos confeccionados em pele de cabra e copiados cuidadosamente pelos escribas. Geralmente, cada um desses O 24 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br livros era escrito em um pergaminho separado; como a Lei ocupava espaço maior, foi escrita em dois grandes pergaminhos. O aramaico foi a língua original de algumas partes dos livros de Daniel e de Esdras. Hoje se tem conhecimento de que o pergaminho de Isaías é o mais remoto trecho do Antigo Testamento em hebraico. Estima-se que foi escrito durante o século II a.C. e, por isso, se assemelha muito ao pergaminho utilizado por Jesus na sinagoga, em Nazaré. Foi descoberto em 1947, juntamente com outros documentos, em uma caverna próxima ao Mar Morto. É no Antigo Testamento que iniciaremos a nossa saga de contar a história das pessoas com deficiência ao longo do Cristianismo! Noé: o primeiro registro bíblico de uma pessoa com deficiência Os primeiros cinco livros do Antigo Testamento estão repletos de regras e histórias. Inicia-se a Bíblia por Gênesis (nome que significa começo, origem ou criação), formando cinco pensamentos principais: 1 – O começo do mundo criado por Deus; 2 – O começo do homem como criatura de Deus; 3 – O começo do pecado, que entrou no mundo através da desobediência do homem; 4 – O começo da redenção, vista nas promessas e tipos do livro e da família escolhida; e 5 – O começo da condenação, vista na destruição e punição de indivíduos, cidades e mundos. 25 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br No contexto do livro de Gênesis encontraremos o nosso primeiro personagem: Noé ou Noach (do hebraico, “descanso, alívio, conforto”). De acordo com Moisés, autor desses primeiros cinco livros, Noé era filho de Lameque, que era filho de Matusalém, que era filho de Enoque, que era filho de Jarede, que era filho de Malalel, que era filho de Cainã ou Quenã, que era filho de Enos, que era filho de Sete, que era filho de Adão, que era filho de Deus. Era casado Noéma (ou Namá – Na’amah – cheia de beleza) com uma mulher cananita e seus três filhos mais conhecidos foram Sem, Cam (ou Cã) e Jafé. Noé é mencionado pela primeira vez no capítulo 5, versículo 29, encerrando com sua morte, capítulo 9, versículo 29, com 950 anos. O relato conta que Noé viveu em uma época em que as outras linhagens humanas (a partir dos descendentes de Caim e dos próprios parentes de Noé, provavelmente) mostraram-se corrompidas. O nascimento de Noé é descrito pela Bíblia em palavras muito breves. Seu pai Lameque já sentia que Noé veio ao mundo com uma missão especial dada por Deus, pois, por ocasião do nascimento do filho, declarou: “29A quem chamou Noé, dizendo: Este nos consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da terra que o Senhor amaldiçoou.” (Gn 5:29). A Bíblia não oferece mais detalhes sobre o nascimento e características físicas de Noé. No entanto, recorrendo a um documento escrito em linguagem “apocalíptica” (repleta de sinais) conhecido como “Livro de Enoque, O Profeta”, um trecho da obra diz: “Depois de algum tempo meu filho Matusalém escolheu uma esposa para seu filho Lameque. Ela engravidou e deu à luz uma criança cuja pele era branca como a neve e vermelha como rosa; 26 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br cujo cabelo era comprido e alvo como a lã e cujos olhos eram lindos. Quando os abriu iluminou toda a casa, como o sol; a casa ficou cheia de luz”. Enoque diz que Lameque, pai de Noé, ficou intrigado com a aparência do recém-nascido. Talvez até tenha duvidado da fidelidade de sua esposa. Foi procurar seu pai, Matusalém, a quem descreveu o menino, informando dentre outras coisas: “Parece o fruto dos anjos do céu; é de natureza diferente da nossa, sendo no todo diferente de nós”. (...) “Ele parece não ser meu, mas dos anjos”. Pelos relatos históricos, hoje podemos dizer que essas são características básicas de um albino. Noé devia realmente ser muito diferente dos primos, tios, avós e demais parentes, todos morenos e de olhos escuros. Foi uma diferença considerada problemática o suficiente para levar o avô Matusalém, já com 369 anos de idade, a empreender uma viagem longa e cansativa para procurar seu pai, o patriarca Enoque, bisavô do recém-nascido, retirado do mundo “nas extremidades da terra”. Enoque diz em seu livro que analisou a questão com a sabedoria de seus muitos anos de vidas. Possuidor de um misticismo nato e informado por seus alegados contatos diretos com Deus, tranquilizou Matusalém, que voltou sabendo que o bebê era, de fato, filho de Lameque, que ele deveria ser chamado de Noé (consolo da Terra) e, com isso, ser preparado para eventos que culminaram com o dilúvio, 600 anos após. 27 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br A obra Livro de Enoque, O Profeta1 comenta ainda que Lameque e sua esposa eram primos em primeiro grau, sendo “o tipo comum de consanguinidade em albinismo”.A cegueira de Isaque por 80 anos O grande patriarca hebreu Isaque talvez seja o homem que mais tempo viveu nessa deficiência. Seu nome é de origem hebraica e significa “ele sorri” ou “ele ri”. Descendente de Abraão e Sara, Isaque foi um dos três patriarcas do povo de Israel, junto com seu pai Abraão e seu filho Jacó. A história de Isaque começa a ser contada no capítulo 15 de Gênesis, quando, mesmo em idade avançada, o Senhor promete 1 Embora considerados uma obra apócrifa (do grego Apokryphos, significando oculto ou não autêntico), os escritos deste livro foram encontrados na primavera de 1947, quando um pastor árabe deixou cair um objeto perto das ruínas de Qumrán. Ao tentar recuperar o artefato, o religioso ficou surpreso ao se deparar com 20 grandes vasos dentro de uma espécie de câmara. Logo ele notou que seu objeto tinha quebrado um desses vasos, descobrindo que dentro deles havia vários rolos de pergaminho que traziam o conteúdo deste livro; assim eram descobertos os Manuscritos do Mar Morto. Eles apresentavam escrituras muito bem conservadas que, além de registrar todos os rituais e informações a respeito de um povo até então desconhecido, os essênios, traziam também vários evangelhos escritos por apóstolos que não tinham sido incluídos na Bíblia. Um desses pergaminhos guardava um texto incrivelmente interessante e revelador: O Livro de Enoque, o Profeta. Essa obra é de grande importância não somente em virtude da sua menção aos versículos 14 e 15 da epístola de Judas, mas também por ter sido citada por vários padres da Igreja Católica primitiva. Sabe-se que mais de 70 textos do livro de Enoque influenciaram não somente os diversos escritos do Novo Testamento como também as obras de Clemente de Alexandria, Tertuliano e Jerônimo. 28 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br um filho a Abrão. Sarai, sua esposa, não lhe dera filhos e, por isso, pediu que Abrão possuísse sua serva egípcia Agar, a fim de terem filhos por esse meio, nascendo uma criança de nome Ismael. A convivência entre eles não era agradável, o que ocasionou a partida de Agar e Ismael para outras terras. Ismael, embora filho de Abrão, não era o filho da promessa do Senhor. Quando Abrão atingiu 99 anos, apareceu o Senhor e mudou seu nome para Abraão e o de Sarai para Sara. Quando o Senhor disse que dentro de um ano lhe daria um filho, Abraão riu. O mesmo ocorreu com Sara quando recebeu a notícia, por estarem em idade avançada. O nascimento de Isaque está ligado ao riso e não apenas faz alusão ao sorriso de Abraão e de Sara, mas também pode ser uma oração implícita de que Deus sorrirá para o filho deles e será generoso com ele. Isaque protagonizou momentos marcantes do Antigo Testamento. Seu pai Abraão foi provado pelo Senhor quando Isaque ainda era criança, pedindo-lhe a sua vida como sacrifício: “E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.” (Gn 22:2). Tendo feito de acordo com o que o Senhor ordenou, pouco antes de sacrificar seu filho, um anjo bradou do céu e lhe disse: “Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho.” (Gn 22:12). Mais tarde, casou-se com uma linda jovem mesopotâmia, Rebeca, que lhe gerou dois filhos do sexo masculino somente 20 anos depois do casamento: Esaú e Jacó. Eram gêmeos, sendo Esaú o primogênito. Um homem rude, cheio de pelos no corpo e nas 29 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br mãos, tornou-se caçador, dedicado às atividades do campo e da guerra, enquanto Jacó era um homem simples e, como diz Gênesis, “habitante de tendas”. O pai preferia seu primogênito pelo que era e pelo que trazia das caçadas; Rebeca dedicava sua atenção e carinho a Jacó, protegendo-o sempre e mal imaginando que ele se transformaria no maior patriarca hebreu e que um dia receberia de Deus o nome de Israel (“o que luta com Deus”). Ao envelhecer e ficar cego, certamente isso foi peça fundamental para outra passagem bíblica. Sem enxergar, idoso, com suas faculdades debilitadas e preocupado com a possibilidade de morte iminente, Isaque chamou seu filho Esaú para ele apanhar alguma caça, a fim de receber sua bênção. “E aconteceu que, como Isaque envelheceu, e os seus olhos se escureceram, de maneira que não podia ver, chamou a Esaú, seu filho mais velho, e disse-lhe: Meu filho. E ele lhe disse: Eis-me aqui. E ele disse: Eis que já agora estou velho, e não sei o dia da minha morte; Agora, pois, toma as tuas armas, a tua aljava e o teu arco, e sai ao campo, e apanha para mim alguma caça. E faze-me um guisado saboroso, como eu gosto, e traze-mo, para que eu coma; para que minha alma te abençoe, antes que morra.” (Gn 27:1-4) 30 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Para entender a densidade desse fato é preciso entender que essa bênção paterna não era um mero palavrório, mas um ato de peso que conferia a herança de um clã ao abençoado pelo pai. E os envolvidos sabiam muito bem que, uma vez dada, essa bênção não poderia ser retirada nem transferida a outrem, pois vinha de Deus! Enquanto Esaú estava caçando, Jacó, depois de ouvir o conselho de sua mãe, enganou seu pai cego propositadamente, passando-se por Esaú, obtendo assim, a bênção de seu pai, de tal forma que Jacó tornou-se herdeiro principal de Isaque e Esaú foi deixado numa posição inferior. Isaque enviou Jacó à Mesopotâmia para escolher uma mulher de sua própria família. Depois de 20 anos trabalhando para Labão, Jacó voltou para casa e reconciliou- se com seu irmão gêmeo. Mais tarde Isaque explicaria a Esaú o engano e daria o veredito final: “Então respondeu Isaque a Esaú dizendo: Eis que o tenho posto por senhor sobre ti, e todos os seus irmãos lhe tenho dado por servos; e de trigo e de mosto o tenho fortalecido; que te farei, pois, agora, meu filho?” (Gn 27:37). Nem o fato de ser cego e de ter-se enganado devido à deficiência visual levou Isaque a mudar sua posição anteriormente assumida. Isaque viveu até os 180 anos de idade e dessa vida toda passou 80 anos na dependência de Rebeca e de seus criados. Ele foi o único patriarca bíblico que não deixou Canaã, o único que não teve o nome mudado e o patriarca de vida mais longa. 31 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br A deficiência temporária de Jacó em decorrência de uma luta espiritual Já vimos que Jacó, ao se passar pelo irmão para obter a bênção do pai, Isaque, entrou em pé de guerra com Esaú. Sua mãe o aconselhou a sair de casa, prometendo chamá-lo de volta quando o irmão se acalmasse. Jacó, com idade entre 76 e 78 anos aproximadamente, foi para Padã-Arã, região da atual Síria. Como um homem muito errado na fé, traiu seu irmão (Gênesis, 25:33), enganou o pai (Gênesis, 27:23), fugiu da ira do seu irmão (Gênesis, 27:41-44) e não teve boas relações com o sogro (Gênesis, 31). Mas Jacó tinha só um pensamento: vencer a qualquer custo, conseguir tudo que desejava. Morando em Padã-Arã, casou-se com duas jovens, Lia e Raquel. Após trabalhar 14 anos pelas esposas e mais seis anos pela família, Deus diz para retornar à sua terra. Ele parte com suas duas esposas, duas criadas, onze filhos, seus criados e respectivos rebanhos. Após fazer um pacto com Deus,que o ajudaria a voltar para a Terra Prometida são e salvo, já em viagem e rumando sul ao longo de uma rota que ficaria a leste do rio Jordão, a caravana chegou ao vale de Jaboque, um afluente do rio maior. Jacó tomou ciência de que o irmão estaria a caminho com um exército de 400 homens e resolveu então mandar a família atravessar o rio para ali ficar em comunhão com Deus e passar a noite à margem norte do afluente. Mais tarde, naquela mesma noite, sozinho na margem meridional do Jaboque, em meio a essa crise aparentemente 32 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br grave, Jacó demonstrou coragem em um dos episódios mais enigmáticos da Bíblia. Sozinho e na escuridão, viu-se lutando com um estranho misterioso (Gn 32:22-32): “E levantou-se aquela mesma noite, e tomou as suas duas mulheres, e as suas duas servas, e os seus onze filhos, e passou o vau de Jaboque. E tomou-os e fê-los passar o ribeiro; e fez passar tudo o que tinha. Jacó, porém, ficou só; e lutou com ele um homem, até que a alva subiu. E vendo este que não prevalecia contra ele, tocou a juntura de sua coxa, e se deslocou a juntura da coxa de Jacó, lutando com ele. E disse: Deixa-me ir, porque já a alva subiu. Porém ele disse: Não te deixarei ir, se não me abençoares. E disse-lhe: Qual é o teu nome? E ele disse: Jacó. Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste. E Jacó lhe perguntou, e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu nome. E disse: Por que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali. E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva. 33 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br E saiu-lhe o sol, quando passou a Peniel; e manquejava da sua coxa. Por isso os filhos de Israel não comem o nervo encolhido, que está sobre a juntura da coxa, até o dia de hoje; porquanto tocara a juntura da coxa de Jacó no nervo encolhido.” (Gn 32:22-32) Enquanto, no versículo 24, Jacó identifica a criatura como “um homem”, no versículo 28 fica claro que ele lutou com o próprio Deus. Jacó precisava dessa experiência marcante com Deus que o fizesse mudar radicalmente, para demovê-lo de seu orgulho e quebrar sua prepotência e hipocrisia. Podemos deduzir que o objetivo da luta era quebrantar Jacó, mostrando-lhe ser uma criatura sem forças em si mesma. Jacó tinha um “eu” muito forte que demandou de uma luta de uma noite inteira, quando ele se recusava a ceder. Essa experiência com Deus, Ranauro e Limeira da Sá (1999) assim analisam: “Isto é muito sério, pois muitos entendem que Deus não pode servir-se de coisas dessa natureza no trato com as pessoas. Mas Deus usou uma ‘deficiência’ para marcar Jacó, para mudar sua história, para lembrá-lo constantemente de que ele não deveria sentir-se autossuficiente. Pode Jacó sentir vitória e derrota numa única situação. Dessa vez a bênção era dele mesmo, não precisou ser roubada nem tramada, mas houve um preço: a luta e um sinal, a deficiência na coxa. Quando se agarrou desamparado, recebeu o direito que havia tentado comprar (Gn 27:23) e a bênção que havia tentado (Gn 27:23). De fato sua vida mudou a partir daí e 34 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br veio ele a constituir uma grande nação. Seu novo nome – Israel – significa “príncipe”. Príncipe não por sua força, mas por sua fraqueza, como também por sua perseverança. Parece que, tocando em sua aparência, em sua força física, Deus conseguiu tocar em seu ‘eu’ mais profundo. Crer na existência de um Deus-Pessoa, em um Deus pessoal, não implica crer que Ele pode, ainda hoje, agir assim com determinadas pessoas?” (pp. 72-73). Essa história fascinou gerações de judeus e cristãos. Matreiro, dúbio e às vezes amedrontado, o segundo filho de Isaque parecia um candidato improvável para incorporar e realização da promessa de Deus à nação de Israel. Notaremos, no Antigo Testamento e na tradição rabínica, que sua falibilidade humana foi, precisamente, o que ajudou a provar que a vontade de Deus, e não a iniciativa humana ou o mérito individual, foi a responsável por estabelecer os israelitas na Terra Prometida e moldar o destino da nação. Jacó retornou à terra de seus pais com 98 anos e ainda viu seu pai durante mais 22 anos, que morreu com 180 anos de idade, dez anos antes de Jacó ir ao Egito encontrar seu filho José. Jacó viveu 17 anos no Egito (Gn 47:28) e morreu com 147 anos. Lia, desprezada, mas recompensada por Deus Lia fora a primeira esposa de Jacó. A mais velha das duas filhas de Labão, ela não tinha a mesma beleza que sua irmã 35 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Raquel. Por isso, fora uma mulher que sentiu o desprezo do pai ao ser usada em benefício dele. Esse foi só o início do seu sofrimento. Lia era desprovida de beleza. Em versões mais recentes da Bíblia, ela é descrita como tendo um “olhar terno” e nenhum outro detalhe sobre sua aparência física, quando é apresentada em Gênesis 29:16-17. Entre teóricos e historiadores é debatido se o adjetivo “terno” foi usado para significar “delicado e suave” ou “fraco”. Algumas traduções indicam que “olhar terno” pode significar que Lia possuía olhos azuis ou claros. Na Bíblia vulgata essa dúvida se acentua ainda mais em Gênesis 29:17: “Lia tinha os olhos defeituosos e Raquel era bela de talhe e rosto”. Olhos defeituosos? A história dela é marcada pela falta de consideração, de amor, de apreço. Seu pai a usou para ter mais dinheiro. Lia se tornou esposa de Jacó através de uma artimanha de Labão, que a colocou no lugar de Raquel na noite de núpcias. Ao se casar, tinha um marido que não a amava. Depois, sua irmã casou-se com seu esposo, cujo amor era maior por essa (Gn 29:30). O desprezo era tanto que Deus teve compaixão de Lia e a fez mãe antes de Raquel. Gerou seis filhos e uma filha para Jacó, enquanto sua criada Zilpa deu-lhe mais dois filhos, que também eram contados como de Lia, antes que Raquel fosso capaz de ter seus próprios filhos. Essa é a prova de que Deus sabia do sofrimento de Lia e a colocou em posição de vantagem em relação a Raquel. O Senhor se mostrou no controle de todas as coisas ao conceder filhos a Lia, deixou claro que, mesmo que Jacó não a amasse, Ele a amava, cuidava e ajudava a passar pelos sofrimentos. 36 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Moisés: problemas de fala e autoestima O segundo livro da Bíblia, Êxodo, significando saída, ou partida, tem como palavra-chave a redenção demonstrada pela libertação do um povo escolhido, liberto de uma situação angustiante, a escravidão egípcia. O interessante é que o autor e personagem principal de Êxodo era Moisés, vítima de um sério e perturbador distúrbio da comunicação, que alguns estudos históricos apontam como uma acentuada gagueira, que afetou profundamente sua autoestima. No começo de sua história, Moisés, personagem predominante do Antigo Testamento, era tímido, humilde, buscando ficar na obscuridade. Mas foi justamente uma pessoa com essas características que Deus escolheu para uma grande obra. O problema de sua fala deve ter-se agravado em um momento de forte tensão em que ele, morando no deserto por muitos anos, decidiu levar seu rebanho ao monte Horeb para pastar. No meio da noite calma viu uma grande touceira de sarçapegando fogo, mas sem queimar. Aproximando-se com cautela, ouviu uma voz. Era o próprio Deus, chamando-o para a grande missão de vida: tirar os hebreus do Egito e conduzi-los à Terra Prometida. Parte desse diálogo, em Êxodo 4, acentua bem a sua deficiência e como Deus começou a instruir Moisés em sua futura missão: 37 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br “Então disse Moisés ao Senhor: Ah, meu Senhor! eu não sou homem eloquente, nem de ontem nem de anteontem, nem ainda desde que tens falado ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de língua. E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor? Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar. Ele, porém, disse: Ah, meu Senhor! Envia pela mão daquele a quem tu hás de enviar. Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, e disse: Não é Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que ele falará muito bem; e eis que ele também sai ao teu encontro; e, vendo-te, se alegrará em seu coração. E tu lhe falarás, e porás as palavras na sua boca; e eu serei com a tua boca, e com a dele, ensinando-vos o que haveis de fazer. E ele falará por ti ao povo; e acontecerá que ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus. Toma, pois, esta vara na tua mão, com que farás os sinais.” (Ex 4:10-17) A reação de Moisés, naquele momento, foi no mínimo cuidadosa ao dizer: “Ele, porém, disse: Ah, meu Senhor! Envia pela 38 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br mão daquele a quem tu hás de enviar.” (Ex 4:13), sendo o verdadeiro sentido dessa frase no hebraico “envia outra pessoa”. Ele preferiu enfatizar a sua deficiência, não se atentando ao poder de Deus. Quando o Senhor disse em “ser a sua boca”, poderia livrá- lo da sua dificuldade de dicção ou mesmo usá-lo, a despeito dela. As desculpas de Moisés nos demonstram, a princípio, sua falta de autoconfiança e uma fé momentânea. Ranauro e Lima de Sá (1999) acentuam que, “quando Deus comprometeu-se a ser com sua boca, não estava assumindo a responsabilidade de livrá-lo da dificuldade. Apesar dela, ressaltaríamos, Deus o havia escolhido. Na perspectiva de Deus, essa deficiência poderia até mesmo ter um propósito, ou simplesmente não interferiria naquilo a que Ele o destinara. Na narrativa bíblica, encontramos Deus tentando fazer com que Moisés levantasse seus olhos para ver a amplitude do significado de existência de pessoas com dificuldades semelhantes, e até maiores, o que está dentro da administração do Deus-Criador” (pp. 75-76). Deus contra-argumentou com o seguinte e forte questionamento: “E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” (Ex 4:11). O Senhor procurou encorajá-lo também por outros meios para enfrentar os desafios que se punham à sua frente, ou seja, os líderes hebreus e a corte do faraó, chegando a demonstrar que Ele estaria efetivamente ao seu lado. Moisés, cônscio de suas limitações quanto à desenvoltura em falar, levou Deus a indicar uma solução: o irmão de Moisés, Arão, seria seu companheiro de todas as horas, tanto para convencer os líderes hebreus quanto para falar ao faraó nas horas 39 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br aprazadas. Arão foi vital para o sucesso de todo o ambicioso projeto, uma vez que os planos, os comentários, as novas ações e providências, e mesmo os novos argumentos diferentes eram transmitidos por Deus a Moisés e este os repassava a Arão. Por sua vez, este não dispensava nunca a carismática presença de Moisés e tudo transmitia ao faraó e sua corte, aos líderes hebreus e ao povo, tendo desempenhado essa missão por muitos anos. Foram várias as tentativas frustradas de tirar o povo de uma escravidão cada vez mais opressora, levando Moisés a se queixar com Deus: “Moisés, porém, falou perante o Senhor, dizendo: Eis que os filhos de Israel não me têm ouvido; como, pois, Faraó me ouvirá? Também eu sou incircunciso de lábios.” (Ex 6:12). Deus continuou com a mesma orientação operacional até então adotada, indicando Arão mais uma vez como o seu porta-voz. Tudo o que se sabe a seu respeito está na Torá, ou Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia), e em algumas referências espalhadas pelo Antigo Testamento, sem nenhum registro primário fora das escrituras. Foi a personalidade de Moisés que uniu Israel através de sua história, exercendo uma variedade única de papéis: legislador, chefe militar e político, profeta e fundador de uma religião de estado. Ele é o profeta mais importante do Judaísmo, igualmente reconhecido pelo Cristianismo e Islamismo, assim como em outras religiões, sendo considerado um grande profeta pelos muçulmanos. É o grande libertador dos hebreus, tido por eles como seu principal legislador e mais importante líder religioso. A Bíblia também o destaca: “E era o homem Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra.” (Nm 12:3). 40 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Mesmo com sua deficiência funcional de ordem bastante grave, Moisés assumiu o papel que foi a ele indicado e conseguiu sair-se bem da missão, com a ajuda permanente de seu irmão Arão e foi, sem dúvida, uma das mais fortes figuras de toda a história dos hebreus. Pessoas excluídas dos sacrifícios ou sacerdócio Os antigos hebreus (etnônimo possivelmente oriundo do termo hebraico Éber, significando “descendentes do patriarca bíblico Éber”) foram um povo semítico da região do antigo corredor sírio-palestino, localizado no Oriente Médio. O etnônimo também foi utilizado a partir do período romano para se referir aos judeus, um grupo étnico e religioso de ascendência hebraica. Acredita-se que, originalmente, os hebreus chamavam a si mesmos de israelitas, embora esse termo tenha caído em desuso após a segunda metade do século X a.C. Os hebreus falavam uma língua semítica da família cananeia, à qual se referiam pelo nome de “língua de Canaã” (Isaías 19:18). Esse povo, apagado pela grandeza de estados muito maiores, tecnologicamente avançados e mais importantes politicamente, foi responsável, contudo, pela composição de alguns dos livros que compõem a Bíblia, obra considerada sagrada por religiões ocidentais e orientais. Será no contexto desse povo antigo que descobriremos os primeiros registros de um olhar diferenciado no qual tanto a doença crônica quanto a deficiência física ou intelectual, e mesmo qualquer deformação, por menor que fosse, indicavam um grau de 41 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br impureza ou de pecado. Início de uma visão cultural que ainda ressoa nos dias atuais. Em Levítico, terceiro livro da Bíblia, parte do Pentateuco, sua autoria, tradicionalmente atribuída a Moisés, contém a Lei dos sacerdotes da Tribo de Levi, a tribo de Israel que foi escolhida para exercer a função sacerdotal no meio do seu povo. Nesse conjunto de normas e orientações para os sacerdotes, chegou a ser determinado por Moisés, capítulo 21: “Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum defeito, se chegará a oferecer o pão do seu Deus. Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membrosdemasiadamente compridos, Ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, Ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado. Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus. Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do santo. 42 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, porquanto defeito há nele, para que não profane os meus santuários; porque eu sou o Senhor que os santifico.” (Lv 21:16-23) Imediatamente após o êxodo do Egito, foi dada essa ordem a Moisés: “Santifica-me todo o primogênito, o que abrir toda a madre entre os filhos de Israel, de homens e de animais; porque meu é.” (Ex 13:2). Endossando isso, no tratado de Bechorot – a terceira mais longa das seis Ordens da Mishná, que aborda na sua maioria o serviço religioso no Templo de Jerusalém, os Korbanot ou “oferendas sacrificiais” e outros assuntos considerados ou relacionados a essas “Coisas Sagradas” –, são citados oito tipos de defeitos, inclusive a falta de orelhas, seu tamanho ou formato defeituoso, como impedimento para os serviços do templo. Uma importante obra paralela à Bíblia, História dos Hebreus2, do historiador Flávio Josefo, confirma essa 2 A obra História dos Hebreus é outra fonte segura de pesquisa que temos paralela à Bíblia. Tendo atravessado séculos até os nossos dias, a história do povo judeu permanece como um fiel relato dos acontecimentos contidos nas escrituras. Esse livro traz a história de personagens dos evangelhos e de Atos dos Apóstolos, tais como Pilatos, os Agripas e os Herodes, e inúmeros pormenores do mundo greco-romano. Seu autor, Flávio Josefo, foi um historiador e apologista judaico-romano, descendente de uma linhagem de importantes sacerdotes e reis, que registrou in loco a destruição de Jerusalém, pelas tropas do imperador romano Vespasiano, comandadas por seu filho Tito, futuro imperador. As obras de Josefo fornecem um importante panorama, abordando a história judaica, principalmente o período que marcou a segunda maior tragédia dos filhos de Abraão – a destruição do santo templo no ano 70 de nossa era. Uma confirmação das promessas de Deus para o seu povo e o cumprimento de sua palavra em todos os fatos registrados em suas páginas. 43 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br determinação. No capítulo 10, sobre a lei que se refere aos sacrifícios, aos sacerdotes, às festas e outras solenidades, tanto civis quanto políticas, ele destaca: “Se entre os sacerdotes houvesse algum defeito corporal, ser-lhe-ia permitido estar com os demais, mas não poderia subir ao altar ou entrar no Templo. Eram obrigados a ser puros e castos não somente quando celebravam o serviço divino, mas em todo o resto de sua vida” (2004, p. 140). Mais adiante, capítulo 15, sobre as diversas outras observações legais do sumo sacerdote, Josefo revela como deveriam ser tratados aqueles que não podiam exercer tais cargos por terem deficiência: “Os que eram de família sacerdotal e não podiam exercer o sacerdócio, porque eram cegos, ficavam com os que estavam puros e não tinham nenhum defeito corporal. Recebiam a mesma porção que os levitas, que serviam no altar, mas estavam vestidos como os leigos, porque só aos que exerciam o serviço divino era permitido usar o hábito sacerdotal” (2004, p. 1.340). Muitas vezes era até providencial uma deformidade para que a pessoa não viesse a ter um sacerdócio no futuro, conforme se encontra no livro décimo quarto, capítulos 23, 24, 25 e 26, Antiguidades judaicas, Parte I: “Esses bárbaros não se contentaram de saquear a cidade, devastaram também os campos, destruíram Marissa e não somente fizeram Antígono rei, mas entregaram-lhe Hircano e Fazael, acorrentados. Ele mandou cortar as orelhas ao primeiro, a fim de que, sobrevindo alguma mudança, ele fosse tido como incapaz de exercer o sumo sacerdócio, porque nossas leis proíbem conceder-se essa honra aos que têm algum defeito corporal” (JOSEFO, 2004, p. 1044). 44 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Vemos na Bíblia que existem doze defeitos físicos aparentes, qualquer um dos quais desqualifica um sacerdote para o desempenho de suas funções (Lev. 21:16-23). Só que a “Halachá” (nome do conjunto de leis da religião judaica, incluindo os 613 mandamentos que constam na Torá e os posteriores mandamentos rabínicos e talmúdicos relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver judaico) aumenta essa lista para 142, o que achamos desnecessário reproduzir aqui. Os defeitos físicos que desqualificam um animal para o sacrifício também são enumerados em Levítico, 22: “Nenhuma coisa em que haja defeito oferecereis, porque não seria aceita em vosso favor. E, quando alguém oferecer sacrifício pacífico ao Senhor, separando dos bois ou das ovelhas um voto, ou oferta voluntária, sem defeito será, para que seja aceito; nenhum defeito haverá nele. O cego, ou quebrado, ou aleijado, o verrugoso, ou sarnoso, ou cheio de impigens, estes não oferecereis ao Senhor, e deles não poreis oferta queimada ao Senhor sobre o altar. Porém boi, ou gado miúdo, comprido ou curto de membros, poderás oferecer por oferta voluntária, mas por voto não será aceito. O machucado, ou moído, ou despedaçado, ou cortado, não oferecereis ao Senhor; não fareis isto na vossa terra. 45 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Também da mão do estrangeiro nenhum alimento oferecereis ao vosso Deus, de todas estas coisas, pois a sua corrupção está nelas; defeito nelas há; não serão aceitas em vosso favor.” (Lv 22:20-25) Tais defeitos são aumentados para 73 na Lei Rabínica, escritos rabínicos ao longo da história do Judaísmo, literatura da era talmúdica, em oposição à literatura rabínica medieval e moderna. Um defeito temporário desqualifica um sacerdote para sua função e um animal, para o sacrifício, apenas pelo tempo que durar. Consultando o verbete “defeito” da Enciclopédia Judaica (Jewish Encyclopedia, publicada entre 1901 e 1906 por Funk e Wagnalls, contendo cerca de 15.000 artigos em 12 volumes sobre a história dos judeus e do Judaísmo, hoje de domínio público), lemos o seguinte: “Defeito (Heb. mum) – Termo bíblico referente a um defeito físico ou ritual, que excluía uma pessoa do serviço do templo e tornava um animal impróprio para ser sacrificado”. Segundo a Lei Rabínica, por exemplo, um defeito físico do marido ou da mulher pode, em certas circunstâncias, até invalidar um contrato de casamento. De volta à Bíblia, o livro Levítico é contundente quanto aos homens com deficiências físicas, afirmando isso taxativamente, conforme destaque do capítulo 21: “Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus. 46 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do santo. Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, porquanto defeito há nele, para que não profane os meus santuários; porqueeu sou o Senhor que os santifico.” (Lv 21:21-23) As causas das deficiências oriundas de castigos entre os hebreus No contexto da história do povo hebreu, além das deficiências ou das deformações consideradas como consequências diretas de pecados ou de crimes, tais como a cegueira, a surdez, a paralisia, por exemplo, havia aquelas provenientes de acidentes, de agressões, de participação em lutas armadas contra inimigos do povo e as punições previstas em lei. Outras eram provenientes de marcas da própria escravidão: orelha ou nariz cortado, dedos ou a mão, olhos vazados. No quinto livro da Bíblia, Deuteronômio (palavra grega que significa “segunda lei” ou “lei repetida”), Moisés escreve as últimas palavras semelhantemente entregues durante os últimos sete dias de sua vida, não uma repetição da lei, mas sim uma aplicação dela em vista das novas condições que Israel encontraria em Canaã e devido à sua desobediência anterior. Moisés tinha nesses escritos o objetivo de levar Israel à 47 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br obediência, encorajamento e advertência. Deuteronômio é uma espécie de testamento do velho Moisés às bordas da Terra Prometida. Nele, capítulo 25, encontramos um castigo severo (amputação da mão) para um procedimento considerado altamente pecaminoso por parte da mulher: “Quando pelejarem dois homens, um contra o outro, e a mulher de um chegar para livrar a seu marido da mão do que o fere, e ela estender a sua mão, e lhe pegar pelas suas vergonhas, Então cortar-lhe-ás a mão; não a poupará o teu olho.” (Dt 25:11-12) Os castigos ou penas por faltas contra as leis de Deus e mesmo de Israel eram por vezes muito cruéis e de caráter extremo. Eles correspondiam a alguma necessidade da época em que foram estabelecidos. O próprio Moisés elaborou muitos deles; no capítulo 13 do livro que disserta sobre os adoradores de outros deuses, “Para que todo o Israel o ouça e o tema, e não torne a fazer semelhante maldade no meio de ti.” (Dt 13:11). Dureza que também é repetida nas palavras de Moisés com relação à criação de filhos em Deuteronômio, 21: “Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando- o eles, lhes não der ouvidos, 48 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá.” (Dt 21:18-21) Maldições sem fim são indicadas para os que não seguiam os preceitos e uma delas está em Deuteronômio, 28: “Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus, para não cuidares em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos, que hoje te ordeno, então virão sobre ti todas estas maldições, e te alcançarão: (Dt 28:15) (...) O Senhor te ferirá com loucura, e com cegueira, e com pasmo de coração; E apalparás ao meio-dia, como o cego apalpa na escuridão, e não prosperarás nos teus caminhos; porém somente serás oprimido e roubado todos os dias, e não haverá quem te salve.” (Dt 28:28-29). 49 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br O livro de Juízes, que trata da história dos israelitas entre a conquista da terra de Canaã no final da vida de Josué até o estabelecimento do primeiro reinado, em seu contexto procurava levar o povo hebreu a melhor conhecer seus grandes heróis, tais como Otoniel, Aod, Baraque, Débora, Gideão, Jefté e Sansão, personagens que libertaram o povo da opressão constante dos inimigos e tentaram fazer com que esse mesmo povo observasse as leis estabelecidas. Juízes nos relata fatos que demonstram claramente que, na luta pela segurança do povo hebreu, às vezes era indispensável “passar a fio de espada” todos os homens aprisionados. No entanto, em Juízes 1, existe o relato de um caso de evidente “desencorajamento” permanente aos ataques aos hebreus, num severo castigo aplicado a um líder cananeu por uma das tribos de Judá: “E sucedeu, depois da morte de Josué, que os filhos de Israel perguntaram ao Senhor, dizendo: Quem dentre nós primeiro subirá aos cananeus, para pelejar contra eles? E disse o Senhor: Judá subirá; eis que entreguei esta terra na sua mão. Então disse Judá a Simeão, seu irmão: Sobe comigo à minha herança. E pelejemos contra os cananeus, e também eu contigo subirei à tua herança. E Simeão partiu com ele. E subiu Judá, e o Senhor lhe entregou na sua mão os cananeus e os perizeus; e feriram deles, em Bezeque, a dez mil homens. 50 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br E acharam Adoni-Bezeque em Bezeque, e pelejaram contra ele; e feriram aos cananeus e aos perizeus. Porém Adoni-Bezeque fugiu, mas o seguiram, e prenderam- no e cortaram-lhe os dedos polegares das mãos e dos pés. Então disse Adoni-Bezeque: Setenta reis, com os dedos polegares das mãos e dos pés cortados, apanhavam as migalhas debaixo da minha mesa; assim como eu fiz, assim Deus me pagou. E levaram-no a Jerusalém, e morreu ali. E os filhos de Judá pelejaram contra Jerusalém, e tomando- a, feriram-na ao fio da espada; e puseram fogo na cidade.” (Jz 1:1-8) Castigo violento também ocorreu com Sansão. Sua descrição na Bíblia hebraica corresponde a um homem nazireu, filho de Manoá, nascido de mãe estéril (Juízes 13:2) e que liderou os israelitas contra os filisteus. Ele era da tribo de Dã e foi o décimo terceiro juiz de Israel, sucedendo a Abdon. Sansão foi juiz do povo de Israel por vinte anos, aproximadamente de 1177 a.C. a 1157 a.C. Distinguia-se por ter uma força sobre-humana que, segundo a Bíblia, era-lhe fornecida pelo Espírito do Senhor enquanto se mantivesse obediente ao senhor dos Exércitos. Subjugava facilmente seus inimigos e produzia feitos inalcançáveis por homens comuns, como rasgar um leão novo ao meio, enfrentar um exército inteiro e matar uma multidão de filisteus (depois de descobrir que foi enganado) para pegar suas roupas, pagando uma aposta. De acordo com Juízes 16, Sansão apaixonou-se por Dalila, uma mulher do povo filisteu, a qual o traiu entregando-o aos chefes de sua nação: 51 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira www.emiliofigueira.com.br “E descobriu-lhe todo o seu coração, e disse-lhe: Nunca passou navalha pela minha cabeça, porque sou nazireu de Deus desde o ventre de minha mãe; se viesse a ser rapado, ir- se-ia de mim a minha força, e me enfraqueceria, e seria como qualquer outro homem. Vendo, pois, Dalila que já lhe descobrira todo o seu coração, mandou chamar os príncipes dos filisteus, dizendo: Subi esta vez, porque agora me descobriu ele todo o seu coração. E os príncipes dos filisteus subiram a ter com ela, trazendo com eles o dinheiro. Então ela o fez dormir sobre os seus joelhos, e chamou a um homem, e rapou-lhe as sete tranças do cabelo de sua cabeça; e começou a afligi-lo, e retirou-se dele a sua força. E disse ela: Os filisteus vêm sobre ti, Sansão. E despertou ele do seu sono, e disse: Sairei ainda esta vez como dantes, e me sacudirei. Porque ele não sabia que já o Senhor se tinha retirado dele. Então os filisteus pegaram nele, e arrancaram-lhe
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